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PARTILHA
HERANÇA INDIVISA
CREDORES
PENHORA
Sumário
I - O exercício e efectivação, pelo herdeiro, do seu direito e acção à herança indivisa, promovendo a respectiva partilha e obtendo nesta o preenchimento da sua quota (ideal) mediante a atribuição do direito (real) sobre bens daquela, ainda que em compropriedade, é um acto de disposição, ou pelo menos de modificação, que contende com os direitos dos credores no processo executivo, à ordem do qual aquele se encontrava penhorado, nos termos do artº 862º, do CPC. II - Por isso, tendo tal partilha sido acordada e realizada – à revelia daquele processo e do exequente –, por todos os co-herdeiros, já depois de notificados da penhora e advertidos dos seus efeitos, ela é ineficaz em relação àqueles, por força do artº 819º, do Código Civil. III - Também por isso, não há conversão automática da penhora daquele primitivo direito no da penhora dos bens que ao executado herdeiro hajam sido atribuídos, em que sucedeu e de que se tornou titular. IV - Em consequência, a execução pode e deve prosseguir, como se partilha não tivesse havido, sobre o direito penhorado, acto este não sujeito a registo predial.
Texto Integral
Apelação nº 164/03.1TABGC-C.G1.P1 – 3.ª
Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 207)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
Nos autos de Execução Comum pendentes na Comarca de Bragança em que é exequente B…, SA e executado C…, apresentou aquela um requerimento (fls. 2 a 5) no qual alegou ter sido penhorado (fls. 7-8) em 27-09-2011 o direito e acção deste na herança aberta por óbito de sua mãe D…, que do acto foram notificados (em 27-09-2011, conforme fls. 9 a 16) os co-herdeiros bem como (em 20-02-2012, conforme fls. 17) o cabeça de casal sem que oposição alguma houvesse sido por qualquer destes deduzida, mas que, por escritura de partilha de 15-03-2013 (fls. 19 a 34), de má fé, sem conhecimento nem intervenção sua e quebrando a relação de confiança e cooperação judicial, foram adjudicados ao mesmo 27/40 indivisos de um prédio urbano (verba 4) sito em Avintes, VN de Gaia, com que ficou preenchido o seu quinhão (não tendo tido prosseguimento o seu requerimento de 12-09-2013 no sentido de lhe ser adjudicado o quinhão hereditário), pediu ao tribunal se dignasse:
a) declarar que a escritura pública de partilha é ineficaz e inoponível em relação ao exequente;
b) determinar o prosseguimento da execução, seguindo-se os ulteriores termos ao pedido de adjudicação do quinhão hereditário;
c) nomear fiel depositário de todos os bens que compõem a herança;
d) ordenar o cancelamento de todos os registos realizados na sequência da partilha.
A tal requerimento respondeu o cônjuge viúvo, meeiro, herdeiro e cabeça de casal E… (fls. 38 a 42), alegando que a sucessão legítima e inerente partilha (no caso, anterior ao requerimento de adjudicação) não envolvem qualquer acto de disposição, tendo este acto carácter meramente declarativo e não constitutivo ou translativo (pois a aquisição hereditária não decorre de recíprocas alienações e aquisições entre os co-partilhantes, sendo cada herdeiro considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos). Aceitando, embora, que a partilha constitui acto modificativo ou de conversão dos vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela do todo, entende, no caso concreto, que, da partilha, não resultou qualquer determinação que se possa confundir com acto de oneração ou disposição de bens penhorados ineficaz em relação ao exequente, porquanto o quinhão hereditário do executado, que era de 1/25 avos, foi preenchido (e até excedido) com a quota de 27/40 avos indivisos do imóvel descrito na verba 4, tendo então, ele e os demais herdeiros – em que não se inclui o exponente – que o receberam em compropriedade prometido entre si proceder à divisão do prédio, pelo que, por efeito da partilha, o direito do executado a um quinhão hereditário da herança indivisa foi convertido num direito de compropriedade sobre certo e determinado imóvel que à mesma pertencia e de valor até superior ao seu quinhão, não havendo qualquer alienação nem oneração, pelo contrário ocorrendo aquisição pelo executado de bem imóvel além do seu quinhão, assim resultando até facilitada a satisfação do crédito exequendo e reforçada a respectiva garantia. Concluiu pelo indeferimento do requerido e que a execução deve prosseguir apenas contra o património do executado tal como resultou determinado pela operação de partilha, convertendo-se a penhora do direito e acção por partilhar em penhora do direito partilhado e adjudicado.
Notificado o executado para prestar esclarecimentos, veio este informar que não deu conhecimento à execução da intenção de outorgar a escritura de partilha porque não percebeu, pelas notificações anteriores, que, em razão dos seus termos, tal dependia de prévia informação ou autorização; só percebeu que, na sequência de tais notificações, apenas estava impedido de alienar ou onerar bens de sua propriedade com eventual prejuízo da exequente; não percebeu nem percebe ainda que estivesse impedido de outorgar a partilha quando dela resultou um aumento do seu património pessoal; também não deu conhecimento aos demais herdeiros da falta de qualquer autorização nem a representou como necessária.
Ao que a exequente replicou que ele foi notificado e, por isso, tinha conhecimento da penhora efectuada do direito e acção, que, com a partilha, houve flagrante prejuízo, pois, apesar de alegar que lhe foram adjudicados bens de valor superior ao do seu quinhão, houve bens subvalorizados e influência na correcta determinação do valor, assim diminuído, do seu quinhão hereditário.
Após, conforme fls. 47 a 50, foi, com data de 11-04-2014, proferida decisão que declarou inoponível à exequente a partilha em causa e determinou o prosseguimento da execução sem alteração da penhora efectuada como se esta não existisse.
Adoptou, para tanto, o tribunal a quo, em fundamentação do assim julgado, o entendimento expresso no Acórdão do STJ, de 29-05-2012, adiante referido, de cujo texto, aliás, transcreveu longo extracto. Inconformado, o co-herdeiro cabeça de casal E…, interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações:
“A) A partilha hereditária tem natureza declarativa, não constituindo acto de disposição ou oneração dos bens herdados, limitando-se a materializar, em bens certos e determinados, a composição do quinhão hereditário na herança indivisa.
