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REMIÇÃO DA PENSÃO
JUROS DE MORA
PENSÃO PROVISÓRIA
Sumário
Condenada a responsável a pagar ao sinistrado o capital de remição correspondente a uma pensão anual, os juros de mora devidos desde o dia seguinte ao da alta e até ao integral pagamento do capital incidem sobre este e não sobre o montante da pensão com base na qual se calcula o capital de remição.
Texto Integral
Processo nº 4737/15.1T8MTS.P1
Apelação
Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 514)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho que B…, nascido a 11/03/1956, residente em …, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, nos termos dos art.º 119º, n.º 1 e 7º, al. a), do Código de Processo do Trabalho e dos artºs 3º, nº1, al. d), e 5º, nº1, al. d), do Estatuto do Ministério Público, move contra «C… – Sucursal Portugal», com sede na Rua …, n.º .., …-… Lisboa, todos identif. a fls. 104, frustrada a tentativa de conciliação realizada em 1 de Março de 2016, na qual a Ré reconheceu o descrito acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, os períodos de IT’s fixados pelo INML, a IPP atribuída de 12,555%, a transferência por acidentes de trabalho através da apólice n.º ………, pelo salário anual de € 8 437,30 e aceitou pagar a quantia € 50,00 a título de despesas de transportes, acrescida de juros, e aceitou, ainda, pagar ao Autor o capital de remição no montante de € 8 352,37 acrescido de juros de mora, apenas, sobre a pensão anual de € 741,51, veio o Autor pedir a condenação da Ré no pagamento:
- Do capital de remição de € 8.352,37, devido a partir do dia 03/10/15, dia seguinte ao da alta, calculado com base na pensão anual de € 741,51, acrescido de juros de mora desde o dia seguinte ao da alta, conforme as disposições conjugadas dos art.º 48º, n.º 3, al. c) e 75º da citada Lei 98/09, de 4/09 e 135º do CPT;
- Da quantia de € 50,00 a título de despesas de transportes, acrescida de juros de mora desde a tentativa de conciliação – art. 25º, n.º 1, al. f) da citada Lei n.º 98/09.
Alegou em síntese ter-se cortado na mão direita quando efectuava um corte de madeira, no dia 22/06/2015, no desempenho das suas funções correspondentes à categoria profissional de Oficial/trolha de 2ª, sob as ordens, direcção e instruções da sociedade «D…, Ldª», em consequência do que sofreu ferida lacero-contusa do dorso indicador com secção tendinosa extensor nos 2º e 3º dedos da mão direita.
À data do acidente de trabalho supra descrito o Autor auferia o salário anual de € 8.437,30.
A entidade patronal tinha a sua responsabilidade infortunística por acidente de trabalho transferida para a Ré seguradora, através da apólice n.º ………., pelo salário anual de € 8.437,30.
Das lesões supra descritas o Autor apresenta como sequelas do acidente de trabalho:
- Membro superior direito: cicatrizes no 2º e 3º dedos da mão. Anquilose na 2ª e 3ª articulação do 2º dedo.
O INML considerou o Autor clinicamente curado em 02/10/2015, com uma IPP de 12,555% com a bonificação de 1,5 pelo facto de o A. ter mais de 50 anos à data da alta.
O A esteve na situação de ITA de 23/06/15 a 22/09/15 e com ITP de 15% de 23/09/15 a 02/10/15.
O Autora despendeu em deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao INML a quantia de € 50,00.
A Ré seguradora pagou ao A. a título de indemnização por IT’s a quantia de € 1.512,93.
Regularmente citada, a Ré «C… – Sucursal Portugal» apresentou contestação, na qual, em resumo, defende que não assiste razão ao Autor quando defende que são devidos juros de mora a incidir sobre o capital de remição e não sobre a pensão, uma vez que mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar juros de mora sobre o valor da pensão anual, e não sobre o capital de remição, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento até à data da entrega do capital de remição.
