LICENCIAMENTO DE OBRAS
CÂMARA MUNICIPAL
Sumário

A instalação e funcionamento de infra-estruturas de suporte de estações de radiocomunicações foi objecto de vários diplomas, só se tendo estabelecido um regime definitivo com o DL nº 11/2003, de 18 de Janeiro.
Nesse diploma o próprio legislador refere ser legislação especial, destinada a dissipar dúvidas acerca dos regimes anteriores, sujeitos a alterações, no que respeita a obrigatoriedade e requisitos de licenciamento municipal.
Tendo a instalação em causa sido feita em data anterior, foi-o num situação de vazio legal pelo que inexiste facto contra-ordenacional punível com coima.

Texto Integral


Acordam em conferência na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. No processo de recurso de contra-ordenação nº 329/04.9TBBRR do 1º Juízo Criminal do Barreiro, por contra-ordenação do art. 54º, nº1-a) e nº2 do D.L. 445/91 de 20/11, com as alterações do DL 250/94 de 15/10, foi Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, SA., condenada na coima de 5000€, na sequência da confirmação judicial da decisão da Câmara Municipal do Barreiro.
Inconformada com esta decisão, veio interpor o presente recurso que motivou, concluindo:
“A douta sentença recorrida sufragou o entendimento já anteriormente propugnado pela Recorrida, segundo o qual a instalação das infraestruturas de suporte de uma estação de radiocomunicações carece de licenciamento municipal, nos termos previstos no DL n.° 445/91, de 20 de Novembro.
Sucede que, à data dos factos, já este diploma havia sido revogado, pelo que não poderá a Recorrente, como parece evidente, ser condenada como autora de uma contra ordenação nele prevista.
Com efeito, à data da prática dos factos imputados à recorrente - 13 de Junho de 2001 - o DL n.° 445/91, no qual a Recorrida se baseou para condenar a Recorrente, já não vigorava no ordenamento jurídico, em virtude da revogação operada pela alínea a) do art. 129.° do DL n.° 555/99, de 4 de Junho.
A douta sentença recorrida, ao confirmar a decisão administrativa impugnada que se baseou num diploma legal revogado, violou, consequentemente, os artigos 2.° e 3.°, n.° 1, do Regime Geral das Contra Ordenações, bem como os artigos 12.°, n.° 2, e 7.; ambos do Código Civil.
Mesmo que assim não fosse - o que se concebe por mero dever de patrocínio - a verdade é que o Dec. Lei n.º 11/2003 veio dissipar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir relativamente à (in)exigibilidade de licenciamento municipal para as estações de radiocomunicações, tal como a dos autos.

Este diploma veio, na verdade, esclarecer que a colocação de antenas de telecomunicações não está sujeita a licenciamento municipal, mas sim a mera autorização municipal.
Carecendo, consequentemente, de fundamento legal a condenação da Recorrida pela prática de uma contra-ordenação que reside na circunstância de haver procedido à instalação previamente à obtenção do licenciamento camarário.
A jurisprudência tem-se pronunciado, aliás, em termos que se julgam unânimes no sentido de que a instalação de antenas sem prévio licenciamento municipal, efectuada anteriormente à entrada em vigor do DL n.° 11/2003, não constitui ilícito contra ordenacional.
Na verdade, é o próprio legislador que, no preâmbulo, reconhece existir um vazio legislativo relativamente à instalação e funcionamento de infra-estruturas de suporte de estações de radiocomunicações, tal qual a dos autos.
O vazio legislativo acarreta, naturalmente, a inexistência de ilícito contra-ordenacional, já que, como decorrência da ausência de expressa previsão legal, não existe um facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima. A douta sentença recorrida violou, pois, o princípio da tipicidade, vertido no art. 1° do Regime Geral das Contra Ordenações, na redacção actualmente em vigor.
Com efeito, o DL n.º 11/2003 reveste a natureza de um verdadeiro diploma interpretativo, com eficácia retroactiva nos termos do disposto no n.º 1 do art. 13° do Cód. Civil.
É o que decorre do teor do respectivo preâmbulo, bem como da previsão constante do art. 15°,
O qual é aplicável às infra estruturas de suporte da radiocomunicações já instaladas à data da respectiva entrada em vigor, como sucede no caso dos autos.
À luz do art. 4° do DL n° 11/2003, a instalação de estações de radiocomunicações, tal qual a dos autos, não carece de licenciamento camarário, ao contrário daquele que foi o entendimento caucionado na douta sentença recorrida.
Tratando-se de infra-estruturas já instaladas, como sucede no caso vertente, a recorrente estava apenas obrigada a requerer a respectiva autorização municipal, o que fez dentro do prazo fixado no art. 15° do DL n° 11 /2003, de 18 de Janeiro.