B) A aceitação da herança ou a partilha não tem cariz atributivo no sentido de que ela atribui ao herdeiro um direito que lhe seja estranho e que ainda não lhe pertencia, mas apenas uma natureza declarativa ou certificativa no sentido de que declara e torna certo um direito que já existia.
C) Não existe pois qualquer acto derivado de alienação ou oneração, nos termos do artigo 819º do CC, ou seja um acto atributivo de um direito ex novo, mas sim a definição e concretização de um direito pré-existente na esfera jurídica subjectiva do Executado.
D) A Recorrida requereu a adjudicação do quinhão hereditário do Executado em momento posterior ao daquela definição jurídica operada pela partilha, não se podendo dizer por forma alguma que aquela partilha e concretização do direito sobre bem determinado lesou qualquer interesse da Recorrida que não tinha manifestado ainda interesse na adjudicação direta do direito e acção então penhorado.
E) O direito do Executado após concretização na partilha - de compropriedade sobre bem imóvel nº 4 da relação de bens - foi valorizado acima do valor do quinhão que lhe pertencia.
F) A lei civil apenas pretende proteger os interesses da execução, através da figura da ineficácia.
G) A Recorrida sequer alegou que com a partilha efetuada hajam sido lesados quaisquer concretos interesses próprios ou interesses da execução, o que a Recorrida teria de concretizar, pois a lei civil não impede que a partilha seja efetuada, obrigando à permanência de todos os interessados na indivisão.
Normas jurídicas violadas: - artº 819º do Código Civil
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução exclusivamente contra o património do Executado, convertendo-se a penhora do direito e acção em penhora do concreto bem imóvel adjudicado para preenchimento do quinhão hereditário.”
Nas contra-alegações, a exequente defendeu a confirmação do decidido, concluindo:
“1. A partilha feita depois de o Exequente haver penhorado o direito do Executado a uma herança indivisa é um acto de disposição que, nos termos do art° 819° do Código Civil, é ineficaz ao exequente,
2. Penhorado o direito do Executado à Herança, não pode esse direito ser afectado, relativamente ao Exequente, por actos de disposição a que seja estranho.
3. Ao não ter intervenção na partilha, a Exequente foi prejudicado, na medida em que foram atribuídos aos bens valor inferior ao do direito penhorado.
4. O Executado e demais co-herdeiros, designadamente o Recorrente, atribuíram aos bens da herança um valor muito inferior ao de mercado.
5. Em relação aos prédios rústicos - verbas 8 a 17 que foram adjudicados aos Recorrente e as verbas 18, 19 e 20 adjudicadas às irmãs do Executado - foram considerados os valores patrimoniais tributários, muito abaixo do seu valor real.
6. O imóvel atribuído ao Executado foi sobrevalorizado, resultando da promessa de divisão de coisa comum, consignada na mesma escritura, que lhe ficava destinado o artigo de menor valor, apesar de também lhe ter sido atribuído um valor que não corresponde ao real.
7. A ser considerada eficaz, a partilha seria gravemente lesiva dos interesses da execução, sancionando uma conduta que visou apenas salvaguardar os bens da herança e os interesses dos herdeiros em prejuízo da Exequente.”
O recurso foi admitido por despacho de 08-07-2014 (fls. 128) como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães declarado ser territorialmente incompetente e ordenado a remessa para o do Porto.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER
É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).
Em vista das apresentadas, a questão consiste em saber se, em caso de penhora do direito à herança, a posterior partilha, à revelia do processo executivo e do credor exequente, é ineficaz em relação a estes, por força do artº 819º, do CC.
III. FACTOS PROVADOS
Relevam os relatados, cuja prova emerge dos próprios autos.
IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA
Com o falecimento da mãe do aqui executado C…, extinguiu-se a sua personalidade (artº 68º, nº 1, CC) e, consequentemente, gerou-se a impossibilidade (artº 67º) de manutenção da titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais sobreviventes (artºs 2024º e 2025º) e de continuar a exercer os inerentes direitos (incapacidade).
Ficou, assim, nesse momento, aberta a sucessão (artº 2031º).
Enquanto as pessoas, capazes e dignas (artºs 2033º e 2034º), designadas por lei, testamento ou contrato (artº 2026º), não responderem ao chamamento (artº 2024º) para lhe sucederem na titularidade de tais relações jurídicas (activas e passivas), a herança aberta (o património) diz-se jacente (artº 2046º).
Sem pessoa definida que as titule, assuma e exerça, e, por isso, “coxas ou mancas” ou até “decapitadas” (no dizer impressivo de P. Lima e A. Varela[1]), elas vogam, como um “complexo desconjuntado de situações jurídicas”[2], até à aceitação (artº 2050º e 2056º).
Uma vez aceite, a herança é devolvida aos sucessores vocacionados e, portanto, o domínio e posse dos respectivos bens é por eles colectivamente adquirido, apagando-se, pelo seu efeito retroactivo, aquele estado jacente (nº 2, do artº 2050º).
Não obstante, os herdeiros habilitados, juntamente com os legatários instituídos e demais interessados, têm de enveredar pela partilha, amigável ou em inventário (artº 2102º), uma vez que o património hereditário, apesar de titulado, continua indiviso, mas não pode assim permanecer, ainda que por acordo, por mais de cinco anos (artº 2101º, nº 2).
Enquanto que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros (artº 2091º), cada um destes, até ser feita a partilha, apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto.[3]
Tal direito decorre da posição jurídica de herdeiro em que ingressa e cuja qualidade assume pela aceitação e habilitação. Tem um conteúdo que se analisa em vários outros (como o de alienar o seu quinhão, peticionar bens da herança ou exigir partilha). Não é um direito real, pois não incide sobre as coisas do património, sobre os bens em conjunto dele integrantes, sobre qualquer um ou parte de algum especificado. Só deixa de ser assim, só se quantifica, determina e materializa quando, com o preenchimento do seu quinhão pelos bens concretos que lhe forem realmente atribuídos, em função das operações de partilha e das regras legais aplicáveis, cada herdeiro ingressa na titularidade do direito sobre aqueles e sucede na do de cujus (artº 2119º).
Como se diz no Acórdão do STJ, de 26-01-1999[4], “A comunhão hereditária, geralmente entendida como uma universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade (…), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária.
Os herdeiros são titulares, apenas, de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficar a pertencer só a alguns ou a um, sendo os demais compensados com tornas.
Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem «direitos sobre bens certos e determinados», nem «um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles».
Quer dizer, aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário.
Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão-somente, do direito «a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que esta fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (…).
Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário de determinado bem da herança.
Com efeito, a partilha «extingue o património autónomo da herança indivisa», retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão (artº 2119º).
O que significa que com a partilha cada um dos herdeiros passa a ser considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, como resulta expressamente do apontado normativo.”[5]
Sem embargo, o quinhão hereditário é, enquanto tal e independentemente dos bens que especificadamente venham a preenchê-lo[6] ou dos encargos respectivos, susceptível, após aceitação pelo chamado e antes da partilha, de alienação como um direito (artºs 2124º a 2130º)[7].
Com efeito, embora cada um dos vários herdeiros “não tenha um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles, detém todavia um direito de quinhão hereditário, ou seja, à respectiva quota-parte ideal da herança global em si mesma. Direitos estes de que tais herdeiros têm a propriedade”, podendo desta dispor nos termos do artº 1305º[8] e mesmo onerá-la.[9]
De notar que, transferindo-se para o adquirente de quinhão hereditário indiviso o mesmo direito do alienante, na transmissão abrangem-se os inerentes direitos, maxime o de, nos termos do artº 2101º, CC, exigir a partilha.[10]
Noutra perspectiva, a deste processo já, temos que a exequente demandou o filho e herdeiro da de cujus para, pela via executiva, obter o pagamento do seu crédito.
Ora, como se sabe, uma vez que o património do devedor constitui garantia geral das suas obrigações, pelo cumprimento destas respondem todos os seus bens susceptíveis de penhora, nos termos do artº 601º, do CC.
Esta regra estava reflectida expressamente no artº 821º, do CPC, a que corresponde o actual artº 735º: estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Entre esses bens ou direitos com conteúdo patrimonial, no caso, está o direito do executado à quota hereditária na herança aberta por óbito de sua mãe e ainda não partilhada.
Tal direito responde pela dívida e é susceptível de penhora, pois não só integra a referida garantia patrimonial geral como, não constando entre os que absoluta, relativa ou parcialmente o não podem ser, está previsto como penhorável.
Com efeito, a primitiva redacção do artº 824º do CPC, já admitia a penhora do direito do executado a uma universalidade indivisa ou a outros bens indivisos mas proibia a penhora dos próprios bens compreendidos na universalidade, de uma fracção de qualquer deles, de uma parte especificada dos bens indivisos (salvo se a execução fosse movida contra todos os proprietários), evidentemente por razões ligadas aos princípios do direito das coisas (como o da coisificação, da actualidade ou da imediação, da especialidade ou da individualização ou da especificação), às regras, por exemplo, dos artºs 1405º e 1408º (compropriedade), 2091º, nº 1 (herança), limites que, como se viu, o direito sucessório reconhece, mas também porque, como decorre dos artº 818º, CC, e 821º, nº 2 ou actual 735º, nº 2, do CPC, só podem penhorar-se bens de terceiros quando estes estejam vinculados à garantia do crédito ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor que este haja procedentemente impugnado e contra eles seja movida a execução.
O sucedâneo artº 826º, introduzido pela Reforma de 1995, manteve a mesma proibição, referida à comunhão num património autónomo ou a compropriedade em bens indivisos, e continuou a prever, no artº 862º, o modo de realizar a penhora do direito a bens indivisos.
Por sua vez, o artº 826ºº, na redacção introduzida pelo citado Decreto-Lei nº 38/2003, passou a dispor que “na execução movida apenas contra algum ou alguns contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso”, ao passo que o artº 862º veio a ser alterado pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, passando o nº 1 a referir-se a “quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo” mantendo, com pequena alteração decorrente do novo figurino do processo, o mesmo modo de efectivação da penhora: a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente (não do tribunal) de execução, desde a data da primeira notificação efectuada.[11]
A penhora foi, então, em 27-09-2011, efectivada (conforme auto respectivo a fls. 7 e 8), sobre o direito e acção do devedor à herança, devidamente notificada, como manda a lei adjectiva, a todos os herdeiros (incluindo o executado) e ao cônjuge viúvo meeiro e cabeça de casal, sem que qualquer reacção tivesse sido deduzida nos autos, pelo que se consumou, sem necessidade de registo, como decorre, aliás, do artº 5º, nº 1, alínea c), do Código de Registo Predial, segundo o qual se exceptuam da regra de que, para serem oponíveis a terceiros, devem ser registados, os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados, solução que se mostra consentânea com as regras e princípios substantivos expostos.[12]
Não obstante bem saberem da penhora, seu significado e efeitos e que o direito, conforme advertência expressa feita, estava à ordem do agente de execução, à revelia e sem consentimento ou autorização da exequente e daquele, ou seja, do processo – já que nada lhes comunicaram –, o executado e os demais herdeiros, incluindo o cabeça de casal apelante, procederam extrajudicialmente a partilha amigável, nos termos exarados na escritura notarial cuja cópia está junta aos autos, e da qual resulta que a quota hereditária do executado (6/120 avos) na totalidade dos bens a partilhar, a que, em função do respectivo valor global acordado, correspondia quinhão no valor de 33.913,90€, foi preenchida com a adjudicação de 27/40 avos indivisos do prédio da verba descrita sob o número 4, no valor atribuído de 37.511,16€, levando a mais 3.597,26€ a repor de tornas à irmã F….
Acresce que, sendo o prédio da verba 4, no valor patrimonial tributário global e atribuído de 55.572,09€, composto por cinco artigos matriciais, um deles com o nº 3881, aumentado, em relação ao da caderneta predial, para 41.712,09€, logo, no mesmo acto, o executado e irmãos a quem o mesmo prédio foi também em parte adjudicado, declararam que “desde já prometem entre si, e depois de legalmente admissível, proceder à divisão do prédio descrito na verba quatro de que passaram, com este acto, a ser comproprietários, por forma a ser adjudicado” ao executado precisamente o artº 3881º.
Ora, a exequente adquiriu, pela penhora da quota hereditária, o direito de ser paga com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior – artº 822º, do CC.
Paga, mediante adjudicação do bem penhorado, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo produto da respectiva venda – artº 872º, CPC, actual 795º. Não por qualquer outro, seu sucedâneo.
