PERDÃO DA LEI Nº 38-A/2023 DE 2 DE AGOSTO
CRIME DE ROUBO SIMPLES
Sumário

(da responsabilidade da relatora):
I. Na interpretação das normas jurídicas o argumento literal não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, sendo o texto o ponto de partida da interpretação, quando o sentido para que nos remete não seja paradoxal.
II. O crime de roubo simples previsto pelo artigo 210.º/1 do Código Penal não se pode ter como estando excecionado nem pela alínea b), nem pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
II. Tal formulação permite, pelo contrário, afirmar que o crime de roubo agravado previsto no artigo 210.º/2 Código Penal, está excepcionado em ambas as normas: na alínea b) com referência expressa e na alínea g) por força da remissão, ali operada.
III. A correcta interpretação da ditas vai no sentido de que o legislador não pretendeu excepcionar o crime de roubo simples do âmbito da aplicação da Lei 38-A/2023: na alínea b) do artigo 7.º apenas se menciona o crime de roubo do artigo 210.º/2, não se podendo entender que o crime de roubo simples esteve na mente do legislador, quando previu a alínea g).
IV. Se o legislador quisesse excluir da aplicação da dita Lei o crime de roubo, quer o simples, do n.º 1, quer o agravado, do n.º 2 (do artigo 210.º do CP), bastaria na referida alínea b) do artigo 7.º, em vez de referir apenas e só, o roubo do artigo 210.º/2, fazer, menção ao roubo do artigo 210.º Código Penal.
V. Nenhum sentido útil faz excluir da aplicação da Lei o crime de roubo agravado do artigo 210.º/2 através da formulação da alínea b) e fazer excluir o crime de roubo simples do artigo 210.º/1 através da sua inclusão na previsão da alínea g).

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Por despacho de 19-09-2023 decidiu-se ser inaplicável ao arguido AA, com os demais sinais dos autos, o perdão previsto na Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto à pena única de 3 anos e três meses de prisão que lhe fora aplicada pelo cometimento de três crimes de roubo simples, dois na forma tentada e um na forma consumada.
2. Inconformado, recorreu o arguido pedindo a revogação do despacho supra referido e a substituição por outro que declarando a aplicabilidade do perdão de um ano ao arguido no âmbito dos presentes autos.
Rematou o corpo da motivação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
“A) O Recorrente, em 1 de Setembro do corrente, veio requerer que o Tribunal a quo declarasse perdoado um ano da pena de três anos e três meses de prisão efectiva em que foi condenado, nos termos do disposto nos arts. 2º nº 1 e 3º nº 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
B) O Despacho recorrido indeferiu tal pretensão, com fundamento no facto de o Arguido ter sido condenado pela prática de crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 201º, nº 1 , na forma tentada e consumada e que "...consagra o disposto no art.º 7 atinente às exceções à aplicação da Lei, designadamente a al. g), que não beneficiam do perdão e da amnistia os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º-A do CPP. ", impondo-se "...trazer à colação o conceito de vítimas especialmente vulneráveis - nos termos do disposto no nº 3 do mencionado art.º 67°-A, as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, para efeitos da definição do conceito constante do nº 1, ai. b). Ora, dita o disposto no art.º 1º do CPP que criminalidade violenta é aquela que resulta de condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos. É o caso do crime em apreço. ", concluindo a Meritíssima Juiz a quo " ...que o roubo se integra na exclusão normativa quanto à aplicação da Lei.".
C) Contudo, a Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, na alínea b) i) do seu art.º 7°, exclui expressamente o crime de roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal (roubo agravado).
D) Portanto, considera o Arguido que não foi intenção do legislador excluir do âmbito do perdão de penas todos os crimes subsumíveis ao conceito de criminalidade violenta e especialmente violenta, atentas as disposições constantes dos arts. 67-A nºs 1 alínea b) e 3 e 1º alíneas í) e g), ambos do Código de Processo Penal, o que interpretado a contrario resultará que o roubo simples e o roubo na forma tentada estarão abrangidos no perdão previsto naquele normativo legal.
E) É entendimento do Arguido, atento ao vertido na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/l.ª: "Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação.", que o legislador pretendeu excluir a criminalidade especialmente violenta, mas nem todos os crimes que integram o conceito de criminalidade violenta.
F) Ainda no que respeita à referência na alínea g) às vítimas especialmente vulneráveis, poderemos legitimamente interpretar, salvaguardando o devido respeito por diverso entendimento, que a remissão é feita para a alínea b) do nº 1 do art.º 67-A do C.P.P. não se compreendendo a maioria das alíneas do art.º 7 da Lei da Amnistia, ao contemplar expressamente situações que estariam excepcionadas pela alínea g), se a remissão abrangesse, igualmente, o nº 3 daquela disposição legal.