Foi seguidamente proferido saneador-sentença, de cuja parte dispositiva consta:
“Tudo visto e ponderado, decide-se:
- Julgar procedente, por provada, a presente ação especial emergente de acidente de trabalho que B… move contra «C… – Sucursal Portugal», e, em consequência, condeno esta a pagar-lhe:
- o capital de remição da pensão anual e vitalícia, no montante de € 741,51 (setecentos e quarenta e um euros e cinquenta e um cêntimos), devido a partir do dia 3/10/15, dia seguinte ao da alta, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre o valor do capital de remição desde o dia seguinte ao da alta;
- a quantia de € 50,00 (cinquenta euros)a título de despesas de transportes, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a tentativa de conciliação.
Custas a cargo da ré (art. 527º do Código de Processo Civil).
Fixo à causa o valor de € 8.402,37”.
Inconformada, interpôs a Ré seguradora o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
1 – Não pode a Recorrente conformar-se com a Douta Sentença da Primeira Instância, na parte em que esta decidiu condenar em juros, calculados sobre o capital de remição e não em juros sobre o valor da pensão anual.
Isto porque:
2 - O artº 135º do Cód. Proc. Trabalho dispõe que, na sentença final, o juiz fixa os juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso.
3 – E, o nº 2 do artº 50º da Lei 98/2009, de 4/9, determina:
“A pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta.”
4 – Não existindo neste nem em qualquer outro preceito legal disposição que indique o vencimento do capital de remição.
5 - A letra e espírito da lei pretendem compensar o sinistrado pelo tempo que decorreu entre a data da alta e a data do pagamento ao sinistrado, mas sobre o valor da pensão anual e não sobre o capital de remição. Caso contrário levaria a que a Recorrente tivesse que pagar juros de mora para o futuro!, isto é, levaria a que a Recorrente tivesse que pagar juros de mora para além da data em que efectua a globalidade do pagamento.
6 - O que contraria frontalmente o disposto no referido artº 135º (Cód. Proc. Trabalho) que apenas concede juros sobre prestações pecuniárias em atraso.
7 – Tudo, nomeadamente e conforme Jurisprudência supra identificada.
8 – A douta decisão recorrida violou, s.m.o., o disposto nos artigos 135º do C.P.T. e 50º, nº 2 da Lei 98/2009, de 04 de Setembro.
Contra-alegou o Ministério Público, em representação da recorrida, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação entendeu estar-lhe vedada a emissão de parecer.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se os juros de mora se incidem sobre a pensão anual e vitalícia com base na qual é calculado o capital de remição, ou sobre este capital de remição.
III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1. O Autor no dia 22/06/2015, pelas 13H00, na Póvoa Varzim, quando desempenhava as suas funções correspondentes à categoria profissional de Oficial/trolha de 2ª, sob as ordens, direção e instruções da sociedade «D…, Ldª», ao cortar madeira com uma serra elétrica, sofreu um corte na mão direita.
2. Em consequência do evento supra descrito o A. sofreu ferida lacero-contusa do dorso indicador com secção tendinosa extensor nos 2º e 3º dedos da mão direita.
3. À data do descrito acidente o Autor auferia o salário anual de € 8 437,30.
4. A entidade patronal tinha a sua responsabilidade infortunística por acidente de trabalho transferida para a Ré seguradora, através da apólice n.º ………, pelo salário anual de € 8.437,30, conforme documento de fls. 24.
5. Das descritas lesões o Autor apresenta como sequelas do acidente:
- Membro superior direito: cicatrizes no 2º e 3º dedos da mão. Anquilose na 2ª e 3ª articulação do 2º dedo.
6. O INML considerou o Autor clinicamente curado em 02/10/2015, com uma IPP de 12,555% com a bonificação de 1,5 pelo facto de o A. ter mais de 50 anos à data da alta.
7. O A esteve na situação de ITA de 23/06/15 a 22/09/15 e com ITP de 15% de 23/09/15 a 02/10/15.
8. A Ré seguradora pagou ao A. a título de indemnização por IT’s a quantia de € 1 512,93.
9. O Autor despendeu em deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao INML a quantia de € 50,00.
10. Na tentativa de conciliação realizada em 1 de Março de 2016, documentada no auto de fls. 100 e 101, a Ré reconheceu o descrito acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, os períodos de IT’s fixados pelo INML, a IPP atribuída de 12,555%, a transferência por acidentes de trabalho através da apólice n.º ………, pelo salário anual de € 8 437,30.
