DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
COMPETÊNCIA
NOTA DE CULPA
IRREGULARIDADE
CADUCIDADE
PRAZO
Sumário

1- A instauração e prossecução do processo disciplinar constitui acto de mera administração e deve ser considerado com acto de gestão normal na medida em que também é urgente e inadiável.
2- Se alguma irregularidade se pudesse assacar ao procedimento por falta de competência de quem o determinou e nomeou instrutor a assinatura na decisão final pelo presidente da recorrida significa a sua ratificação.
3- O prazo constante do artº 357º, nº 2 do CT conta-se da conclusão da última diligência de instrução, não se circunscrevendo às que o trabalhador requereu.
4- Do artº 329º, nº 2 do CT decorre que o início do prazo de caducidade do procedimento disciplinar reporta-se à data em que a pessoa com competência disciplinar (o empregador ou a pessoa em quem essa competência haja sido delegada) tenha conhecimento da infracção.
5- Não opera o disposto no nº 3 do artº 98º-J do CPT a circunstância da entidade empregadora proceder por lapso à junção parcial da resposta à nota de culpa.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

AA… intentou acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento contra Associação Comercial e Industrial de BB….
A empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, alegando, em síntese: o trabalhador foi admitido em 01.04.1997; foi-lhe comunicado, em 28.08.2014, por escrito, a intenção de proceder ao seu despedimento; o processo disciplinar foi concluído com a decisão da aplicação dessa sanção, por justa causa, a qual lhe foi comunicada juntamente com o teor do respectivo relatório final em 01.11.2014; e o motivo e a licitude do despedimento quer pelo processo disciplinar instaurado quer pela sanção aplicada.
O trabalhador contestou e reconveio, alegando, em súmula: a caducidade do procedimento disciplinar porquanto a sua instauração foi “proferida por pessoa que não detinha poderes para instaurar procedimento disciplinar”; a sanção disciplinar aplicada é “juridicamente inexistente, por absoluta falta de poder disciplinar”; a caducidade do direito de aplicação da sanção nos termos do artº 357º do CT; a “prescrição” do direito de aplicação da sanção disciplinar de despedimento; a nulidade do procedimento disciplinar por não junção do procedimento disciplinar nos termos do artº 98º-J do CPT; no sentido da impugnação de factualidade que lhe foi imputada nomeadamente na nota de culpa e no relatório final; foi notificado da nota de culpa no dia 01.09.2014 e foi impedido de entrar nas instalações da entidade patronal nos dias 3 a 5, 8 e 9 de Setembro; só deixou de comparecer no dia 10.09, data em que foi notificado que se encontrava suspenso preventivamente; foi admitido ao serviço em 01.02.1997; exercia as funções de Director Pedagógico acumulando com as funções de Director Executivo, desde Outubro de 2008; não lhe foi paga a compensação devida por este segundo cargo; auferia, pelo primeiro cargo, 2.156,00€ acrescida de subsídio de alimentação no valor de cerca de 93,94€ e diuturnidades no valor de 91,35€; sendo ilícito o despedimento é devida a importância correspondente ao valor das retribuições acrescidas do dito subsídio e diuturnidades que deixou de auferir, desde o mesmo até ao trânsito em julgado da decisão; não lhe foi pago esse subsídio em Setembro e Outubro de 2014; opta pela indemnização em substituição da reintegração que não deverá ser inferior a 45 dias; tem direito aos proporcionais de férias e subsídio de férias relativas ao tempo de serviço prestado no ano de 2014, as quais se venceriam em 01.01.2015, sendo que apenas lhe foram pagos os proporcionais calculados à data de 04.11.2014; à importância relativa ao subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação; face à dita acumulação de funções, deve receber a diferença entre a sua retribuição e a auferida pelo anterior Director Executivo de 2.500,00€; e, como consequência directa e necessária do despedimento sofreu danos não patrimoniais, devendo ser ressarcido a esse título em 3.550,00€.
Pediu: “julgado ilícito o despedimento do autor, procedente e provado o pedido reconvencional e em consequência:
a) Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €8.624,00 (oito mil seiscentos e vinte e quatro euros) relativa a retribuição correspondente aos meses de novembro e dezembro de 2014 e janeiro e fevereiro de 2015, ou seja desde a data do despedimento, e que até hoje não foram pagos ao Autor;
b) Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €4,27 (quatro euros e vinte e sete cêntimos) por dia de subsídio de alimentação que perfaz o valor de global de €375,76 trezentos e setenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos);
c) Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €365,40 (trezentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos) relativa a diuturnidades;
d) Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €187,88 (cento e oitenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos) correspondente ao subsídio de alimentação de setembro e outubro de 2014;
e) Ser a ré condenada a pagar ao autor Autor uma indemnização, pela qual opta em substituição da reintegração no posto de trabalho, que atento o elevado grau de ilicitude do despedimento, - uma vez que não foram invocados quaisquer factos atinentes ao trabalhador, nem quaisquer circunstâncias objetivas justificativas de cessação do contrato, tal indemnização não deverá ser inferior a 45 dias, o que corresponde o montante de €61.445,99 (€2.156,00:30x45dx19 anos) (sessenta e um mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos), sem prejuízo das demais vincendas até ao trânsito em julgado, já que o A. foi admitido ao serviço da ré em 01 de fevereiro de 1997;
f) Ser a ré condenada a pagar ao autor os proporcionais de férias e subsídio de férias relativas ao tempo de serviço por ele prestado no ano de 2014, ano da cessação do contrato de trabalho, as quais se venceriam em 01/01/2015, sendo que apenas lhe foram pagos os proporcionais calculados à data de 04 de novembro de 2014, pelo que tem a receber a quantia de €566,42 (€2156,00-€1872,79= 283,21x 2).
g) Ser a ré condenada a pagar ao autor subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação ascendendo à quantia de €95,97 (noventa e cinco euros e noventa e sete cêntimos) (€2.156,00 - €2060,07) que a Ré lhe não pagou.
h) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor pela acumulação de funções, pelo menos, a quantia de €24.768,00 (vinte e quatro mil setecentos e sessenta e oito), correspondente à diferença entre a retribuição do Autor de €2156,00 e a remuneração auferida pelo anterior Diretor Executivo de €2.500,00, ou seja de €344,00 mensais (€344,00 x 72 meses = €24.768,00);
i) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de €3.550,00 (três mil quinhentos e cinquenta euros).
j) Mais deve a Ré ser condenada …, quantias que sempre e em qualquer dos casos deverão ser acrescidas dos juros, à taxa legal, que se vencerem até ao efetivo pagamento das mesmas”.
Foi proferido despacho saneador:
“(…) Questão prévia:
Dispõe o nº 4 do artº 98º L do C. P. Trabalho que:
“Se o trabalhador se tiver defendido por exceção, pode o empregador responder à respectiva matéria no prazo de 10 dias; havendo reconvenção, o prazo para resposta é alargado para 15 dias.”
Dada a natureza urgente do presente processo (cfr. al. a) do nº 1 do artº 26º do C.P. Trabalho), aquele prazo não se suspende durante as férias judiciais (cfr. nº 1 do artº 138º do C. P. Civil).
No caso concreto a empregadora foi notificada da contestação/ reconvenção no dia 11/03/2015 e apenas deu entrada da resposta no dia 09/04/2015, ou seja, depois de terem decorrido os 15 dias previstos na lei.
Nestes termos, considera-se extemporaneamente apresentada a aludida resposta.
Nesta conformidade, por constituir a prática de um acto que a lei não admite e ser susceptível de influir no exame e decisão da causa, considera-se nula e de nenhum efeito a mencionada resposta, bem como os documentos juntos (cfr. artº 195º do C. P. Civil “ex vi” al. a) do nº 2 do artº 1 do C. P. Trabalho).
Custas do incidente pela empregadora, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.

*
(…)
O trabalhador veio invocar, além do mais, a caducidade do exercício do poder disciplinar por ter sido proferida por pessoa que não detinha poderes para instaurar procedimento disciplinar e aplicar a sanção disciplinar de despedimento, alegando para o efeito que:
- A Ré convocou uma Assembleia Geral Ordinária Eleitoral a realizar a 30 de julho de 2014, entre as 17 horas e as 20 horas na sua sede social;
- A essa eleição dos membros dos órgãos sociais da Ré concorreram duas listas (A e B), tendo a lista A se intitulado vencedora das eleições;
- A 11 de agosto de 2014, um associado da Ré deu entrada de uma providência cautelar no sentido de serem declaradas suspensas as deliberações tomadas na assembleia geral eleitoral realizada a 30.07.2014, como aliás foi amplamente divulgado nos Órgãos de Comunicação Social Locais;
- Decorrente de tal facto a tomada de posse dos novos Órgãos Sociais da Ré só viria a ocorrer a 09 de Outubro de 2014;
- Assim a decisão de instauração de um processo disciplinar ao A. foi tomada por um órgão, no caso a Direcção da Ré, após a realização das eleições;
- Operando o ato eleitoral a eficácia da cessação jurídica das competências dos órgãos em exercício de funções, tal circunstância tem como consequência que os atos praticados após o dia 30 de julho de 2014, cabem na esfera jurídico-patrimonial da nova entidade jurídica, ou seja, dos novos órgãos eleitos;
-Assim sendo, os titulares dos órgãos cessantes, desde a realização de eleições até à instalação dos novos órgãos, permanecem, com poderes de gestão corrente, poderes esses que permitem a prática de atos correntes e inadiáveis, o que claramente não se enquadra na instauração de processos disciplinares.
Cumpre decidir:
Para a decisão desta exceção, considera-se assente (cfr. nºs 1 e 2 do artº 574º do C. P.Civil “ ex vi” nº 3 do artº 60º e nº 5 do artº 98º L, estes do C.P. Trabalho), que:
- A Ré convocou uma Assembleia Geral Ordinária Eleitoral a realizar a 30 de julho de 2014, entre as 17 horas e as 20 horas na sua sede social;
- A essa eleição dos membros dos órgãos sociais da Ré concorreram duas listas (A e B), tendo a lista A saído vencedora das eleições;
- A 11 de Agosto de 2014, um associado da Ré deu entrada de uma providência cautelar no sentido de serem declaradas suspensas as deliberações tomadas na assembleia geral eleitoral realizada a 30.07.2014;
- Decorrente de tal facto a tomada de posse dos novos Órgãos Sociais da Ré só ocorreu a 09 de outubro de 2014.
