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EXECUÇÃO
BENS IMPENHORÁVEIS
SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário
Não é aplicável às sociedades comerciais o disposto pelo nº 2 do artº 823º do CPC.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Factos, ocorrências processuais relevantes e objecto do recurso
Nos autos de execução n.º 148-A/98, que o MºPº moveu contra (A), foi requerida e ordenada a penhora e a consequente apreensão dos veículos automóveis da executada.
Na referida execução já foram penhorados diversos veículos da executada, ora recorrente.
A executada é uma sociedade comercial que tem por objecto a organização e distribuição em serviço de estafetas, prestação e gestão de serviços, comercialização de equipamentos, representação, projectos, consultadoria, gestão de condóminos e serviço de limpeza.
A executada requereu junto do tribunal a quo o levantamento da referida penhora, ao abrigo do art. 823º, n.º 2 do CPC, alegando que para o exercício da sua actividade depende exclusivamente do uso da sua frota automóvel, sem a qual não lhe é possível cumprir os seus compromissos contratuais, pelo que os mesmos veículos constituem objecto imprescindível ao exercício da sua actividade.
Por despacho, de 3/4/02, a Mma juíza a quo indeferiu o referido requerimento, com o seguinte fundamento: a executada é uma sociedade comercial e como tal o disposto no art. 823º, n.º 1 não lhe é aplicável; o requerido inviabilizaria a penhora de todos os bens das pessoas colectivas, pois todos os bens das sociedades podem ser considerados instrumentos de trabalho; a impenhorabilidade relativa, prevista no art.823º, n.º 2 do CPC, radica no facto de estarem em causa interesses vitais do executado, ou seja, motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade e esse interesse e essas considerações são inaplicáveis às sociedades comerciais.
(...)
2. Fundamentação de direito
A questão que se suscita neste recurso está em saber se o disposto no art. 823º, n.º 2 do CPC é, ou não, aplicável às pessoas colectivas e, na afirmativa, se o disposto naquele preceito se deve aplicar em relação às viaturas da executada.
Nos termos do art. 601º e 817º do Cód. Civil, pelo cumprimento das obrigações responde o património do devedor, cujos bens podem ser apreendidos.
A lei adjectiva prevê, no entanto, restrições a este princípio.
Por razões de interesse público, por motivos religiosos ou de natureza humanitária, determinados bens são total ou relativamente impenhoráveis e outros apenas parcialmente penhoráveis (cfr. arts. 822º, 823º e 824º e 824º - A do CPC).
A executada é uma sociedade comercial que tem por objecto a organização e distribuição de encomendas e documentos, em serviço de estafetas, prestação e gestão de serviços, comercialização de equipamentos, representação, projectos, consultadoria, gestão de condomínios e serviço de limpezas.
Na execução em apreço, foram penhorados diversos veículos automóveis da executada, que ela considera essenciais para a continuação do exercício da sua actividade. Requereu, por isso, o levantamento da penhora desses bens, com base no disposto no art. 823º, n.º 2 do CPC, mas a sua pretensão foi indeferida, com o fundamento de que este preceito não é aplicável às pessoas colectivas.
Dispõe o art. 823º, n.º 2 do CPC que estão isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado, salvo se: a) o executado os nomear à penhora; b) a execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação; c) forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial.
Razões de ordem humanitária, associadas ao princípio constitucional da proporcionalidade justificam o regime previsto neste preceito. Mas será o mesmo aplicável às pessoas colectivas?
Para o Prof. José Lebre de Freitas (Acção Executiva, Coimbra Editora, 3ª Edição, pág. 188 e segs.) esta impenhorabilidade resulta da indisponibilidade de certos bens, de convenções negociais que especificadamente a estipulem, bem como da consideração de certos interesses gerais, de interesses vitais do executado ou de interesses de terceiros que o sistema jurídico entende deverem sobrepor-se aos do credor exequente. “Impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (...) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado (instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade ou à sua formação profissional)”. (Os sublinhados são nossos).