G) Na Decisão proferida pelo Tribunal a quo verifica-se um erro de interpretação na norma constante do art.º 7.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, ao afirmar-se que "Impõe-se, desta feita trazer à colação o conceito de vítimas especialmente vulneráveis - nos termos do disposto no nº 3 do mencionado art.º 67º-A, as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, para efeitos da definição do conceito constante do nº 1, al. b). ";
H) E, consequentemente, uma violação da lei substantiva, devendo tal Decisão ser substituída por outra que declare a aplicabilidade do perdão de um ano ao Arguido, no âmbito dos presentes autos.
I) O Acórdão que condenou o Arguido, na pena única de 3 anos e 3 meses, não considerou as vítimas especialmente vulneráveis;
J) O Tribunal a quo, no Despacho ora em apreço, não fez uma correcta interpretação do disposto no art.º 7º, alíneas b) i) e g), da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, bem como dos nºs 1 alínea b) e 3 do art.º 67º-A e as alíneas f) e g) do art.º 1º, do CPP, considerando o Arguido que esta última disposição não tem aqui aplicação;
K) Pelo que tal Decisão ser substituída por outra que declare a aplicabilidade do perdão de um ano ao Arguido, no âmbito dos presentes autos.
(…)”
3. Na resposta defendeu o MP não merecer qualquer censura o despacho recorrido.
4. Subidos os autos a este Tribunal a Digna Procuradora Geral Adjunta acompanhou a argumentação constante da resposta ao recurso em 1ª Instância e pugnou pela respectiva improcedência.
5. Cumprido que foi o estatuído no artigo 417.º/2 CPP, o arguido reiterou a aplicabilidade do perdão à pena que lhe foi aplicada.
6. No exame preliminar a relatora deixou exarado o entendimento de que nada obstava ao conhecimento dos recursos, que, por sua vez, haviam sido admitidos com o regime de subida adequado.
7. Seguiram-se os vistos legais.
8. Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.
*
II. Fundamentação
1. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º/2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).
Assim, a questão suscitada e a decidir nos presentes é única e exclusivamente a de saber se ao crime de roubo simples, p.p. no artigo 210.º/1 do CP é aplicável o perdão previsto na Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
2. Para melhor enquadramento do recurso cumpre referir o seguinte.
2.1. Por acórdão proferido em 1.ª Instância e confirmado por esta Relação decidiu-se:
“A) Absolver o arguido BB relativamente à prática, em co-autoria, de dois crimes de roubo na forma tentada, p.p. pelos arts. 23.º, 73.º e 210.º, n.º 1, todos do Cód. Penal;
B) Absolver o arguido AA, relativamente à prática, em co-autoria, de um crime de roubo, p.p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Cód. Penal;
C) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, p.p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
D) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo na forma tentada, p.p. pelos arts. 23.º, 73.º e 210.º, n.º 1, todos do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão para cada um dos crimes;
E) Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, a que é feita menção em C) e D), condenar o arguido AA na pena única de 3 ano e 3 meses de prisão.”
2.2. Veio, depois, o arguido requerer que lhe fosse aplicado o perdão referido na Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
2.3. Relativamente a este requerimento foi proferida a decisão recorrida, que se passa a transcrever:
“O arguido veio requerer a aplicação da Lei 38-A/2023, de 2.8, à pena que oportunamente lhe foi fixada.
O MP pronunciou-se pelo indeferimento da pretensão do arguido, conforme argumentário esgrimico (sic) na tomada de posição que antecede.
Cumpre, então, apreciar e decidir sobre a aplicabilidade da Lei 38-A/2023 de 2 de agosto à pena única aplicada nos autos.
À data da prática dos factos o arguido tinha idade inferior a 30 anos de idade, pois nasceu em 1.3.1998 e todos os factos foram cometidos antes do dia 19 de junho de 2023.
Todas as penas de prisão aplicadas são inferiores a oito anos.
Porém, sucede que o arguido foi condenado pela prática de crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 201º, nº 1 na forma tentada e consumada.
Ora, consagra o disposto no art.º 7º, atinente às exceções à aplicação da Lei, designadamente a al. g), que não beneficiam do perdão e da amnistia os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º-A do CPP.
Impõe-se, desta feita. trazer à colação o conceito de vítimas especialmente vulneráveis - nos termos do disposto no nº 3 do mencionado art.º 67º-A, as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, para efeitos da definição do conceito constante do nº 1, al. b).
Ora, dita o disposto no art.º 1º do CPP que criminalidade violenta é aquela que resulta de condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos. É o caso do crime em apreço.
Temos, pois, que o roubo se integra na exclusão normativa quanto à aplicação da Lei.
Desta feita, em cumprimento da lei 38-A/2023 de 2.08, determino a inaplicabilidade da Lei 38-A/2023, de 2.8, ao caso sub judice.”