A Ré é uma Associação, regendo-se pelo disposto no Código Civil e subsidiariamente pelo Código das Sociedade Comerciais e, enquanto pessoa jurídica de direito privado que é, rege a sua actividade de acordo com os princípios de auto regulação e auto-governo, mediante estatutos e regulamentos por si celebrados.
As regras aplicáveis à Ré na sua actuação e na manifestação da sua vontade -incluindo, e para o que ora interessa, em sede disciplinar são as previstas no Código de Trabalho, mais concretamente, no 329.º, n.º 4 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 a que se reportam as demais disposições legais sem menção de origem) e, bem ainda, nos seus Estatutos, tal como previsto no art.º 167º n.º 2 do C.C.
O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço enquanto vigorar o contrato de trabalho (cfr. artº 98º do C. do Trabalho). O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele (cfr. nº 4 do artº 329º do C. do Trabalho).
O despedimento constitui uma das formas de cessação do contrato de trabalho (artº 340º al. c) do C. do Trabalho), e encontra-se sujeito a procedimento, cuja falta ou invalidade determina a ilicitude - art. 381.º, al. c) do C.T.
O despedimento é ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artº 329º ou ainda quando o respectivo procedimento for inválido nas situações a que alude o n.º 2 do artº 382º.
O legislador continua a prever o poder disciplinar como uma prerrogativa exclusiva do empregador e a conceber dois tipos de procedimentos. Um deles, mais simples, enunciado em termos genéricos, não sujeito a forma escrita e destinado à generalidade das infracções disciplinares. O outro, mais complexo, obrigatoriamente escrito, com fases expressamente definidas e enunciação dos direitos e deveres das partes, destinado à efectivação do despedimento com justa causa do trabalhador.
Através do processo disciplinar o empregador averiguará se os factos que podem consubstanciar infracção disciplinar ocorreram, o circunstancialismo que os rodeou, o grau de culpa do seu autor e procederá à aplicação da sanção. Daí que o processo disciplinar contenha, no essencial, quatro fases: iniciativa do procedimento/acusação, defesa, instrução e decisão.
As formalidades do procedimento disciplinar e da decisão do despedimento constam dos arts. 353º, 355º, 356º e 357º do CT.
Da análise do processo disciplinar instaurado contra o aqui trabalhador verifica-se que:
- a nota de culpa está datada do dia 14 de Agosto de 2014;
- O trabalhador, ali arguido, respondeu à nota de culpa no dia 12 de Setembro de 2014;
- Foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo ali arguido nos dias 25/09/2014 e 03/10/2014;
- Foi proferida decisão de despedimento no dia 1 de Novembro de 2014.
É inquestionável, o que também não foi posto em causa pelo trabalhador, que até à tomada de posse dos novos órgão sociais da R. os anteriores mantiveram-se em funções, dado que a sua substituição não se operou automaticamente com o acto eleitoral mas apenas com a instalação dos novos órgãos.
Questão diversa é a que respeita aos poderes dos órgãos sociais cessantes nesse período de tempo, ou seja, se desde a realização de eleições até à instalação dos novos eleitos, os órgãos permanecem com a totalidade dos seus poderes ou apenas com os de gestão corrente e determinar se a instauração do poder disciplinar é susceptível de integrar um acto da última natureza.
Em nosso entender a instauração do processo disciplinar, a comunicação da nota de culpa, e a inquirição das testemunhas (anotando-se que a decisão disciplinar já foi proferida após a tomada de posse dos novos Órgãos Sociais), constituem, em nosso entender, actos de mera administração, uma vez que através deles não se pretende obrigar a associação em causa, mas apenas a exercitar um poder disciplinar, que é um acto de gestão normal, que, atento o disposto no nº 2 do artº 329º do C. do Trabalho, tem natureza urgente e inadiável.
Nestes termos, consideramos que não se verifica a alegada falta de poderes para instaurar procedimento disciplinar ao aqui trabalhador e, em consequência, não ocorre a invocada caducidade.
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Suscita também o trabalhador a questão da sanção disciplinar que lhe foi aplicada ser juridicamente inexistente, não produzindo efeitos, por os vice-presidentes que assinaram o termo de ocorrência e nomearam o instrutor do procedimento disciplinar, que decidiu aplicar ao A. a sanção disciplinar, não dispunham de competência para tal.
Cumpre decidir :
O artº 32º dos Estatutos (juntos a fls. 132 e ss., que contém as sucessivas alterações) da R. prevê que: Os poderes gerais de gerência e representação da Associação são confiados à Direcção, composta por um Presidente e quatro Vice-Presidentes para as áreas do comércio, serviços/formação profissional, indústria e financeira/administrativa.
O artº 33º dos mesmos estatutos estabelece que: Compete à Direcção: Dirigir e organizar a Associação, fazendo executar os programas de acção próprios e os programas aprovados pela Assembleia Geral (1).
O artº 38º dos referidos Estatutos determina que para obrigar a Associação são necessárias as assinaturas conjuntas do Presidente e de um dos Vice-Presidentes, ou de três Vice-Presidentes.
Da apreciação das citadas disposições legais resulta que os poderes de gerência da Ré são confiados à Direcção, a quem compete dirigir e organizar a mesma, e que, para a obrigar são necessárias as assinaturas conjuntas do Presidente e de um dos Vice-Presidentes, ou de três Vice-Presidentes.
Por seu turno, da consulta do processo disciplinar verifica-se, por um lado, que a decisão de instaurar o processo disciplinar, a de nomeação de instrutor para o processo e bem assim todas as decisões tomadas no processo disciplinar foram tomadas pela Direcção a quem compete, nos termos estatutários, dirigir e organizar a Associação, e por outro, que foi respeitada a forma de obrigar prevista nos estatutos (neste caso a assinatura dos três Vice-Presidentes- cfr. fls. 44 e 45) .
Por último, importa referir que, ao contrário do alegado pelo A., a decisão de despedimento não foi só assinada pelo ilustre mandatário (o instrutor do processo limitou-se a assinar o relatório final), mas sim pela Direcção e subscrita pelo Presidente Eng. … e Vice-Presidentes Dr. … e Dr. … (cfr. fls. 109).
Nestes termos a suscitada questão de inexistência jurídica da decisão por falta de competência dos vice-presidentes que assinaram o termo de ocorrência e nomearam o instrutor do procedimento disciplinar também terá de improceder.
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Invoca também o trabalhador a caducidade do direito de aplicação da sanção nos termos do artº 357º do C. do Trabalho, por terem decorrido mais de 30 dias entre a inquirição da última testemunha e a notificação da decisão de despedimento.
O referido artº 357º do C.T. estatui que o empregador dispõe de trinta dias para proferir a decisão de despedimento sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção (cfr. nº 1), sendo que quando não exista comissão de trabalhadores, como no caso concreto, esse prazo conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução (cfr. nº 2).
Analisando o processo disciplinar verifica-se que a última diligência instrutória ocorreu no dia 16/10/2014 (cfr. fls. 107) e a decisão foi proferida no dia 01/11/2014, sendo certo que é orientação jurisprudencial uniforme que a contagem deste prazo tem por referência a prolação da decisão (neste sentido, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 24/10/2011, processo n.º 416/10.4 TTBRG.P1, disponível na base de dados do ITIJ, e do STJ, de 07/03/2012, in CJSTJ, T. I, págs. 258 e ss.), pelo que é forçoso concluir que entre a realização dos dois actos não decorreram os citados 30 dias e, em consequência, não existe a alegada caducidade.
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Invoca ainda o trabalhador a prescrição do direito de aplicação da sanção disciplinar de despedimento, por terem decorrido mais de 60 dias entre o conhecimento da infracção pela entidade patronal e o início do procedimento disciplinar.
Dispõe o artº 329º, nº 2 do Cód. do Trabalho que: “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
O prazo de caducidade conta-se a partir do conhecimento da infracção pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, diversamente do prazo de prescrição que se conta a partir do momento em que ocorre a prática da infracção.
O art.º 353º, nº 3 do CT preceitua que a contagem dos citados prazos se interrompe com a comunicação/notificação ao trabalhador da nota de culpa. E o art.º 352.º determina que a interrupção acontece igualmente com a instauração do procedimento prévio de inquérito, desde que tal procedimento se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa e seja iniciado e conduzido de forma diligente, não mediando mais de 30 dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa.
Como decorre dos normativos referidos, o prazo de 60 dias é um prazo de caducidade do direito que a lei atribui ao empregador de agir disciplinarmente contra o trabalhador que tenha violado os seus deveres contratuais e inicia-se na data em que a entidade empregadora teve conhecimento não só dos factos que integram a infração disciplinar, mas também da identidade do autor dos mesmos.
No caso concreto consideramos que os autos ainda não fornecem todos os elementos para, com a necessária certeza, decidir esta questão. Com efeito, mostra-se ainda controvertida a concreta data em que a entidade empregadora ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da alegada infracção imputada ao trabalhador- se no decorrer de Junho de 2014, como este alega, ou se no mês de Julho do mesmo ano, como alega a empregadora.
Assim e uma vez que não foi instaurado procedimento prévio de inquérito e a nota de culpa foi notificada ao trabalhador no dia 01/09/2014 a determinação daquela data é fundamental para decidir aquela questão.
Nestes termos decide-se relegar o conhecimento desta questão para a decisão final.
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Por último, suscita ainda o trabalhador a questão de não ter sido junta cópia integral do processo disciplinar, nos termos do nº 3 do artº 98º J do C. P. Trabalho e que, em consequência, deverá ser declarado desde já ilícito o despedimento, com os efeitos previstos nas alíneas a) e c) deste artigo.
Fundamenta essa questão no seguinte:
- na ausência, quando o processo foi consultado pela mandatária, do termo de abertura ou auto de ocorrência e do termo de juntada;
- a não junção integral da resposta à nota de culpa que apresentou; e
- a divergência entre o doc. 1, que foi junto pela R. na motivação e o notificado ao trabalhador.
Relativamente à primeira questão nunca poderia fundamentar a invocada falta, uma vez que, a verificar-se o alegado, nunca consubstanciaria uma falta mas sim um adicionamento.
Por seu turno, relativamente à última ocorrência suscitada não vislumbramos (sendo certo que o trabalhador também não a identificou nem a concretizou, como lhe competia fazer) a existência de qualquer divergência.