A penhora, dependendo da específica feição que o respectivo objecto lhe possa conferir (efectiva apreensão material do bem ou sua colocação, como no caso, à ordem da entidade executiva), significa: i) uma especificação de quais os bens do património do executado que, sendo garantia geral, passam a garantia real e concreta da dívida exequenda; ii) uma limitação ou mesmo exclusão da livre disponibilidade do direito em ordem à sua futura afectação às finalidades executivas (maxime, o pagamento); iii) uma medida conservatória, “evitando que sejam escondidos, deteriorados ou alienados em prejuízo da execução”.[13]
Nessa linha, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução, ou melhor, ineficazes em relação ao exequente, os actos de disposição, oneração ou arrendamento de bens penhorados – artº 819º, CC, na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.[14]
Entendeu o tribunal e entende a exequente, face ao contexto dos autos, que a partilha outorgada, representando uma disposição do direito penhorado, é inoponível à execução e que, sem a aquiescência do exequente, a penhora da quota hereditária não pode transmudar-se na dos bens adjudicados que, por efeito daquele negócio, venham a preenchê-la.
Entende o apelante que a partilha não envolve qualquer acto de disposição ou oneração e que, no caso, apenas se verificou uma modificação ou conversão da quota hereditária em compropriedade de um imóvel da herança, até em benefício e facilitação do direito do exequente.
Quid juris?
Vejamos o que na Jurisprudência tem sido ponderado e decidido.
“I - A penhora do direito a uma herança indivisa não está sujeita a registo, nem pode ser registada, por se tratar de direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se aqueles que virão a constituir a quota do executado. II - A penhora do direito à herança converte-se automaticamente na penhora dos bens com que foi formado o quinhão do executado. III - Assim, se depois de feita a partilha, ao executado couberem bens que possam inscrever-se no registo, sobre eles deverá registar-se a penhora. IV - A penhora do direito a herança indivisa, como facto relativo a bens indeterminados, produz efeitos contra terceiros independentemente de registo. V - Se entre os bens que forem adjudicados ao executado na liquidação do seu direito à herança indivisa, couberem imóveis, a aquisição destes, como facto sujeito a registo, só produzirá efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo. VI – Se o executado alienar ou onerar bens penhorados, e o adquirente ou o credor registarem a aquisição da propriedade ou a hipoteca, estes factos prevalecem sobre a penhora anterior não registada ou com data de registo posterior”.[15]
“I – Ordenada e efectuada a penhora do direito e acção que o executado tinha à herança aberta por óbito de sua mãe, a subsequente partilha não constitui acto de mera administração, mas sim de disposição, pelo qual o viúvo meeiro e o executado designaram especificamente os bens que ficavam a preencher a meação e legítima. II – Nos termos do artº 819º, do Cód. Civil, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição dos bens penhorados. III – Por consequência a execução deverá prosseguir como se o direito penhorado não tivesse sido objecto da ulterior partilha dos bens da herança”. [16]
“Penhorado o direito e acção do executado a uma herança ilíquida e indivisa nos termos do artigo 862º do Código de Processo Civil, a partilha dessa herança na pendência da execução é ineficaz em relação ao exequente dado o disposto no artigo 819 do Código Civil actual, perante o qual tem de ceder a solução de que a penhora do direito se converte automaticamente com a partilha na penhora dos bens que nesta vierem a caber ao executado.”[17]
“I – Tendo sido penhorado e adjudicado a terceiros o direito e acção que os executados tinham numa herança ilíquida e indivisa e vindo, em inventário requerido posteriormente à penhora em que aqueles não intervieram, tal herança a ser partilhada com preenchimento da quota dos executados através de tornas, essa partilha é ineficaz em relação a eles. II – Essa ineficácia não permite, porém, que os terceiros requeiram novo inventário para partilha do mesmo acervo hereditário. III – A lei admite outras vias de defesa do direito daqueles terceiros, quer através de acção de anulação da partilha, se se mostrar que houve dolo dos outros interessados, quer do incidente de composição da quota do herdeiro preterido, a requerer e processar nos autos de inventário”.[18]
Baseou-se este aresto no já acima citado da mesma Relação de 28-04-1975, acrescentando que “É ponto assente que não foi acolhida na nossa lei a doutrina (defendida entre nós por J. Alberto dos Reis no «Processo de Execução», II vol., página 225, e por A. Lopes Cardoso no «Manual da Acção Executiva», 3ª ed., pág. 486) da conversão automática da penhora do direito e acção a uma herança ilíquida e indivisa na penhora dos bens aformalados ao executado em preenchimento daquele direito, tudo por força da partilha operada, sem necessidade de novo acto processual de penhora.”
E, ainda, nos ensinamentos de Vaz Serra e de Anselmo de Castro, citando:
-do primeiro: “Parece que a alienação voluntária dos bens penhorados só pode considerar-se inadmissível enquanto ofender os interesses da execução. Se os bens penhorados ficam afectados aos fins de uma execução e a sua indisponibilidade se destina a garantir tal afectação, não deve ela ir mais longe do que é aconselhado pela sua razão de ser. Para tanto, basta que a alienação dos bens penhorados seja havida como ineficaz em relação ao penhorante e aos demais credores intervenientes na execução. Quanto ao resto, nenhum motivo existe para que se lhe negue eficácia”; [19]
-e do segundo: “Se, quanto à disposição material dos bens, o princípio é o de indisponibilidade absoluta, quanto à disposição jurídica (…) rege o princípio oposto da livre disponibilidade do direito, apenas com a limitação da ineficácia dos respectivos actos, para com a execução, independentemente da declaração judicial, isto é, tendo-se os actos como válidos e eficazes em todas as direcções menos em relação à execução, para a qual são havidos como se não existissem (tantum non essent) – Cód. Civil, artº 819º”. [20]
“I - O disposto no artigo 819º do Código Civil, ao proibir a disposição ou oneração dos bens penhorados, defende qualquer forma de alteração da penhora de que possa resultar, em termos práticos, diminuição das garantias do credor. II - Penhorado o quinhão do executado sobre um prédio em regime de compropriedade, a atribuição do direito de propriedade desse prédio a outro comproprietário, em acção de divisão de coisa comum, sem o acordo do exequente, é inoponível a este, devendo prosseguir a execução sem alteração da penhora efectuada.” [21]
Embora tecidas em torna do direito de compropriedade, vale a pena atentar nas considerações neste aresto tecidas a propósito da espécie nele tratada:
“A única questão que cumpre decidir é a da influência para a execução em que se encontrava penhorado e registado o direito de compropriedade de imóvel, da posterior acção de divisão de coisa comum entre os comproprietários. Entendeu o despacho posto em crise que o exequente se terá de conformar com o que for decidido pelos comproprietários, adequando a sua conduta ao que estes decidirem, agindo de acordo com o estabelecido, perseguindo o que aos executados couber, sejam tornas, sejam imóveis sujeitos a registo, procedendo em conformidade. No essencial baseia a sua ideia na posição defendida por J. P. Remédio Marques, no seu livro “Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto”, págs. 213 a 219. Com esta posição não se conforma a agravante, nem será por nós aceite.