3. Apreciando a questão que aqui se prende com a interpretação e articulação das normas conjugadas contidas nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Norma que sob a epígrafe de “excepções” dispõe que,
“1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:
a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por:
i) Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.º e 136.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro;
ii) Crimes de violência doméstica e de maus-tratos, previstos nos artigos 152.º e 152.º -A do Código Penal;
iii) Crimes de ofensa à integridade física grave, de mutilação genital feminina, de tráfico de órgãos humanos e de ofensa à integridade física qualificada, previstos nos artigos 144.º, 144.º -A, 144.º -B e na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º do Código Penal;
iv) Crimes de coação, perseguição, casamento forçado, sequestro, escravidão, tráfico de pessoas, rapto e tomada de reféns, previstos nos artigos 154.º a 154.º -B e 158.º a 162.º do Código Penal;
v) Crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º -B do Código Penal;
b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados:
i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;
ii) Por crime de extorsão, previsto no artigo 223.º do Código Penal
c) No âmbito dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, os condenados por crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência e de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo na forma grave, previstos nos artigos 240.º, 243.º e 244.º do Código Penal;
d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por:
i) Crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, de incêndio florestal, danos contra a natureza e de poluição, previstos nos artigos 272.º, 274.º, 278.º e 279.º do Código Penal;
ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal;
iii) Crime de associação criminosa, previsto no artigo 299.º do Código Penal;
e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os condenados por:
i) Crimes contra a soberania nacional e contra a realização do Estado de direito, previstos nas secções I e II do capítulo I do título V do livro II do Código Penal, incluindo o crime de tráfico de influência, previsto no artigo 335.º do Código Penal;
ii) Crimes de evasão e de motim de presos, previstos nos artigos 352.º e 354.º do Código Penal;
iii) Crime de branqueamento, previsto no artigo 368.º -A do Código Penal;
iv) Crimes de corrupção, previstos nos artigos 372.º a 374.º do Código Penal;
v) Crimes de peculato e de participação económica em negócio, previstos nos artigos 375.º e 377.º do Código Penal;
f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por:
i) Crimes de terrorismo, previstos na lei de combate ao terrorismo, aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto;
ii) Crimes previstos nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, que cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no setor privado, dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003;
iii) Crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 10.º -A, 11.º e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, que estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva;
iv) Crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado e de fraude na obtenção de crédito, previstos nos artigos 36.º, 37.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, que altera o regime em vigor em matéria de infrações antieconómicas e contra a saúde pública;
v) Crimes previstos nos artigos 36.º e 37.º do Código de Justiça Militar, aprovado em anexo à Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro;
vi) Crime de tráfico e mediação de armas, previsto no artigo 87.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições;
vii) Crimes previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime;
viii) Crime de auxílio à imigração ilegal, previsto no artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional;
ix) Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
x) Crimes previstos nos artigos 27.º a 34.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;
g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º -A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro;
h) Os condenados por crimes praticados enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas, designadamente aqueles previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções;
i) Os condenados em pena relativamente indeterminada;
j) Os reincidentes;
k) Os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena;
l) Os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
2 - As medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções.
3 - A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.”
No que ao caso releva estamos então perante um regime jurídico donde resulta que não beneficiam do perdão e da amnistia;
- no âmbito dos crimes contra o património, os condenados por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;
- os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.
A questão aqui suscitada prende-se, então, em saber se o arguido condenado pelo crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CP beneficia, ou não, do perdão concedido pela referida Lei.
O arguido defende que sim, sendo que na decisão recorrida, com o aplauso do MP se decidiu que não.
Esta questão tem já suscitando acesa controvérsia nos Tribunais de 2.ª instância, onde se evidencia uma inequívoca divisão, entre os que entendem que, ao caso:
- se aplica a mencionada alínea g) e, por isso não tem lugar o perdão ao crime ao roubo do artigo 210.º/1 e,
- outros quem entendem que se aplica, uma vez que a referida alínea b) apenas exclui o crime de roubo do artigo 210.º/2.
Começou este tribunal por entender no acórdão de 28/11/2023, no processo n.º 7102/18.5P8LSB-A.L1 – este como os demais, sem outra referência, consultados no site da dgsi – ainda que, com um voto de vencido, que, “está excluído do benefício do perdão previsto na Lei 38-A/20023, de 2 de agosto, o crime de roubo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo artigo 210.º/1 CPenal, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da Lei”.
Entendimento que veio a ser secundado no acórdão de 14/12/2023, no processo n.º 27/22.1PJLRS-B.L1, se decidiu que,
“(…) II - O crime de roubo, previsto no n.º 1 do artigo 210.º do Código Penal, é qualificado, nos termos do disposto no artigo 1.º alínea l) CPPenal, como criminalidade especialmente violenta.
III - Do texto da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, decorre que o legislador excepcionou a aplicação da amnistia e perdão aos condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e “vítimas especialmente vulneráveis” nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal.
IV - Presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º/3 do Código Civil) a conclusão a retirar é que estarão também abrangidas as vítimas cuja especial vulnerabilidade decorre da classificação legal dos crimes praticados, como integrando “criminalidade violenta” ou “criminalidade especialmente violenta”, nos termos do artigo 1.º alínea j) e l) e 67.º-A/3, CPPenal, incluindo-se, assim, na exceção consagrada na alínea g) do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, o crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CPenal.”
