PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRAZO DE CADUCIDADE
REPRESENTANTE SINDICAL
FALTA INJUSTIFICADA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário

I - O prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar previsto no artigo 329.º, n.º 2 do CT de 2009 é um prazo de caducidade.
II – Tal prazo de caducidade do procedimento disciplinar só começa a correr quando a entidade empregadora ou o superior hierárquico com poderes disciplinares sobre o trabalhador tem conhecimento cabal dos factos que por ele foram praticados.
III - No caso em que o despedimento se funde em faltas injustificadas verificadas no ano transacto, cabe ao trabalhador o ónus da prova da data em que, a partir do momento em que se tornou possível fazer sobre as faltas dadas a ponderação global pressuposta na lei (o termo do ano civil), o empregador ou os superiores hierárquicos com competência disciplinar tiveram conhecimento do circunstancialismo de tais faltas, pois só então pode afirmar-se que se iniciou aquele prazo de caducidade.
IV - Impende sobre o empregador o ónus de alegação e prova de que a notificação da nota de culpa ou a instauração do procedimento prévio de inquérito com os requisitos legais (factos impeditivos da verificação da caducidade), tiveram lugar antes de decorridos 60 dias sobre aquele conhecimento.
V - O não envio da cópia do processo disciplinar à Associação Sindical de que o trabalhador é representante, antes da decisão final do procedimento disciplinar constitui um vício procedimental que não implica a ilicitude nem a irregularidade do despedimento.
VI - O cumprimento do dever de comunicação ou de informação constitui uma condição para que o trabalhador possa justificadamente faltar quando se verifiquem os motivos legalmente atendíveis para o efeito.
VII - E o incumprimento de tal dever descaracteriza a situação como impossibilidade da prestação de trabalho, tornando injustificadas as faltas dadas.
VIII - O regime legal de ausência ao serviço dos membros das estruturas representativas de trabalhadores reparte-se por dois instrumentos jurídicos: o crédito de horas e a falta.
IX - A lei coloca a cargo do trabalhador ou da estrutura de representação colectiva em que este se integra a obrigação de comunicação (prévia ou posterior) da ausência por motivo do exercício de funções sindicais, pelo que esta obrigação assume natureza contratual e o seu incumprimento, qualificado pela lei como falta injustificada, pode consubstanciar ilícito disciplinar.
X - Não basta à verificação da justa causa de despedimento a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho durante certo número de dias, sendo ainda necessário que aquelas faltas revelem um comportamento culposo do trabalhador, revestido de gravidade e que tornou, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, lançando mão do crivo geral do n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho, com a ponderação dos diversos elementos elencados no seu n.º 3.

Texto Integral

Processo n.º 192/14.1TTVLG.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

II
1. Relatório
1.1. B… impugnou judicialmente no então Tribunal do Trabalho de Valongo a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado por C…, pessoa colectiva de utilidade pública administrativa.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré[1] empregadora para apresentar o articulado motivador do despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado a R., alegou, em síntese: que a A. B… é sua trabalhadora desde 15 de Outubro de 2011 e, no decorrer do ano de 2013, faltou injustificadamente ao trabalho nove dias completos e interpolados (como esclarece no artigo 36.º do articulado) e que, ainda no mesmo ano, faltou injustificadamente: 30 minutos no dia 07 de Janeiro, 02 horas e 05 minutos no dia 29 de Janeiro, 02 horas e 18 minutos no dia 01 de Fevereiro, 01 hora e 05 minutos no dia 06 de Fevereiro, 02 horas e 36 minutos no dia 09 de Fevereiro, 02 horas e 39 minutos no dia 16 de Fevereiro, 03 horas e 12 minutos no dia 21 de Fevereiro, 30 minutos no dia 26 de Fevereiro, 30 minutos no dia 10 de Março, 01 hora no dia 07 de Junho, 30 minutos no dia 05 de Agosto e 01 horas e 05 minutos no dia 30 de Novembro, o que perfaz 18 horas e equivale a 2 dias e 3 horas injustificadas; que se dedica à actividade de exploração das cozinhas e refeitórios, bares e cantinas, com confecção e distribuição de refeições a que concorre por concurso público ou através de contratos de prestação de serviços, explorando a cantina do Refeitório do Hospital … no Porto, onde a A. trabalhava no serviço de alimentação a doentes e pessoal, o qual não se compadece com atrasos ou falhas sob pena das mais graves consequências; que as faltas, sem aviso prévio ou justificação, originaram carências inesperadas de mão-de-obra, pondo em risco, por parte do C…, o pontual cumprimento do protocolo na área do Fornecimento de Alimentação a Doentes e Pessoal que o vincula ao Hospital … no Porto, como aconteceu no caso da A.; que o Conselho de Administração do C… é o órgão que tem competência disciplinar e só teve conhecimento das infracções imputadas à A. no dia 5 de Fevereiro de 2014, tendo nesse mesmo dia deliberado instaurar procedimento disciplinar àquela sua trabalhadora, pelo que não se verifica a caducidade invocada pela A. na resposta à nota de culpa e que se verifica a justa causa de despedimento da A.. Requer, a final, que seja excluída a possibilidade de reintegração da A.
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, a A. trabalhadora veio invocar a caducidade do direito de a R. instaurar o procedimento disciplinar nos termos dos artigos 352.º e 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho dado só ter sido notificada pessoalmente da nota de culpa no dia 1 de Abril de 2014, iniciando-se o prazo do direito de proceder disciplinarmente no dia 1 de Janeiro do ano seguinte; que é dirigente do “D…” e que a R., finda que foi a instrução não enviou cópia integral do processo para que este pudesse elaborar parecer fundamentado; que caducou o direito à aplicação da sanção nos termos do artigo 357.º do mesmo Código; que sempre exerceu as suas funções, além do mais, com dedicação e assiduidade; que foi enquanto dirigente sindical e no decorrer dessa actividade que foi requisitada pela “E…” à sua empregadora e foi também no decorrer dessa actividade que para os dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013 foi requisitada à R. pelo Sindicato, levando-a a ausentar-se nesses dias ao seu local de trabalho mas, por lapso do serviço administrativo daquele Sindicato, não foram enviadas, atempadamente, as requisições para tais dias e só com a recepção da nota de culpa é que a Direcção do Sindicato se apercebeu do lapso e remeteu as justificações da actividade sindical da A.; que no dia 25 de Fevereiro foi dadora de sangue, tendo apresentado justificação em mão própria; que no dia 23 de Dezembro esteve doente e apresentou justificação; que nos dias 29 de Janeiro e 01, 09 e 16 de Fevereiro encontrava-se no seu posto e local de trabalho a exercer as suas funções, embora não tivesse picado o ponto na segunda parte do seu turno, e que justificou o atraso ocorrido no dia 01 de Fevereiro de 2013.
A final, peticiona, em reconvenção, a declaração de ilicitude do despedimento e que a R. fosse condenada a pagar à A. o valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do transito da decisão a proferir nestes autos, a readmiti-la no seu posto e local de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade ou qualquer outro direito ou, se vier a optar, seja a empregadora condenada a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade no valor de € 5.545,26.
A R. apresentou a resposta de fls. 175 e ss. na qual pugna pela improcedência das excepções da caducidade e pela sua absolvição dos pedidos contra si formulados.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto controvertida (artigo 49.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho). Fixou-se ainda o valor da acção em € 6.073,38 (fls. 188).
Realizou-se audiência de julgamento, chegando as partes a acordo quanto à matéria de facto assente e sendo então fixados os temas da prova (fls. 217 e ss.). No decurso da audiência, a A. optou pela reintegração no posto de trabalho (fls. 255).
Após decidida a matéria de facto em litígio, foi em 8 de Maio de 2015 proferida sentença que julgou a acção procedente e terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto julgo a presente ação totalmente procedente por provada e assim declaro ilícito o despedimento da trabalhadora B…, efetuado pela sua entidade empregadora “C…" e consequentemente condeno a reintegrá-la no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua antiguidade.
Condeno ainda a “C…” a pagar à B…, todas as remunerações que esta deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito da sentença condenatória, deduzidas das quantias que esta tenha recebido da segurança social a título de subsídio de desemprego.
Tendo em consideração a data da entrada da apresentação do formulário pela trabalhadora e a presente data não há lugar ao pagamento de qualquer retribuição intercalar por parte do Estado (artigo 98-N “a contrario” do C.P.T.).
Custas pela empregadora.
Valor da ação: € 6.073,38.
[…]»
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e arguiu a nulidade da sentença no requerimento de interposição de recurso nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do Código do Trabalho e do artigo 615.º n.º 1, alínea c), do Código do Processo Civil, por entender estarem os seus fundamentos em oposição com a decisão.
Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª A douta sentença recorrida fez incorrecta valoração e interpretação dos factos provados com relevo na matéria para decidir sobre a licitude do despedimento da trabalhadora.
2ª Não se verificou a caducidade do procedimento disciplinar, porque tendo tido conhecimento das infrações imputadas à trabalhadora, em 5 de Fevereiro de 2014, o Conselho de Administração (único órgão com competência disciplinar da entidade empregadora, de acordo com o seus Estatutos, publicados no Portal da justiça) decidiu de imediato deliberar a instauração de procedimento disciplinar à trabalhadora e nomear a Instrutora do processo disciplinar.
3ª A defesa da Trabalhadora durante a instrução do processo disciplinar foi assegurada quando a mesma respondeu à nota de culpa e arrolou as suas testemunhas (embora as mesmas não tenham comparecido no dia marcado pela Inquiridora para as ouvir, e trabalhadora nada tenha dito)
4ª A trabalhadora faltou nos dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013 e apesar de alertada pelo Encarregado F... para apresentar justificação para as referidas ausências a mesma não o fez nem alertou o Sindicato para o fazer.
5º Também nunca a trabalhadora reclamou do desconto das referidas faltas, quando o poderia ter feito. Pelo que não pode alegar que desconhecia que o Sindicato não tinha enviado qualquer documento justificativo de tais ausências.
6ª Pelo que no decorrer do ano de 2013 a trabalhadora faltou injustificadamente 10 dias, 2 horas e 20 minutos, o que constitui justa causa de despedimento, nos termos da alínea g) do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho.
7º Nestes casos o legislador dispensou a alegação e prova do prejuízo, por considerar por um lado que se trata de facto notório e por outro lado por entender que tal número de faltas causa inevitavelmente perturbação na organização do trabalho do empregador e dos respectivos colegas de trabalho, acarretando por isso incómodos e prejuízos (não directamente quantificáveis) para todos, até pela imprevisibilidade e pelo desconhecimento da data da verificação da ausência.
8º E consequentemente, não procedeu o Apelante a qualquer despedimento ilícito da trabalhadora.
Nestes termos deve ser concedido provimento ao presente recurso devendo a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, julgar-se licito o despedimento com justa causa da trabalhadora, operado pela entidade patronal.”
1.3. A A. apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
“1 - Considera o empregador que instaurado processo disciplinar por 10 ou mais faltas interpoladas ao trabalho, não justificadas, durante um ano civil, o início do respectivo prazo de caducidade verifica-se no primeiro dia do novo ano, ou seja, 1 de Janeiro de 2014 e sendo o Conselho de Administração quem tem competência em matéria disciplinar, tomado conhecimento das faltas da Trabalhadora a 5 de Fevereiro de 2014 e nessa data deliberado não só abertura do processo disciplinar, como a nomeação da Instrutora do processo, não ocorre a caducidade do respectivo processo disciplinar, se o mesmo determinar a sua instauração nos 60 dias seguintes.
2 - Ao contrário do que sugere o Empregador, apenas existem duas coisas que interrompem a caducidade : a notificação da nota de culpa ao trabalhador (cf. art.º 353 n.º 3 do CT) e a abertura de inquérito prévio (art.º 352.º do CT).
3 - Não houve inquérito prévio e a nota de culpa foi notificada à Trabalhadora depois de 26 de Março de 2015, mais de 60 dias a contar do dia 1 de Janeiro de 2015.
4 - Pois tal como salienta a douta sentença citando o acórdão do STJ de 25 de Março de 2009 “O CT não diz expressamente quando é que o procedimento disciplinar se considera iniciado, mas, pelo menos no que toca ao procedimento disciplinar com vista ao despedimento por facto imputável ao trabalhador … depreende-se…que tal acontece com a comunicação da nota de culpa ao trabalhador, podendo, todavia, iniciar-se com a instauração do procedimento prévio de inquérito, nos casos em tal inquérito se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa (...) Torna-se evidente que o prazo de 60 dias para iniciar o procedimento disciplinar, nos casos de despedimento por facto imputável ao trabalhador, só se interrompe com a comunicação, a este, da nota de culpa ou com a instauração do processo preliminar de inquérito quando o mesmo se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa…»
5- «Não havendo notícia nos autos de que a elaboração da nota de culpa foi precedida de inquérito prévio, a interrupção do mencionado prazo de caducidade do procedimento disciplinar só podia ser desencadeada com a comunicação da nota de culpa ao autor, por não existir disposição legal que atribua tal relevância ao despacho proferido pela entidade empregadora a ordenar a instauração do procedimento disciplinar».
6 - Assim, como bem refere e conclui a douta sentença, o despacho proferido pela Vogal do Conselho de Administração, não tem a virtualidade de suspender o prazo de caducidade de 60 dias, pois que no caso do despedimento por faltas injustificadas se inicia no dia 1 de janeiro seguinte ao do ano civil onde as mesmas ocorreram.
7 - Tal situação acarreta a ilicitude do despedimento nos termos previstos no artigo 382º nº1, primeira parte do Código do Trabalho. 8 - Encontra-se bem fundamentada a decisão do senhor juiz a quo, não se verificando qualquer oposição entre os factos provados e a decisão proferida e, por conseguinte, qualquer nulidade da sentença.
9 - Sendo a Trabalhadora dirigente sindical ( alínea F) dos factos provados) e tendo o Empregador a obrigação de enviar para o sindicato da Apelada a cópia integral do procedimento disciplinar para que este emitisse o seu parecer (cf. art.º 356.º n.º 5 do CT), não o fez.
10 - Consequentemente também não pode o Apelante ponderar o parecer dos representantes dos trabalhadores, como determina o art.º 357.º n.º 4 do CT.
11 - Logo a decisão de despedimento e respetivos fundamentos não foram elaborados nos termos do disposto neste ultimo normativo o que acarreta a ilicitude do despedimento atento o vertido no art.º 382, n.º 1 parte final e do n.º alínea d) do CT.
12 - Para ilustração da posição deu de exemplo o ilustre Juiz a quo o douto acórdão do STJ de 25.06.2008, que voltamos a transcrever em que a «especial protecção de que gozam os delegados sindicais que exige que concluídas as diligências probatórias, o processo disciplinar seja enviado, por cópia integral, à associação sindical respectiva a fim de esta emitir o seu parecer fundamentado, nos termos do nº 3 e 7 do art. 10º da LCCT, o que não foi feito no presente caso, apesar da Ré ter perfeito conhecimento da qualidade de delegada sindical da Autora, a qual lhe foi comunicada pelo sindicato respectivo nos termos legais. A omissão dessa diligência constitui, a nosso ver, fundamento para a declaração de nulidade do processo disciplinar, nos termos da al. c) do nº 3 do art. 12º da LCCT, tal como foi decidido.
13 - Com efeito, a omissão de apresentação do processo disciplinar à associação sindical para efeitos desta emitir o seu parecer, constitui uma violação do direito de defesa do trabalhador que tenha a qualidade de delegado (ou dirigente) sindical.
14 - Aliás, o nº 9 do art. 10º da LCCT, exige que na decisão final do processo disciplinar sejam ponderados os pareceres que tenham sido juntos nos termos do nº 7, o que não foi feito no presente caso».
15 - Pelo que, também por este motivo, o despedimento da Tabalhadora é ilícito.
16 – Vem, por fim, o Recorrente pugnar pela não justificação e não comunicação das ausências da Trabalhadora em 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013, porque esta terá sido alertada para isso pelo encarregado F.. e não terá reclamado do desconto das referidas faltas.
17 - Resultou provado que a B... no dia 10 de dezembro de 2013 esteve a exercer a atividade de dirigente sindical do “D...”, distribuindo informação sindical em Centros Comerciais, que no dia 11 de dezembro de 2013 esteve presente numa “Ação de Formação” organizada pela “E...”, em representação do “D...” e que no dia 30 de dezembro de 2013, esteve presente numa reunião da comissão executiva de que faz parte, deste Sindicato.
18 – E que «por lapso dos serviços administrativos do “D...” não foi enviado à “C...” o pedido de dispensa de serviço da B... e que só após ter sido recebida a “Nota de Culpa” é que a Direção desse Sindicato se apercebeu de tal facto e remeteu à “C...” em 3 de abril de 2014 um “Fax” a solicitar a dispensa de serviço da B... para os dias 10, 11 e 30 de dezembro de 2013.»
19 - Com todo o respeito, que é muito, pela tenacidade e empenho, até alguma teimosia do Recorrente, parece-nos não ser possível, ao recorrer da matéria de facto, retirar de um curto depoimento desligado de todo o restante depoimento da testemunha em causa, que foi extenso, e até da sua acareação com outra testemunha e do contexto global, uma conclusão diferente da que tirou a douta sentença.
20 - Nem pode vir dizer que a Associação Sindical da Apelada teria de realizar a comunicação da sua requisição com a antecedência mínima de 10 dias, «devendo constar da mesma a indicação do período para a ausência prevista do trabalhador», atento o n.º 2 da cláusula 130.º do ACT aplicável.
21 - É que a norma da cláusula 130.ª transmite a obrigatoriedade das entidades patronais dispensarem, com perda de remuneração, mediante comunicação do organismo sindical interessado, quaisquer outros trabalhadores (que não dirigentes ou delegados sindicais) para o desempenho das tarefas sindicais que lhe sejam atribuídas. E nestas circunstancias é que a comunicação é realizada com 10 dias de antecedência e é indicado o período de tempo previsto para a ausência do trabalhador, com a limitação de quando se tratar de um período superior a cinco dias, não podem estar simultaneamente ausentes mais de dois trabalhadores por empresa (cf. n.º 3 da mencionada cláusula 130.ª).
22 - Termos em que, com a douta sentença, somos a concluir que « no que concerne às faltas dadas nos dias 10, 11 e 30 de dezembro de 2013, as mesmas deveram-se à atividade da B... enquanto dirigente sindical do “D...”.
23 - Relativamente a essas ausências apurou-se que foi por lapso dos serviços administrativos do “D...” não foi enviado à “C...” o pedido de dispensa de serviço da B... e que só após ter sido recebida a “Nota de Culpa” é que a Direção desse Sindicato se apercebeu de tal facto e remeteu à “C...” em 3 de abril de 2014 um “Fax” a solicitar a dispensa de serviço da B... para os dias 10, 11 e 30 de dezembro de 2013.
24 - Essas faltas dadas pelos dirigentes sindicais quando excedam o crédito de horas, contam como tempo de serviço efetivo salvo para efeito de retribuição – artigo 409º nº 1 parte final do CT/2009. É assim natural que tenham sido descontados esses 3 dias de ausência da B... enquanto estava ao serviço do Sindicato de que é dirigente e, não tendo sido por culpa dela que a ausência não foi devidamente comunicada à empregadora, considero que as mesmas não devem ser consideradas como constituindo faltas a consubstanciar um ilícito disciplinar. »
25 - Assim, as faltas que atingem sete dias, duas horas e vinte minutos não atingem o número de dez dias de faltas interpoladas.
26 - O Empregador não alegou, nem provou, que essas faltas tivessem diretamente originado prejuízos graves para a empresa.
27 - E mesmo que se considerasse que o numero de faltas atingisse os dez dias, duas horas e cinquenta minutos como refere o Empregador no item 41.º das suas alegações, o que se coloca apenas para efeito discursivo, levando-se em conta o que ficou provado nos autos que «A Trabalhadora B... não tem qualquer antecedente disciplinar ao serviço do C...»(al.T) e de que «…é uma pessoa que trabalha com afinco e que tem uma boa relação com os seus colegas.» (al.AB), nunca seria o seu comportamento merecedor da sanção mais grave do elenco legal existente, por se mostrar desadequada e desproporcionada.
28 - Na apreciação da justa causa – em concreto – atender-se-á ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta censurada, as funções exercidas na empresa, sem descorar os ecos da sua conduta nos seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem pertinentes.
29 - Como bem salienta douto acórdão da RP de 19-03-2012 (RP20120319626/10.4TTGMR.P1) «a justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por banda do trabalhador. E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.»
30 - Destarte, de igual forma, em nosso modesto entender, o comportamento da apelada, nunca seria merecedor da sanção mais grave do elenco legal existente, mostrando-se a sanção aplicada pela apelante absolutamente desproporcionada e desajustada.
31 – Por conseguinte, não se descortina qualquer violação da lei por parte da sentença recorrida.”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 317.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto parecer que não mereceu resposta das partes, no sentido de ser negada a apelação.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber:
1.ª – se se verifica a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão (artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil);
2.ª – se se verifica a caducidade do procedimento disciplinar (artigo 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho);
3.ª – se a omissão de apresentação do procedimento disciplinar à associação sindical para efeitos de esta emitir o seu parecer, constitui uma violação do direito de defesa do trabalhador que tem a qualidade de dirigente sindical e implica a ilicitude do despedimento (artigo 357.º, n.º 4 do Código do Trabalho);
4.ª – se o despedimento da A., ora recorrida , se fundou, ou não, em justa causa.
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3. Da nulidade da sentença
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Começa a recorrente por arguir a nulidade da sentença de acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código do Processo Civil, por os seus fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão uma vez que, como conclui nos artigos 13.º a 15.º do seu requerimento, tendo o Meritíssimo Juiz a quo considerado facto provado que o Conselho de Administração é o órgão com competência disciplinar, que o mesmo teve conhecimento das infracções imputadas à trabalhadora no dia 5 de Fevereiro de 2014 e tendo deliberado nessa mesma data instaurar-lhe processo disciplinar e nomeado instrutor para o processo, não pode concluir que operou a caducidade do processo disciplinar com o envio da nota de culpa à trabalhadora em 26 de Março de 2014. Acrescenta que, de acordo com o artigo 329º do Código do Trabalho, o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção pelo que, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, não se pode concluir que se verificou a caducidade do procedimento disciplinar.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho é nula a sentença quando, além do mais, “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Para que se verifique esta causa de nulidade, necessário é que os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, que os fundamentos nela invocados devam, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa[2]. Nestes casos, a decisão opõe-se aos fundamentos em que repousa, verificando-se um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direcção diferente[3].
Ora, ao invocar que, perante os factos provados relativos ao conhecimento pelo Conselho de Administração da R. das infracções imputadas à A. não pode concluir-se pela caducidade do procedimento disciplinar, acrescentando ainda que é de um ano após a sua prática o prazo de prescrição da infracção, a recorrente mais não faz do que enunciar uma perspectiva jurídica distinta da do tribunal a quo efectuou perante os factos provados, o que poderá eventualmente consubstanciar a invocação de um erro de julgamento (que a seu tempo se apreciará, uma vez que a recorrente reitera esta argumentação no corpo das alegações de recurso), mas não a nulidade processual que a recorrente ora assaca à sentença.
Acresce que, uma vez lida a sentença, nos parece claro que não há efectivamente qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. A decisão no sentido de considerar verificada a caducidade do procedimento disciplinar, como resulta do texto da sentença, resulta de o Mmo. Julgador a quo entender que o prazo de caducidade de 60 dias se iniciou em 1 de Janeiro de 2014 e se interrompeu apenas com a comunicação da nota de culpa enviada em 26 de Março, bem como de entender que não tem relevância para interromper tal prazo a deliberação do Conselho de Administração no sentido da instauração do procedimento disciplinar, tendo, pois, um nexo lógico com a ponderação da matéria de facto a que a mesma procede.
Quando muito, poderá questionar-se a bondade dessa fundamentação e da subsequente decisão, mas tal, não constituindo um vício formal determinativo da nulidade da sentença, apenas poderá, porventura, constituir um erro de julgamento.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Novembro de 2011[4], o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença, como fundamento de nulidade desta, só releva como vício formal, “quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o mérito do julgado. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência, estar-se-á já perante uma questão de mérito, caracterizável como erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da acção”.
No caso sub judice, independentemente do mérito da decisão contida na sentença, não se descortina na mesma uma incompatibilidade lógica entre as premissas de que parte e a conclusão que das mesmas extrai.
Improcede, pois, a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, sem prejuízo da apreciação dos fundamentos enunciados no mérito da apelação, que incluem a questão da caducidade do procedimento disciplinar.
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4. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
A) A Trabalhadora B… foi admitida ao serviço da G…, uma empresa de trabalho temporário, para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da “H…, Lda”, no refeitório da Cantina do Hospital … no Porto, em 6 de Abril de 2008.
B) Em 29/10/2010 passou a Trabalhadora definitivamente para o quadro de pessoal da H…, Lda., continuando a exercer as suas funções agora remuneradas pela H… no refeitório da Cantina do Hospital … no Porto.
C) Em 15 de Outubro de 2011, a Trabalhadora passou a efetuar as suas funções profissionais sob as ordens, direção e fiscalização do ora Empregador “C…”, assumindo-se este, como sua entidade patronal a partir desse momento o pagamento dos seus vencimentos mensais emitindo os respetivos recibos de vencimento e efetuando os descontos para a Segurança Social onde a Trabalhadora figurava como trabalhadora daquele.
D) À data do despedimento a Empregadora pagava à Trabalhadora o salário base mensal de € 528,12.
E) A essa data classificava-a com a categoria profissional de "empregada de distribuição personalizada".
F) A B… encontra-se filiada e é dirigente do “D...”.
G) A “C…” dedica-se à atividade de exploração das cozinhas e refeitórios, bares e cantinas, com confeção e distribuição de refeições a que concorre por concurso público ou através de contratos de prestação de serviços, explorando a cantina do Refeitório do Hospital … no Porto, onde a B… trabalhava.
H) A Empregadora instaurou um procedimento disciplinar à Trabalhadora B… o qual veio a culminar na aplicação da sanção de despedimento de que a B… foi notificada por carta com aviso de receção no dia 07/07/2014.
I) A Trabalhadora B… foi eleita para a Direção da “E…” para o quadriénio 2012 / 2016 o que era do conhecimento da Entidade Empregadora desde 22/11/2012.
J) No dia 26 de Março de 2014 foi remetida a Nota de Culpa à Trabalhadora e ao D…, mas os CTT devolveram a carta enviada à B… com a indicação "Destinatário mudou-se".
K) No dia 28 de Março foi remetida outra vez à B… a Nota de Culpa, mas mais uma vez a carta foi devolvida pelos CTT com a mesma indicação.
L) A Trabalhadora B… mudou de residência e só no dia 21 de Abril informou a Empregadora a sua atual morada.
M) No dia 01/04/2014 a B… foi notificada pessoalmente da Nota de Culpa.
N) Respondeu à Nota de Culpa no dia 15/04/2014 através de carta registada com aviso de receção, recebida pela Entidade Empregadora no dia 16 desse mês.
O) A Entidade Empregadora não enviou cópia integral do procedimento disciplinar quer ao D… nem à E…, tendo enviado cópia da Nota de Culpa e da Decisão Final unicamente àquele Sindicato.
P) A Trabalhadora desempenhava as suas funções no serviço de Alimentação no Hospital …, no Porto.
Q) A Trabalhadora B… faltou ao serviço nos dias 13/01/2013, 28/03/2013, 10/07/2013, 19/07/2013 e 01/12/2013, não tendo dado qualquer justificação para tal.
R) No dia 06/06/2014 a Trabalhadora foi notificada para apresentar duas testemunhas por si arroladas na resposta à Nota de Culpa a fim de prestarem depoimento em 12/06/2014.
S) A Empregadora no decorrer do procedimento disciplinar inquiriu a testemunha F…, encarregado da Trabalhadora no dia 14/05/2014.
T) A Trabalhadora B… não tem qualquer antecedente disciplinar ao serviço do C…
U) A B… não compareceu ao serviço nos dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013 durante todo o dia.
V) No dia 23/12/2013 esteve em consulta médica entre as 14 horas e as 15 horas.
W) No dia 25/02/2013 foi dar sangue ao serviço de Imunologia do Centro Hospital ….
X) No dia 01/02/2014 a B… compareceu ao serviço às 09 horas e 22 minutos devido às greves dos transportes.
Y) No dia 25 de Fevereiro de 2013 a B… não compareceu ao trabalho durante todo o dia.
Z) A B… também no decorrer do ano de 2013 faltou ao trabalho: 30 minutos no dia 07 de Janeiro; 2 horas e 18 minutos no dia 1 de Fevereiro; 1 hora e 05 minutos no dia 06 de Fevereiro; 2 horas e 06 minutos no dia 9 de Fevereiro; 2 horas e 09 minutos no dia 16 de Fevereiro; 1 horas e 14 minutos no dia 21 de Fevereiro; 28 minutos no dia 26 de Fevereiro e que não compareceu ao trabalho durante todo o dia 23 de dezembro de 2013.
AA) As faltas sem aviso prévio ou justificação obrigam a “C…” a colocar um outro seu trabalhador que esteja colocado no mesmo local a efetuar as tarefas que cabiam ao trabalhador faltoso, a fim de poder dar cabal cumprimento ao protocolado com o cliente a quem está a prestar serviço, como era o caso do Hospital …, no Porto.
AB) A B… é uma pessoa que trabalha com afinco e que tem uma boa relação com os seus colegas.
AC) A B… no dia 10 de dezembro de 2013 esteve a exercer a atividade de dirigente sindical do “D…”, distribuindo informação sindical em Centros Comerciais, que no dia 11 de dezembro de 2013 esteve presente numa “Ação de Formação” organizada pela “E…”, em representação do “D…” e que no dia 30 de dezembro de 2013, esteve presente numa reunião da comissão executiva de que faz parte, deste Sindicato.
AD) Por lapso dos serviços administrativos do “D…” não foi enviado à “C…” o pedido de dispensa de serviço da B… e que só após ter sido recebida a “Nota de Culpa” é que a Direção desse Sindicato se apercebeu de tal facto e remeteu à “C…” em 3 de abril de 2014 um “Fax” a solicitar a dispensa de serviço da B… para os dias 10, 11 e 30 de dezembro de 2013.
AE) No dia 25 de Fevereiro de 2013 a B… foi dadora de sangue no Serviço de Imuno-Hemoterapia do Hospital … no Porto.
AF) A B… no dia 23 de dezembro de 2013 esteve entre as 14 horas e as 15 horas no Centro de Saúde de … – Unidade de Saúde Familiar de …, onde teve uma consulta.
AG) A B… no dia 29 de janeiro de 2013 não picou o ponto quando saiu da parte da tarde e devia ter justificado tal facto à sua hierarquia e solicitado a regularização da situação, o que não fez.
AH) A B… entregou à “C…” o documento “Dádivas de Sangue” junto aos autos a fls. 100, emitido pelo Serviço de Imuno-Hemoterapia do Hospital … no Porto, no dia 15 de abril de 2014 do qual consta que ela foi aí dadora de sangue no dia 25 de Fevereiro de 2013.
AI) A B… no dia 1 de fevereiro de 2013 efetuou registo de entrada às 9 horas e 22 minutos e registo de saída às 15 horas e 04 minutos.
AJ) A B… no dia 9 de fevereiro de 2013 efetuou registo de entrada às 07 horas e 07 minutos e registo de saída às 12 horas e 31 minutos.
AK) A B… no dia 16 de fevereiro de 2013 efetuou registo de entrada às 07 horas e 09 minutos e registo de saída às 12 horas e 30 minutos.
AL) O Conselho de Administração da “C…” é o órgão da empregadora com competência disciplinar e após o Departamento Jurídico ter dado conhecimento à Drª I…, Vogal do Conselho de Administração, no dia 5 de fevereiro de 2014 das infrações disciplinares imputadas à B…, foi deliberado nessa mesma data instaurar-lhe um procedimento disciplinar com intenção de despedimento, tendo sido nomeado como instrutor desse procedimento disciplinar a Srª Drª J….
[...]».
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5. Fundamentação de direito
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5.1. As questões a analisar nos presentes autos deverão sê-lo à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que procedeu à revisão do Código do Trabalho, revogando a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei], pois que os factos em causa ocorreram todos na vigência do mesmo.
*
5.2. A primeira questão de mérito que se coloca consiste em aferir se se verifica a caducidade do procedimento disciplinar.
5.2.1. Invoca a recorrente que não ocorre a caducidade do procedimento disciplinar porque, tendo tido conhecimento das infracções imputadas à trabalhadora em 5 de Fevereiro de 2014, o Conselho de Administração (único órgão com competência disciplinar da entidade empregadora, de acordo com o seus Estatutos, publicados no Portal da Justiça) decidiu de imediato deliberar a instauração de procedimento disciplinar e nomear a sua Instrutora.
A sentença da 1.ª instância, a este propósito, entendeu que o prazo de caducidade de 60 dias se iniciou em 1 de Janeiro de 2014 e se interrompeu apenas com a comunicação da nota de culpa enviada em 26 de Março, bem como que não tem relevância para interromper tal prazo a deliberação do Conselho de Administração de 5 de Fevereiro de 2014 no sentido da instauração do procedimento disciplinar.
Vejamos.
5.2.2. No caso sub judice está em causa o prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 329.º, segundo o qual o procedimento disciplinar “deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
Este prazo mostra-se estabelecido nos mesmos termos em que dispuseram os artigos 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) e 372.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003. À luz da LCT foi o mesmo intitulado pela jurisprudência como um prazo de caducidade, vindo o AUJ n.º 4/2003, de 21 de Maio de 2003 a estabelecer a seguinte doutrina uniformizadora: “[a] caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, não é de conhecimento oficioso” (in DR I-A, de 2003.07.10). Embora no Código de 2003, atenta a letra do seu art. 430.º, n.º 1, se tenha entendido ter o referido prazo natureza prescricional[5], tal veio a ser abandonado pelo art. 382.º, n.º 1, do Código de 2009, que deixou de o qualificar, estabelecendo apenas no seu n.º 1 que o despedimento por facto imputável ao trabalhador “é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs 1 e 2 do artigo 329.º”. Deve assim considerar-se, à semelhança da sentença, que o prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar é um prazo de caducidade, tal como foi entendido naquele aresto uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça.
Apesar de ser um prazo de caducidade – art. 298.º, n.º 2 do Código Civil –, este prazo interrompe-se com o recebimento da nota de culpa e com a instauração do inquérito prévio nos termos dos artigos 352.º e 353.º do Código do Trabalho.
A caducidade do procedimento disciplinar tem subjacente a obrigação do empregador de actuar disciplinarmente dentro de sessenta dias desde que tomou conhecimento da infracção, considerando-se, a partir de então, que se conformou com a atitude indisciplinada do trabalhador caso não exerça o seu poder disciplinar.
Com o estabelecimento deste prazo pretende-se que o empregador seja célere na sua reacção disciplinar, sendo este instituto tributário do princípio da celeridade na actuação disciplinar do empregador. Como diz o Professor Júlio Gomes, “(…) o poder disciplinar terá que ser exercido de acordo com os ditames e exigências da boa-fé. Em certo sentido, são estes que justificam algumas das regras que se foram consolidando e que estão hoje mesmo consagradas na lei: sanções desproporcionadas, aplicadas sem que o acusado tenha condições adequadas para o exercício da sua defesa, são sanções aplicadas em clara violação da boa-fé. Mas também a regra fundamental de que as sanções disciplinares devem ser aplicadas em prazo relativamente curto, após a decisão, bem como a existência de um período de caducidade relativamente curto para o exercício, pelo empregador, do poder disciplinar, parecem também ter na sua origem a necessidade de respeito pela boa-fé: uma acusação muito tardia, não apenas tornaria mais delicada a defesa do trabalhador, mas e sobretudo, entraria em conflito com a justa convicção do trabalhador de que o seu incumprimento passado não seria relevante, dada a atitude entretanto assumida pelo seu empregador”[6].
O prazo de caducidade do procedimento disciplinar de que vimos falando distingue-se do prazo de prescrição do direito de exercer o poder disciplinar que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 329.º, prescreve “um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime”.
Pretendendo o trabalhador valer-se do excesso de qualquer dos prazos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 329.º para fundamentar a ilicitude do despedimento que pretende ver declarada, a ele cabe o ónus de alegação e prova (por se tratarem de factos constitutivos do direito que acciona), de que a infracção imputada ocorreu há mais de um ano desde a instauração do procedimento disciplinar e de que o empregador ou os superiores hierárquicos com competência disciplinar tiveram conhecimento efectivo da conduta infraccional atribuída ao trabalhador mais de sessenta dias antes do recebimento da nota de culpa ou da instauração do inquérito prévio nos termos dos artigos 352.º do Código do Trabalho (cfr. o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil )[7].
E quando devem considerar-se verificados os termos inicial e final do prazo de caducidade previsto no n.º 2 do art. 329.º?
5.2.2.1. O dies a quo, ou termo inicial, para a contagem deste prazo situa-se na data do “conhecimento da infracção” pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar. Uma vez conhecida a infracção, o empregador dispõe do prazo de 60 dias para exercer a acção disciplinar.
Neste aspecto, o regime da caducidade do procedimento disciplinar (artigo 329.º, n.º 2) é substancialmente distinto do regime da prescrição do direito de exercer o poder disciplinar (artigo 329.º, n.º 1). Os termos iniciais para a contagem destes dois prazos situam-se: no caso da prescrição do direito de exercer o poder disciplinar, na data da “prática” da infracção; no caso da caducidade do procedimento disciplinar, na data do “conhecimento” da infracção pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar.
Para aferir da caducidade, é imprescindível a prova do conhecimento efectivo, pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, da infracção disciplinar em causa e da data em que esse conhecimento ocorreu, para poder apurar-se se, entre tal conhecimento e a verificação do facto interruptivo daquele prazo, decorreram mais de 60 dias. O prazo de caducidade só começa a correr quando a entidade empregadora ou o superior hierárquico com poderes disciplinares sobre o trabalhador tem conhecimento cabal dos factos que por ele foram praticados, competindo ao trabalhador alegar e provar a data em que tal aconteceu[8].
Nas situações em que está em causa a instauração de procedimento disciplinar com fundamento no comportamento exemplificativo de justa causa de despedimento consagrado na segunda parte da alínea g), do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho [cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas, em cada ano civil], haverá que ter como referência o ano civil em que as faltas ocorreram para, após o seu decurso, o empregador ter a possibilidade de aferir do cômputo das mesmas nos limites temporais daquele ano, bem como avaliar se o comportamento global do trabalhador nelas consubstanciado integra justa causa de despedimento.
Como é dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.06.25:
«[…]
Perante esta norma, se se sufragasse o ponto de vista defendido pela recorrente, numa situação hipotética em que, num dado ano civil, um trabalhador, sem justificação, se ausentasse do local de trabalho e durante o horário durante o qual estava vinculado a desempenhar o seu labor, um dia em cada mês, não seria, de todo, possível o desencadeamento de procedimento disciplinar no prazo consignado no nº 1 do já aludido artº 372º. De facto, numa tal hipotética situação – e porque o número de faltas interpoladas, para se atingir o exemplificado conceito de comportamento culposo susceptível de se entendido como justa causa de despedimento, tem de cifrar, pelo menos, na dezena –, aquando da formulação da nota de culpa, não poderiam ser tidos em conta as ausências não justificadas referentes aos meses que se situassem antes dos sessenta dias antecedentes a essa formulação.
Haverá, desta sorte, que ter como referência o ano civil em que as faltas ocorreram para, alcançado que seja, pelo seu decurso, o conhecimento do comportamento do trabalhador quanto às faltas interpoladas e não justificadas dadas nesse período de tempo, se aquilatar da verificação no número das mesmas, em termos de se saber se ele consubstancia o específico comportamento integrador do conceito de justa causa.
Dito de outro modo: o comportamento exemplificativo consagrado na alínea g) do nº 3 do artº 396º não é traduzido numa dada ou concreta ausência ao trabalho, mas sim numa actuação que desencadeou os somatórios das ausências ali mencionadas.
[…]»[9].

Com efeito, uma vez que nesta hipótese legal o comportamento do trabalhador não é traduzido numa dada ou concreta ausência ao trabalho, mas sim numa actuação que se corporiza em várias ausências e tem por referência, nos termos da lei, o período de um ano – no caso o ano de 2013 – não pode, por definição, o empregador dela tomar cabal conhecimento antes do termo desse ano.
Não podemos, contudo, acompanhar a sentença sob recurso quando a mesma, do mero facto de as faltas terem sido dadas no ano de 2013, conclui que o prazo de 60 dias se inicia no dia 1 de Janeiro de 2014.
Com efeito, como acontece quanto a qualquer outra infracção, uma coisa é a data da sua prática ou consumação, a partir da qual o empregador tem a possibilidade abstracta de dela tomar conhecimento, e outra – a que a lei erige como dies a quo para a contagem do prazo de caducidade em causa – é a data do seu “conhecimento” concreto e efectivo pelo empregador. Ora se é verdade que, no caso das faltas dadas no ano civil anterior, o empregador apenas pode tomar conhecimento e aquilatar da conduta infraccional no primeiro dia do ano subsequente, é igualmente verdade que o órgão do empregador com competência disciplinar pode não tomar conhecimento efectivo, logo nesse dia, da materialidade fáctica que subjaz a tal conduta infraccional.
Assim, tendo em consideração o já dito quanto às regras do onus probandi nesta matéria e à especificidade da infracção em causa, entendemos que, no caso em que o despedimento se funde em faltas injustificadas verificadas no ano transacto, cabe ao trabalhador o ónus da prova da data em que, a partir do momento em que se tornou possível fazer sobre as faltas dadas do ano transacto a ponderação global pressuposta no artigo 351.º, n.º 2, alínea g), segunda parte, do Código do Trabalho, o empregador ou os superiores hierárquicos com competência disciplinar tiveram conhecimento do circunstancialismo de tais faltas, pois só então pode afirmar-se que se iniciou o prazo de caducidade previsto no artigo 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
É pacífico que, no caso sub judice, o Conselho de Administração da R. é o órgão da empregadora com competência disciplinar [e artigo 18.º, alínea i) dos Estatutos da R. publicados na DGRN e documentados a fls. 53 e ss.][10] e está provado que o mesmo apenas tomou conhecimento da conduta infraccional imputada à trabalhadora em 5 de Fevereiro de 2014 - facto AL).
Nada nos autos indicia, sequer, que o Departamento Jurídico que deu conhecimento à Exma. Vogal do Conselho de Administração das infracções disciplinares imputadas à A. igualmente tivesse tal poder, designadamente por que o mesmo lhe tivesse sido delegado.
E a A. não alegou, nem provou, que antes de 5 de Fevereiro de 2014 o Conselho de Administração da sua empregadora, ou um seu superior hierárquico com competência disciplinar, houvesse tido conhecimento da conduta infraccional que depois veio a ser imputada à mesma na nota de culpa.
É pois nessa mesma data – 5 de Fevereiro de 2014 – que se situa o termo inicial de contagem do prazo de caducidade em causa.
5.2.2.2. Quanto ao momento em que este prazo se interrompe, os artigos 352.º e 353.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2009 (na sequência da solução consagrada pelo artigo 10º, nºs 11 e 12 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro e dos artigos 411.º, n.º 4 e 412.º do Código do Trabalho de 2003) estabelecem expressamente que a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe o decurso do prazo estabelecido no nº 2 do artigo 329.º, decorrendo igual interrupção do início do procedimento prévio de inquérito, mas quanto a este desde que: seja necessário para fundamentar a nota de culpa; ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita da existência de comportamentos irregulares; o procedimento seja conduzido de forma diligente; e a notificação da nota de culpa ocorra até 30 dias após a conclusão do mesmo.
Ou seja, a lei prevê a interrupção do referido prazo por duas vias: 1.ª - a comunicação da nota de culpa ao trabalhador (artigo 353.º, n.º 3, do Código do Trabalho), não bastando, para tanto, o despacho do empregador a mandar instaurar procedimento disciplinar ou a comunicação do instrutor do procedimento disciplinar ao trabalhador de que lhe foi instaurado um processo disciplinar e/ou de que lhe vai dar início[11]; 2.ª - a instauração do procedimento prévio de inquérito (caso se verifiquem os requisitos do artigo 352.º do mesmo Código).
Impende sobre o empregador o ónus de alegação e prova da notificação da nota de culpa ou da instauração do procedimento prévio de inquérito com os requisitos legais, por se tratar de factos impeditivos da verificação dessa caducidade (art. 342º, nº 2, do Código Civil). Uma vez provado pelo trabalhador – a quem cabe o ónus da prova dos factos que permitem concluir pela caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar – o conhecimento da infracção pela entidade com competência disciplinar e não provado pelo empregador que a notificação da nota de culpa ou o início do inquérito tiveram lugar antes de decorridos 60 dias sobre aquela data, verifica-se a caducidade do direito de exercer a acção disciplinar.
Mas se o empregador provar que qualquer daqueles actos se verificou antes do termo dos referidos 60 dias, não opera a referida caducidade.
5.2.2.3. No caso vertente pode dar-se como assente nos autos que a nota de culpa foi pessoalmente notificada à trabalhadora em 1 de Abril de 2014 [facto M)], não havendo notícia da instauração prévia de inquérito.
Além disso, dos factos provados resulta que o Conselho de Administração da R. é o órgão da empregadora com competência disciplinar e que o mesmo apenas tomou conhecimento da conduta infraccional imputada à trabalhadora em 5 de Fevereiro de 2014, pelo que é nesta data que se situa igualmente o “dies a quo” do prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar quanto a esta infracção. De modo algum a A. trabalhadora logrou provar que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar houvessem tido conhecimento dos factos que lhe eram imputados há mais de 60 dias contados desde a data em que foi notificada da nota de culpa.
Assim, estando provado que a nota de culpa foi notificada à trabalhadora pelo menos em 1 de Abril de 2014, portanto, antes de decorridos 60 dias sobre aquele conhecimento, a contagem do prazo de caducidade então em curso foi interrompida nos termos do disposto no artigo 353.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2009, antes de o mesmo se ter completado.
Cabe aqui precisar que se nos afigura não terem relevo, a este propósito, as considerações emitidas na sentença relativas ao facto de o despacho de 5 de Fevereiro da Vogal do Conselho de Administração a determinar a instauração do procedimento disciplinar não ter efeito interruptivo do prazo de caducidade. É manifesto que o não tem – já o dissemos – mas o facto de o não ter não tem interferência na sorte da presente acção. É de sublinhar que a questão que se coloca não tem a ver com o momento da interrupção do prazo de caducidade (pois é pacífico que o mesmo ocorreu com a notificação da nota de culpa) mas com o termo inicial da sua contagem., sendo neste ponto que fundamentalmente se situa o dissídio entre as partes
Para o termo inicial, importa apurar quando tomou o empregador “conhecimento” da infracção. E aí releva, dos factos ocorridos no dia 5 de Fevereiro, a comunicação do departamento jurídico ao Conselho de Administração: é aqui que ele toma conhecimento da infracção e dela fica ciente, o que determina o início do prazo em causa. Quanto ao despacho, não tem o mesmo quaisquer efeitos quanto ao termo inicial de contagem do prazo de caducidade.
Para o termo final, importa apurar quando se deu a comunicação da nota de culpa. E aí releva, dos factos apurados, a comunicação pessoal da mesma à A. ocorrida em 1 de Abril, sendo igualmente irrelevante para estes efeitos o despacho que determina a instauração do procedimento disciplinar.
Em suma, deve concluir-se que o prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar, iniciado no dia 5 de Fevereiro de 2014 com o conhecimento da conduta infraccional por parte do Conselho de Administração da R. não se não havia completado no dia 1 de Abril de 2014, data em que a A. foi pessoalmente notificada da nota de culpa [vide os factos M) e AL)], pelo que não procede a excepção da caducidade do procedimento disciplinar, não merecendo a sentença, nesta parte, confirmação.
Procedem, neste aspecto, as conclusões das alegações.
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5.3. Cabe agora enfrentar a questão relativa à ilicitude do despedimento por violação do direito defesa da trabalhadora, que a recorrente suscita na apelação.
Na sentença sob censura, o Mmo. Juiz a quo considerou, ainda, ser o despedimento ilícito por a omissão de apresentação do processo disciplinar à associação sindical para efeitos desta emitir o seu parecer constituir uma violação do direito de defesa do Trabalhador que tem a qualidade de dirigente sindical, entendendo que, assim, a comunicação da decisão de despedimento e seus fundamentos não foi feita nos termos do nº 4 do artº 357º do Código do Trabalho.
Quanto a este aspecto, embora a recorrente sintetize imperfeitamente nas conclusões a sua alegação, com alusões desnecessárias à resposta à nota de culpa e às testemunhas aí arroladas, resulta do corpo das alegações, com algum afloramento na conclusão 3.ª, que também discorda da sentença recorrida nesta parte.
A recorrida defendeu nas suas contra-alegações que, sendo dirigente sindical e tendo o empregador a obrigação de enviar para o sindicato a cópia integral do procedimento disciplinar para que este emitisse o seu parecer (cf. art.º 356.º n.º 5 do CT), não o fez e, consequentemente, também não pôde ponderar o parecer dos representantes dos trabalhadores, como determina o art.º 357.º n.º 4 do CT e a decisão de despedimento e respectivos fundamentos não foram elaborados nos termos do disposto neste ultimo normativo (conclusões 9.ª e ss.).
Vejamos.
Nos termos do preceituado no artigo 356.º n.º 5 do Código do Trabalho de 2009, “[a]pós a conclusão das diligências probatórias, o empregador apresenta cópia integral do processo à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado”.
Além disso, nos termos do preceituado no artigo 357.º, n.º 4 do mesmo Código, “[n]a decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade”.
No caso vertente não foi remetida ao “D…”, de que a Autora é dirigente, como devia ter sido face àquele preceito, a cópia do procedimento disciplinar, para que aquele pudesse emitir o seu parecer antes de ser proferida decisão, tendo-se limitado a R. a enviar cópia da nota de culpa e da decisão final.
A questão que se coloca consiste em saber quais os efeitos desta falta.
Segundo a sentença, de que a recorrente discorda, esta omissão acarreta a ilicitude do despedimento nos termos previstos no artigo 382.º, n.º 1, segunda parte e n.º 2, alínea d), parte final do Código do Trabalho, por a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não ter sido elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º.
Não acompanhamos esta perspectiva.
Com efeito, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.04.07[12] – proferido à luz da LCCT aprovada pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que neste aspecto continha similar regime[13] – o não envio da cópia do processo disciplinar à Associação Sindical de que o trabalhador é representante, não configura uma nulidade do processo disciplinar, uma vez que não está incluída no elenco taxativo previsto no n.º 3 do art. 12.º da LCCT, mas apenas uma mera irregularidade, sancionada como contra-ordenação (art. 60.º, n.º 1, b) da LCCT, na redacção introduzida pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto), que em nada inquina o processo disciplinar.
Também João Leal Amado qualifica esta falta de envio de cópia integral do procedimento como um vício procedimental não invalidante, que não implica a ilicitude nem a irregularidade do despedimento[14].
Igualmente Pedro Furtado Martins qualifica a ausência de apresentação de cópia do processo aos representantes dos trabalhadores para efeitos de emissão do respectivo parecer como um vício irrelevante para a validade e regularidade do procedimento[15]. Segundo este autor, uma vez que o parecer da estrutura representativa dos trabalhadores não é vinculativo, estando apenas consagrado o dever de o empregador o ponderar, compreende-se que a falta de apresentação da cópia do processo aquela estrutura não afecte a validade do despedimento.
Ou seja, a inobservância do envio de cópia integral do processo é sancionada em sede contraordenacional (artigos 353.°, n.º 4 e 356.°, n.º 7) e não se repercute no plano contratual das relações entre as partes do contrato de trabalho, pelo que, como defende a recorrente, a omissão do envio da cópia do procedimento disciplinar ao Sindicato antes de ser proferida decisão, não acarreta a ilicitude do despedimento.
Procedem também, neste aspecto, as conclusões das suas alegações.
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5.4. Cabe agora aferir se o despedimento se fundou, ou não em justa causa, o que pressupõe a análise da factualidade apurada no que diz respeito às faltas ao trabalho que deu a A. ora recorrida e ao circunstancialismo que rodeou a sua comunicação e justificação.
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5.4.1. Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da Lei Fundamental, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento.
Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Com algumas diferenças de forma (que não de conteúdo) a jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda:
– que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal;
– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e
– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.
Na efectivação destes juízos, deve o tribunal atender às circunstâncias enunciadas no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho, ou seja, “ao quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes” e há-de ter presente que o despedimento se apresenta, nos termos do artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho, como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas ou sanções de menor gravidade forem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção das situações similares e para os interesses fundamentais da empresa.
Tendo a relação de trabalho vocação de perenidade, apenas se justificará, no respeito pelo principio da proporcionalidade (artigo 330.º, n.º 1), o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso medidas conservatórias ou correctivas.
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5.4.2. No caso sub judice, a nota de culpa deduzida no procedimento disciplinar instaurado pela R., imputa à A., fundamentalmente, o facto de, no decurso do ano de 2013, esta ter faltado ao trabalho em 11 dias completos e em pequenos períodos diários que perfaziam 2 dias e 3 horas, num total de 13 dias e 3 horas, não comunicando ao empregador que ía faltar, nem apresentando justificação para o efeito, razão por que devem estas faltas considerar-se injustificadas. Concluía a empregadora que os comportamentos assumidos pela trabalhadora violam os deveres profissionais de assiduidade e pontualidade previstos pela alínea b), do n.º 1, do artigo 128.º do Código do Trabalho e integram justa causa nos termos do artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do mesmo Código (vide fls. 70 e ss.).
A decisão de despedimento, por seu turno, fez assentar o despedimento da A., nos mesmos fundamentos de direito, mas desta feita restringindo os dias completos em que afirmava ter a A. faltado injustificadamente a 9 dias (excluindo os dias 14 de Março e 23 de Dezembro de 2013) e mantendo a imputação das faltas injustificadas nos mesmos períodos parcelares diários que referira na nota de culpa, que perfaziam 2 dias e 3 horas, num total anual de 11 dias e 3 horas de faltas injustificadas (vide fls. 120 e ss.).
A sentença da 1.ª instância concluiu que não se verificava no caso justa causa de despedimento com fundamento nas faltas dadas ao trabalho no decurso do ano de 2013, considerando, essencialmente:
- que resultou provado ter a A. faltado ao serviço “nos dias 13/01/2013, 28/03/2013, 10/07/2013, 19/07/2013 e 01/12/2013”, não tendo dado qualquer justificação para tal e que também faltou nos dias 25 de Fevereiro de 2013 e 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013;
- que relativamente ao dia 25 de Fevereiro de 2013 ficou provado que ela foi dar sangue ao serviço de Imunologia do Centro Hospital …, mas não ficou provado que tivesse comunicado previamente tal ausência pelo que a mesma deve ser considerada injustificada – nº 5 do artigo 253º do Código do Trabalho;
- que as faltas dadas nos dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013 se deveram a actividade da A. enquanto dirigente sindical e se apurou que foi por lapso dos serviços administrativos do sindicato que não foi enviado à R. o pedido de dispensa de serviço da A., bem com o que só após ter sido recebida a nota de culpa é que a Direcção do Sindicato se apercebeu de tal facto e remeteu à R. em 3 de Abril de 2014 a solicitação da dispensa de serviço da A. para aqueles dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013;
- que as faltas dadas pelos dirigentes sindicais quando excedam o crédito de horas, contam como tempo de serviço efectivo salvo para efeito de retribuição (artigo 409º nº 1 parte final) pelo que é natural que tenham sido descontados esses 3 dias de ausência da A. enquanto estava ao serviço do Sindicato de que é dirigente;
- que estas faltas não devem ser consideradas ilícito disciplinar por não ter sido por culpa da A. que a ausência não foi devidamente comunicada à empregadora;
- que para além dos dias completos de falta, ficou também provado que a A. no decorrer do ano de 2013 faltou ao trabalho “30 minutos no dia 07 de Janeiro; 2 horas e 18 minutos no dia 1 de Fevereiro; 1 hora e 05 minutos no dia 06 de Fevereiro; 2 horas e 06 minutos no dia 9 de Fevereiro; 2 horas e 09 minutos no dia 16 de Fevereiro; 1 horas e 14 minutos no dia 21 de Fevereiro; 28 minutos no dia 26 de Fevereiro, num total de 9 horas e 50 minutos” e, dado que a A. trabalhava diariamente 7 horas e 30 minutos, faltou em ausências parcelares o correspondente a 1 dia, 2 horas e 20 minutos;
- que, assim, no decorrer do ano de 2013 a A. faltou injustificadamente o correspondente a 7 dias, 2 horas e 20 minutos, todos interpolados;
- que, não atingindo assim o número mínimo de 10 dias de faltas interpoladas previsto no referido artigo 351º, nº 2, al. g), cabia à Ré alegar e provar que essas faltas determinaram directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, o que não logrou fazer, pois que apenas ficou provado que as faltas sem aviso prévio ou justificação a obrigam a colocar um outro seu trabalhador que esteja colocado no mesmo local a efectuar as tarefas que cabiam ao trabalhador faltoso, a fim de poder dar cabal cumprimento ao protocolado com o cliente a quem está a prestar serviço, como era o caso do Hospital de S. João, no Porto.
Afirma ainda a sentença que, quer se considere que o número total de faltas foi de 7 dias, 2 horas e 20 minutos[16], quer se considere que as faltas dadas atingem o número de 10 dias, 2 horas e 20 minutos, por deverem ser contabilizadas as ausências dadas enquanto dirigente sindical ao serviço do Sindicato, a conduta da A., embora disciplinarmente censurável e merecedora de aplicação de uma sanção disciplinar, não merece a sanção máxima do despedimento face à ausência de antecedentes disciplinares.
Na apelação a recorrente vem sustentar, em suma, que a A. faltou nos dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013 e, apesar de alertada pelo Encarregado F… para apresentar justificação para as referidas ausências, a mesma não o fez nem alertou o Sindicato para o fazer e nunca reclamou do desconto das referidas faltas, quando o poderia ter feito, pelo que não pode alegar que desconhecia que o Sindicato não tinha enviado qualquer documento justificativo de tais ausências.
Daqui conclui que no decorrer do ano de 2013 a A. faltou injustificadamente 10 dias, 2 horas e 20 minutos, o que constitui justa causa de despedimento, nos termos da alínea g), do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho, estando dispensada a alegação e prova do prejuízo, por tal número de faltas causar inevitavelmente perturbação na organização do trabalho do empregador e dos respectivos colegas de trabalho, acarretando por isso incómodos e prejuízos (não directamente quantificáveis) para todos, até pela imprevisibilidade e pelo desconhecimento da data da verificação da ausência.
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5.4.3. Define o artigo 248.º, n.º 1, do Código do Trabalho a noção de “falta” como “a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário”.
O conceito de faltas injustificadas resulta da conjugação do preceito acima transcrito com o estatuído nos artigos 249.º a 254.º do mesmo diploma legal, devendo destacar-se a relevância do regime em causa para o legislador laboral ao estabelecer uma imperatividade praticamente absoluta do mesmo no artigo 250.º
Segundo estabelece o artigo 249.º, relativo aos tipos de falta:
«1 - A falta pode ser justificada ou injustificada.
2 - São consideradas faltas justificadas:
a) As dadas, durante 15 dias seguidos, por altura do casamento;
b) A motivada por falecimento de cônjuge, parente ou afim, nos termos do artigo 251º;
c) A motivada pela prestação de prova em estabelecimento de ensino, nos termos do artigo 91º;
d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal;
e) A motivada pela prestação de assistência inadiável e imprescindível a filho, a neto ou a membro do agregado familiar de trabalhador, nos termos dos artigos 49º, 50º ou 252º, respectivamente;
f) A motivada por deslocação a estabelecimento de ensino de responsável pela educação de menor por motivo da situação educativa deste, pelo tempo estritamente necessário, até quatro horas por trimestre, por cada um;
g) A de trabalhador eleito para estrutura de representação colectiva dos trabalhadores, nos termos do artigo 409.º;
h) A de candidato a cargo público, nos termos da correspondente lei eleitoral;
i) A autorizada ou aprovada pelo empregador;
j) A que por lei seja como tal considerada.
3 - É considerada injustificada qualquer falta não prevista no número anterior.»

A justificação das faltas não depende apenas do respectivo fundamento, mas também da comunicação da ausência ao empregador nos termos disciplinados no artigo 253.º, segundo o qual:
«1 - A ausência, quando previsível, é comunicada ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias.
2 - Caso a antecedência prevista no número anterior não possa ser respeitada, nomeadamente por a ausência ser imprevisível com a antecedência de cinco dias, a comunicação ao empregador é feita logo que possível.
3 - A falta de candidato a cargo público durante o período legal da campanha eleitoral é comunicada ao empregador com a antecedência mínima de quarenta e oito horas.
4 - A comunicação é reiterada em caso de ausência imediatamente subsequente à prevista em comunicação referida num dos números anteriores, mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado.
5 - O incumprimento do disposto neste artigo determina que a ausência seja injustificada.»

O cumprimento do dever de comunicação ou de informação constitui pois uma condição para que o trabalhador possa justificadamente faltar quando se verifiquem os motivos legalmente atendíveis para o efeito, nos termos taxativos expressos no artigo 249.º do Código do Trabalho.
E o incumprimento de tal dever, nos termos regulados no citado artigo 253.º descaracteriza a situação como impossibilidade da prestação de trabalho, tornando injustificadas as faltas dadas[17].
De acordo com as regras sobre o onus probandi prescritas no art. 342º do C.Civil constitui ónus do trabalhador alegar e provar os factos necessários a que se considerem as suas faltas como justificadas, factos nos quais se inclui o de ter o trabalhador efectuado a legal informação com a antecedência mínima de 5 dias ou, quando tal antecedência não possa ser respeitada, o de a ter efectuado “logo que possível”.
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5.4.4. É neste momento pacífico nos autos que devem qualificar-se como injustificadas as faltas em que a A. incorreu nos seguintes dias do ano de 2013:
- 13 de Janeiro;
- 25 de Fevereiro;
- 28 de Março;
- 10 de Julho;
- 19 de Julho; e
- 1 de Dezembro.
É incontroverso, também, que, para além destes dias completos de falta, faltou ao trabalho sem justificação 30 minutos no dia 07 de Janeiro; 2 horas e 18 minutos no dia 1 de Fevereiro; 1 hora e 05 minutos no dia 06 de Fevereiro; 2 horas e 06 minutos no dia 9 de Fevereiro; 2 horas e 09 minutos no dia 16 de Fevereiro; 1 horas e 14 minutos no dia 21 de Fevereiro; 28 minutos no dia 26 de Fevereiro, num total de 9 horas e 50 minutos, o que corresponde a 1 dia, 2 horas e 20 minutos – factos Q), W), Y), Z), AE) e AH).
Não está, pois, em causa que a A. faltou injustificadamente o correspondente a 7 dias, 2 horas e 20 minutos, todos interpolados, no decorrer do ano de 2013.
A questão que se coloca prende-se com as faltas dadas nos dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013, uma vez que as mesmas se deveram à actividade da A. enquanto dirigente sindical e se apurou que por lapso dos serviços administrativos do sindicato não foi enviado à R. o pedido de dispensa de serviço da A., bem como que, só após ter sido recebida a nota de culpa, é que a Direcção do Sindicato se apercebeu de tal facto e remeteu à R. em 3 de Abril de 2014 a solicitação da dispensa de serviço da A. para aqueles dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013 – factos U), AC) e AD).
Alega a recorrente a propósito destas faltas de 10, 11 e 30 de Dezembro que a A. foi alertada pelo encarregado F… para apresentar justificação para as ausências e não o fez nem alertou o sindicato para o fazer.
Ora este facto não pode ser atendido nesta instância na medida em que não se mostra provado nos autos e a recorrente, a despeito de reproduzir no corpo da alegação parte do depoimento prestado em audiência por esta testemunha, não cuidou de impugnar a decisão de facto com observância dos ónus processuais prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, não formulando sequer um qualquer pedido de alteração da decisão de facto.
Isto não quer dizer, contudo, que não proceda a tese da recorrente de que estas três faltas devem considerar-se injustificadas.
Senão vejamos.
Está provado que as faltas de 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013 se deveram à actividade da A. enquanto dirigente sindical – facto AC).
Como é sabido, o regime legal de ausência ao serviço dos membros das estruturas representativas de trabalhadores reparte-se por dois instrumentos jurídicos: o crédito de horas e a falta[18]. O crédito de horas corresponde à faculdade de utilização de certa porção do período de trabalho para o exercício de funções de representação colectiva sendo havido, para todos os efeitos, como prestação de serviço efectivo [artigo 408.º, n.º 2, do CT]. A falta para prover a necessidades de representação colectiva, por seu turno, é uma ausência ao serviço, qualificada como tal, mas pode ser justificada [artigo 409.º, n.º 3, 248.º, n.º 1 e 249.º, n.º 2, alínea g) do CT].
