DEPOIMENTO DE PARTE
VALOR PROBATÓRIO
Sumário

I – O depoimento de parte e a confissão são realidades jurídicas diferentes.
II - Quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
III - O depoimento pode incidir sobre todos os factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, desde que não sejam criminosos ou torpes, art.s 452º e 454º, do CPC, podendo ou não conduzir à confissão, cfr. art. 453º, nº2, do mesmo código e art.s 352º e 361º do CC.
IV - Na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, nada obsta a que o tribunal, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do art. 607º, nº 5, do CPC.
V – Não sendo os factos reconhecidos, através do depoimento de parte, desfavoráveis ao depoente, os mesmos não têm valor confessório.
VI - No entanto, sendo as declarações, prestadas pelas partes, sob juramento, cfr. art. 459º, do CPC podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer delas.

Texto Integral

Processo n.º 3201/12.5TBPRD-A.P1
Recorrentes: B… e outros
Recorridos: C…e e outros

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
B…, D…, E…, F…, G… e H…, interessados nos autos de processo de Inventário, com o nº 3201/12.5TBPRD, do extinto 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes, inconformados com o despacho proferido a 11.02.2014, na parte que indeferiu o pedido dos depoimentos de parte requeridos, vieram dele interpor o presente recurso.

Nas alegações que apresentaram, juntas a fls. 263 e ss. destes autos, os recorrentes pedem que a decisão seja revogada, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
A) O despacho proferido carece de fundamento legal quanto ao indeferimento dos depoimentos de parte requeridos pelos ora Recorrentes, violando o disposto nos artigos 1349º nº2, 1344º nº2 e arts 452º, 453º e 454º do CPC.
B) Em sede de articulado de oposição/reclamação de bens, a Recorrente B…, em sede de requerimento de prova, e ao abrigo do disposto no art. 552º (à data em vigor), requereu o depoimento de parte dos interessados C…, I…, G…, E… e de F….
C) Os Recorrentes D…, E…, F…, G… e H…, em sede de articulado de reclamação de bens requereram também o depoimento de parte do interessado/cabeça de casal C….
D) Aquando do requerimento da prestação de depoimento de parte, foi descriminado quanto a cada um os factos sobre que deveria recair cada um dos depoimentos requeridos, cumprindo-se o disposto no art. 552º nº2 do CPC, à data em vigor.
E) O depoimento de parte conforme decorria do disposto no artº 552º nº1 do CPC, é um meio de provocar a confissão da parte sobre os factos em que o mesmo incide, podendo também, independentemente da concretização da eficácia confessória, servir para reconhecer realidade de factos que possam ser desfavoráveis à parte que o presta.
F) Podendo ainda, com a alteração introduzida no nº 1 do art. 452º do CPC, pela lei nº 41/2013 de 26 de Junho, destinar-se à prestação de informações e esclarecimentos sobe factos que interessem à decisão da causa e não apenas à prestação do depoimento de parte.
G) O art. 352º do Código Civil consagra a confissão enquanto meio de prova admissível, definindo-a como o: “reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
H) Com a reforma operada pela lei nº 41/2013 de 26 de Junho, a nossa lei processual civil, passou inclusive a admitir a prova por declarações de parte – art. 466º do CPC – passando a ser admissível a confissão de facto que não seja contrário ao interesse do confitente.
I) Ora, de acordo com o disposto nos arts 1349º nº 3 e 1344 nº 2 do CPC, as provas são indicadas com os requerimentos e respostas, normas estas aplicáveis ao presente processo de inventário, dado que já se encontrava pendente à data da entrada em vigor da lei nº 23/2013 de 5 de Março.
J) Pelo que, o depoimento de parte tem incidência sobre factos pessoais ou sobre factos de que o depoente deva ter conhecimento, bem como a prestação de informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa.