Ou ainda no ac. 23/01/2024, no proc. n.º 2913/18.4PBLSB.L2-5, também com voto de vencido:
“1 – O art.º 7.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 38/2023, de 2 de agosto exceciona da aplicação do perdão os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e “vítimas especialmente vulneráveis”, nos termos do art.º 67.º A do Código de Processo Penal, incluindo-se nessa exceção o crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal.
2- Tal exceção, que não comporta tratamento diverso de quem se encontra em situação idêntica – art.º 13.º da CRP -, é explicável por razões de política criminal, ponderando a gravidade das condutas criminais praticadas contra “vítimas especialmente vulneráveis”.
Quando, sempre neste Tribunal, no acórdão de 06/12/2023, no processo 2436/03.6PULSB, curiosamente, na sequência de recurso interposto pelo MP que defendia a tese de que o crime de roubo simples não está excluído do âmbito de aplicação da LAJMJ., consultável em https://jurisprudencia.pt/acordao/219913/ se entendeu que,
“(…) em face da redacção dada ao artigo 7.º/1 alíneas b) e g) da Lei 38-A/23, visto o processo de discussão política que esteve na base da referida opção legislativa, resulta que o legislador quis que os condenados por crime de roubo (simples), p. e p. pelo n.º 1 do artigo 210.º CPenal, beneficiassem da aplicação do perdão de pena ali previsto”.
Igualmente, entendendo que se aplica o perdão ao crime de roubo previsto no artigo 210.º/1 Código Penal voltou a decidir este Tribunal no acórdão de 23/01/2024, no processo 179/04.2PBLSB, ainda que com uma declaração de voto, referente à parte em o acórdão em causa refere que o crime de roubo não integra o conceito de criminalidade violenta.
Por sua vez, a RG por acórdão de 23/01/2024, no processo 1153/16.1PCBRG-B.G1, (jurisprudência.pt), decidiu, também, com um voto de vencido, é certo, que o arguido condenado pelo crime de roubo do n.º 1 do artigo 210.º Código Penal está abrangido pela Lei 38-A/2023 e, assim, nos termos do disposto nos artigos 2.º/1, 3.º/1 e 8.º/1 da mesma Lei, beneficia de um ano de perdão.
Neste sentido mencionam-se ainda os acs. da RG de 20/02/2024, nos procs. n.º 135/22.9PBVCT. G1 e 546/21.7GAVNF.G1.
No dia 23/01/2024 no mesmo TRG, no processo 5310/19.0JAPRT-AI.G1, de que foi relatora a juíza que ali votou vencido, sufragou o entendimento que “Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da referida Lei.”
No Tribunal da Relação do Porto, sufragando a tese da exclusão, é de referir os acs. de 10/01/2024, proc.º n.º 485/20.9T8VCD.P2 e o ac. 17-1-2024, proc.º n.º 379/19.0PAVFR.
No mesmo Tribunal defendeu-se a aplicabilidade do perdão ao crime do roubo no ac. de 24-1-2024, proc.º n.º 614/15.4GBAGD-C.P1,
“I- A condenação por crime de roubo na sua forma simples, previsto e punido nos termos do art.º 210º/1 do Cód. Penal, não se mostra excluída da aplicação do perdão previsto na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto.
(…)”
Atentemos, então, nas consabidas regras da interpretação das normas jurídicas – que é, afinal, o que aqui está em causa.
Em termos de regras de interpretação, dispõe o artigo 9.º/1 do Código Civil, que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos jurídicos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Por outro lado, dispõe o n.º 2 da mesma norma que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” - cf. n.º 3 da mesma norma.
Na interpretação das normas jurídicas, o argumento literal, não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, na tarefa, por vezes árdua, de procurar o sentido da norma querido pelo legislador.
O texto é o ponto de partida da interpretação, quando o sentido para que nos remete não seja paradoxal.
Por um lado, apresenta-se com uma função negativa traduzida na de eliminação daqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
E por outro, com uma função positiva, nos seguintes termos:
“primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador;
quando, como é de regra, as normas, fórmulas legislativas, comportam mais que um significado, então a função positiva do texto produz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis; e que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita; ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto, nem sempre exacto, de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento” - cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, 2000, 182.
A interpretação tem como escopo fundamental a determinação da chamada “voluntas legislatoris”.
Para tanto o intérprete deve socorrer-se de 2 elementos distintos:
- o elemento gramatical - o texto da lei e,
- o elemento lógico – o espírito da mesma lei.
Se se deve começar pela análise do elemento gramatical, o mesmo não pode bastar, como da mesma forma não basta o elemento lógico. Nenhum deles, de resto, se basta a si próprio na tarefa de interpretação.
Na análise do elemento gramatical o intérprete começará por determinar o significado verbal das expressões usadas – segundo os critérios linguísticos, a conexão dos vários termos e períodos e concluirá por arrancar de todo esse aglomerado de palavras, um ou vários sentidos.