11. A Ré seguradora aceitou pagar a quantia € 50,00 a título de despesas de transportes, acrescida de juros, e aceitou, ainda, pagar ao Autor o capital de remição no montante de € 8 352,37 acrescido de juros de mora, apenas, sobre a pensão anual de € 741,51, conforme auto de fls. 100 e 101.
12. O A. nasceu em 11/03/1956, conforme certidão de nascimento constante de 81.
Apreciando:
Ainda em 7.4.2016 decidimos, no processo nº 1195/15.4T8PNF.P1, em que a recorrente era a mesma, e as conclusões do recurso invocavam além dos argumentos neste processo expendidos, o argumento da pensão provisória, o seguinte:
“Sobre esta questão decidimos já em sentido contrário à pretensão da recorrente, no acórdão proferido em 11.10.2010, e consultável em www.dgsi.pt. No mesmo sentido continuámos a entender nos acórdãos proferidos em 24 de Janeiro de 2011, (in Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, 2011, p. 247) e 6.10.2014, todos relatados pelo ora relator, e também subscrevemos, no mesmo sentido os acórdãos desta Relação de 24.9.2012 e de 4.6.2012. E no mesmo sentido vão os acórdãos desta Relação de 12.11.2012 e de 15.9.2014, todos consultáveis no mesmo sítio electrónico. É assim constante e uniforme, nesta Relação, até ao momento, o entendimento de que o artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações devidas por acidente de trabalho, regime que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, e de que o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia vence juros de mora desde o dia seguinte ao da alta e até integral pagamento, calculados sobre o valor do capital.
Afirmando, em seu corpo e em seu sumário, ainda que seja verdade, como a recorrente alega, que a questão sob apreciação não foi exactamente a de saber se os juros incidem sobre o capital de remição, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no seu Acórdão de 10 de Julho de 2013, processo n.º 941/08.7TTGMR.P1.S1, inwww.dgsi.pt, e citamos do seu sumário: « (…) 2. O artigo 135.º do actual Código de Processo do Trabalho consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime geral estipulado nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil. 3. Sendo a pensão devida emergente de incapacidade permanente parcial inferior a 30%, a qual é obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efectiva entrega, pois, a partir daquela, o devedor incorreu em mora e este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.» (sublinhado nosso).
Com o maior e devido respeito, as alegações do presente recurso não alteram o nosso entendimento.
Escrevemos, no primeiro dos citados acórdãos, ainda que no domínio da lei anterior, sendo porém que o artigo 50º nº 2 da Lei 98/2009 não altera a redacção do artigo 17º nº 4 da Lei 100/97 de 13.9:
“Dispõe o artº 17º nº 1 al. d) da Lei 100/97 de 13.9 que o sinistrado terá direito, se do acidente resultar incapacidade permanente parcial inferior a 30%, ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
Dispõe o mesmo artigo, no seu nº 4, que “(…) começam a vencer-se (…) as pensões por incapacidade permanente no dia seguinte ao da alta”.
Dispõe o artigo 33º nº 1 da mesma Lei: “Sem prejuízo do disposto na alínea d) do nº 1 do artº 17º, são obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados”.
O artigo 135º do CPT (aprovado pelo DL 480/99 de 9.11) – que aliás se mantém na versão actual (DL 295/2009 de 13.10) estabelece que “Na sentença final o juiz (…) fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
O artº 804º do Código Civil (intitulado Princípios gerais) estabelece:
“1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. 2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”.
Dispõe o artº 805º do Código Civil (intitulado Momento da constituição em mora): “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. 2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo; b) Se a obrigação provier de facto ilícito; c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido. 3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Este o quadro legislativo em que se move a questão sob recurso.