K) Analisando, a matéria sobre que versará cada um dos depoimentos de parte requeridos, estamos perante um meio de prova que a ser realizada e provada será favorável à Recorrente B… e desfavorável aos demais interessados, no que respeita à prova da existência e validade da doação em causa nos autos.
L) Será ainda desfavorável à parte contrária – cabeça de casal C… – na medida em que a prova da validade da doação efectuada pelo de cujos, da realização de uma avaliação extrajudicial aos bens imóveis constantes da relação de bens e seu valor de mercado, a prova a existência de bens não relacionados, a prova da prática de actos de disposição de bens da herança por parte do cabeça de casal e omissão do produto da sua venda com bem da herança a partilhar, terá como consequência a relacionação de bens que integraram a massa hereditária, que o cabeça de casal se recusa a fazê-lo, e favorável aos ora Recorrentes.
M) A prova da prática de actos de administração da herança por parte da interessada B…, designadamente a contratação de serviço de poda das vinhas da herança, execução do trabalho pelo interessado I… e valor pago a este é favorável aos ora Recorrentes e desfavorável ao interessado I…, na medida em que implica o reconhecimento da prestação de um serviço à herança, recebimento de um valor e a sua inclusão no passivo da herança.
N) O depoimento de parte do interessado G… e do interessado F… visando a prova da existência e validade da doação efectuada pelo de cujos à interessada B…, é favorável a esta e desfavorável àqueles na medida em que implica a exclusão de verbas em dinheiro do acervo hereditário a partilhar.
O) O depoimento de parte do interessado E… com vista a fazer prova da existência e validade da doação efectuada pelo de cujos e prova das despesas de funeral, arranjos de sepultura, contratação e forma de pagamento, é-lhe desfavorável na medida em que a prova de tais factos implicará a exclusão de verbas em dinheiro do acervo hereditário a partilhar e a inclusão de passivo a favor da interessada B…, quando as facturas de tais despesas se encontram emitidas em nome daquele.
P) Em súmula, os depoimentos de parte requeridos pelos Recorrentes têm na sua essência em vista o apuramento da verdade, factos estes que a serem provados e atento o exposto, permitiram prestar os esclarecimentos e informações necessárias à boa decisão da causa, sendo favoráveis e desfavoráveis, na medida em que implicarão quer a exclusão de verbas da relação de bens, quer a inclusão de novas verbas, bem como o aumento do valor dos bens relacionados e portanto do acervo hereditário a partilhar.
Q) Sendo contudo, totalmente desfavoráveis ao cabeça de casal, cujo depoimento de parte foi requerido, na medida em que a sua prova implicará a prova da existência de mais bens a partilhar e que deverão integrar o acervo hereditário, o aumento do valor dos bens a partilhar, a prática de actos de disposição de bens da herança por parte daquele e a prova do valor recebido com a venda dos mesmos, com a consequente obrigação de entrega à massa da herança e sua relacionação.
R) Motivos pelos quais, atenta a natureza do processo de inventário, o qual tem em vista o apuramento dos bens pertencentes ao acervo hereditário, a sua relacionação e posterior partilha dos mesmos, os factos a provar em causa nos autos por meio dos depoimentos de parte requeridos pelos ora Recorrentes, sempre os depoimentos de parte requeridos deveriam ter sido deferidos.
S) Pelo que carece de qualquer fundamento legal o despacho proferido, devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que admita a prova por depoimento de parte requerida pelos ora Recorrentes.
Revogando-se o despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro que admita a prestação dos depoimentos de parte requeridos e proferindo-se Acórdão que julgue procedente o presente recurso, Se fará Justiça.