Na hipótese de o texto admitir apenas um sentido, devemos reputá-lo, em princípio, como tradutor da verdadeira vontade real do legislador.
No entanto, as mais das vezes o texto da lei comporta, desde logo, mais do que um sentido.
Há que recorrer, então ao elemento lógico, que permite corrigir, esclarecer ou consolidar as sugestões dadas pelo texto legal ou que permite vencer os obstáculos criados pelo texto das normas mais obscuras.
O elemento lógico tem a ver com a razão de ser da lei, com os motivos que a devem ter determinado e tem em devida conta a sua conexão com outras normas jurídicas e obriga muitas vezes a recorrer aos próprios princípios que estão na base de todo o sistema jurídico.
O elemento lógico subdivide-se em 3 elementos distintos: o racional, o sistemático e o histórico.
O racional consiste na razão de ser da lei, na ratio legis, no fim para que a norma foi promulgada e ainda nos motivos históricos e nas circunstâncias exteriores que a determinaram – occasio legis.
O elemento sistemático ao qual o intérprete deve recorrer, importa o não perder de vista o facto de que nenhuma disposição legal constitui uma regra isolada dentro do sistema jurídico. Relaciona-se sempre com as outras normas afins e paralelas, sobretudo com as que se integram no mesmo instituto, ou com as que regulam problemas logicamente relacionados.
O elemento histórico tem por objecto as diversas leis que versado sobre a mesma matéria, hajam vigorado antes da disposição, cujo sentido se procura determinar, bem como os trabalhos em que se tenha inspirado o legislador e os diversos elementos – projectos, actas, relatórios, comentários, relativos à elaboração da lei.
Ainda a propósito desta matéria, acerca da Lei de amnistia, 29/99, decidiu o STJ através do acórdão de 25 de Outubro de 2001, fixar jurisprudência no sentido de que “a alínea d) do artigo 7.º da Lei 29/99 abrange os crimes puníveis com pena de prisão não superior a 1 ano, com ou sem multa complementar, com exclusão dos cometidos através da comunicação social”.
Acórdão onde depois de se fazer uma incursão histórica desde o período da monarquia absoluta e do Estado de polícia, passando pelo Estado de direito liberal se chegou ao Estado de direito social e democrático ao actual texto da CRP.
Que dispõe hoje que “compete à Assembleia da República (...) conceder amnistias e perdões genéricos” - artigo 161.º, alínea f) - competindo ao Presidente da República “na prática de actos próprios (...) indultar e comutar penas, ouvido o Governo” - artigo 134.º, alínea f).
Deste acórdão passamos transcrever, pela sua importância para o caso concreto, o seguinte excerto da fundamentação:
“(…) em ambos os casos fica derrogado o sistema legal punitivo; daí o intitular-se, por vezes, o regime das medidas de graça como um jus non puniendi. O direito de graça é, no seu sentido global e abrangente, «a contraface do direito de punir estadual» (Figueiredo Dias, Direito Penal ..., parte geral II, 1993, 685.
Sucede ainda que o direito de graça subverte princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, sendo por muitos consideradas tais medidas como instituições espúrias que neutralizam e até contradizem as finalidades que o direito criminal se propõe.
Razão pela qual aquele direito é necessariamente considerado um direito de «excepção», revestindo-se de «excepcionais» todas as normas que o enformam.
É pela natureza excepcional de tais normas que elas «não comportam aplicação analógica» - artigo 11.º do Código Civil - sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação extensiva ou restritiva, «devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas» (v. a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 272, p. 111 - «a amnistia, na medida em que constitui providência de excepção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas» -, de 6 de Maio de 1987, Tribuna da Justiça, Julho de 1987, p. 30 - «O STJ sempre tem entendido que as leis de amnistia, como providências de excepção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» -, de 30 de Junho de 1976, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138 - «A aplicação da amnistia deve fazer-se sempre nos estritos limites da lei que a concede, de modo a evitar que vá atingir, na sua incidência como facto penal extintivo, outra ou outras condutas susceptíveis de procedimento criminal» -, de 26 de Junho de 1997, processo n.º 284/97, 3.ª Secção - «As leis de amnistia como leis de clemência devem ser interpretadas nos termos em que estão redigidas, não consentindo interpretações extensivas e muito menos analógicas» -, de 15 de Maio de 1997, processo n.º 36/97, 3.ª Secção - «A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições» -, de 13 de Outubro de 1999, processo n.º 984/99, 3.ª Secção, de 29 de Junho de 2000, processo n.º 121/2000, 5.ª Secção, e de 7 de Dezembro de 2000, processo n.º 2748/2000, 5.ª Secção, para mencionar apenas os mais recentes).
Sendo, assim, insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que «não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo» - Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Coimbra, 1978, p. 147. Na interpretação declarativa «o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo» - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, 185.