Não se podendo, desta forma, manter a decisão condenatória por falta de licenciamento camarário, uma vez que o mesmo nunca foi exigido pela lei.
Apenas se verificará a prática de uma contra ordenação se não tiver sido requerida a autorização municipal, nos termos dos arts. 15°, n° 1 e 14, nº 1, al. g), do Dl n° 11 /2003.
Resultaram assim violados, na douta sentença recorrida, os seguintes dispositivos legais: arts. 129°, al. a), e 128°, do DL n . 555/99, de 4 de Junho; arts. 1.°, 2.° e 3.°, n.° 1, do DL n.° 433/82, de 27 de Outubro; arts. 12°, n.° 2, 7° e 13°, do Código Civil; arts. 4.°, 15.°, 14 °, alínea g), do Dec. Lei n.° 11/2003, de 18 de Janeiro; e art. 29.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa”.
A tal recurso respondeu o MP junto do tribunal a quo, concluindo não assistir qualquer razão à recorrente, sendo a sanção aplicada justa e adequada.
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto apôs o seu visto.
Foram colhidos os vistos legais.
Teve lugar a audiência oral.

2. Na Sentença recorrida consideraram-se os seguintes
FACTOS PROVADOS
“No dia 13 de Junho de 2001, às 15.00 horas, a recorrente tinha instalada na cobertura do prédio sito no nº 9 da Estrada Municipal nº 510, freguesia de Santo António da Charneca uma Estação Base de telecomunicações;
O equipamento referido consistia numa estrutura de alumínio com 3,50 x 2,80 metros, com um pé direito de 2,70 metros, com um poste onde estavam implantadas duas antenas;
A implantação do equipamento referido implicou a colocação de duas vigas de betão para suportar o peso correspondente;
A recorrente não possuía alvará de licença camarária de construção;
Em 21 de Junho de 2001, a recorrente dirigiu à Câmara Municipal do Barreiro explicação sobre a realização da infra-estrutura previamente ao requerimento de concessão de licenciamento, comprometendo-se a apresentá-lo nos dias subsequentes;
Em 20 de Agosto de 2001 foi apresentado na Câmara Municipal do Barreiro Projecto de alteração para legalização de obra, que deu origem ao Processo CT/168101; no âmbito do qual foi solicitada a indicação das cotas altimétricas de base e do ponto mais alto de instalação e a obtenção de parecer junto da Direcção de infra estruturas da Força Aérea Portuguesa;
O prédio referido situa-se na área do corredor aéreo do Montijo, onde foi imposta cota altimétrica baixa com vista à adequação às regras de segurança da Força Aérea Portuguesa;
O edifico, com seis pisos, onde está instalado o tribunal do Barreiro é uma estrutura implantada no solo através de parafusos;
A recorrente é uma entidade operadora de serviços de telecomunicações serviço móvel terrestre;
Agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo ser a sua conduta proibida por lei”

3. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões do recorrente, traduz-se este na apreciação da seguinte questão: Necessidade (ou desnecessidade) de obtenção de licença municipal para instalação das infra estruturas de suporte de uma estação de radiocomunicações, à data dos factos - em Junho de 2001.
Por o entender necessário, confirmou o tribunal a quo a decisão camarária que aplicara coima (no montante de 5.000€) pela prática de contra-ordenação do art. 54º, nº1-a) e 2 do DL 445/91 de 20/11, com as alterações introduzidas pelo DL 250/94 de 15/10.
Dado que a específica situação dos autos – instalação e funcionamento de infra estruturas de suporte de estações de radiocomunicações – só veio a ser expressamente regulada e regulamentada pelo D.L. 11/2003, tudo reside em saber se o equipamento em causa preenche o conceito legal de obra de construção civil na definição do art. 54º, nº1-a) do DL 445/91 (redacção DL 250/94).
Resulta dos factos provados que o equipamento referido consistia numa estrutura de alumínio com 3,50 x 2,80 metros, com um pé direito de 2,70 metros, com um poste onde estavam implantadas duas antenas e colocação de duas vigas de betão para suportar o peso.
Trata-se de colocação de equipamento estritamente necessário para assegurar o normal funcionamento da actividade em causa.
Recorde-se que aquele diploma – o D.L. 11/2003 - visou precisamente “dar resposta ao vazio legislativo relativo à autorização municipal para a instalação e funcionamento de infra estruturas de suporte de estações de radiocomunicações, tendo em conta a natureza atípica e específica das mesmas e a necessidade de uniformização da actuação dos municípios nesta matéria” conforme consta do respectivo preâmbulo.
Ou seja, é o próprio legislador que vem reconhecer a ausência de previsão legal para a actividade em causa, mais precisamente, quanto à necessidade de autorização municipal para a instalação e funcionamento de infra-estruturas de suporte de estações de radiocomunicações.
No seu art. 15º, estabelece mesmo um regime transitório de concessão de prazo (180 dias) para obtenção de autorização municipal a todos os operadores que não a tenham.
Trata-se, pois, de um diploma especial, que surge para regular uma actividade atípica e, por isso, sem conformação legal anterior, como o próprio legislador vem a reconhecer (maxime pela via do alvará de licença de construção ou do licenciamento municipal).
Considera-se, por isso, que a construção da infra-estrutura em causa não está(va) sujeita ao regime jurídico geral aplicável às edificações urbanas, tendo os factos sub júdice ocorrido em pleno vazio legislativo.
Inexiste por isso facto contra-ordenacional, tipicamente previsto em lei anterior à data da sua prática. Impõe-se, por isso absolver a recorrente da contra ordenação e da coima aplicada.

4. Pelo exposto, acordam os juízes em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas.

Lisboa., 23 de Março de 2006-06-02
Ana Brito
Francisco Caramelo
Fernando Estrela