Começamos por notar que o artº 17º nº 4 da Lei 100/07 de 13.9 não ajuda à compreensão, pois refere a data de vencimento das pensões omitindo, em termos literais, o vencimento do capital de remição constante da alínea d) do nº 1. Trata-se porventura duma transposição da disposição correspondente na Lei nº 2127 de 3-8-65, Base XVI nº 4, com o mesmíssimo texto, sem que se tenha acautelado que a al. c) do nº 1 da mesma Base deu origem a duas estipulações diferentes na lei que lhe sucedeu, ou seja, às alíneas c) e d) do artº 17º nº 1 da Lei 100/97. Em termos literais, na Lei nº 2127 não se previa a condenação no pagamento dum capital de remição, mas no pagamento de pensão que, no máximo, podia ser obrigatoriamente remível (Base XXXIX).
O texto do nº 4 do artº 17º sugere ou determina que o capital de remição não se vence no dia seguinte ao da alta? Sugere ou determina que a entidade responsável não é condenada no pagamento do capital de remição mas sim no pagamento da pensão sobre a qual mais tarde se calculará o capital?
Na conclusão 2ª do recurso, a recorrente faz o seguinte raciocínio: - o que é devido à sinistrada até ao cálculo do capital de remição é a pensão anual com base na qual o capital será calculado. Até ao pagamento do capital de remição, a pensão anual vai-se vencendo nas prestações em que se decompõe, e os juros incidem sobre estas prestações.
Não cremos que o texto do nº 4 do artº 17º acima citado possa sugerir nem determinar nem uma coisa nem outra. Claramente não pode contrariar o que consta da própria alínea d) do nº 1 do artº 17º, que é que a prestação que é devida ao sinistrado – e que a responsável é condenada a pagar – é o capital de remição duma pensão, e não a própria pensão. São coisas diferentes, são valores diferentes, e a conclusão 2ª do recurso está bem afastada do artº 17º citado: em lado algum se prevê que na incapacidade permanente e parcial inferior a 30% a responsável é condenada a pagar uma pensão até ao momento em que, com base nela, se calcule um capital de remição, momento a partir do qual (ou talvez a partir da data designada para a entrega do capital de remição) a condenação se converte numa condenação a pagar o capital.
Por outro lado, e em termos de interpretação sistemática, o nº 4 do artº 17º da Lei 100/97 reporta-se aos números que o antecedem, designadamente ao nº 1, devendo entender-se que previne todas as prestações indemnizatórias dele constantes, resultando assim que a expressão “pensões por incapacidade permanente” utilizada no nº 4 deve ser lida como “prestações por incapacidade permanente”, em conformidade com a epígrafe do preceito e com o corpo do nº 1 do preceito.
Relativamente ao vencimento do capital – que será naturalmente, por razões do próprio processo, apurado em data posterior à do dia seguinte ao da alta – impõe-se anotar o desvio determinado pelo artº 135º do CPT relativamente à disciplina civilística resultante dos artigos 804º e 805º do Código Civil.
Na verdade, e citando o Acórdão desta Relação proferido no processo 0610535 com o número convencional JTRP00039246 que se pode consultar em www.dgsi.pt, que por sua vez cita o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-02-02 - P. 2285 – : “O artº 138º do Código de Processo do Trabalho”, actual artº 135º, “é uma norma especial em relação ao regime geral do Código Civil (artºs 804º e 805º) no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora. Tem carácter imperativo, pelo que há lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor. [cfr. Prontuário de Legislação do Trabalho, CEJ, Actualização n.º 35, Novembro de 1990, com anotação de Cruz de Carvalho] Daí que se venha entendendo que os juros de mora sejam devidos mesmo que o sinistrado ou beneficiário não os tenha pedido, independentemente de interpelação, por se tratar de direitos de existência e exercício necessários, pelo que o Tribunal deve fixá-los oficiosamente, se não forem pedidos. Trata-se de um regime excepcional ou especial em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor, parecendo tratar-se de uma mora objectiva. Por outro lado, sendo um regime especial, afasta a aplicação das regras do direito civil também quanto à questão da liquidez da dívida, pois o facto de o crédito não estar liquidado por razões de natureza processual e de orgânica judiciária, por exemplo, não impede a constituição em mora – cfr. o disposto nos Art.