Toda a fonte necessita de interpretação, para que revele a regra que encerra. A norma ora em discussão não constitui excepção a esse princípio, do que é apanágio o resultado diverso e contraditório a que chegaram os acórdãos recorrido e fundamento do presente recurso, não vigorando aqui o velho aforismo in claris non est interpretativo”.
Do que vem de ser dito, da leitura necessariamente conjugada e articulada das ditas normas, de conteúdo mais que claro e indubitável – apesar de tudo - decisivo surge aqui a operação da sua articulação conjugada, de forma a permitir determinar, da respectiva formulação, qual o seu efectivo e pretendido conteúdo – para além da questão da mera semântica – em vista, primeiro, da sua aplicação prática e, depois, no controlo objectivo na sua aplicação individualizada e concreta.
Cremos bem que o crime de roubo simples previsto pelo artigo 210.º/1 do Código Penal não se pode ter como estando excecionado nem pela alínea b) – ninguém o defende - nem pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º, a traduzir um vazio, uma não questão, uma omissão por parte do legislador.
E esta formulação permite, desde logo, pelo contrário, afirmar que já o crime de roubo agravado previsto no artigo 210.º/2 Código Penal, estaria excepcionado em ambas as normas. Na alínea b) com referência expressa e na alínea g) por força da remissão, ali operada (para quem defende que o roubo simples ali se enquadra, da mesma forma, não pode deixar de entender que também o roubo agravado, por igualdade de razão).
O que evidencia que algo está errado.
O entendimento que anunciamos é o que resulta expresso, desde logo, na referida alínea b), onde apenas se menciona o crime de roubo do artigo 210.º/2.
E, daqui, que não se pode entender que o crime de roubo simples esteve na mente do legislador, quando previu a alínea g), donde não pode ter sido sua intenção excepcioná-lo da aplicação deste regime legal.
Há que interpretar conjugada e articuladamente estas duas disposições, dando conteúdo útil a uma e a outra e fazendo a respectiva articulação pática.
Vejamos então.
Como parece, desde logo, evidente, se o legislador quisesse excluir da aplicação da Lei o crime de roubo, quer o simples, do n.º 1, quer o agravado, do n.º 2, bastaria na referida alínea b), em vez de referir apenas e só, o roubo do artigo 210.º/2, fazer, menção ao roubo do artigo 210.º Código Penal.
E esta conclusão parece-nos absolutamente linear e lógica - se essa fosse a intenção do legislador.
Nenhum sentido útil faz excluir da aplicação da Lei o crime de roubo agravado do artigo 210.º/2 através da formulação da alínea b) e fazer excluir o crime de roubo simples do artigo 210.º/1 através da sua inclusão na rebuscada e trabalhosa, previsão da alínea g).
Não terá esta intenção, esta possibilidade, sequer, estado na previsão do legislador, no que seria uma forma de legislar que ilidiria, de forma rotunda e definitiva, a presunção de que o legislador consagra as soluções mais acertadas e sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Até porque a alínea b) surge, cronologicamente, antes da alínea g), donde a ser como pretende a decisão recorrida, primeiro o legislador começou por excluir o crime de roubo agravado e só depois o crime de roubo simples. Desprezando a possibilidade e oportunidade de o fazer em simultâneo, sem distinção - que afinal se não justificaria – na mesma norma, na mesma ocasião.
Resta a questão de tentar perscrutar porque não o fez de uma vez, só numa norma, só na alínea b).
A única resposta razoável é porque não o quis fazer. Porque não quis prever, de todo, a exclusão do roubo simples do artigo 210.º/1 da aplicação da Lei. Ao contrário do que pretendeu relativamente ao crime de roubo agravado do n.º 2 do artigo 210.º.
Que sentido faz cindir o crime de roubo simples do crime de roubo agravado, se não estivesse presente uma assumida diferença de tratamento? Cremos que nenhuma, seguramente, pelo menos, no sentido sufragado na decisão recorrida.
Se a solução era a mesma, as razões não poderiam deixar de, igualmente, ser coincidentes e, por isso plasmadas na formulação de uma só norma legal - onde se previsse, simplesmente, o crime de roubo. Sem necessidade de especificar, sequer, que era o simples e o agravado.
A solução para que propendemos será a que resulta, desde logo, da letra da lei, sendo a única que articulando ambas as normas, não faz com que a da alínea b) não tenha qualquer sentido útil.
E que, da alínea g) não contenha uma duplicação de previsão, através da necessária inclusão, ali, também do roubo do artigo 210.º/2, a par da inclusão na antecedente alínea b). Um tão, ostensivo, quanto, desnecessário, caso de concurso de previsão de normas, no que ao crime de roubo do n.º 2 se reporta.
Porque afinal o crime de roubo agravado do n.º 2 do artigo 210.º estaria previsto, na referida alínea g) globalmente, aqui, com o crime de roubo simples do n.º 1 do artigo 210.º.