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso veio a ser admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, nos termos que constam a fls. 273.

Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.

Atentas as conclusões supra descritas e considerando que é pelas conclusões do recurso que se delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso, cfr. art.s 608º, nº2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, a questão a decidir consiste em saber se deveria ter sido admitido o depoimento de parte, dos interessados, requerido pelos recorrentes.

*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A factualidade a atender para o conhecimento do presente recurso é a que consta do precedente relatório.

Sobre o depoimento de parte dispõem os artigos 452º, 453º e 454º do CPC (redacção dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, que é aqui aplicável e a que pertencerão os demais artigos a seguir mencionados sem outra menção de origem), respectivamente, sobre o “Depoimento de parte”, “De quem pode ser exigido” e “Factos sobre que pode recair”, pertencentes ao Capítulo III, Secção I, daquele código, sob a epígrafe: “Prova por confissão das partes”.
Invocando a violação daqueles artigos e dos artigos 1349º, nº 3 e 1344º, nº 2, do CPC de 1961 (revogados pela Lei nº 23/2013 de 5 de Março, que aprovou o regime jurídico do processo de inventário) insurgem-se os apelantes contra o despacho recorrido requerendo a sua revogação. Defendem que os depoimentos de parte requeridos deveriam ter sido deferidos, porque permitindo prestar informações e esclarecimentos necessários à boa decisão da causa que, a serem provados, são favoráveis e desfavoráveis na medida em que implicarão quer a exclusão quer a inclusão de novas verbas na relação de bens e alteração do acervo hereditário a partilhar.
O despacho recorrido não admitiu os requeridos depoimentos de parte dos interessados e do cabeça de casal com o argumento de o reconhecimento dos factos indicados como objecto não poderem ser havidos como confessórios, nos seguintes termos que se transcrevem:
Depoimento de parte:
Não se encontra definido na lei processual um conceito de depoimento de parte, nem esta estabelece concreta e directamente o respectivo objecto. Existe apenas a enunciação de quem pode prestá-lo, de quem pode ser exigido e sobre que factos pode recair do ponto de vista da sua relação com a pessoa do depoente. Tal regulamentação, poderia permitir a admissibilidade quase ilimitada do depoimento de parte, desde que a pretensão se enquadrasse no campo dos factos de que a parte devesse ter conhecimento e não lhe fossem imputados, sendo criminosos ou torpes (cfr. artigo 452º do Código de Processo Civil).
O regime do depoimento de parte está inserido numa secção subordinada à epígrafe “Prova por confissão das partes”, definida esta na lei substantiva como “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” – cfr. artigo 352º, do Código Civil -.
Assim, conjugando regimes, temos que o depoimento de parte é o meio processual que a lei adjectiva põe ao serviço do direito probatório substantivo para provocar a confissão judicial, como expressamente previsto no nº 2 do artigo 356º, do Código Civil.
Por o depoimento de parte se destinar a provocar a confissão da parte e se esta, pelo seu objecto, implica o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à posição da parte contrária resulta que o depoimento só possa ser exigido quando esteja em causa o reconhecimento pelo depoente de factos “cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à parte contrária, nos termos do artigo 342º, do Código Civil”
Apresenta-se, pois, o depoimento de parte como um “testemunho qualificado pelo objecto (ser contrário ao interesse do seu autor)”, diverso do denominado “testemunho de parte”, enquanto depoimento de parte de livre apreciação pelo julgador, à semelhança da valoração do depoimento das testemunhas, figura que a nossa lei não admite.
Ora, o reconhecimento dos factos indicados como objecto não poderão ser havidos como confessórios pois que aos indicados interessados lhe não são desfavoráveis nem são favoráveis à posição da parte contrária.
Portanto, não pode deixar de ser indeferido o depoimento de parte.
(…).
Depoimentos de parte:
Louvando no que supra deixei dito relativamente a este meio de prova, porque o reconhecimento dos factos indicados como objecto não poderão ser havidos como confessórios pois que aos indicados interessados lhe não são desfavoráveis nem são favoráveis à posição da parte contrária, não podem deixar de ser indeferidos os depoimentos de parte.”.

Que dizer?
Analisando a lei processual verifica-se que a mesma não fornece um conceito de depoimento de parte, nem estabelece directamente e em concreto o que dele pode ser objecto. Aqueles artigos 452º, 453º e 454º, apenas, dispõem sobre quem pode prestá-lo, de quem pode ser exigido e sobre que factos pode recair do ponto de vista da sua relação com a pessoa do depoente.
O depoimento de parte é o meio processual destinado a provocar e obter a prova por confissão judicial, cfr. resulta dos art.s 352º e 356º do CC. Mas, esse depoimento, apenas, tem valor confessório se tiver por objecto o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária, caso em que faz prova plena em relação aos factos admitidos a favor da parte contrária.
No caso de esse reconhecimento dos factos desfavoráveis não poder valer como confissão, como por exemplo por falta de capacidade ou de legitimação do depoente, o tribunal avaliará livremente, nos termos do art. 361º do CC, o depoimento como elemento probatório. Sabido que, não sendo os factos reconhecidos desfavoráveis ao depoente o seu depoimento não tem valor confessório.

A confissão tem forçosamente que incidir sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária.
Como afirma Alberto dos Reis in “Código Processo Civil”, Anotado, Vol. IV, pág. 70, a confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário.
No despacho recorrido, o Tribunal “a quo” decide e exara isso mesmo, ou seja, que o depoimento de parte, enquanto meio para obter a confissão, só pode recair sobre factos favoráveis à parte contrária e desfavoráveis ao respectivo depoente.
E, indefere os depoimentos requeridos, com o argumento de que a nossa lei não admite que o julgador faça uma livre apreciação do depoimento de parte.
No entanto, sempre com o devido respeito, não partilhamos deste entendimento.