Como refere Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 639 e seguintes, na acção executiva confrontam-se, com particular intensidade, os interesses do exequente e do executado, dando a lei prevalência aos direitos do exequente sobre o executado. A hierarquização dos interesses conflituantes é, por vezes, melindrosa e nem sempre mereceu resposta em diferentes épocas históricas e em vários ordenamentos jurídicos. (…)
Ora dúvidas não existem que o arresto se transformou em penhora e que foi cumprido o disposto no art. 862.º do CPC. Assim, desde 1994 que os comproprietários sabem da existência do arresto e posteriormente da penhora dos autos. Tal não significará que a penhora abranja parte certa dos bens ou fracção deles, como claramente determina o art. 826.º do CPC. A penhora engloba só o direito e de penhora de direitos sempre se tratou.
Na pendência da execução e com a penhora em vigor, entendem os comproprietários por fim à comunhão. É um direito seu - art. 1412.º do CC. Mas a questão será da conjugação deste direito com o direito do penhorante.
Desde logo, nem todas as comunhões de direitos terão necessariamente tratamento idêntico. Não se pode equiparar o grau de indeterminação de uma penhora de quinhão hereditário à indeterminação de percentagem de um mesmo imóvel.
A máxima expendida no despacho de que a penhora se converte “ipso iure” nos bens com que a quota foi preenchida, só será válida para o exequente se a tal este der o seu aval ou consentimento. Tal resulta do disposto no art. 819.º do CC. Ao proibir-se a disposição ou oneração dos bens penhorados, está-se a defender qualquer forma de alteração da penhora de que possa resultar, em termos práticos, diminuição das garantias do credor.
Defender-se, como se defende na doutrina citada (fls. 218) a penhora das tornas, representa a distinção entre a teoria e a prática. E se o devedor receber tornas, declarando que já as recebeu, como consegue o credor proceder à sua penhora?
Não tendo o exequente, beneficiário da penhora, tido intervenção na acção de divisão de coisa comum, são-lhe ineficazes todos os acordos ou decisões em que a acção venha a terminar, exactamente por imposição do disposto no art. 819.º citado. E o mesmo se diga, se se tratar de penhora de quota hereditária. - Ac. da RC de 19/7/74, in BMJ, 239.º-269-Rec.23031 (erradamente citado no despacho impugnado).
Não se pode impor ao exequente todos os jogos que a situação propicia, por parte dos executados. Havendo o acordo do exequente, então é possível adequar os termos da penhora à situação resultante e processualmente pô-la de acordo com a nova realidade.
Esta é também a posição defendida por Vaz Serra, in RLJ, ano 109-173 e seguintes; Anselmo de Castro, in Acção Executiva, 2.ª ed.-159; Lebre de Freitas in A Acção Executiva, pág. 218, nota 13.; Ac. do STJ de 28/4/75 in BMJ, 246.º-114.”
“I - Penhorado o "direito e acção" à herança, tal não significa que os restantes interessados na partilha tenham de permanecer na indivisão. II - Nada obsta, pois, a que se proceda à partilha, se adjudique todos os bens a um dos interessados e se depositem as tornas pertencentes ao penhorado, nos autos. III - A penhora passa do direito e acção às tornas depositadas.”[22]
“I. Penhorado o direito e acção a herança indivisa de que seja titular o executado, a partilha realizada na pendência da execução, não tendo o exequente/penhorante intervindo, como interessado, na realização da partilha, esta aceitando, é inoponível ao exequente, a penhora do supracitado direito não se convertendo, imediatamente, na dos bens com que a quota do executado foi preenchida. II. A penhora do direito à herança indivisa não é registável, por ser direito a partes indeterminadas de bens.” [23]
“I - A divisão ou partilha de herança indivisa, da qual estiver penhorada uma quota-parte, uma quota hereditária, representa um ato de disposição do direito penhorado que tem como consequência a substituição desse direito por bens determinados. II - A penhora do direito do executado a herança indivisa não está sujeita a registo e são ineficazes (art. 819.º do CC) em relação ao exequente os atos de disposição, designadamente a partilha, pois, se assim não fosse, o exequente poderia ser prejudicado por partilha que atribuísse ao executado bens de fácil ocultação ou dissipação ou de valor inferior ao direito penhorado. III - No entanto, no caso de herança deferida a interessado único (art. 2103.º do CC) não há lugar a partilha e, por conseguinte, não pode ocorrer o prejuízo antes mencionado, pois o titular do direito sabe em que bens virá a preencher-se a sua parte na herança. IV - Estando determinados os bens imóveis que se irão integrar no património do executado após aceitação, já registados em comum e sem determinação de parte ou quinhão a favor do executado e de sua mãe falecida à data da execução, o exequente deve proceder ao registo da penhora que pretende limitada ao direito do executado sobre a parte de sua mãe nesses bens, a fim de, beneficiando da prioridade do registo (art. 6.º do CRgP), não lhe ser oposta com sucesso a sua aquisição por comprador de boa fé (art. 5.º, n.º 1, al. c) do CRP). [24]
Ora, sendo indubitável que, à luz do direito processual ou adjectivo, a penhora, mesmo da quota do herdeiro, representa uma restrição à livre disposição do direito (que fica à ordem do Agente de Execução), também, à luz do artº 819º, do CC, a partilha, sobretudo a amigável, não deixa de redundar e de se consubstanciar num acto similar de disposição ou oneração.[25]
O direito à herança indivisa tem um conteúdo certo e definido por lei (v.g., artºs 2075º, 2101º e 2124º, CC), cujo exercício não é indiferente ao processo de execução quando (pela penhora) colocado à sua ordem e, assim, à mercê do exequente e de que é exemplo o de promover a partilha e os actos necessários à sua efectivação.
Tem também um conteúdo ideal, integrado pelo conjunto de expectativas que transporta e pelas potencialidades que encerra, por referência à quota do respectivo titular no património deixado pelo de cujos, em cuja efectivação ou concretização o credor pode ter um legítimo papel interventivo.
Em tal exercício e materialização precipitam-se decisões e soluções cujo resultado substancial representa, em relação ao direito de que promanam e as fundamenta, uma disposição deste e que pode, em última análise, mais do que onerá-lo, esvaziá-lo do seu substrato patrimonial sujeito a sequela e preempção.[26]
Sendo a partilha expressão máxima dessa alteração e reordenação, ela não pode impor-se à exequente quando alheia a tal dinâmica.
A partilha põe termo a uma certa posição jurídica de que o herdeiro é titular na comunhão hereditária e faculta-lhe o ingresso noutra diversa – a de sucessor e titular dos direitos ou bens concretos da herança por ela repartidos e atribuídos.
Por isso, nessa operação jurídica o herdeiro, estando penhorado o seu direito, não pode livremente decidir, actuar e acordar sobre os respectivos termos e formar o seu quinhão, à revelia do processo executivo, tanto mais que tal direito e correspondente acção dependem do destino que, naquele, designadamente por impulso do exequente, lhe venha a ser dado.
Seria, aliás, paradoxal ou sistematicamente incoerente que o legislador permitisse a penhora da quota hereditária na execução (enquanto direito integrante do património do executado apto a responder pela satisfação das suas dívidas), sujeitando-a, como qualquer bem, ao regime e fins do processo executivo, inclusive o da sua colocação à ordem do Agente respectivo, e não quisesse também considerar o acto de partilha da herança – apesar das peculiaridades, quiçá de natureza teórica ou doutrinária, que o exercício, aí, do direito sucessório, pelo herdeiro executado, desencadeia – também como acto de disposição susceptível de dificultar ou até frustrar aquele interesse e desígnio e, assim, o excluísse do alcance do artº 819º, sabido como é que, independentemente da qualificação dogmática que a tal acto se dê, o seu resultado concreto pode em muito afastar-se das normais e esperadas garantias com que, ao penhorar tal direito, o credor contou.
Ainda que de uma verdadeira e própria alienação ou oneração se não trate e, para certos efeitos, se possa até dizer – e há quem diga – que o direito do herdeiro e executado, após partilha, é o mesmo, a verdade é que a sua substância se modificou e transformou, pela acordada divisão, adjudicação e preenchimento da respectiva quota, em termos que, por alheios ao exequente, têm de se considerar como prejudiciais ou contrários aos seus interesses, mesmo que o resultado aparente ser benéfico.[27]
Este, com efeito, foi exclusivamente cogitado, arquitectado e construído, segundo perspectivas, motivações (dele e co-herdeiros), em termos e com objectivos que, para a execução, o credor pode considerar e virem a revelar-se efectivamente maléficos e cujo resultado, portanto, justamente não lhe deve ser imposto.
Há, pois, no mínimo, uma alteração do objecto da penhora, em si continente da possibilidade de diminuir a garantia que ela constitui do crédito exequendo.
É isso que a norma do artº 819º pretende evitar, a ponto de, pelo Decreto-Lei nº 38/2003, ter sido incluído o arrendamento do bem penhorado também como acto ineficaz para a execução.[28]
Podendo o quinhão hereditário ser alienado pelo herdeiro, caso em que o adquirente passaria a exercer por si, de pleno, os direitos daquele à herança e na partilha, também na execução em que foi penhorado para garantia do pagamento coercivo do crédito o exequente pode promover a sua venda a terceiros ou a adjudicação a si próprio. Antecipando-se o devedor, por acordo com os demais herdeiros, a celebrar a partilha à revelia da execução e com isso impedindo o livre exercício dos direitos que a lei atribui ao credor sobre o bem penhorado, não se justifica que aquele acto seja subtraído do âmbito normativo em apreço precisamente traçado para o viabilizar, a pretexto de que, não obstante aquela preterição, por ele se valorizou, reforçou e facilitou a garantia.
Por isso, é que P. Lima e A. Varela enfatizam que “são muito diferentes, sob vários aspectos, o direito do herdeiro antes da partilha e o direito do mesmo herdeiro posterior à partilha”![29]
Com efeito, a propósito do que assinalam como a “famosa polémica” acerca da natureza jurídica da partilha no contexto da sua retroactividade estabelecida no artº 2119º, chamam a atenção que “ter a partilha eficácia retroactiva é uma coisa – que basta, aliás, para condenar a ideia (de raiz romanista) de que é só com a partilha que nasce o direito do herdeiro sobre a coisa hereditária. Outra coisa, muito diferente, é a partilha possuir um efeito puramente declarativo ou recognitivo, como se o direito exclusivo do herdeiro sobre a coisa certa e determinada da herança existisse desde o momento da morte do de cujus. E não é assim.
Duas coisas são inegáveis a propósito da partilha.
Por um lado, o direito do herdeiro sobre a herança existe desde o momento da abertura dela – não nasce apenas no momento da partilha.
Por outro lado, se não é um negócio atributivo ou constitutivo, também é certo que a partilha não constitui um puro acto declarativo ou recognitivo, pois se trata de um verdadeiro acto modificativo ou de conversão. A partilha converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo.”
Dando-se conta, ainda, que, na linha do princípio segundo o qual o devedor pode alienar ou onerar os bens penhorados, simplesmente a execução prossegue como se eles pertencesse ao executado e citando o já acima transcrito trecho em que Vaz Serra concorda com a doutrina da ineficácia relativa, observam, sem qualquer reserva, aqueles mestres[30] que os tribunais têm entendido, de acordo com ela, que, penhorado o direito e acção do executado a herança indivisa, nos termos do artº 862º, do CPC, a partilha realizada na pendência da execução é inoponível ao exequente, exemplificando com o já citado Acórdão do STJ de 28-04-1975, acrescentando, aliás, citando Anselmo de Castro também já acima invocado, que “a tese de que a penhora do direito se converte imediatamente na penhora dos bens com que a quota do executado foi preenchida só poderá ser aceite se o penhorante tiver intervindo, como interessado na realização da partilha e a tiver aceitado”.