Mas ainda que assim se não entendesse, do mero exame literal do texto de ambas as alíneas; ainda que se entendesse não ser segura a solução dos problemas suscitados com a sua interpretação; ainda que se entendesse que sendo o elemento literal, pelo menos, ambíguo; ainda que se entendesse que da conjugação das duas normas podem resultar, pelo menos, as duas acepções já explanadas supra e que se encontram em oposição, então, o recurso aos demais elementos de interpretação, já mencionados, apresentar-se-ia como determinante.
E daqui sai reforçado (para quem entenda que já resulta do texto), ou afirmado (para quem entenda que não) o mesmo entendimento.
Por que razão havia o legislador de abordar o roubo agravado, como roubo do artigo 210.º/2 - isto é chamando pelo nomen iuris - e em relação ao crime de roubo simples, do artigo 210.º/1, o havia de prever da forma, não só indirecta, mas mesmo, labiríntica como fez? Através da formulação constante das alíneas g) - os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro. Para, depois, como se refere no despacho recorrido, ser necessário trazer à colação o conceito de vítimas especialmente vulneráveis.
Nos termos do disposto no n.º 3 do mencionado artigo 67.º-A, as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, para efeitos da definição do conceito constante do n.º 1 alínea b), ditando, ainda, o artigo 1.º do CPP que criminalidade violenta é aquela que resulta de condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos. É o caso do crime em apreço.
O entendimento que vimos defendendo será, ainda, o único que, decisivamente, respeita da mesma forma o espírito da lei.
Com efeito, da reconstituição do processo legislativo, de forma à apreensão quer do pensamento quer da vontade do legislador, que se faz nos acórdãos, supra citados, deste Tribunal de 28/11/2023 e de 06/12/2023, resulta, absolutamente claro, evidente, inequívoco, incontornável que o legislador não quis excluir da aplicação da Lei os condenados por crimes de roubo na previsão do n.º 1 do artigo 210.º.
O que se terá pretendido, expressamente, como referido na Exposição de Motivos da Lei, foi excluir da sua aplicação a criminalidade muito grave.
Onde consta “(…) Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina.
Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação.
(…)”.

Só assim se explica que o legislador tenha destrinçado, em alíneas substancialmente diferentes, crimes objectivamente graves, assentes no respectivo tipo legal com molduras penais mais elevadas.
A confusão, a controvérsia, a polémica, agora geradas resultam do pouco cuidado e menor atenção, ainda assim, que se concedeu na formulação do texto final, não se tendo atentado que com a formulação da alínea g) se estaria a criar um “caldeirão”, onde caberia, no que ao caso aqui releva, o roubo do n.º 2, já anteriormente, de forma expressa constante da alínea b). E, assim, a contrariar, de forma necessária e directa, a pensada, debatida e assumida intenção traduzida na formulação da referida alínea b).
Com o resultado final, como se diz no voto de vencido aposto no citado acórdão deste Tribunal de 28.11.2023 e na fundamentação do, também citado acórdão da RG de 23.1.2024, a traduzir a ideia de que se estava a “fazer entrar pela janela o que afinal não se quis deixar entrar pela porta”. Que, dizemos nós, já estava aberta com a referida alínea b).
Ou seja, a exclusão do crime de roubo simples do artigo 210.º/1 não entrava pela porta aberta pela alínea b) e entraria pela janela de oportunidade, que afinal constitui a alínea g).
O legislador não inclui o crime de roubo simples ao lado do roubo agravado, entendeu mesmo especificar, concretizar e distinguir um do outro.
Se lhes quisesse dar o mesmo tratamento, seria, apenas e tão só, na alínea b) crime de roubo do artigo 210.º Código Penal, sem qualquer distinção, que aqui seria, sempre, artificial, tendo presente o resultado final.
Não inclui num primeiro momento, onde faria todo o sentido incluir e, vem a incluir depois, de forma completamente, fora do contexto e da lógica da sistematização da Lei, através de uma diversa formulação, com rebuscadas remissões, ainda assim.
Quando nesta segunda formulação caberia sempre o roubo agravado do n.º 2, que já estava contido expressamente na alínea b).
Se o legislador deixou de fora, deliberadamente, o n.º 1 do artigo 210.º na formulação da alínea b) não se compreende que depois o pretendesse incluir na previsão da alínea g).
Perante as mesmas razões, naturalmente, que o procedimento não poderia ser diferente.
O legislador não incluiu o roubo simples na referida alínea b). E se não o fez, quando podia tê-lo feito e no sítio onde, aliás, até seria mais lógico de um ponto de vista da sistemática da norma fazê-lo, não faz sentido afirmar-se que, afinal, o legislador o quis incluir na previsão da alínea g).
Apesar da formulação desta norma – onde recorde-se tanto cabe o roubo do n.º 1, como o do n.º 2 – cremos não ser permitido afirmar que o legislador quis abranger o roubo simples na alínea g).
Isto depois de o não ter incluído na alínea b) onde claramente, se afirma estar excluído apenas o roubo do n.º 2.