Porque, se é certo que o depoimento de parte é um meio processual destinado a provocar a confissão judicial, por outro lado, mostra-se ultrapassada a concepção restrita de tal depoimento vocacionada exclusivamente àquela obtenção, já que o mesmo tem um campo de aplicação muito mais vasto.
Como, entre outros, se refere no Ac. do STJ de 16.03.2011, proc. 237/04.3TCGMR.S1, in www.dgsi.pt., o Juiz no depoimento de parte não está espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher alguns elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”.
Pois, na sequência de correspondente opção legislativa, a lei processual civil tem feito florescer cada vez mais os poderes inquisitórios, em detrimento do princípio do dispositivo, com vista à maior aproximação do juiz à verdade material, sendo disso afloramento os art.s 6º, 7º, 411º e 452º, nº 1, que correspondem aos art.s 265º nº3, 266º nº2 e 552º nº1 do Código de Processo Civil de 1961.
Permite-se que o Tribunal, em qualquer altura do processo, possa determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa, cfr. resulta dos art.s 452, nº 1 e 607º, nº 1.
Acrescendo, que do art. 463º, nº 1, “à contrario”, resulta que quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
Donde, há que concluir que nada obsta, a que o tribunal na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do art. 607º, nº 5.
A confissão e o depoimento de parte são, pois, realidades jurídicas distintas, sendo este mais abrangente do que aquela, por ser um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis aos depoentes, caso em que ficará sujeito à livre apreciação do tribunal, cfr., referem entre outros, o Ac. do STJ de 02.10.2003, proc. 03B1909, in www.dgsi.pt e Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed., pág. 573.
Ainda, no sentido de que os simples esclarecimentos ou afirmações que não possam valer como confissão, podem valer como elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do Tribunal, podem ver-se, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1999, Almedina, pág. 387, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 248, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, pág. 211 e os Ac.s do STJ, todos disponíveis in www.dgsi.pt, de 5.11.2008, procº 1902/2008, de 21.01.2009, procº 3966/2008, 10.12.2009, e de 20.01.2004, procº03S3474.
Neles se adoptou o entendimento de que o depoimento de parte, que não redunde em confissão - por respeitar a factos favoráveis ao depoente -, é de livre apreciação pelo tribunal.
Contra tal posição, pode ver-se José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág.s 464 a 466.
Concordamos pois, com o entendimento, que as declarações, prestadas pelas partes, sob juramento, cfr. art. 459º, podem ser valoradas pelo tribunal a quo para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer delas.
Porque, o depoimento pode incidir sobre todos os factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, desde que não sejam criminosos ou torpes, art.s 452º e 454º, podendo ou não, como se refere no Ac. RL de 31.05.2011, in www.dgsi.pt., esse depoimento conduzir à confissão, cfr. art. 453º, nº2, e art.s 352º e 361º do CC.

Aplicando estas considerações ao caso temos de concordar com o referido pelos apelantes, o despacho recorrido não pode manter-se.
Mostrando-se ultrapassada a questão do depoimento de parte ter de conduzir à confissão, acresce que, no caso concreto do inventário, é por demais evidente, que os eventuais factos que se venham a provar têm necessariamente influência no acervo hereditário a partilhar e, nessa medida, são favoráveis e desfavoráveis.
Como concluem os apelantes, os depoimentos de parte requeridos pelos Recorrentes têm na sua essência em vista o apuramento da verdade, factos estes que a serem provados e atento o exposto, permitiram prestar os esclarecimentos e informações necessárias à boa decisão da causa, sendo favoráveis e desfavoráveis, na medida em que implicarão quer a exclusão de verbas da relação de bens, quer a inclusão de novas verbas, bem como a diminuição ou o aumento do valor dos bens relacionados e portanto do acervo hereditário a partilhar.
Deste modo, o despacho recorrido não pode manter-se, por um lado, porque o depoimento de parte não visa apenas a confissão e, por outro lado, porque a serem reconhecidos pelos depoentes os factos indicados eles serão desfavoráveis e favoráveis na medida em que vão influir na relação dos bens a partilhar e, consequentemente, irão diminuir o quinhão de quem os reconhece e aumentar o quinhão dos interessados que o requereram.
Os depoentes/interessados e o cabeça de casal ao, eventualmente, reconhecerem que os bens devem ser ou não relacionados, estão a admitir algo que lhes é desfavorável, causando alteração no quinhão de todos os interessados, requerentes e requeridos.

Assim, só resta declarar procedente a apelação.
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III - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e ordena-se a sua substituição por outro que admita os depoimentos de parte requeridos pelos recorrentes/interessados.

Sem custas.

Porto, 19 de Janeiro de 2015
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome