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ACÇÃO EXECUTIVA
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
PENHORABILIDADE DOS SUBSÍDIOS
Sumário
São penhoráveis os subsídios de férias e de Natal na parte que excede o salário mínimo nacional.
Texto Integral
Proc.4462/09.2T2OVR-A.P1
(Apelação)
Relatora Maria de Jesus Pereira
Adjuntos: Des. José Igreja Matos
Des. Rui Moreira
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1-Relatório. Na Comarca de Aveiro – Ovar Inst. Central- 2ª Secção de Execução – J1 – correm termos uns autos de execução em que é exequente Banco B… SA e executado C… para pagamento de quantia certa.
No âmbito do referido processo, a entidade patronal foi notificada pelo Senhor Agente de Execução de que se encontrava em situação de incumprimento por não ter penhorado o subsídio de férias e de Natal da executada D….
Na sequência dessa notificação, a entidade patronal, por considerar que aqueles montantes são impenhoráveis, veio requerer que o Tribunal se pronunciasse sobre a alegada impenhorabilidade.
Ouvido o exequente veio dizer que os valores auferidos a título de subsídios correspondem a valores extras e nesse sentido são penhoráveis.
A decisão que recaiu sobre o requerimento da entidade patronal considerou que o valor dos subsídios também é um rendimento que assegura a subsistência do executado e como ambos os rendimentos se destinam a garantir a subsistência do executado, não é a soma das duas prestações (principal e subsídio) que determina a sua penhorabilidade, mas antes a consideração autónoma do valor respeitante ao subsídio, acolhendo, deste modo, a posição defendida pela entidade patronal.
Inconformado o exequente interpôs recurso de apelação ora em apreciação com as seguintes conclusões:
A-Existindo conflito entre o direito do credor à satisfação do seu crédito e o direito do devedor à percepção de um rendimento que lhe garanta o mínimo de subsistência condigna deverá sacrificar-se o direito do credor na parte que for absolutamente necessária.
B-Não se mostra como absolutamente necessária à sobrevivência condigna do devedor a disponibilidade total dos rendimentos auferidos a título de subsídios de férias e de Natal.
C-O valor auferido a título de subsídios de férias e de Natal deverá ser considerado como complemento da remuneração auferida, não correspondendo a uma garantia que deva ser qualificada como essencial á subsistência condigna.
D-A retribuição mínima garantida corresponde ao valor definido na lei como salário mínimo nacional, sendo auferida mensalmente.
E-Haverá lugar à penhora de montantes sempre que o vencimento mensal do devedor ultrapasse esse limite mínimo, que garante a subsistência condigna.
F- Um vencimento no valor de 505,00€ (montante impenhorável) a que acresce o valor pago a título de duodécimos, torna-se penhorável na exacta medida desse valor acrescido, uma vez que se garantiu já o montante necessário à subsistência condigna.
G-Não é admissível outra solução para as situações em que o pagamento dos subsídios auferidos não se efectue segundo o regime de duodécimos, mas na totalidade, como ocorre no caso sub iudice.
H-A permitir-se que tal acontecesse, criar-se-ia uma situação de discriminação negativa para queles que auferem os seus subsídios em duodécimos, o que se demonstra legalmente inadmissível.
I-Não é possível ao recorrente obter pagamento do seu crédito de outra forma que não seja através da penhora dos subsídios auferidos pela aqui recorrida, porquanto esta não é titular de qualquer outro bem ou rendimento passível de penhora.
J-Mostra-se igualmente vedada ao aqui recorrente a possibilidade de obter o pagamento do seu crédito através da penhora dos bens de que é titular o executado C…, responsável solidário pela dívida cujo ressarcimento de pretende.
K-Nenhuma outra possibilidade assiste ao recorrente de ver ressarcido o seu crédito, que não seja através da penhora dos subsídios cuja impenhorabilidade foi ordenada, pelo que a decisão recorrida corresponde ao sacrifício total do direito do credor, não se verificando a adequada ponderação de direitos ínsita ao regime da impenhorabilidade.
L-A decisão recorrida ao determinar tal impenhorabilidade viola o disposto no artº 738 nºs 1 e 3 do CPC, sacrificando de forma ilegítima o direito do credor a ver ressarcido o seu crédito.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se seja o presente recurso julgado procedente, por provado, substituindo-se a decisão recorrida por outra que ordene a penhora dos subsídios de férias e de Natal auferidos pela executada.
Nas contra-alegações pugna-se pela manutenção do decidido.
2-Objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões a questão colocada a este Tribunal da Relação é a de saber se o subsídio de férias e de Natal é penhorável.
3-Os factos a ter em consideração são os constantes do ponto 1 desta decisão.
4-Fundamentação de direito.