É por tudo isto que o STJ, como já se viu[31], entende que a partilha, na situação que se nos depara, “representa um acto de disposição do direito penhorado”, reiterando, com apoio em Vaz Serra, que os actos de disposição, designadamente aquele, são “ineficazes (artº 819º, do CC) em relação ao exequente”, uma vez que “se assim não fosse, o exequente poderia ser prejudicado por partilha que atribuísse ao executado bens de fácil ocultação ou dissipação ou de valor inferior ao direito penhorado”, como inevitavelmente a engenharia usada na partilha aqui em apreço – diga-se, com todo o respeito – não evita que se cogite, perante a estranheza de, apesar de devidamente notificados da penhora, todos os herdeiros terem injustificadamente procedido como se a ignorassem, desprezando a intimação que legalmente lhes foi dirigida.[32]
Assim, estando a decisão recorrida em conformidade com este entendimento[33], pendemos para o subscrever e confirmar, apesar das considerações doutamente expendidas de sentido contrário.
Note-se, aliás, que aquele Acórdão revogou o da Relação de Coimbra, de 20-09-2011[34], que o apelante chama em seu amparo, fazendo prevalecer a decisão de 1ª Instância ajuizada em caso similar nos termos que preconizamos.
Não é certo, nem seguro, nem pacífico, pelo menos para o efeito que aqui nos interessa, e contra a Doutrina citada pelo apelante[35], que a partilha tenha natureza simplesmente declarativa (ou certificativa), não constitua acto de disposição do direito penhorado (quota hereditária) e que as respectivas operações, designadamente a composição ou preenchimento do quinhão hereditário com bens da herança, se limite a determinar e materializar quais deles a compõem, uma vez que à titularidade, pelo herdeiro, de um direito à quota ideal na herança sucede a titularidade, por ele, de um direito real em bens daquela, assim se modificando a qualidade com que encabeça um bem do seu património e o respectivo objecto, não se tratando, em rigor, apesar da retroactividade estabelecida no artº 2119º, subjectiva e objectivamente, do mesmo direito, aliás, muito diferentes, sob vários aspectos, como dizem P. Lima e A. Varela.
Como se lembra no Acórdão do STJ, de 29-03-2012[36], “A comunhão hereditária constitui coisa diversa da compropriedade, com a qual não se pode confundir, já que os herdeiros não são titulares simultâneos de uma mesma coisa, mas antes titulares de um direito à herança, como universalidade, não se sabendo, contudo, sobre qual dos bens em concreto o respectivo direito ficará a pertencer.” Ora, dependendo, entre diversos factores, também da vontade e acção (até certo ponto livres) dos herdeiros a revelação e materialização, no acto da partilha, de tal direito ideal no outro direito real sobre bens específicos (maxime, na designação das verbas e valores em composição dos quinhões), é claro que o seu resultado, entre os múltiplos possíveis, pressupõe e consuma sempre uma certa disposição daquele.
Em nada releva, no caso, a circunstância de a exequente apelada só ter requerido a adjudicação do direito penhorado após a partilha, uma vez que, entretanto, este estava à ordem do processo executivo com este se devendo conformar aquela oportunidade.
Só à exequente cabia, insista-se, apreciar se o acto lesou e dificultou ou se beneficiou e facilitou os seus interesses relativos à realização do seu crédito e reagir em conformidade, não relevando a aparente valorização dele resultante e do acordo dos herdeiros, uma vez que estes se formaram à sua revelia. Para isso, é, pois, imprescindível o seu conhecimento e participação nele.
Não depende, pois, da alegação e prova de lesão efectiva e concreta dos interesses da exequente a pretensão de, ignorando a partilha por a mesma não produzir contra ela e a penhora qualquer efeito, fazer prosseguir a execução, como se aquela não existisse, sobre o bem efectivamente penhorado e à ordem desta. No dizer do Supremo, “como se não mostra que o credor exequente tenha, por qualquer forma, concordado com a partilha, tudo se passa, em relação ao exequente, como se a mesma partilha não houvesse sido efectuada”.[37]
Discorda-se, enfim, da posição diversa resultante dos citados Acórdãos desta Relação de 16-01-1974 e de 27-04-2004, e, pelo exposto, julgam-se improcedentes as conclusões do apelante.[38]
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
Notifique.
Porto, 29-01-2015
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
____________
[1] Código Civil Anotado, volume VI, 1998, páginas 68 e 69.
[2] Idem, página 70.
[3] Sendo certo que, pela aceitação, os sucessores adquirem, todos em conjunto e com efeito retroactivo ao momento da sucessão, nos termos do artº 2050º, o domínio e posse dos bens da herança, e embora, cada um deles (cujo direito próprio e individual à respectiva quota ideal no património hereditário subsiste em simultâneo com aquele, colectivo, até à partilha) só após e por efeito desta suceda e passe a ser titular exclusivo dos bens que em tal acto lhe forem atribuídos, não é menos verdade que também ao mesmo momento (abertura da sucessão) retroage esta sucessão, conforme artº 2119º, CC.
[4] Relatado pelo Consº José da Silva Paixão e publicado no BMJ nº 483, a páginas 211-214. Também quanto à natureza e qualidade do direito do herdeiro e da herança, cfr. Acórdãos do STJ, de 15-06-1992 (Consº Faria de Sousa) e de 28-04-1004 (Consº Pereira Cardigos).
[5] No mesmo sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 21-04-2009 (relatado pelo Consº Azevedo Ramos”, de cujo sumário se destaca: “IV – A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. V- Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. VI- Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. VII – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “. VIII – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. IX – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.”
[6] “Por mais fixados que os contraentes tenham os olhos neles ou em alguns deles”, na expressão de P. Lima e A. Varela, ob. cit., página 207.
[7] Coisa diferente é a transmissão do direito de suceder.
[8] R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, volume II, 2ª edição, 1990, páginas 90 e 91.
[9] Como se refere na ob. e loc. precedentemente citados, “no caso de oneração do direito a quinhão em herança indivisa teremos de levar em consideração que tal direito, mesmo que respeite a uma herança que contenha imóveis, deverá, nos termos dos artºs 205º, nº 1, e 204º, nº 1, alínea d), do Código Civil, qualificar-se como uma coisa móvel, e que, como sabemos, não há então qualquer direito de propriedade dos herdeiros aos bens em concreto que constituem a herança”. Daí que, excluindo-se a hipoteca de quota indivisa, tal já se admite como penhor de direitos, nos termos dos artºs 679º, e sgs, do CC (nota 702, último parágrafo).