No que concerne à não junção integral da resposta, assiste razão ao trabalhador. Na verdade, da análise da referida resposta verifica-se que a mesma não está completa- falta o verso das respectivas folhas (esta omissão terá certamente sido provocada por apenas terem sido tiradas cópias da frente).
Como decorre do disposto no nº 3 do artº 98º J, do C.P.Trabalho a entidade empregadora além de apresentar a motivação do despedimento tem de juntar o processo disciplinar. Se não o fizer a consequência para essa omissão é a declaração da ilicitude do despedimento.
Sucede, porém, que a lei apenas prevê a citada cominação legal para a não junção (total) do processo disciplinar, nada prevendo para a junção parcial das peças que constituem esse processo disciplinar, como ocorre no caso concreto, em que o processo disciplinar junto não inclui, como já referimos, a resposta à nota de culpa (neste sentido Acórdão da Relação do Porto de 22-04-2013, in www.dgsi.pt).
Acresce que o alegado elemento em falta não prejudica a defesa do trabalhador, uma vez que a resposta à nota de culpa, foi por si elaborada, conhecendo, por isso, o seu teor integral.
Concluímos, pois, que a consequência da citada omissão não é a declaração de ilicitude do despedimento prevista no referido artigo.
Sendo, no entanto, junção integral do processo disciplinar essencial para o cabal esclarecimento dos factos e boa decisão da causa, ao abrigo do disposto no artº 411º do C.P.Civil, ex vi” al. a) do nº 2 do artº 1 do C.P.Trabalho, determino que a parte em falta da resposta junta a fls. 260 a 264 fique nos autos.
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Não existem nulidades secundárias, excepções dilatórias ou outras excepções peremptórias que cumpra conhecer.
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Admito liminarmente o pedido reconvencional.
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Objecto do processo:
Saber se:
1 – Se o despedimento do trabalhador é ilícito.
2- Se o trabalhador tem direito a receber:
a) a quantia de relativa a retribuição correspondente aos meses de Novembro e Dezembro de 2014 e Janeiro e Fevereiro de 2015;
b) a quantia de €4,27 (quatro euros e vinte e sete cêntimos) por dia de subsídio de alimentação;
c) a quantia de € 365,40 (trezentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos) relativa a diuturnidades;
d) a quantia de €187,88 (cento e oitenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos) correspondente ao subsídio de alimentação de Setembro e Outubro de 2014;
e) indemnização, pela qual opta em substituição da reintegração no posto de trabalho;
f) os proporcionais em falta de férias e subsídio de férias relativas ao tempo de serviço por ele prestado no ano de 2014, ano da cessação do contrato de trabalho;
g) o subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação;
h) a quantia de € 24.768,00 por acumulação de funções;
i) a quantia correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
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Temas da Prova:
(…)”.
O trabalhador requereu:
“ … vem, nos termos nos termos do nº 2 do artigo 596º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 1º n.º 2 al. a) do CPT RECLAMAR DO DESPACHO SANEADOR, o que o faz nos termos e com os seguintes
FUNDAMENTOS
O Despacho Saneador que ora se reclama foi proferido no âmbito da Ação de Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento, a qual reveste forma especial, cabendo ao empregador a apresentação de articulado motivador do despedimento e prova da justa causa do mesmo, e ao trabalhador a alegação da causa de pedir da ilicitude do despedimento e a formulação dos correspondentes pedidos decorrentes dessa ilicitude, podendo ainda peticionar os créditos emergentes do contrato de trabalho.
Nos presentes autos o Autor deu entrada do respectivo formulário para impugnação da licitude e regularidade do despedimento a 12 de Novembro de 2014,
Tendo a Ré, entidade empregadora, junto, aquele que entendeu ser a totalidade do processo disciplinar a 30 de Janeiro de 2015,
Por sua vez, o Autor contestou a motivação de despedimento e deduziu reconvenção a 16 de Fevereiro de 2015, tendo a Ré sido notificada deste articulado a 11 de Março de 2015.
E ao qual respondeu a 09 de abril de 2015.
Ora, estando em causa um processo urgente e tendo o Autor deduzido reconvenção, nos termos dos artigos 26.º n.º 1 al. a) e 98.º-L, n.º 4 do CPT, a resposta a esta foi claramente extemporânea, pelo que correctamente decidiu o tribunal a quo pela extemporaneidade da mesma, considerando-a nula e de nenhum efeito, bem como os documentos juntos.
Assim e nos termos dos artigos 60.º do Código de Processo de Trabalho e 574.º do Código de Processo Civil, no caso de o valor da causa exceder a alçada do tribunal e caso o réu se tenha defendido por excepção, pode o autor responder à respectiva matéria.
Pelo que, entende o autor que os factos não contestados teriam de se considerar admitidos por acordo, ou seja, as excepções e o pedido reconvencional deveriam ter sido considerados provados e em consequência ser imediatamente declarada a ilicitude do seu despedimento.
POSTO ISTO,
Igual entendimento não teve o tribunal a quo que julgou improcedentes as excepções alegadas relegando apenas o conhecimento da “prescrição do direito de aplicação da sanção disciplinar de despedimento, por terem decorrido mais de 60 dias entre o conhecimento da infracção pela entidade patronal e o início do procedimento disciplinar” para decisão final,
Mas admitiu liminarmente o pedido reconvencional.
10º
Não obstante tal facto e ainda que se entenda configurar objecto do processo, o que não se concebe, saber se o despedimento do trabalhador é ilícito e se este tem direito a receber as quantias peticionadas a título de créditos salariais decorrentes da invocada ilicitude,
11º
Já o mesmo não se pode admitir relativamente aos pedidos inovadores feitos em sede de reconvenção, nomeadamente, no que se refere à quantia de €24.768,00 (vinte e quatro mil setecentos e sessenta e oito euros) por acumulação de funções e à quantia de €3.550,00 (três mil quinhentos e cinquenta euros) correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
12º
Quanto a tais pedidos deveria a Ré, em articulado de resposta, ter tomado posição sobre os elementos constitutivos da mesma, impugnando-os ou invocando elementos impeditivos, modificativos ou extintivos e do correlativo efeito jurídico.
13º
Pelo que não tendo a Ré produzido articulado de resposta, incumpriu o ónus de impugnar a factualidade integrante da reconvenção, devendo, por isso, nos termos das disposições combinadas dos artigos 60º n.º 3 do Código de Processo de Trabalho e 490º, n.º 2 do CPC (actual 574.º CPC), considerar-se admitida por acordo, no pressuposto de quanto à matéria aí alegada ser admitida a confissão e a sua prova não se encontrar dependente da existência de documento escrito (neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no AC. de 03.02.2010 do Relator Vasques Dinis in www.dgsi.pt).
14º
Assim e concretamente no que respeita à quantia peticionada a título de acumulação de funções e quanto à quantia peticionada a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por terem sido peticionados no articulado de Reconvenção e não impugnados pela Ré e não constituindo créditos emergentes da licitude ou ilicitude do despedimento, e portanto não contrariados em qualquer articulado apresentado pela Ré, desde logo no articulado para motivar o despedimento, sempre estes teriam de ser considerados assentes.
15º
Assim não se afigurando tais créditos como emergentes do despedimento e não tendo sido impugnados nem contrariados em qualquer articulado teriam os mesmos de ser dados como provados, o que não aconteceu no despacho saneador proferido.
16º
Em face do supra exposto, deve a reclamação interposta pelo Autor ser recebida e consequentemente ser reformulado o objeto do processo excluindo as alíneas h) e i) considerando-se que tais factos, porque não impugnados, se encontram admitidos por acordo, desde logo porque, também, não se traduzem em créditos emergentes do despedimento e não se encontram contrariados em qualquer articulado apresentado pela Ré.
TERMOS EM QUE,
… deve conceder-se integral provimento à presente reclamação e em consequência, reformulado o objecto do processo”.
Recorreu na mesma data, recurso admitido a subir em separado.
Concluiu:
1- DO NÃO CUMPRIMENTO DO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
1ª - Vem o presente recurso interposto do Despacho Saneador que julgou improcedentes as excepções de caducidade do exercício do direito de poder disciplinar, por ter sido proferida por pessoa que não detinha poderes para instaurar procedimento disciplinar e aplicar a sanção disciplinar de despedimento, de caducidade do direito de aplicação da sanção nos termos do artigo 357.º do Código do Trabalho, da nulidade do procedimento disciplinar por falta de junção do procedimento disciplinar nos termos do artigo 98.º J) do Código de Processo de Trabalho e relegou o conhecimento para decisão final da prescrição do direito de aplicação da sanção disciplinar de despedimento, por terem decorrido mais de 60 dias entre o conhecimento da infracção pela entidade patronal e o início do procedimento disciplinar,
2ª - Entende o Apelante que estando em causa um processo urgente (Ação de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento) e tendo este contestado e reconvindo, tendo a Apelada sido notificada de tais articulados a 11 de março de 2015, nos termos dos artigos 26.º n.º 1 al, a) e 98.º-L, n.º 4 do CPT, a resposta apresentada por esta a 09 de abril de 2015 se afigura claramente extemporânea, como bem decidiu o tribunal a quo.
3ª - Não tendo a Apelada produzido articulado de resposta, incumpriu o ónus de impugnar a factualidade integrante da excepção, devendo, por isso, nos termos das disposições combinadas dos artigos 60º n.º 3 do Código de Processo de Trabalho e 490º, n.º 2 do CPC, considerar-se admitida por acordo, no pressuposto de quanto a ela ser admitida a confissão e a sua prova não se encontrar dependente da existência de documento escrito (neste sentido decidiu o o Supremo Tribunal de Justiça no AC. de 03.02.2010 do Relator Vasques Dinis in www.dgsi.pt).