ºs 804 e 805.º, ambos do Cód. Civil. Assim, trata-se mais de reintegrar - com os juros - o valor do capital na data do vencimento da prestação, do que propriamente da punição do devedor relapso, na ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento. Assim, verificado atraso no pagamento, são devidos juros, desde que a mora não seja imputável a culpa do credor. Repare-se que se o sinistrado, por exemplo, tendo discordado do resultado do exame médico efectuado na fase conciliatória, requerer exame por junta médica, o retardamento do pagamento das prestações derivado do processado mais complexo a que deu causa, gera juros de igual forma, porque a mora, embora imputável ao credor, não o é a título de culpa, derivando apenas de vicissitudes processuais e de orgânica judiciária. Ora, in casu, havendo ainda que proceder ao cálculo do capital da remição a efectuar pela Secretaria, são devidos juros até à entrega efectiva do capital, uma vez que existe mora, ainda que não imputável ao devedor a título de culpa. [Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: - de 1999-03-03, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 485, págs. 216 a 219 e in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo I, págs. 297 a 299; - de 1999-04-14, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, págs. 235 a 239 e in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo II, págs. 262 a 263; - de 1999-06-09, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 488, págs. 334 a 337 e
- de 1999-09-29, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo III, págs. 252 a 255.].
Se, assim, o regime de juros em matéria de responsabilidade infortunística laboral é especial relativamente ao regime civilístico, e em particular se os juros são devidos independentemente do momento em que é liquidada a quantia em dívida – e note-se que a quantia em dívida é a do capital de remição e não a da pensão – o argumento de que não é possível haver mora antes do apuramento do capital, porque ainda não existe, não se sabe quando vai existir porque isso depende da iniciativa do Tribunal, já não tem sentido. A aplicação do artº 135 do CPT em conjugação com o artº 17 nº 4 da Lei 100/97 produz a ficção da existência, determinando a obrigatoriedade, para o momento do dia seguinte ao da alta.
Alega a recorrente, e bem, que a “remição é o negócio jurídico, bilateral, oneroso (ou gratuito, em raríssimos casos), pelo qual se extingue a obrigação de pagar a pensão (Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho, pág. 156)”.
A remição obrigatória faz intervir na relação jurídica a ponderação legislativa dos valores em conflito: - nos casos de pequena incapacidade a Lei sacrifica a compensação efectiva da perda de capacidade de trabalho ou de ganho, por uma previsão genérica da duração do dano e da taxa de juro. Se impõe à responsável um pagamento antecipado, esse pagamento beneficia dum desconto, reportando-se à expectativa de vida e à expectativa das condições económicas que determinam a fixação da taxa de juro – artigo 57º do DL 143/99 de 30.4 e Portaria 11/2000 de 13.1.
Estão assim, do ponto de vista do legislador, e que é inatacável, equilibradas as posições, direitos, obrigações e expectativas do sinistrado e da entidade responsável, e esse equilíbrio tem de se afirmar também no que toca aos juros das prestações devidas. Explicando doutro modo: - se aparentemente é mais oneroso pagar juros sobre o capital de remição - cujo valor será maior do que o da pensão anual - do que pagar juros sobre o valor de cada prestação parcelar que integra a pensão anual, essa maior onerosidade não existe em substância, no fundo, porque o valor do capital já contém em si o equilíbrio determinado pelo legislador.
Em suma, não há substancialmente razão alguma que impeça que seja sobre o capital de remição, devido desde o dia seguinte ao da alta, que devam incidir os juros, até à efectiva entrega do capital. E é assim possível ser coerente e determinar que seja sobre o objecto da condenação que devam incidir os juros, enquanto condenação acessória. Tendo a recorrente sido condenada a pagar o capital de remição, deve sobre ele pagar juros, desde a liquidação retrotraída ao dia seguinte ao da alta, por força do artigo 17 nº 4 da Lei 100/97, até à sua entrega”. (fim de citação).
Entendemos que as razões constantes da citação respondem aos argumentos do presente recurso.