Nestes casos a penhora só é possível por nomeação do executado, se a execução se destinar ao pagamento do preço por que os bens foram comprados ou do custo da sua reparação, bem como quando os bens constituam elementos corpóreos de um estabelecimento comercial e sejam com ele apreendidos, à luz do art. 862-A do CPC.
No mesmo sentido, também J. P. Remédio Marques (Curso de Processo Executivo à Face do Código Revisto, págs. 172 e segs.) afirma que por razões económico-sociais do executado são impenhoráveis os bens indispensáveis à formação profissional e ao exercício da sua actividade profissional, sendo certo que é preciso que sem esses bens o executado não possa continuar a exercer a sua profissão habitual ou que a penhora deles ponha gravemente em causa esse exercício.
Na mesma linha se pronuncia Amâncio Ferreira (Curso de Processo de Execução, 1ª edição, Almedina pág. 117), para o qual a impenhorabilidade processual relativa filia--se em motivos de interesse económico, matizado com considerações de humanidade e abrange os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado (823º, n.º 2), evitando-se, assim, que se retirem ao executado os meios necessários para ganhar a vida e sustentar-se, bem como à sua família.
O art. 823º, n.º 2 do CPC tem, assim, subjacentes razões económico-sociais, na medida em que o sistema jurídico entende que certos interesses vitais do executado ou de terceiros se devem sobrepor aos do credor exequente, pretendendo-se, assim, evitar que se retirem ao executado os meios necessários para garantir a sua subsistência e a do seu agregado familiar, sendo de salientar a própria excepção da alínea c) do n.º 2 do referido art. 823º, o que exclui a sua aplicabilidade às pessoas colectivas.
Em relação às pessoas colectivas, atenta a natureza dos interesses em causa, não se justifica a aplicação deste regime, devendo estas situações enquadrar-se no âmbito do seu risco empresarial. Aliás, numa empresa seria sempre fácil invocar e demonstrar em relação a praticamente todos os seus bens a sua imprescindibilidade ou como instrumentos de trabalho ou como objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade, pelo que a aplicação desta norma às pessoas colectivas inviabilizaria, na prática, a penhora de todos ou de grande parte dos seus bens, pondo-se, assim, em causa a garantia comum dos seus credores, com enormes prejuízos para o comércio jurídico.
A garantia comum dos credores prevista no art. 601º do Cód. Civil constitui uma garantia que só em casos excepcionais deverá ser afastada, havendo, por isso, que equacionar ponderadamente, em concreto, sempre que surjam pedidos de penhoras de bens, se devem prevalecer as motivações e interesses que determinam a impenhorabilidade relativa, ou antes o princípio da confiança e da boa fé, postulado no princípio geral de que o património penhorável é a garantia do cumprimento da obrigação.
De qualquer forma, mesmo que assim não fosse, isto é, mesmo que o art. 823º, n.º 2 do CPC fosse aplicável às pessoas colectivas, sempre seria necessário demonstrar, no caso em apreço, que sem essas viaturas a executada não podia continuar a exercer a actividade para a qual foi constituída, ou que a penhora delas colocava gravemente em causa esse exercício.
Ora, o objecto da executada, ao contrário do que ela pretende fazer crer, não é exclusivamente a distribuição de encomendas e documentos, em serviços de estafeta, mas também a prestação e gestão de serviços, comercialização de equipamentos, representação, projectos, consultadoria, gestão de condomínios e serviços de limpeza, actividades cujo exercício não é de modo algum posto em causa com a penhora das viaturas, pelo que, mesmo que o disposto no art. 823º, n.º 2 do CPC se aplicasse às pessoas colectivas – e já vimos que não se aplica - sempre teria de concluir-se que os requisitos previstos nesse preceito não se verificam no caso em apreço.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso interposto pela executada.
3. Decisão
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se inteiramente o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 11 de Junho de 2003
(Ferreira Marques)
(Maria João Romba)
(Paula Sá Fernandes)