4ª - Erroneamente decidiu o tribunal a quo quando julgou improcedentes as excepções deduzidas pelo Autor e quando relegou para o objecto do processo matérias alegadas e não contestadas em sede de reconvenção, nomeadamente, a quantia relativa à retribuição correspondente aos meses de Novembro e Dezembro de 2014 e Janeiro e Fevereiro de 2015; a quantia de €4,27 (quatro euros e vinte e sete cêntimos) por dia, relativa a subsídio de alimentação; a quantia de €365,40 (trezentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos) relativa a diuturnidades; a quantia de €187,88 (cento e oitenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos), correspondente ao subsídio de alimentação de setembro e outubro de 2014; a indemnização pela qual opta em substituição da reintegração no posto de trabalho; os proporcionais em falta de férias relativas ao tempo de serviço prestado no ano de 2014, ano da cessação do contrato; o subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação; a quantia de €24.768,00 (vinte e quatro mil e setecentos e sessenta e oito euros) por acumulação de funções e a quantia correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos,
5ª - No que concretamente respeita à quantia peticionada a título de acumulação de funções, no valor de €24.768,00 e quanto à quantia peticionada a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de €3.550,00 por terem sido peticionados no articulado de Reconvenção e não impugnados pela Apelada e não constituindo créditos emergentes da licitude ou ilicitude do despedimento, e portanto não contrariados em qualquer articulado apresentado pela Apelada, desde logo no articulado para motivar o despedimento, sempre estes teriam de ser considerados assentes.
A) QUANDO À EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE CADUCIDADE DO EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR POR TER SIDO PROFERIDA POR PESSOA QUE NÃO DETINHA PODERES PARA INSTAURAR PROCEDIMENTO DISCIPLINAR E APLICAR A SANÇÃO DISCIPLINAR DE DESPEDIMENTO
6ª - Com o ato eleitoral ocorrido a 30 de julho de 2014, para eleição dos novos corpos dirigentes da Apelada, operou a eficácia da cessação jurídica das competências dos órgãos em exercício de funções, pelo que todos os atos praticados após o dia 30 de julho de 2014 seriam da competência dos novos órgãos eleitos, permanecendo os órgãos cessantes apenas com poderes de gestão corrente.
7ª- Assim sendo, os titulares dos órgãos cessantes, desde a realização de eleições até à instalação dos novos órgãos, permaneceram, com poderes de gestão corrente, poderes esses que permitem a prática de atos correntes e inadiáveis, o que claramente não se enquadra na instauração de processos disciplinares e nomeação de Instrutor desse mesmo processo.
8ª - Salvo melhor entendimento, sempre os órgãos cessantes poderiam levar a cabo um procedimento prévio de inquérito para fundamentar uma eventual nota de culpa a remeter ao trabalhador mas teria sempre de ser a nova direcção a deliberar a instauração desse procedimento e a nomeação de Instrutor bem como a decisão de suspender preventivamente o Apelante, pelo que tendo o exercício do poder disciplinar sido proferido por pessoa que não detinha poderes para instaurar procedimento disciplinar, entende o recorrente que se verificou a caducidade do mesmo.
9ª - No que concerne, à inexistência da aplicação disciplinar por os vice-presidentes que assinaram o termo de ocorrência e nomearam o instrutor do procedimento disciplinar não disporem de competência para tal, não existe qualquer deliberação do Presidente da Apelada a determinar a instauração de processo disciplinar ao Apelante ou delegação de poderes deste aos seus Vice-Presidentes, nem se verifica existir qualquer deliberação do Presidente a nomear o instrutor do procedimento disciplinar.
10ª - Tal como se refere no despacho ora recorrido, apenas foi junto ao articulado de motivação do despedimento Auto de Ocorrência, datado de 12 de agosto de 2014, no qual se indica que a Direcção da ACIG teve conhecimento das supostas ações do então trabalhador Sérgio Vaz, ora recorrente - autor, auto esse assinado pelos Vice­-Presidentes.
11ª - Resulta do disposto no n.º 4 do art.º 35.º dos Estatutos da Apelada que “Compete especialmente ao Presidente da Direcção orientar superiormente os respectivos serviços.”, pelo que não existindo no processo disciplinar qualquer documento que comprove o ato de delegação de poderes nos Vice-Presidentes, nem qualquer documento que comprove a deliberação do Presidente da Ré a determinar a instauração do processo disciplinar ao Autor, e não tendo os Vice-Presidentes da Direcção da Ré competência própria em matéria disciplinar, terá de se concluir que este processo foi instaurado por quem não tinha competência para tal, pelo que a sanção disciplinar aplicada ao Apelante é inexistente, por absoluta falta de poder disciplinar.
12ª - Entende o Apelante que deveria o tribunal a quo ter decidido pela procedência da excepção invocada, e consequentemente ter declarado a caducidade do exercício do poder disciplinar.
B) DA EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE CADUCIDADE DO DIREITO DE APLICAÇÃO DA SANÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 357.º DO CÓDIGO DE TRABALHO
13ª - Não consta do processo disciplinar qualquer deliberação da entidade entregadora, ora apelada, nem do seu instrutor a requerer a notificação das testemunhas cujo depoimento considerava essenciais para proferir a decisão do processo disciplinar, contudo com o articulado a motivar o despedimento, a entidade empregadora, aqui apelada, juntou três autos de inquirição de testemunhas datados de 07, 14 e 16 de outubro de 2014, e portanto realizados em datas posteriores às inquirições efetuadas às testemunhas indicadas pelo apelante e inquiridas pela apelada.
14ª - É entendimento do ora apelante, que não foi notificado de qualquer outra inquirição de testemunhas, que, por um lado, deveria constar do processo disciplinar a deliberação da realização da inquirição de testemunhas, como prova da notificação das mesmas e, por outro lado, deveria ter sido notificado de tais diligências probatórias efectivadas pela apelada, entidade empregadora, pois, na senda da proteção constitucional dada aos trabalhadores e estipulada nos artigos 53.º, 58.º, 59.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, deveria este ter conhecimento de todos os atos instrutórios do processo disciplinar contra si instaurado por forma a atestar da veracidade ou não dos autos de inquirição de testemunhas entretanto juntos ao processo.
15ª - Deve considerar-se como última diligência instrutória no processo disciplinar a requerida pelo trabalhador na resposta à nota de culpa e realizada pela entidade empregadora, ou seja, a 03 de outubro de 2014.
16ª - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07 de março de 2012, indicado no despacho de que se recorre deve ser interpretado na perspetiva de o trabalhador não ter requerido quaisquer diligências de prova, devendo considerar-se, salvo melhor entendimento que, caso sejam requeridas diligências, dever-se-á contar o prazo mencionado no n.º 2 do artigo 357.º, pois se assim não for ficarão em causa a certeza e segurança jurídicas, por a todo o tempo a entidade empregadora ter a possibilidade de requerer novas diligências de prova, perdurando consequentemente a suspensão do trabalhador, o que de todo não pode ser aceitável.
17ª - Decorridos que foram mais de 30 dias desde a realização da inquirição das testemunhas e a notificação ao Autor, ora apelante, da decisão de despedimento, caducou o direito da Ré, ora apelada, devendo ter operado a excepção de caducidade do direito de aplicação da sanção de despedimento, nos termos do artigo 357.º do Código do Trabalho.
C) DA EXCREÇÃO PEREMPTÓRIA DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE APLICAÇÃO DA SANÇÃO DISCIPLINAR DE DESPEDIMENTO, POR TEREM DECORRIDO MAIS DE 60 DIAS ENTRE O CONHECIMENTO DA INFRACÇÃO PELA ENTIDADE PATRONAL E O INÍCIO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
18ª - É a própria Ré, entidade empregadora, aqui apelada, quem precisou o dia em que o Autor, trabalhador, e aqui apelante, alegadamente se encontrou com uma das testemunhas e com a qual manteve alegadas conversas que seriam susceptíveis de fundamentar a instauração de um processo disciplinar, tendo este sido em 12 de junho de 2014, ao passo que o encontro com outra das testemunhas ocorreu uma semana após o encontro com a primeira.
19ª - Tendo ambos os encontros ocorrido no mês de junho de 2014, sendo que uma das testemunhas faz parte do Conselho Fiscal da Ré, não poderá deixar de se entender que teve a entidade empregadora conhecimento dos alegados factos no decorrer do mês de junho de 2014, pelo que o prazo de 60 dias ter-se-á iniciado em finais de junho e terá terminado em finais de agosto de 2014, sendo assim extemporânea a notificação da nota de culpa ao trabalhador, ora apelante, a 01 de setembro de 2014.
20ª - Deve proceder a excepção de caducidade/prescrição do direito de aplicação da sanção disciplinar de despedimento, por terem decorrido mais de 60 dias entre o conhecimento da infracção pela entidade patronal e o início do procedimento disciplinar, tendo assim o tribunal a quo elementos para, imediatamente, se pronunciar pela procedência da excepção invocada pelo Apelante.
D) DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DA NULIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR POR FALTA DE JUNÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR NOS TERMOS DO ARTIGO 98.º-J) DOCPT
21ª - A resposta à nota de culpa apresentada pelo Autor-trabalhador não foi junta aos autos na sua totalidade, sendo omitidos artigos que fazem parte da mesma e sobre os quais as testemunhas arroladas pelo ora apelante foram inquiridas, à revelia do artigo 98.º J) do Código de Processo do Trabalho.
22ª - Sobre a Apelada impendia o ónus da junção de todo o processo disciplinar, não podendo proceder à escolha de partes do processo disciplinar que considere mais relevantes e apresentá-los, sem uma sequência, no Tribunal, pelo que, nos termos do artigo 98.º - J) do CPT deverá o Tribunal declarar a ilicitude do despedimento, com as demais consequências referidas na lei (neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 16/05/2012 (processo 3040/09.0TILSB-D.Ll-4, acessível em www.dgsi.pt.
23ª - Por se considerar nulo e de nenhum efeito os documentos juntos, e por imposição do disposto no citado artigo 98.º-J, do Código de Processo do Trabalho, deverá o Tribunal declarar a ilicitude do despedimento, com as demais consequências referidas na lei.
24ª - o despacho saneador recorrido violou ou fez errada aplicação do disposto nos artigos 60º, 26.º n.º 1 al. a) e 98.º-L e J) do CPT, 574º do CPC, artigo 35º dos Estatutos da Apelada, artigo 357º e 329º do CT e artigos 53.º, 58.º, 59.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente aqui se invoca, não podendo, pois, manter-se.
Termina pretendendo a procedência do recurso, devendo “julgar-se procedentes e provadas as excepções alegadas pelo Apelante e em consequência ser revogado o Despacho Saneador recorrido, julgando-se, pois, que o despedimento do Apelante foi ilícito”.
A empregadora contra-alegou e respondeu ao requerimento da reclamação mas, formalmente, sem deduzir conclusões.