Na parte que aqui interessa preceitua o artigo 738 do CPC:
1-“São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”.
2-”Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios”.
3-“A impenhorabilidade prescrita no nº1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente ao salário mínimo nacional”.
Preceito que, no essencial, corresponde ao artigo 824 do CPC revogado pela Lei nº 41/2013 que substitui a referência “ prestações de natureza semelhante” por “ prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, ou seja, como nos diz Rui Pinto” que assegurem a manutenção ordinária da vida financeira básica do executado” – cfr. Manual da Execução E Despejo, Coimbra Editora, pág.507-
O limite mínimo fixado no nº3 do preceito transcrito não constava do anterior artigo 824 na redacção dada pelo D-L nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
E, portanto, era permitida a penhora, até um terço, de pensões e salários mesmo que fossem inferiores ao valor do SMN o que levou o Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma na parte em que permitia a penhora de 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado de montantes inferiores ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de Direito – cfr. Acórdão nº 546/01, de 23-04-2002, disponível na DGSI.
O que foi atendido pelo Legislador na alteração introduzida àquele preceito pelo D-L nº 38/2003, de 08 de Março (nº2 do artigo 824 do CPC).
Que, como vimos, transitou para o preceito agora em análise.
À luz do qual considerou o Tribunal recorrido que o subsídio de férias e de Natal que assegura a subsistência do executado não é a soma das duas prestações (principal e subsídio) que determina a sua penhorabilidade, mas antes a consideração autónoma do valor respeitante ao subsídio.
Insurgindo-se a apelante por considerar que o subsídio de férias e de Natal deverá, antes, ser considerado como complemento da remuneração auferida, não correspondendo a uma garantia que deva ser qualificada como essencial à subsistência condigna o que estaria de acordo com o decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional num caso de contornos semelhantes, embora proferido no âmbito do quadro normativo anterior.
No Acórdão em causa, com o nº 770/2014, decidiu-se “ não julgar a norma extraída “ da conjugação do disposto na alínea b) do nº1 e do nº2, do artigo 824 do CPC, na parte em que permite a penhora de 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta com o subsidio de natal ou de férias, se penhore somando as duas prestações, na parte que exceda aquele montante”.
Decisão que não recolheu unanimidade.
O Conselheiro João Cura Mariano, no seu voto de vencido, considera que “ quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como valor de referência condigna este presente como valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era 14 vezes ao ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal (..) daí que “ tenha defendido que a interpretação sindicada deveria ser julgada inconstitucional por violação do direito fundamental de qualquer pessoa a um mínimo de subsistência condigna (..)”- O Acórdão está publicado no DR IIª série , nº 26, de 26-02-2015-
Tal como se referte no Acórdão o presente caso configura “ um conflito de direitos, entre o direito do credor à realização rápida do pagamento do seu crédito e o direito do devedor (…) a um mínimo de subsistência condigna com a sua dignidade de pessoa”.
A satisfação do credor na ação executiva é conseguida mediante a substituição do tribunal ao devedor a fim de o forçar a cumprir a prestação que não foi voluntariamente cumprida, mediante a penhora de bens ou direitos necessários ao pagamento do seu crédito – cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva À Luz do CPC de 2013, pág. 20 e Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4ª ed. pág.153-, sendo que o SMN – como direito penhorável - contém em si a ideia de que é uma remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência do devedor -cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa anotada, tomo I, pág-612 e Acórdão do TC com os nºs 302/99, 318/99 e 268/88 disponíveis no DGSI “onde se diz o mínimo dos mínimos”-
Portanto, daqui se infere que o executado não pode ficar desprotegido do mínimo que lhe assegure aquele nível.
Da enunciação daqueles princípios, sobressai que a penhora do subsídio na parte superior ao SMN e na proporção admissível, quer o subsídio seja pago numa única prestação, quer seja pago em duodécimos, não ofende o princípio da dignidade humana ínsito no artigo 1 da CRP como defendido pelo Tribunal Constitucional o qual, no Acórdão nº 546/01, se referiu “ à globalidade das prestaçõesrecebidas” – cfr. também neste sentido Acórdão da RL de 12-06-2001 sumário, disponível no DGSI, AC. RG de 18-04-2013, proc. 537-A, disponível no DGSI e vide, ainda, Rui Pinto, obra citada, pág. pág. 507 –
Assim, tendo em conta a globalidade do rendimento, o princípio acima enunciado não sai beliscado, porquanto não ofende aquele mínimo de subsistência condigna cujo remanescente poderá ser penhorado tendo em vista a satisfação da prestação a que o credor tem direito.
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que ordene a penhora nos termos sobreditos.
Custas pelo apelado.
Porto, 08-03-2016
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos
Rui Moreira