Por outro lado, acrescentamos que, conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2013, já citado, com a introdução no artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho da expressão «se forem devidos», o legislador visou harmonizar a lei adjectiva “com o regime substantivo aplicável aos acidentes de trabalho, maxime, com o instituto da pensão provisória, instrumento que, na disponibilidade das entidades responsáveis, seria idóneo a obstar à condenação em juros, ainda que parcial, na medida em que a pensão a arbitrar pelo tribunal pode ser distinta da atribuída pelo médico assistente, sendo que a pensão provisória é fixada em função do coeficiente de desvalorização que por este venha a ser atribuído (artigos 17.º, n.º 5, da Lei n.º 100/97, e 47.º do Decreto-Lei n.º 143/99).”
O argumento que a recorrente pretende extrair da pensão provisória falha, salvo o devido e muito respeito, desde logo no facto de que a pensão provisória não é sempre devida. Com efeito, o artigo 52º nº 1 da actual LAT começa logo por ressalvar “Sem prejuízo do disposto no Código de Processo do Trabalho”, e em consonância refere, no nº 2, qual é a finalidade da pensão provisória e os casos em que a mesma se justifica. E o Código de Processo do Trabalho não impõe a fixação, em todos os casos, de uma pensão provisória – artigos 121º e 122º (se o Autor o requerer ou se resultar da lei – e este resultar da lei não pode ler-se como resultando do artigo 52º, sob pena de ficar inutilizada a ressalva inicial do nº 1 do artigo 52º).
Por outro lado, a possível diferença entre a pensão provisória, resultante do seu diversificado modo de cálculo, e a pensão definitiva, também não autoriza a conclusão de que uma é equiparada à outra.
Por outro lado ainda, os montantes pagos a título de pensão provisória são descontados no pagamento do capital de remição - artigo 52º nº 5 da Lei 98/2009 - de modo que, sobre os montantes pagos, se tiverem sido pagos – o que no caso dos autos não foi demonstrado – efectivamente não haverá lugar ao pagamento de juros, o que não invalida que sobre o montante resultante do desconto das pensões provisórias ao capital de remição (sendo este geralmente superior, por via da comparação dos anos de duração do processo aos anos de expectativa de vida do sinistrado) ou seja, sobre o montante do capital de remição efectivamente a entregar ao sinistrado, não sejam, na mesma, devidos juros de mora, desde o dia seguinte ao da alta e até à entrega efectiva de tal montante, por aplicação da já mencionada disciplina específica de objectivação da mora.
Em suma, a pensão provisória destina-se a “garantir uma protecção atempada e adequada nos casos de incapacidade permanente sempre que haja razões determinantes do retardamento da atribuição das prestações” e desta medida cautelar, desta sua única natureza, não se retira argumento para se considerar que os juros incidem sobre outra prestação que não aquela que é, ab initio, garantida pelo legislador ao sinistrado – artigo 47º nº 1 al. c) da Lei 98/2009, literalmente distinguindo capital de remição e pensão”.
Quanto ao presente recurso, pensamos que os argumentos constantes da transcrição que antecede respondem com suficiência aos argumentos constantes das conclusões do recurso, e fundamentam, de novo, a manutenção da nossa posição. Resta dizer que, tal como resulta aliás transcrito na decisão recorrida, no nosso acórdão de 2010 justificámos porque razão não se pode entender que a condenação no pagamento de juros sobre o capital de remição represente um pagamento de juros para o futuro: na verdade, tal afirmação parte da consideração que este capital é uma soma do adiantamento das prestações que seriam pagas anualmente, mas esta soma não só é presumida através duma expectativa de vida, como o modo de cálculo de remição opera um desconto que reflecte o equilíbrio de interesses eleito pelo legislador.
Em conclusão, entendemos manter a nossa posição e consequentemente improcede o recurso.
Tendo decaído no recurso é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Porto, 07.07.2016
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
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Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do CPC:
Condenada a responsável a pagar ao sinistrado o capital de remição correspondente a uma pensão anual, os juros de mora devidos desde o dia seguinte ao da alta e até ao integral pagamento do capital incidem sobre este e não sobre o montante da pensão com base na qual se calcula o capital de remição.
Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).