Quando admitido o recurso foi proferido este despacho:
“Veio o trabalhador reclamar do objecto do processo fixado, pedindo a sua reformulação, com exclusão das alíneas h) e i), com o fundamento que não tendo sido impugnados os factos nelas contidos, tem de ser considerados admitidos por acordo e dados como provados.
Respondeu a empregadora, alegando, no essencial, que o saneador e objecto do processo fixado não devem ser alterados, porquanto não está legalmente prevista qualquer cominação para a falta de resposta à reconvenção e, mesmo que assim não se entendesse, sempre o pedido do trabalhador não podia ser atendido atento o disposto no nº 2 do artº 574º do C.P. Civil.
Cumpre decidir:
Como resulta do despacho referª 145102096 face à sua apresentação intempestiva, foi considerada nula e de nenhum efeito a resposta apresentada pelo empregador.
A reclamação apresentada pelo trabalhador assenta essencialmente no efeito cominatório que a lei estabelece para a falta de apresentação desse articulado. Não perfilhamos, no entanto, o entendimento do empregador no sentido que a lei não prevê qualquer efeito cominatório para essa omissão. Na verdade, tem sido entendido que a redacção vigente do artº 60º do C. P. Trabalho é a prevista no nº 1 do Dec.-Lei nº 295/2009, de 13/10, cujo nº 4, reproduz o nº 3 do artº 60º na redacção que lhe foi conferida pelo Dec.- Lei nº 480/99, de 09/11, ou seja, que: “A falta de resposta à excepção ou à reconvenção tem o efeito previsto nº 490º do Código de Processo Civil”, e, em consequência, a remissão feita no nº 5 do artº 98º L é para citado nº 4 do artº 60º, anterior, nº 3, e não a da republicação do C.P.Trabalho, que naquele artigo apresenta uma inexactidão.
Ora, o artº 574 º do C.P. Civil (que corresponde parcialmente ao anterior artº 490º) prescreve que:
«1- Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2- Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto.» (sublinhado nosso).
Na elaboração do despacho saneador, mais concretamente, na apreciação das excepções invocadas, o tribunal atendeu ao disposto nessas disposições legais, pois não podemos ignorar que o empregador já tinha junto o articulado a que alude o artº 98º J do C. P.Trabalho e que nesse articulado, além de ter sido junto o processo disciplinar, com os documentos que o constituem, foram ainda invocados factos que motivam o despedimento e que estão em oposição com os factos alegados pelo A. na sua contestação e nomeadamente com aqueles que fundamentam as excepções invocadas.
No que tange à reclamação apresentada pelo trabalhador importa referir que a fixação do objecto do processo não contende com o ónus de impugnação previsto na primeira parte do nº 2 do artº 574º do C. P. Civil, uma vez que a fixação do objecto do litígio, destina-se tão só a definir as questões a debater e não os factos que estão ou não assentes, sendo que só os que constam dos temas da prova é que integram os factos essenciais controvertidos para a procedência da acção e das excepções arguidas.
Ora, independentemente de se consideram assentes os factos relevantes para decisão daquelas questões - contidas nas citadas alíneas h) e i) do nº 2 do objecto do processo -, por aplicação do citado efeito cominatório (que quanto aos factos da reconvenção foi considerado, tantos mais que não se levaram aos temas da prova), o certo é que continuam a integrar uma questão a debater do ponto de vista da apreciação jurídica.
Nestes termos indefere-se o requerido.
(…)”.
O processo foi com vista ao MP dando o seu parecer no sentido da procedência do recurso.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
As questões a conhecer revertem para o conhecimento: da caducidade do procedimento disciplinar para a sua prossecução de quem não detinha poderes para tanto, aplicando sanção disciplinar de despedimento; da inexistência da sanção disciplinar por falta de competência disciplinar; da caducidade do direito de aplicação da sanção nos termos do artº 357º do CT; da caducidade do procedimento disciplinar nos termos do artº 329º, nº 2 do CT; da ilicitude do despedimento prevista no artº 98º-J do CPT; e de pedidos relativos a quantias da retribuição, do subsídio de alimentação, de diuturnidades, da indemnização em substituição da reintegração, dos proporcionais de férias, do subsídio de Natal, da acumulação de funções e dos danos não patrimoniais.
Os factos a considerar são os que objectivamente resultam do relatório, sem prejuízo de outros que se venham a fixar se oportuno e necessário para a boa decisão da causa.
Posto isto
Da caducidade do procedimento disciplinar para a sua prossecução de quem não detinha poderes para tanto, aplicando sanção disciplinar de despedimento.
Para o efeito o tribunal a quo deu como assente: “a Ré convocou uma Assembleia Geral Ordinária Eleitoral a realizar a 30 de julho de 2014, entre as 17 horas e as 20 horas na sua sede social”; “a essa eleição dos membros dos órgãos sociais da Ré concorreram duas listas (A e B), tendo a lista A saída vencedora das eleições”; “a 11 de Agosto de 2014, um associado da Ré deu entrada de uma providência cautelar no sentido de serem declaradas suspensas as deliberações tomadas na assembleia geral eleitoral realizada a 30.07.2014”; “decorrente de tal facto a tomada de posse dos novos Órgãos Sociais da Ré só ocorreu a 09 de outubro de 2014”.
Esta matéria não foi rebatida pelo recorrente.
É tese do mesmo que a direcção da recorrida quando fez prosseguir o procedimento e tomou a decisão final depois de ser eleita a nova direcção sem ter ainda tomado posse não tinha competência.
Refere: “assim sendo, os titulares dos órgãos cessantes, desde a realização de eleições até à instalação dos novos órgãos, permanecem, com poderes de gestão corrente, poderes esses que permitem a prática de actos correntes e inadiáveis, o que claramente não se enquadra na instauração de processos disciplinares e nomeação de Instrutor desse mesmo processo.
Assim, e salvo melhor entendimento, sempre os órgãos cessantes poderiam levar a cabo um procedimento prévio de inquérito para fundamentar uma eventual nota de culpa a remeter ao trabalhador, ora apelante, mas teria sempre de ser a nova direcção a deliberar a instauração desse procedimento e a nomeação de Instrutor bem como a decisão de suspender preventivamente o trabalhador.
Ora tendo o exercício do poder disciplinar sido proferida por pessoa que não detinha poderes para instaurar procedimento disciplinar, entende o recorrente que se verificou a caducidade do mesmo”.
Ainda: “…. todos os actos praticados após o dia 30 de julho de 2014 seriam da competência dos novos órgãos eleitos, permanecendo os órgãos cessantes apenas com poderes de gestão corrente”, “(…) poderes esses que permitem a prática de actos correntes e inadiáveis, o que claramente não se enquadra na instauração de processos disciplinares e nomeação de Instrutor desse mesmo processo”.
Ademais, reconhece no seu articulado de contestação que “… após as eleições e até à instalação dos respectivos órgãos, os titulares dos órgãos cessantes manterem-se em funções com as competências, os direitos e os deveres respectivos, de acordo com a exigência do princípio da continuidade, que determina que “os titulares dos órgãos servem pelo período do mandato e mantêm-se em funções até serem legalmente substituídos””.
Não se poderá olvidar que na conjugação dos artº 329º e 352º a 357º do CT o procedimento disciplinar deve ser célere.
O artº 352º do CT só confere ao inquérito prévio a possibilidade de interromper a “contagem dos prazos” da prescrição do exercício do poder disciplinar e do início do mesmo desde o conhecimento da infracção, previstos no artº 329º, nºs 1 e 2 do mesmo diploma.
E tal traduz-se na urgência e da não postergação de qualquer passo da tramitação do processo disciplinar.
Nos estatutos da recorrida não se destaca qualquer excepção nesta matéria quanto aos poderes de gerência e representação desde a designação do dia da eleição dos membros dos órgãos sociais até à sua tomada de posse.
Sendo assim, bem se decidiu na sentença quando refere:
“A Ré é uma Associação, regendo-se pelo disposto no Código Civil e subsidiariamente pelo Código das Sociedade Comerciais e, enquanto pessoa jurídica de direito privado que é, rege a sua actividade de acordo com os princípios de auto regulação e auto-governo, mediante estatutos e regulamentos por si celebrados.
As regras aplicáveis à Ré na sua actuação e na manifestação da sua vontade -incluindo, e para o que ora interessa, em sede disciplinar são as previstas no Código de Trabalho, mais concretamente, no 329.º, n.º 4 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 a que se reportam as demais disposições legais sem menção de origem) e, bem ainda, nos seus Estatutos, tal como previsto no art.º 167º n.º 2 do C.C.
O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço enquanto vigorar o contrato de trabalho (cfr. artº 98º do C. do Trabalho). O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele (cfr. nº 4 do artº 329º do C. do Trabalho).
O despedimento constitui uma das formas de cessação do contrato de trabalho (artº 340º al. c) do C. do Trabalho), e encontra-se sujeito a procedimento, cuja falta ou invalidade determina a ilicitude - art. 381.º, al. c) do C.T.
O despedimento é ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artº 329º ou ainda quando o respectivo procedimento for inválido nas situações a que alude o n.º 2 do artº 382º.
O legislador continua a prever o poder disciplinar como uma prerrogativa exclusiva do empregador e a conceber dois tipos de procedimentos. Um deles, mais simples, enunciado em termos genéricos, não sujeito a forma escrita e destinado à generalidade das infracções disciplinares. O outro, mais complexo, obrigatoriamente escrito, com fases expressamente definidas e enunciação dos direitos e deveres das partes, destinado à efectivação do despedimento com justa causa do trabalhador.
Através do processo disciplinar o empregador averiguará se os factos que podem consubstanciar infracção disciplinar ocorreram, o circunstancialismo que os rodeou, o grau de culpa do seu autor e procederá à aplicação da sanção. Daí que o processo disciplinar contenha, no essencial, quatro fases: iniciativa do procedimento/acusação, defesa, instrução e decisão.
As formalidades do procedimento disciplinar e da decisão do despedimento constam dos arts. 353º, 355º, 356º e 357º do CT.
Da análise do processo disciplinar instaurado contra o aqui trabalhador verifica-se que:
- a nota de culpa está datada do dia 14 de Agosto de 2014;
- O trabalhador, ali arguido, respondeu à nota de culpa no dia 12 de Setembro de 2014;
- Foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo ali arguido nos dias 25/09/2014 e 03/10/2014;
- Foi proferida decisão de despedimento no dia 1 de Novembro de 2014.