No caso dos autos não foi alegado que as ausências em causa constituíssem a utilização por parte da A. do crédito legal de horas nos termos do preceituado nos artigos 468.º e 408.º do Código do Trabalho, não tendo a A. demonstrado que estava incluída na comunicação que a Direcção da Associação Sindical deve efectuar ao empregador, até 15 de Janeiro de cada ano e nos 15 dias posteriores a qualquer alteração da sua composição, da identidade dos membros a quem se aplica o direito a crédito de horas (artigo 468.º, n.º 6 do CT), nem que procedeu ela própria à informação prevista no n.º 3 do artigo 408.º, segundo o qual “[s]empre que pretenda utilizar o crédito de horas, o trabalhador deve informar o empregador, por escrito, com a antecedência mínima de dois dias, salvo motivo atendível”.
Tem pois aplicação o instrumento jurídico da falta, relativamente ao qual o artigo 409.º do referido Código dispõe:
«Artigo 409.º
Faltas de representantes dos trabalhadores
1 - A ausência de trabalhador por motivo do desempenho de funções em estrutura de representação colectiva dos trabalhadores de que seja membro, que exceda o crédito de horas, considera-se justificada e conta como tempo de serviço efectivo, salvo para efeito de retribuição.
2 - A ausência de delegado sindical motivada pela prática de actos necessários e inadiáveis no exercício das correspondentes funções considera-se justificada, nos termos do número anterior.
3 - O trabalhador ou a estrutura de representação colectiva em que se integra comunica ao empregador, por escrito, as datas e o número de dias em que aquele necessita de ausentar-se para o exercício das suas funções, com um dia de antecedência ou, em caso de imprevisibilidade, nas quarenta e oito horas posteriores ao primeiro dia de ausência.
4 - A inobservância do disposto no número anterior torna a falta injustificada.
5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.»
Perante este regime, segundo o qual as faltas dadas pelos dirigentes sindicais quando excedam o crédito de horas, contam como tempo de serviço efectivo salvo para efeito de retribuição (artigo 409º nº 1, parte final) é, de facto, natural – como diz a sentença – que tenham sido descontados esses 3 dias de ausência da A. enquanto estava ao serviço do Sindicato de que é dirigente. O facto de a A. nunca ter reclamado do desconto das referidas faltas não denota, por isso, que assentiu em serem as faltas injustificadas, como parece entender a recorrente (conclusão 5.ª).
Já não pode, contudo, acompanhar-se a sentença na parte em que a mesma afirma que estas faltas dadas nos dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013 não devem ser consideradas ilícito disciplinar por não ter sido por culpa da A. que a ausência não foi devidamente comunicada à empregadora.
Apesar do que provado ficou a tal propósito – factos U), AC) e AD), segundo os quais estas faltas se deveram à actividade da A. enquanto dirigente sindical e foi por lapso dos serviços administrativos do sindicato que não foi enviado à R. o pedido de dispensa de serviço da A., vindo a sê-lo quase 4 meses depois, após recebida a nota de culpa – a verdade é que, de acordo com o regime que emerge dos n.ºs 3 e 4 do artigo 409.º, o sujeito da obrigação de comunicar ao empregador, por escrito, as datas e o número de dias em que aquele necessita de ausentar-se para o exercício das suas funções, com um dia de antecedência ou, em caso de imprevisibilidade, nas quarenta e oito horas posteriores ao primeiro dia de ausência é, em alternativa, “o trabalhador ou a estrutura de representação colectiva em que se integra” (n.º 3), acarretando a inobservância do disposto neste preceito que a ausência verificada se qualifique como “falta injustificada” (n.º 4).
É, pois, claro que o legislador não dispensa o trabalhador do dever de praticar os actos necessários a prevenir o empregador de que se vai ausentar para o exercício das suas funções sindicais ou, ao menos, em caso de imprevisibilidade da referida necessidade de faltar, a torná-lo ciente do motivo da sua ausência no prazo de 48 horas.
Ora, colocando a lei também a cargo do trabalhador a obrigação de comunicação (prévia ou posterior), esta obrigação assume natureza contratual, podendo, por isso, o acto ilícito em que se traduz, qualificado pela lei como falta injustificada, consubstanciar ilícito disciplinar por violação do dever de assiduidade e pontualidade – artigo 128.º, número 1, alínea b) do Código do Trabalho.
Além disso, porque o termo falta em sentido jurídico-laboral se refere também a uma obrigação contratual não cumprida, presume-se a culpa do trabalhador adstrito ao dever de prestar trabalho com assiduidade quando o absentismo não é justificado – cfr. o artigo 799º, nº 1 do Código Civil e o artigo 128.º do Código do Trabalho[19].
De acordo com as regras sobre o onus probandi prescritas no art. 342º do C.Civil constitui ónus do trabalhador alegar e provar os factos necessários a que se considerem as faltas como justificadas, factos nos quais se inclui o de ter o trabalhador cumprido as obrigações que a lei faz sobre si incidir para que se considerem justificadas as suas ausências ao serviço.
Uma vez que a A. ora recorrida não cumpriu tal ónus também quanto a estas faltas dos dias 10, 11 e 30 de Dezembro de 2013, é de sufragar o entendimento da recorrente de que no decorrer do ano de 2013 a A. faltou injustificadamente o correspondente a 10 dias, 2 horas e 20 minutos, todos interpolados, e não a 7 dias, 2 horas e 20 minutos, como afirmou a sentença.
Considerando que a A. ora recorrida deu mais de 10 faltas interpoladas no ano civil em causa (2013), extravazou os limites estabelecidos no artigo 351.º, n.º 2, alínea g) do Código do Trabalho, o que desde logo anuncia a possibilidade de tal comportamento omissivo fundar o seu despedimento com justa causa, por se enquadrar no elenco de comportamentos que a lei qualifica exemplificativamente como integrantes da mesma.
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5.4.5. Tal não significa, contudo, que se considere justificado o despedimento a que procedeu a R. ora recorrente.
É desta perspectiva que parte a sentença recorrida quando, salvaguardando a hipótese de se considerarem injustificadas estas faltas de Dezembro de 2013, conclui igualmente pela inexistência de justa causa de despedimento, decisão esta que a recorrente particularmente questiona na apelação.
Com efeito, para integrar a cláusula geral da justa causa de despedimento, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador desrespeitador de deveres legais ou obrigacionais. Mister é que, apreciado que seja o desrespeito de um ponto de vista objectivo e iluminado por uma perspectiva de proporcionalidade dos interesses em causa, torne a subsistência da relação laboral “insustentável” ou “intolerável”.
Tem sido jurisprudência uniforme, já desde o âmbito do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), a de que a verificação das faltas injustificadas em número que integre a previsão da hipótese legal exemplificativa, não implica a verificação automática da justa causa de despedimento, havendo sempre que ponderar a cláusula geral que enuncia o conceito de justa causa, através de um juízo sobre a situação em concreto.
Ou seja, segundo o entendimento que se sedimentou na jurisprudência e na doutrina, não basta à verificação da justa causa de despedimento a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho durante certo número de dias, sendo ainda necessário que aquelas faltas revelem um comportamento culposo do trabalhador, revestido de gravidade e que tornou, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, lançando mão do crivo geral do n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho, com a ponderação dos diversos elementos elencados no seu n.º 3[20].
É certo que as diversas condutas descritas nas alíneas do n.º 2 do artigo 351.º possibilitam alguma densificação do conceito de justa causa de despedimento. Mas, como escreve João Leal Amado, a verificação de algumas das condutas ali enunciadas “não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.º 1) para a existência de justa causa”[21].
Assim, embora o artigo 351.º, n.º 2, do Código do Trabalho, preveja na sua alínea g) como susceptível de integrar o conceito de justa causa, a verificação de 10 faltas interpoladas num ano civil, para que se verificar a justa causa é, ainda, necessário que o comportamento que integre esta hipótese se revista da gravidade pressuposta naquela cláusula geral, tal como se mostra enunciado no n.º 1 do preceito, o que tem que ser apreciado ponderando todo o circunstancialismo rodeador do objectivo desrespeito daquele dever.
Impõe-se pois, a este passo, verificar se o comportamento da A., pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, como defende a recorrente.
Ora, perspectivando os factos que ficaram apurados, entendemos que, apesar de se configurar um comportamento disciplinarmente censurável, certamente a demandar uma reacção disciplinar suficientemente dissuasora, a sua gravidade e consequências não são de molde a determinar a inexigibilidade da subsistência da relação de trabalho.
Com efeito, no contexto de uma relação laboral que vinculava as partes desde 2011 e que se sucedeu a relações contratuais estabelecidas entre a A. e outras entidades para prestar trabalho no refeitório da cantina do Hospital … iniciadas já em Abril de 2008 – factos A) a C) –, a A. deu as referidas faltas injustificadas no lapso de um ano, sendo que, quanto a 6 dias, 2 horas e 20 minutos não tem o tribunal quaisquer elementos para apreciar as razões por que foram dadas as faltas, é certo, mas quanto às demais não pode deixar de ponderar:
- que no dia 25 de Fevereiro a A. esteve efectivamente a dar sangue no Serviço de Imunologia do Hospital … – factos W), Y) e AE);
- que nos dias 10, 11 e 30 de Dezembro a A. esteve também, efectivamente, a exercer a actividade de dirigente sindical;
- ainda quanto a estas três faltas, que o artigo 409.º, n.º 3 coloca também a cargo da estrutura representativa de trabalhadores a obrigação de comunicar a falta ao empregador, prévia ou posteriormente, nas condições já analisadas, pelo que esta entidade tem uma parcela de responsabilidade na injustificação destas três faltas ao enviar ao empregador o pedido de dispensa de serviço só após ter recebido a nota de culpa, cerca de 4 meses após.
Acresce que a matéria de facto não esclarece se a A. alguma vez foi alertada ou chamada à atenção para as suas faltas injustificadas ou, mesmo, para os seus atrasos ou para as suas saídas precoces, o que só pode reverter em desfavor do empregador, na medida que a este cabe invocar os factos concretos em que funda a justa causa de despedimento, nestes se incluindo os factos circunstanciais susceptíveis de enquadrar o comportamento do trabalhador no contexto mais amplo do contrato de trabalho.
Além disso, apesar de não ser necessária a prova de que as faltas tiveram consequências graves para o empregador quando o seu número perfaz dez interpoladas num ano civil [artigo 351.º, n.º 2, alínea g) do CT], a matéria de facto não esclarece, também, quais os concretos constrangimentos na organização da empregadora causados pelas faltas dadas pela A., limitando-se à afirmação abstracta de que as faltas sem aviso prévio ou justificação a obrigam a colocar um outro seu trabalhador que esteja colocado no mesmo local a efectuar as tarefas que cabiam ao trabalhador faltoso, a fim de poder dar cabal cumprimento ao protocolado com o cliente a quem está a prestar serviço, como era o caso do Hospital …, no Porto [facto AA)].