E, voltamos a citar o mencionado acórdão de fixação de jurisprudência onde se refere que, “a tal propósito, no Tratado de Direito Civil de ENNECCERUS, que continua a ser um texto modelar, se declara que a interpretação tem de partir do teor verbal da lei, o qual há-de ser posto a claro «tendo em conta as regras da gramática e designadamente o uso (corrente) da linguagem», tomando, porém, em particular consideração também os «modos de expressão técnico-jurídicos.»
Acrescenta, todavia, que além do teor verbal hão-de ser considerados «a coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos» (ou seja, a interpretação lógico-sistemática), assim como «a situação que se verificava anteriormente à lei e toda a evolução histórica», bem assim «a história da génese do preceito», que resulta particularmente dos trabalhos preparatórios, e finalmente o «fim particular da lei ou do preceito em singular» (ou seja, a interpretação teleológica) - cf. Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 3.ª ed., p. 111.”
Visto o elemento literal, o elemento gramatical, não pode deixar de permitir, de exigir, a conclusão de que o crime de roubo simples – ao contrário do crime de roubo agravado - não foi expressamente excluído do perdão.
Se o legislador quisesse dar o mesmo tratamento ao crime de roubo simples que deu ao crime de roubo agravado, tê-lo-ia feito da mesma forma, expressa, para aquele o que fez para este.
O elemento racional.
Tudo indica, pelos trabalhos preparatórios, pela discussão no seio Comissão Parlamentar e ainda da Exposição de Motivos da proposta legislativa, que o legislador não quis, de todo, excluir o crime de roubo simples da aplicação do perdão. Apenas pretendeu excluir o crime mais grave.
O elemento sistemático e histórico.
No que concerne ao elemento histórico, há que ter em devida conta os precedentes legislativos em matéria de leis de clemência e, especificamente, na amnistia de crimes em função do estabelecimento de um limite de gravidade das penas aplicáveis.
A inserção sistemática da previsão a referida alínea g) – por definição e pala própria natureza das coisas - depois da alínea b), não pode ter tido subjacente a intenção e, não pode ter a virtualidade, o efeito, pretendido na decisão recorrida:
De ostensivamente, esvaziar de conteúdo útil, de qualquer sentido, a alínea b).
Cremos que daqui resulta, de forma medianamente clara e segura que, o aparente e estrito sentido literal da norma contida na alínea g) no contexto sistemático e que se segue à alínea b), exigindo uma harmonização entre ambas e, na procura de coerência interna ao conjunto da Lei, apenas pode levar à conclusão que a posição que aqui se defende, terá sido a intenção, a opção do legislador.
O verdadeiramente substantivo contido na previsão da alínea g) na afirmação da vontade do legislador - apesar de não corresponder a uma formulação clarificadora de tal afirmação e de não prevenir, acautelar, o surgimento de evidente controvérsia na sua aplicação, integrada no contexto da totalidade e da razão de ser do diploma – não pretendeu excluir do perdão o crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CP.
Dito de outro modo, não sendo a alínea g) uma previsão despida, naturalmente, de utilidade, é, no entanto, supérflua no contexto da prescrição normativa sobre a concessão do perdão relativamente ao crime de roubo.
Em conclusão, a interpretação meramente declarativa, da conjugação das normas contidas nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei comporta, unicamente, o sentido que é atribuído pelo arguido, de que o legislador não pretendeu excluir da aplicação do perdão conferido pela dita Lei os condenados pelo crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º/1 do Código Penal.
Assim se privilegiando o entendimento de que o legislador se norteou por uma ideia fulcral de gravidade do crime, reportada à moldura penal abstracta
Donde, se conclui que o crime de roubo simples pelo qual o arguido/recorrente foi condenado não está excluído da aplicação do perdão.
E, assim, que o recurso merece provimento, a implicar a revogação do despacho recorrido.
Resta, pois, nos termos dos artigos 2.º/1 e 3.º/1 e 4 da Lei 38-A/2023, perdoar ao arguido 1 ano na pena única, de 3 anos e 3 meses de prisão, em que foi condenado, nos termos do artigo 8.º/1, sob a condição resolutiva de não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei, até 01/09/2024 - caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada.
*
III. Dispositivo
Em face do exposto acordam as Juízas desta Relação em conceder provimento ao recurso apresentado pelo arguido, em função do que se revoga o despacho recorrido e se aplica o perdão de 1 ano de prisão na pena única de 3 anos e 3 meses em que foi condenado, pelos 3 crimes de roubo, pp. e pp pelo artigo 210.º/1 do Código Penal, sob a condição resolutiva de até 01.09.2024, não praticar infracção dolosa.
*
Sem custas, atento o provimento (artigo 513.º/1 do CPP)
*
Notifique.
*
Lisboa, 11-04-2024
Elaborado e integralmente revisto pela relatora, nos termos do artigo 94.º/2 do CPP.
Maria João Lopes
Cristina Santana
Maria Ângela Reguengo da Luz