É inquestionável, o que também não foi posto em causa pelo trabalhador, que até à tomada de posse dos novos órgão sociais da R. os anteriores mantiveram-se em funções, dado que a sua substituição não se operou automaticamente com o acto eleitoral mas apenas com a instalação dos novos órgãos.
Questão diversa é a que respeita aos poderes dos órgãos sociais cessantes nesse período de tempo, ou seja, se desde a realização de eleições até à instalação dos novos eleitos, os órgãos permanecem com a totalidade dos seus poderes ou apenas com os de gestão corrente e determinar se a instauração do poder disciplinar é susceptível de integrar um acto da última natureza.
Em nosso entender a instauração do processo disciplinar, a comunicação da nota de culpa, e a inquirição das testemunhas (anotando-se que a decisão disciplinar já foi proferida após a tomada de posse dos novos Órgãos Sociais), constituem, em nosso entender, actos de mera administração, uma vez que através deles não se pretende obrigar a associação em causa, mas apenas a exercitar um poder disciplinar, que é um acto de gestão normal, que, atento o disposto no nº 2 do artº 329º do C. do Trabalho, tem natureza urgente e inadiável.
Nestes termos, consideramos que não se verifica a alegada falta de poderes para instaurar procedimento disciplinar ao aqui trabalhador e, em consequência, não ocorre a invocada caducidade”.
Da inexistência da sanção disciplinar.
A recorrente suscita-a na sequência da questão anterior, ou seja, designadamente, porque os vice-presidentes que assinaram o “auto de ocorrência” em 12.08.2014 e aí nomearam o instrutor do procedimento não dispunham de competência para o efeito, na medida em que “não existe qualquer deliberação do Presidente da Ré a determinar a instauração de processo disciplinar ao trabalhador ou delegação de poderes deste aos Vice-Presidentes da Ré” e “não existe igualmente qualquer deliberação do Presidente a nomear o instrutor do procedimento disciplinar”.
Filia-se também no disposto no artº 35º, nº 4 dos citados estatutos, pelo qual “Compete especialmente ao Presidente da Direcção orientar superiormente os respectivos serviços”.
A previsão de tal norma estatutária até pela sua abstracção antes conflui com o que dispõe nos respectivos artºs 32º, 36º e 38º.
No auto de ocorrência nomeia-se instrutor e a nele se delegam poderes para a realização do procedimento disciplinar: “… pelo que foi decidido instaurar ao trabalhador um processo disciplinar com intenção de despedimento, nomeando-se para o efeito, como instrutor do processo o Exmo Senhor Dr. …, advogado ….”.
O relatório final, em conformidade, é por ele assinado e com base nele, fazendo seus os respectivos termos, se profere decisão final comunicada ao recorrente. Esta é assinada em 01.11.2014 pelo presidente e dois vice-presidentes.
Quer dizer ainda que se alguma irregularidade se pudesse assacar ao procedimento com a sua assinatura nessa decisão o presidente da recorrida acaba por ratificar todo o procedimento entretanto realizado.
Nada ocorre, pois, em detrimento do procedimento nesta parte atento ao disposto nos artºs 356º e 382º do CT.
Daí que mais uma vez se concorde com o decidido:
“O artº 32º dos Estatutos (juntos a fls. 132 e ss., que contém as sucessivas alterações) da R. prevê que: Os poderes gerais de gerência e representação da Associação são confiados à Direcção, composta por um Presidente e quatro Vice-Presidentes para as áreas do comércio, serviços/formação profissional, indústria e financeira/administrativa.
O artº 33º dos mesmos estatutos estabelece que: Compete à Direcção: Dirigir e organizar a Associação, fazendo executar os programas de acção próprios e os programas aprovados pela Assembleia Geral (1).
O artº 38º dos referidos Estatutos determina que para obrigar a Associação são necessárias as assinaturas conjuntas do Presidente e de um dos Vice-Presidentes, ou de três Vice-Presidentes.
Da apreciação das citadas disposições legais resulta que os poderes de gerência da Ré são confiados à Direcção, a quem compete dirigir e organizar a mesma, e que, para a obrigar são necessárias as assinaturas conjuntas do Presidente e de um dos Vice-Presidentes, ou de três Vice-Presidentes.
Por seu turno, da consulta do processo disciplinar verifica-se, por um lado, que a decisão de instaurar o processo disciplinar, a de nomeação de instrutor para o processo e bem assim todas as decisões tomadas no processo disciplinar foram tomadas pela Direcção a quem compete, nos termos estatutários, dirigir e organizar a Associação, e por outro, que foi respeitada a forma de obrigar prevista nos estatutos (neste caso a assinatura dos três Vice-Presidentes- cfr. fls. 44 e 45).
Por último, importa referir que, ao contrário do alegado pelo A., a decisão de despedimento não foi só assinada pelo ilustre mandatário (o instrutor do processo limitou-se a assinar o relatório final), mas sim pela Direcção e subscrita pelo Presidente Eng. … e Vice-Presidentes Dr. … e Dr. … (cfr. fls. 109).
Nestes termos a suscitada questão de inexistência jurídica da decisão por falta de competência dos vice-presidentes que assinaram o termo de ocorrência e nomearam o instrutor do procedimento disciplinar também terá de improceder”.
Da caducidade do direito de aplicação da sanção nos termos do artº 357º do CT.
Segundo o apelante visto que decorreu mais de 30 dias entre a inquirição da última testemunha e a notificação da decisão de despedimento, isto apesar de três autos de inquirição de testemunhas serem datados de 07, 14 e 16.10.2014, respetivamente, mas sendo essas inquirições “realizados em datas posteriores às inquirições efetuadas às testemunhas indicadas pelo auto e inquiridas pela apelada”, não constar “do processo disciplinar qualquer deliberação da entidade entregadora, ora apelada, nem do seu instrutor a requerer a notificação das testemunhas cujo depoimento considerava essenciais para proferir a decisão do processo disciplinar, porquanto nem se indica a forma como estas foram notificadas para comparecer na entidade patronal nem a data em que tal terá ocorrido” e “apenas foi junto o auto de inquirição do qual o ora apelante não foi notificado para estar presente nem teve conhecimento da sua realização”. Assim, acrescenta, “na senda da proteção constitucional dada aos trabalhadores e estipulada nos artigos 53.º, 58.º, 59.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, deveria este ter conhecimento de todos os atos instrutórios do processo disciplinar contra si instaurado por forma a atestar da veracidade ou não dos autos de inquirição de testemunhas entretanto juntos ao processo” e “deve considerar-se como última diligência instrutória a requerida pelo trabalhador na contestação e realizada pela entidade empregadora, ou seja, a 03 de outubro de 2014”.
Ainda que assim fosse, uma vez que a recorrente só em abstracto avança com a inconstitucionalidade desde já se dirá que não se vislumbra como o tribunal a quo violou directamente tais preceitos constitucionais (um referente às garantias do processo criminal e os demais remetendo-nos ou para a segurança no emprego onde no máximo, atinente à matéria que nos ocupa, se proíbe os despedimentos sem justa causa, o direito ao trabalho e aos direitos dos trabalhadores) na aplicação da lei ordinária que efectuou.
Por seu turno, as diversas inquirições respeitam aos dias 25.09.2014, 03.10.2014, 07.10.2014, 14.10.2014 e 16.10.2014.
Em 06.10.2014 a recorrida manifestou ao instrutor a pretensão serem inquiridas mais testemunhas.
A lei não prevê outra tramitação ou intervenção do visado disciplinar para além do que do que o procedimento permite evidenciar.
Nestes termos, face ao disposto no artº 357º, nºs 1 e 2 do CT e em linha com o disposto no seu artº 356º, nº 5 do CT não se vê como não concordar com a decisão, de resto alicerçada em jurisprudência que não permite qualquer outra interpretação destas normas:
“O referido artº 357º do C.T. estatui que o empregador dispõe de trinta dias para proferir a decisão de despedimento sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção (cfr. nº 1), sendo que quando não exista comissão de trabalhadores, como no caso concreto, esse prazo conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução (cfr. nº 2).
Analisando o processo disciplinar verifica-se que a última diligência instrutória ocorreu no dia 16/10/2014 (cfr. fls. 107) e a decisão foi proferida no dia 01/11/2014, sendo certo que é orientação jurisprudencial uniforme que a contagem deste prazo tem por referência a prolação da decisão (neste sentido, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 24/10/2011, processo n.º 416/10.4 TTBRG.P1, disponível na base de dados do ITIJ, e do STJ, de 07/03/2012, in CJSTJ, T. I, págs. 258 e ss.), pelo que é forçoso concluir que entre a realização dos dois actos não decorreram os citados 30 dias e, em consequência, não existe a alegada caducidade”.
Tudo como se refere no primeiro aresto citado:
“Esse prazo conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução - n.ºs 1 e 2 do art. 357.º.
Este Supremo Tribunal teve já ensejo de emitir pronúncia, quer quanto ao facto relevante para o início da contagem do prazo de trinta dias, quer quanto ao momento atendível para aferição da tempestividade da decisão disciplinar, entendimento que – atenta a homologia do novo regime – mantém plena actualidade, e cuja bondade, por isso, se reitera, não obstante as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
As diligências probatórias a que, agora, alude o art. 356.º, n.º 5, do Código do Trabalho de 2009, continuam, pois, como cremos, a não se circunscrever àquelas que o trabalhador haja requerido na sua resposta à nota de culpa, abrangendo também quaisquer outras que, na sequência daquelas, o instrutor do processo disciplinar entenda oficiosamente promover (cfr., neste sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2008 e de 7 de Outubro de 2010, proferidos nas Revistas n.ºs 154/08 e 887/07.6TTALM.L1.S1, respectivamente, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Concretamente no primeiro dos citados Arestos, considerou-se que «[e]mbora os n.ºs 1 e 2 do artigo 414.º (…) se refiram às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa, o certo é que a correspondente epígrafe, que acolhe o termo “Instrução”, e o primeiro segmento do n.º 3 do mesmo preceito, ao estatuir a tramitação subsequente, logo que “[c]oncluídas as diligências probatórias”, apontam decisivamente no sentido de que a instrução é formada pelo conjunto dos actos necessários à averiguação dos factos alegados na acusação (nota de culpa) e na defesa (resposta à nota de culpa), não se confinando esta fase do processo à realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, até porque tais actos de instrução poderão justificar a realização de outras diligências para confirmar ou refutar os meios probatórios por ele produzidos.