Neste condicionalismo, estando concretamente provado que a A. é uma pessoa que trabalha com afinco e que tem uma boa relação com os seus colegas [facto AB)], e não havendo notícia nos autos de algum comportamento absentista anterior da trabalhadora, ou de que esta, de algum modo, haja anteriormente incorrido em infracção disciplinar – estando, ao invés, demonstrado que a mesma não tem qualquer antecedente disciplinar ao serviço da R. [facto T)] – afigura-se-nos insuficiente para fundar a justa causa de despedimento o facto de a A. ter incorrido nos indicados 10 dias, 2 horas e 20 minutos de faltas injustificadas no ano de 2013.
Apesar da falta que naturalmente faz o trabalhador no contexto da organização produtiva do empregador, era neste caso exigível ao empregador que, ao invés de desde logo enveredar pelo caminho da cessação do contrato, reagisse à infracção disciplinar constatada através de uma sanção de cariz conservatório. Esta constituiria certamente um suficiente alerta para a trabalhadora no sentido da sua diligência em todos os procedimentos relacionados com a justificação das faltas em que incorresse ao serviço da sua empregadora e, também, no sentido de estar atenta à actuação menos diligente do Sindicato no cumprimento das prescrições legais em todos os casos em que não pudesse comparecer ao trabalho em virtude do exercício de funções sindicais.
No circunstancialismo apurado, o qual deve ser ponderado à face do que estabelece o n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, entendemos que os factos não se integram no padrão pressuposto no conceito geral de justa causa de despedimento, maxime num cenário em que não está demonstrada a prévia censura disciplinar de qualquer outra conduta que a recorrida haja adoptado no decurso do contrato de trabalho, não sendo a sanção de despedimento aplicada adequada e proporcional à gravidade da infracção cometida.
Conclui-se, assim, pela ilicitude do despedimento operado pela recorrente, confirmando-se o veredicto da 1.ª instância que assim o considerou e retirou de tal despedimento as devidas consequências, de modo que não foi posto em causa na apelação.
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5.5. A recorrente ficou vencida no recurso, pois viu confirmada a decisão final da 1.ª instância, a despeito de ver acolhida a sua pretensão no que concerne à caducidade e à invalidade do procedimento disciplinar. Assim, incumbe-lhe o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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6. Decisão
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão contida na sentença da 1.ª instância, embora com fundamentos não totalmente coincidentes.
Custas a cargo da recorrente.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 16 de Novembro de 2015
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Clarificamos que fazemos referência aos termos “autor” e “ré” (ou A. e R.) para designar as partes desta acção na medida em que, apesar de as referências terminológicas constantes do articulado do diploma que alterou o Código de Processo do Trabalho (Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro) se reportarem apenas ao “trabalhador” e ao “empregador” e ter havido uma alteração da estrutura clássica da acção de impugnação do despedimento com a nova acção especial regulada nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho, não deixam as partes de se situar nas mesmas posições activa e passiva relativamente à generalidade dos pedidos de que cumpre conhecer nestas acções e o legislador denotou no preâmbulo do diploma, quando alude ao “formulário apresentado pelo autor” que o trabalhador assume na acção a posição de “autor” e, naturalmente, o empregador a posição de “réu”.
[2] Vide o Prof. J.A. Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”vol 5º, p. 141.
[3] Vide o Prof. Antunes Varela, Miguel Bezerra e S. Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra, 1984, p. 671.
[4] Processo n.º 514/09.7TBLGS.L1-7, in www.dgsi.pt. Vide também o Ac. do STJ de 2004.09.30, Revista n.º 03S3775 - 4.ª Secção, no mesmo sítio.
[5] Pedro Romano Martinez, in Código do Trabalho Anotado, sob a sua coordenação, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 881, defende ainda que se trata de um prazo de prescrição ou de um prazo de caducidade atípico que se interrompe.
[6] In Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, pp. 888-889. Vide também Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Coimbra, 2006, p. 644-645.
[7] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2010, processo n.º 673/03.2TTBRR.L1.S1, in www.dgsi.pt
[8] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.01.13, Recurso n.º 1321/06.4TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt. e, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2008.06.26, Processo n.º 0746048, no mesmo sítio.
[9] Processo 08S835, in www.dgsi.pt.
[10] A competência disciplinar é um poder do empregador nos termos do artigo 98.º do Código do Trabalho, a este competindo o seu exercício, a menos que o delegue em algum superior hierárquico e nos termos por ele estabelecidos, como decorre do disposto no artigo 365º, nºs 1 e 2 do Código do Trabalho. Tratando-se o empregador de uma pessoa colectiva, há que aferir qual é o órgão desta com competência disciplinar. Relativamente a sociedades anónimas, vide os Acórdãos da Relação do Porto de 14 de Maio de 2012, processo n.º 1625/08.1TTPRT.P1e de 2014.03.02, processo n.º 157/12.8TTBGC.P1, ambos in www.dgsi.pt. Segundo é dito no primeiro “sendo o empregador pessoa colectiva/sociedade, no caso sociedade anónima, é ao seu conselho de administração que compete ab initio o exercício do poder disciplinar (arts. 405º e 406º do Cód. Soc. Comerciais), sem prejuízo da possibilidade de delegação da gestão corrente em um ou mais administradores ou numa comissão executiva (art. 407º, nº 3, do Cód. Soc. Comerciais)”. Efectivamente, nos termos do disposto no art.º 406.º do Código das Sociedades Comerciais, a competência disciplinar cabe por regra ao Conselho de Administração, podendo este delegar essa competência numa Comissão Executiva (art.º 407.º, n.º 3). Sendo esta a regra, ao trabalhador que invoque a caducidade prevista no art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho caberá a alegação e prova de que a infracção era do conhecimento de alguém na pessoa colectiva que tivesse competência disciplinar, fosse por pertencer a algum daqueles órgãos, fosse por ter-lhe sido por eles delegada tal competência. Vide ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.11.23, processo n.º 2332/05 e de 2014.06.25, processo n.º 1231/09.3TTLSB.L1.S1, ambos sumariados in www.stj.pt.
[11] Vide neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.03.25 e de 2010.01.13, Recurso n.º 1321/06.4TTLSB.L1.S1, Recurso n.º 3533/08 - 4.ª Secção, sumariados in www.stj.pt e o Acórdão da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2015, Processo nº 306/12.6TTVFR.P1, in www.dgsi.pt. subscrito pela ora relatora como adjunta.
[12] Recurso n.º 4456/04, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[13] Nos termos do preceituado no artigo 10.º n.º 7 da LCCT, concluídas as diligências probatórias, devia ser apresentada cópia integral do processo à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador fosse representante sindical, à associação sindical respectiva, que podiam, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado, o artigo 10.º, n.º 9 do mesmo Código igualmente mandava ponderar na decisão as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade e o artigo 12.º, n.º 3, alínea c) considerava ser nulo o processo se a decisão de despedimento e dos seus fundamentos não constarem de documento escrito nos termos dos n.ºs 8 a 10 do artigo 10.º.
[14] In Contrato de Trabalho – À Luz do novo Código do Trabalho, Coimbra, 2009, pp. 425-426, nota 588.
[15] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição revista e actualizada, Principia, 2012, pp. 227 e 242. Vide também Carlos Antunes e Amadeu Guerra, Despedimentos e outras formas de cessação do contrato de trabalho, Coimbra, 1984, pp. 139-142.
[16] Diz 2 horas e 50 minutos por lapso, que resulta evidente face à anterior contabilização feita das ausências parcelares, fazendo-as corresponder a 1 dia, 2 horas e 20 minutos.
[17] Vide Luís Miguel Monteiro in Código do Trabalho Anotado por Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 614.
[18] Vide Luís Miguel Monteiro, Ausência ao serviço de membros de estruturas representativas dos trabalhadores, in PDT n.º 72.º, Setembro – Dezembro de 2005, pp. 67 e ss.
[19] Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.12.02, Processo n.º 637/08.0TTBRG.P1.S1, da 4.ª Secção, no mesmo sítio.
[20] Vide, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.10.13, Recurso n.º 142/06.9TTLRS.L1.S1 - 4.ª Secção, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.05.12, Recurso n.º 323/07.8TTAGD.C1.S1 - 4.ª Secção, in www.stj.pt e Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, pp. 954 e seguintes.
[21] In Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra 2011, p. 371.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I - O prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar previsto no artigo 329.º, n.º 2 do CT de 2009 é um prazo de caducidade.
II – Tal prazo de caducidade do procedimento disciplinar só começa a correr quando a entidade empregadora ou o superior hierárquico com poderes disciplinares sobre o trabalhador tem conhecimento cabal dos factos que por ele foram praticados.
III - No caso em que o despedimento se funde em faltas injustificadas verificadas no ano transacto, cabe ao trabalhador o ónus da prova da data em que, a partir do momento em que se tornou possível fazer sobre as faltas dadas a ponderação global pressuposta na lei (o termo do ano civil), o empregador ou os superiores hierárquicos com competência disciplinar tiveram conhecimento do circunstancialismo de tais faltas, pois só então pode afirmar-se que se iniciou aquele prazo de caducidade.
IV - Impende sobre o empregador o ónus de alegação e prova de que a notificação da nota de culpa ou a instauração do procedimento prévio de inquérito com os requisitos legais (factos impeditivos da verificação da caducidade), tiveram lugar antes de decorridos 60 dias sobre aquele conhecimento.
V - O não envio da cópia do processo disciplinar à Associação Sindical de que o trabalhador é representante, antes da decisão final do procedimento disciplinar constitui um vício procedimental que não implica a ilicitude nem a irregularidade do despedimento.
VI - O cumprimento do dever de comunicação ou de informação constitui uma condição para que o trabalhador possa justificadamente faltar quando se verifiquem os motivos legalmente atendíveis para o efeito.
VII - E o incumprimento de tal dever descaracteriza a situação como impossibilidade da prestação de trabalho, tornando injustificadas as faltas dadas.
VIII - O regime legal de ausência ao serviço dos membros das estruturas representativas de trabalhadores reparte-se por dois instrumentos jurídicos: o crédito de horas e a falta.
IX - A lei coloca a cargo do trabalhador ou da estrutura de representação colectiva em que este se integra a obrigação de comunicação (prévia ou posterior) da ausência por motivo do exercício de funções sindicais, pelo que esta obrigação assume natureza contratual e o seu incumprimento, qualificado pela lei como falta injustificada, pode consubstanciar ilícito disciplinar.
X - Não basta à verificação da justa causa de despedimento a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho durante certo número de dias, sendo ainda necessário que aquelas faltas revelem um comportamento culposo do trabalhador, revestido de gravidade e que tornou, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, lançando mão do crivo geral do n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho, com a ponderação dos diversos elementos elencados no seu n.º 3.

Maria José Costa Pinto