[10] Obra citada, página 98.
[11] Tais normas passaram a corresponder, no NCPC de 2013, aos artigos 743º e 781º, com a mesma redacção.
[12] Neste sentido, F. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, Março de 1999, página 159.
[13] Ob. citada na nota anterior, página 110.
[14] Que substituiu “exequente” por “execução”, “ineficazes” por “inoponíveis” e adtou os actos de “arrendamento”.
[15] Acórdão da Relação do Porto, de 16-01-1974, in BMJ nº 233º, página 243.
[16] Acórdão da Relação de Coimbra, de 19-07-1974, in BMJ nº 239º, página 269.
[17] Acórdão do STJ, de 28-04-1975, relatado pelo Consº João Moura, publicado na Base de Dados da DGSI e no BMJ nº 246, página 114, e também na RLJ, ano 109º, nº 3572, página 171, com anotação concordante de A. Vaz Serra, adiante referida.
[18] Acórdão da Relação do Porto, de 30-05-1995, relatado pelo Desemb. Almeida e Silva, publicado na CJ, ano XX, 1995, Tomo III, páginas 232 e 233.
[19] In Realização Coactiva da Prestação (Execução. Regime Civil), nº 23, BMJ nº 73, ano de 1958, páginas 146 a 148. De notar que o apelante invoca e cita, em abono da sua tese, apenas parte deste texto, mas truncado da parte final da qual se colhe a contrária e que aqui abraçaremos. Com efeito, lendo-se todo o ponto 23 da obra do Insígne Professor Vaz Serra, percebe-se que aquele extracto se insere no contexto da discussão sobre se os bens penhorados eram susceptíveis de alienação voluntária, embora onerada com a penhora, em face dos Códigos (Civil e de Processo) naquela já longínqua época vigentes, isto é, se os actos posteriores à penhora eram nulos, anuláveis ou apenas ineficazes. É nesse âmbito que ele emite o parecer a que se refere o trecho citado, do qual se retira a sua concordância com a livre admissibilidade de tal transmissão, sim, válida e eficaz desde que não ofenda interesses da execução, bastando, para os garantir, considerar a ineficácia relativa do acto transmissivo face ao penhorante e aos credores nela intervenientes, única restrição que coloca à sua plena validade e eficácia. “Por conseguinte – completa ele aquele texto -, a alienação dos bens penhorados não deve ser nula, mas somente ineficaz em benefício da execução”.
[20] In Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra 1970, páginas 151-152.
[21] Acórdão da Relação do Porto, de 13-05-2003, relatado pelo Desemb. Cândido Pelágio Castro Lemos, proc. 0322275, publicado na Base de Dados da DGSI.
[22] Acórdão da Relação do Porto, de 27-04-2004, relatado pelo Desemb. Emídio Costa, proc. 0421355.
[23] Acórdão do STJ, de 30-03-2006, relatado pelo Consº Pereira da Silva.
[24] Acórdão de 29-05-2012, relatado pelo Consº Salazar Casanova.
[25] Como se diz no texto do já acima citado Acórdão do STJ, de 28-04-1975, o acto de disposição diferencia-se do de administração na medida em que aquele “implica ou a diminuição voluntária do património pela entrega duma coisa, ou, sem implicar diminuição, substitui essa coisa por outra”, enquanto que este “é apenas destinado a conservá-la ou fazê-la frutificar, não a destruindo ou alterando a sua substância”. Uma vez que, continua, “Na partilha da herança cada partilhante dispõe a favor dos outros, de certas partes componentes da mesma, recebendo em troca outras que o compensam do valor que alienou”, ela “É, portanto, uma acto de disposição”.
[26] Pense-se na hipótese de o quinhão ser preenchido por tornas.
[27] Sobre as diversas posições quanto à natureza e efeitos da partilha (declarativa, atributiva e ou modificativa), cfr. J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Almedina, 1990, volume II, páginas 522 a 528, e autores aí citados.
[28] Já no referido Acórdão do STJ, de 28-04-1975, num tempo que não era o de hoje, mas que o torna ainda mais vivo e cheio de acuidade, se observava que o artº 819º estabelecia a ineficácia “precisamente para prevenir possíveis conluios, que levam o executado a receber, em liquidação do direito penhorado, apenas bens de pequeno valor, ou valores de fácil ocultação e dissipação.” Prevenção abstracta e que a lei, para ter efeito útil, não condiciona à alegação e prova real daquele possível conluio nem deste concreto resultado, naturalmente não escancarados em regra no acto.
[29] Código Civil Anotado, volume VI, página 196.
[30] Código Civil Anotado, volume II, 3ª edição, página 93.
[31] Citado Acórdão de 29-05-2012.
[32] Note-se que a exequente alegou ter requerido que o direito lhe fosse adjudicado pelo valor de 200.000€, valor este que, sendo assim, ofusca completamente aquele por que os 27/40 avos da verba 4 foram adjudicados ao executado em preenchimento da sua quota, e pulveriza a por si enfatizada bondade e benefício do acto para a execução.
[33] Nela se citam, aliás, amplamente trechos de tal Acórdão.
[34] Relatado pelo Desemb. Carlos Moreira, publicado na Base de Dados da DGSI.
[35] R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, 2ª edição, reimpressão, 1990, páginas 358 a 363.
[36] Relatado pela Consª Ana Paula Boularot.
[37] Texto do citado Acórdão de 28-04-1975.
[38] Recorda-se e remete-se para a anotação que o citado Professor A. Vaz Serra deixou escrita na RLJ, ano 109º, nº 3752, páginas 173 a 176, na qual manifesta aberta concordância com o teor e decisão do referido Acórdão do STJ, de 28-04-1975, refuta a doutrina contrária de Alberto dos Reis e Lopes Cardoso, explicita ainda melhor o que escreveu no ponto já citado do BMJ nº 73, página 147, e explica o sentido e fins do artº 819º, concluindo, bem fundamentada e assertivamente, que a partilha sem intervenção do exequente é um acto de disposição sujeito à alçada daquela norma.