(...)
Acresce, por outro lado, que a expressão “concluídas as diligências probatórias”, na sua literalidade, não comporta o sentido de que essas diligências probatórias se restringem às requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa.
Ora, não pode ser considerado pelo intérprete um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, como referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil”.
O assim ajuizado mantém-se, pois, como cremos, absolutamente consentâneo, face à actual redacção dos arts. 356.º e 357.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho de 2009.
Se o trabalhador não requerer diligências de prova, o prazo de que o empregador dispõe para proferir a decisão disciplinar contar-se-á, após a recepção da resposta à nota de culpa ou o decurso do respectivo prazo.
Nada obstará, contudo, a que o empregador promova, por sua iniciativa, se nisso vir razoável vantagem ou interesse, a realização de diligências probatórias no âmbito do procedimento disciplinar; todavia, ao promovê-las, terá que respeitar o prazo já referenciado, contado a partir da última diligência de instrução realizada.
Ora, reportando-nos necessariamente ao contexto e cronologia dos acontecimentos, temos de admitir que, dispondo a R./empregadora apenas, enquanto elementos probatórios, da sua descrição dos factos e da resposta da arguida à nota de culpa – em que esta se limita a negar a prática dos mesmos (sendo inverídico o ‘envolvimento’ com o CC, marido da R.), não requerendo quaisquer diligências de prova – era então, (naquela fase/momento da tramitação do PD), perfeitamente útil, e por isso pertinente e razoável, que se implementasse a instrução do procedimento com a recolha do depoimento do outro protagonista interveniente na circunstância de facto relatada.
Foi isso que a R., através da instrutora nomeada para o efeito, tentou logo fazer, pelo que, tendo a arguida disciplinar respondido à nota de culpa por carta datada de 7 (sete) de Outubro/2009, foi remetida notificação à testemunha CC no dia 9 (nove) imediatamente seguinte, visando ouvi-lo no dia 16 desse mesmo mês.
Após evasivas diversas – sendo que a instrutora do PD foi marcando sucessivamente as datas de 16 e 23 de Outubro e 6 de Novembro para a diligência, como se conferiu pela respectiva compulsação… e de que aliás se dá nota no Acórdão revidendo – o mesmo (CC) acabou por remeter carta, contendo o seu depoimento escrito, junto ao processo a 19.11.2009.
Ora, como se constata, a R. diligenciou recolher o depoimento da testemunha em causa, com toda a brevidade possível, insusceptível de qualquer reparo, não lhe sendo imputável a delonga descrita até à reacção do CC.
E proferiu a decisão disciplinar e fê-la chegar à destinatária folgadamente dentro dos trinta dias posteriores à conclusão da última diligência de instrução”.
Da caducidade do procedimento disciplinar nos termos do artº 329º, nº 2 do CT.
O tribunal a quo entendeu relegar o seu conhecimento para a decisão final na medida em que mostrava-se “ainda controvertida a concreta data em que a entidade empregadora ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da alegada infracção imputada ao trabalhador - se no decorrer de Junho de 2014, como este alega, ou se no mês de Julho do mesmo ano, como alega a empregadora” (cfr nºs 69 a 73 do articulado do recorrente).
Em conformidade inscreveu a respectiva matéria nos temas de prova.
O recorrente discorda porquanto “…a própria Ré, entidade empregadora, quem precisou o dia em que o Autor, trabalhador, alegadamente se encontrou com uma das testemunhas, a D. …, com a qual manteve alegadas conversas que seriam susceptíveis de fundamentar a instauração de um processo disciplinar, tendo este sido em 12 de junho de 2014, ao passo que o encontro com outra das testemunhas, o Sr. …, ocorreu uma semana após o encontro com a primeira” e “tal decorre, indiscutivelmente do auto de inquirição destas testemunhas junto pela ora apelada”, assim como “tendo ambos os encontros ocorrido no mês de junho de 2014, sendo que uma das testemunhas faz parte do Conselho Fiscal da Ré, não poderá deixar de se entender que teve a entidade empregadora conhecimento dos alegados factos no decorrer do mês de junho de 2014, pelo que o prazo de 60 dias ter-se-á iniciado em finais de junho e terá terminado em finais de agosto de 2014”, atento também que foi notificado da nota de culpa em 01.09.2014”.
No auto de ocorrência fixa-se temporalmente esse conhecimento o mais cedo em Julho (…)
O mesmo acontece na nota de culpa e no relatório final (…)
Compulsados os autos de inquirição dessas testemunhas esta circunstância é reportada de forma tendencialmente coincidente.
A circunstância de uma delas ocupar na altura cargo de vogal do conselho fiscal sempre não relevaria face às competências desse órgão (40º do estatuto).
Do artº 329º, nº 1, como se afirma no acórdão deste tribunal de 05.01.2017 (procº 522/14.6TTGMR.G1) “decorre, pois, que o início do prazo de caducidade do procedimento disciplinar reportar-se-á à data em que a pessoa com competência disciplinar (o empregador ou a pessoa em quem essa competência haja sido delegada) tenha conhecimento da infracção, o que bem se compreende se considerar que esta, detendo tal poder, é quem deverá valorar, aferir e decidir da relevância disciplinar de determinado comportamento e da necessidade, ou não, de actuar disciplinarmente.
E, daí, que o início de tal prazo não se conte a partir do conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico, já que tal só sucederá se o empregador nele tiver delegado o exercício do poder disciplina (cfr. Acórdão do STJ de 02.10.2001, Processo nº 01S1306, in www.dgsi.pt.), competindo ao trabalhador alegar e provar a existência de delegação do poder disciplinar e de que o empregador tinha conhecimento dos factos há mais de 60 dias – veja-se Acórdão do STJ de 29.09.1999, Processo nº 99S167, in www.dgsi.pt. os Acórdãos do STJ de 28.01.98, CJ, TI/1998 e de 01.02.01, CJ, T I/2001 (ambos consultáveis in www.Colectaneajurisprudência.com), de 13.01.2010, Proc. 1321/06.4TTLSB.L1.S1 e de 13.10.2010, Proc. 673/03.2TTBRR.L1.S1, Processo 07S2314, de 17.10.2007 (todos in www.dgsi.pt), bem como da Relação de Évora de 07.10.08, Proc. 528/08-3”.
Deste modo só se poderá concluir como no despacho sob censura:
“Dispõe o artº 329º, nº 2 do Cód. do Trabalho que: “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
O prazo de caducidade conta-se a partir do conhecimento da infracção pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, diversamente do prazo de prescrição que se conta a partir do momento em que ocorre a prática da infração.
O art.º 353º, nº 3 do CT preceitua que a contagem dos citados prazos se interrompe com a comunicação/notificação ao trabalhador da nota de culpa. E o art.º 352.º determina que a interrupção acontece igualmente com a instauração do procedimento prévio de inquérito, desde que tal procedimento se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa e seja iniciado e conduzido de forma diligente, não mediando mais de 30 dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa.
Como decorre dos normativos referidos, o prazo de 60 dias é um prazo de caducidade do direito que a lei atribui ao empregador de agir disciplinarmente contra o trabalhador que tenha violado os seus deveres contratuais e inicia-se na data em que a entidade empregadora teve conhecimento não só dos factos que integram a infração disciplinar, mas também da identidade do autor dos mesmos.
No caso concreto consideramos que os autos ainda não fornecem todos os elementos para, com a necessária certeza, decidir esta questão. Com efeito, mostra-se ainda controvertida a concreta data em que a entidade empregadora ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da alegada infracção imputada ao trabalhador- se no decorrer de Junho de 2014, como este alega, ou se no mês de Julho do mesmo ano, como alega a empregadora.
Assim e uma vez que não foi instaurado procedimento prévio de inquérito e a nota de culpa foi notificada ao trabalhador no dia 01/09/2014 a determinação daquela data é fundamental para decidir aquela questão.
Nestes termos decide-se relegar o conhecimento desta questão para a decisão final”.
Da ilicitude do despedimento prevista no referido artº 98º-J do CPT.
Deve-se à circunstância da recorrida não ter junta cópia integral da resposta à nota de culpa com o articulado motivador do despedimento, pelo que, deveria ser declarado desde já ilícito o despedimento, com os efeitos previstos no nº 3 desta norma: “Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador e: (…)”.
Acontece, nem sequer se trata do documento inteiro mas de partes do mesmo envolvendo o conteúdo de alguma matéria dos seus números, como se descreve na respectiva decisão, falha essa colmatada pela recorrida antes do saneador e assim admitida pelo tribunal a quo.
Não se constata qualquer prejuízo para o recorrente para exercer com efectividade a sua defesa judicial e a compreensão das inquirições de testemunhas por si arroladas.
Não estamos, pois, perante, uma peça cuja falta nas circunstâncias previstas nesse normativo coloque em causa “os princípios do contraditório, da boa-fé/celeridade processual e de recurso” perante os traços gerais do procedimento disciplinar: inquérito prévio (facultativo) + Nota de Culpa (acusação) + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar”.
Não se trata de “proceder à escolha de partes do processo disciplinar que considere mais relevantes e apresentá-los, sem uma sequência, no Tribunal”.
Igualmente não se coloca em causa “a natureza peremptória do prazo de junção de todo o procedimento disciplinar” (artº 98º-I, nº 4 do CPT) e não se atenta contra a natureza urgente da ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento a obrigar a superveniência de novo articulados injustificados e, assim, de “vir a ser admitida ao trabalhador a possibilidade de vir alterar e/ou ampliar a causa de pedir relativamente à ilicitude do despedimento”.
Resulta do artº 382º, nº 2 do CT que as causas ou fundamentos da invalidade do procedimento disciplinar são apenas os aí expressamente previstos: falta de nota de culpa escrita com descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; falta de comunicação da intenção de despedir anexa à nota de culpa; obstaculização à consulta do processo pelo trabalhador, ao direito de resposta à nota de culpa ou desrespeito do prazo para resposta à nota de culpa; e falta de comunicação escrita da decisão do despedimento e dos seus fundamentos ou em desrespeito dos comandos dos arts. 357.º, n.º 4 e 358.º, n.º 2 do mesmo diploma.
Ora, o vício invocado pelo Recorrente não se reconduz integralmente a nenhum desses.
Não é por isso idóneo a determinar a invalidade do procedimento disciplinar porque não invalida os interesses que a norma pretende tutelar, pelo que igualmente não é susceptível de a fazer operar.
Como se expendeu na decisão impugnada:
“(…)
Fundamenta essa questão no seguinte:
- na ausência, quando o processo foi consultado pela mandatária, do termo de abertura ou auto de ocorrência e do termo de juntada;
- a não junção integral da resposta à nota de culpa que apresentou; e
- a divergência entre o doc. 1, que foi junto pela R. na motivação e o notificado ao trabalhador.
Relativamente à primeira questão nunca poderia fundamentar a invocada falta, uma vez que, a verificar-se o alegado, nunca consubstanciaria uma falta mas sim um adicionamento.
Por seu turno, relativamente à última ocorrência suscitada não vislumbramos (sendo certo que o trabalhador também não a identificou nem a concretizou, como lhe competia fazer) a existência de qualquer divergência.
No que concerne à não junção integral da resposta, assiste razão ao trabalhador. Na verdade, da análise da referida resposta verifica-se que a mesma não está completa- falta o verso das respectivas folhas (esta omissão terá certamente sido provocada por apenas terem sido tiradas cópias da frente).
Como decorre do disposto no nº 3 do artº 98º J, do C.P.Trabalho a entidade empregadora além de apresentar a motivação do despedimento tem de juntar o processo disciplinar. Se não o fizer a consequência para essa omissão é a declaração da ilicitude do despedimento.
Sucede, porém, que a lei apenas prevê a citada cominação legal para a não junção (total) do processo disciplinar, nada prevendo para a junção parcial das peças que constituem esse processo disciplinar, como ocorre no caso concreto, em que o processo disciplinar junto não inclui, como já referimos, a resposta à nota de culpa (neste sentido Acórdão da Relação do Porto de 22-04-2013, in www.dgsi.pt).
Acresce que o alegado elemento em falta não prejudica a defesa do trabalhador, uma vez que a resposta à nota de culpa, foi por si elaborada, conhecendo, por isso, o seu teor integral.
Concluímos, pois, que a consequência da citada omissão não é a declaração de ilicitude do despedimento prevista no referido artigo.
Sendo, no entanto, junção integral do processo disciplinar essencial para o cabal esclarecimento dos factos e boa decisão da causa, ao abrigo do disposto no artº 411º do C.P.Civil, ex vi” al. a) do nº 2 do artº 1 do C.P.Trabalho, determino que a parte em falta da resposta junta a fls. 260 a 264 fique nos autos”.
Por último, o recorrente refere que “erroneamente decidiu o tribunal a quo … quando relegou para o objeto do processo matérias alegadas e não contestadas em sede de reconvenção, nomeadamente, a quantia relativa à retribuição correspondente aos meses de Novembro e Dezembro de 2014 e Janeiro e Fevereiro de 2015; a quantia de €4,27 (quatro euros e vinte e sete cêntimos) por dia, relativa a subsídio de alimentação; a quantia de €365,40 (trezentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos) relativa a diuturnidades; a quantia de €187,88 (cento e oitenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos), correspondente ao subsídio de alimentação de setembro e outubro de 2014; a indemnização pela qual opta em substituição da reintegração no posto de trabalho; os proporcionais em falta de férias relativas ao tempo de serviço prestado no ano de 2014, ano da cessação do contrato; o subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação; a quantia de €24.768,00 (vinte e quatro mil e setecentos e sessenta e oito euros) por acumulação de funções e a quantia correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos”.
Acrescenta, “no que concretamente respeita à quantia peticionada a título de acumulação de funções, no valor de €24.768,00 e quanto à quantia peticionada a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de €3.550,00 por terem sido peticionados no articulado de Reconvenção e não impugnados pela Apelada e não constituindo créditos emergentes da licitude ou ilicitude do despedimento, e portanto não contrariados em qualquer articulado apresentado pela Apelada, desde logo no articulado para motivar o despedimento, sempre estes teriam de ser considerados assentes”.
Tudo isto, porque, “não tendo a Apelada produzido articulado de resposta, incumpriu o ónus de impugnar a factualidade integrante da excepção, devendo, por isso, nos termos das disposições combinadas dos artigos 60º n.º 3 do Código de Processo de Trabalho e 490º, n.º 2 do CPC, considerar-se admitida por acordo, no pressuposto de quanto a ela ser admitida a confissão e a sua prova não se encontrar dependente da existência de documento escrito”.
E na sequência do requerimento do recorrente que aludimos atravessado na mesma altura do recurso, em que pretende, nos “termos do nº 2 do artigo 596º do Código de Processo Civil”, “concretamente no que respeita à quantia peticionada a título de acumulação de funções e quanto à quantia peticionada a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por terem sido peticionados no articulado de Reconvenção e não impugnados pela Ré e não constituindo créditos emergentes da licitude ou ilicitude do despedimento, e portanto não contrariados em qualquer articulado apresentado pela Ré, desde logo no articulado para motivar o despedimento, sempre estes teriam de ser considerados assentes”, “consequentemente ser reformulado o objeto do processo excluindo as alíneas h) e i) considerando-se que tais factos, porque não impugnados, se encontram admitidos por acordo, desde logo porque, também, não se traduzem em créditos emergentes do despedimento e não se encontram contrariados em qualquer articulado apresentado pela Ré”.
Ora, a bom ver, esse requerimento não tem como objecto directo a organização do despacho a identificar o objecto do litígio.
Nele, o recorrente mencionava igualmente que “ainda que se entenda configurar objecto do processo, o que não se concebe, saber se o despedimento do trabalhador é ilícito e se este tem direito a receber as quantias peticionadas a título de créditos salariais decorrentes da invocada ilicitude, já o mesmo não se pode admitir relativamente aos pedidos inovadores feitos em sede de reconvenção, nomeadamente, no que se refere à quantia de €24.768,00 (vinte e quatro mil setecentos e sessenta e oito euros) por acumulação de funções e à quantia de €3.550,00 (três mil quinhentos e cinquenta euros) correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos”.
De qualquer modo o mesmo foi decidido com outra latitude resolvendo parte das questões que se colocam neste âmbito no recurso.
Recorde-se a respectiva decisão:
“(…)
Como resulta do despacho referª 145102096 face à sua apresentação intempestiva, foi considerada nula e de nenhum efeito a resposta apresentada pelo empregador.
A reclamação apresentada pelo trabalhador assenta essencialmente no efeito cominatório que a lei estabelece para a falta de apresentação desse articulado.
(…)
Ora, o artº 574 º do C.P. Civil (que corresponde parcialmente ao anterior artº 490º) prescreve que:
«1- Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2- Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto.» (sublinhado nosso).
Na elaboração do despacho saneador, mais concretamente, na apreciação das excepções invocadas, o tribunal atendeu ao disposto nessas disposições legais, pois não podemos ignorar que o empregador já tinha junto o articulado a que alude o artº 98º J do C. P.Trabalho e que nesse articulado, além de ter sido junto o processo disciplinar, com os documentos que o constituem, foram ainda invocados factos que motivam o despedimento e que estão em oposição com os factos alegados pelo A. na sua contestação e nomeadamente com aqueles que fundamentam as excepções invocadas.
No que tange à reclamação apresentada pelo trabalhador importa referir que a fixação do objecto do processo não contende com o ónus de impugnação previsto na primeira parte do nº 2 do artº 574º do C. P. Civil, uma vez que a fixação do objecto do litígio, destina-se tão só a definir as questões a debater e não os factos que estão ou não assentes, sendo que só os que constam dos temas da prova é que integram os factos essenciais controvertidos para a procedência da acção e das excepções arguidas.
Ora, independentemente de se consideram assentes os factos relevantes para decisão daquelas questões - contidas nas citadas alíneas h) e i) do nº 2 do objecto do processo -, por aplicação do citado efeito cominatório (que quanto aos factos da reconvenção foi considerado, tantos mais que não se levaram aos temas da prova), o certo é que continuam a integrar uma questão a debater do ponto de vista da apreciação jurídica.
Nestes termos indefere-se o requerido.
(…).”
Este despacho obviamente não foi objecto de recurso o que significa que se encontra precludida a possibilidade desta instância se pronunciar de novo sobre a respectiva matéria das alªs h) e i) do nº 2 do objecto do processo, sob pena de violação de caso julgado formal (artº 620º do CPC).
Por seu turno o recorrente admitindo essa possibilidade de primeiro se dever “saber se o despedimento do trabalhador é ilícito e se este tem direito a receber as quantias peticionadas a título de créditos salariais decorrentes da invocada ilicitude”, nesta oportunidade com esta decisão efectiva-se essa possibilidade e, pelo menos quanto ao valor de 3.550,00€ a arbitrar não se mostra errónea a decisão.
Esta asserção exarada no despacho é válida também para as quantias relativas à renumeração, incluindo subsídios e diuturnidades, que entretanto se deixaram de auferir, à indemnização em substituição da reintegração no posto de trabalho e aos proporcionais, cujo reconhecimento da sua pretensão ocorrerá apenas na sequência do eventual reconhecimento da ilicitude do despedimento.
Pelo exposto, deve a despacho recorrido ser confirmado dado o recurso ser improcedente.
Sumário, da única responsabilidade do relator
1- A instauração e prossecução do processo disciplinar constitui acto de mera administração e deve ser considerado com acto de gestão normal na medida em que também é urgente e inadiável.
2- Se alguma irregularidade se pudesse assacar ao procedimento por falta de competência de quem o determinou e nomeou instrutor a assinatura na decisão final pelo presidente da recorrida significa a sua ratificação.
3- O prazo constante do artº 357º, nº 2 do CT conta-se da conclusão da última diligência de instrução, não se circunscrevendo às que o trabalhador requereu.
4- Do artº 329º, nº 2 do CT decorre que o início do prazo de caducidade do procedimento disciplinar reporta-se à data em que a pessoa com competência disciplinar (o empregador ou a pessoa em quem essa competência haja sido delegada) tenha conhecimento da infracção.
5- Não opera o disposto no nº 3 do artº 98º-J do CPT a circunstância da entidade empregadora proceder por lapso à junção parcial da resposta à nota de culpa.
Decisão
Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*****
O acórdão compõe-se de 42 folhas, com os versos não impressos.
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G. 20.04.2017
Eduardo Azevedo
Vera Maria Sottomayor
Antero Veiga