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PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Sumário
I – Uma dívida emergente de um contrato de empreitada de construção de imóvel não está sujeita ao prazo de prescrição presuntiva do art. 317º do Cód. Civil.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
Na acção declarativa com processo ordinário que “E… Lda”, move a I… e mulher, que corre termos na 2ª Vara Mista do Funchal, a Srª Juíza no despacho saneador proferiu despacho a julgar improcedente a excepção de prescrição invocada pelos RR, e condensou a matéria de facto para o julgamento da causa.
Inconformados, os RR apelaram, com o recurso a ser admitido com subida imediata e em separado.
Os Apelantes concluíram a sua alegação de recurso como segue:
I - Tendo os trabalhos terminado no ano 2000, se a presente acção foi proposta em 25.05.04, o crédito invocado pela Autora já então se encontrava prescrito, nos termos do art. 317º, alínea b) do Cód. Civil.
II - Os RR não arguíram a excepção peremptória do pagamento, dado que apenas aduziram a excepção da prescrição presuntiva, para o que alegaram que a dívida existiu mas que já foi paga.
III - Na prescrição presuntiva, contrariamente ao que acontece com as chamadas “prescrições verdadeiras”, a falta de alegação do pagamento determina a inoperacionalidade da prescrição.
IV - O que acontece nas prescrições presuntivas é que a lei presume que o pagamento foi efectuado, levando a que a parte que pretenda prevalecer-se da operância da prescrição, se tem de alegar que a dívida existiu e que foi paga, já não tem de fazer a prova do pagamento.
V – Não tendo deduzido a excepção peremptória do pagamento, que apenas foi invocado no âmbito da prescrição presuntiva, não se tornava necessário ordenar p prosseguimento dos autos, por falta de elementos indispensáveis ao respectivo conhecimento.
VI – Por isso, julgando improcedente a excepção da prescrição presuntiva deduzida pelos RR, o despacho-sentença recorrido violou aquela disposição legal.
Contra alegaram os RR no sentido da improcedência do recurso, concluindo assim as suas contra-alegações:
I - A prescrição do crédito invocado pela Autora não se opera pelo decurso do praz, conforme concluem os RR no seu recurso.
II – Como prescrição presuntiva, o decurso do prazo de 2 anos não faz extinguir o direito da Autora.
III – Os RR em vários momentos da sua contestação assumiram comportamentos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
IV – Por um lado dizem que pagaram o valor de € 107.740,35 que não coincide com o valor peticionado pela A, € 106.723,34
V – Depois negam que devem à A os valores pagos pela obtenção da licença de utilização.
VI – Negam ainda que devam os valores adiantados pela A para pagamento de materiais comprados e pagos por aquela a pedido dos RR.
VII – Não contestaram, pelo que se aceita por acordo, que devem à A. quantia de € 498,80 pago pela A relativo ao projecto de alteração.
VIII - Levantam a hipótese de terem pago o valor reclamado pela A.
IX – Como mera presunção, o decurso dos dois anos, como facto invocado, por si só não permitia a decisão do processo no saneador, pois, para tal era necessário que estivessem carrilados para os autos todos os elementos condicionadores de uma decisão segura e conscienciosa.
X – A obrigação em apreço não é das que costumam ser pagas em curto prazo, pois está em causa o crédito resultante da construção de uma moradia, com valores elevados e pagas em prazo, normalmente dilatados.
XI – A Autora emitia um documento de quitação por cada pagamento efectuado pelos RR.
XII – Por onde também é possível confirmar o valor em dívida, pois só existem recibos provisórios de € 93.524,61.
XIII – Os RR confessaram explícita e tacitamente o seu incumprimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Fundamentação.
No despacho saneador foram considerados assentes os seguintes factos:
A) A Autora dedica-se ao exercício da actividade de construção civil.
B) No exercício dessa actividade, foi contactada pelos RR para proceder à remodelação e ampliação de uma moradia localizada no Sítio da Vargem, Lombada, Ponta do Sol, propriedade dos mesmos.
C) Face a esse contacto, a A. apresentou uma proposta de orçamento acompanhada da respectiva memória descritiva dos trabalhos e materiais.
D) Procedimento que adoptou durante toda a execução da obra, em que lhe foi pedido pelos RR que realizasse trabalhos a mais, que não estavam previstos no orçamento inicial.
E) No orçamento proposto pela A. aos RR, o valor da empreitada era de € 66.589,52.
F) Os RR aceitaram a proposta tal como lhes foi apresentada.
G) E com base nessa proposta foi iniciada a obra em Agosto de 1998, tendo decorrido com normalidade.
H) Em Maio de 1999, foi apresentada um segunda proposta de orçamento motivada pelo interesse dos donos da obra em construírem um alpendre, cave e arrecadação.
I) Esta alteração foi orçamentada em € 24.441,10.
J) E na mesma data foi ainda apresentada uma relação de trabalhos a mais e que não tinham sido contemplados em nenhuma das propostas anteriores, no valor de € 16.709,73 sendo o custo total da obra de € 107.740,35.
L) Todos os trabalhos a mais foram pedidos pelos RR, bem sabendo que estes ultrapassavam o inicialmente orçamentado, até porque estes eram sempre precedidos por uma proposta de orçamento, incluindo os descritos no número anterior.
M) E todos estes orçamentos mereceram sempre a aceitação dos ora RR.
N) A pedido do Réu ficaram excluídos da proposta inicial de orçamento, os móveis de cozinha, os lustros do tecto e as peças sanitárias e torneiras.
O) Durante a execução da obra, os planos de pagamento acordados foram cumpridos, dando, dessa forma, garantias à Autora, do bom cumprimento do contrato.
P) De tal modo houve essa confiança que a pedido do Réu marido os responsáveis pela Autora compravam para aquele materiais vários, que não estava, no orçamento e cujo pagamento era realizado à parte.
Q) A Autora conclui a obra dos RR e inclusive requereu e foi concedida em 31.01.2001, a licença de utilização para habitação pela CM da Ponta do Sol.
R) Os responsáveis da Autora e os RR acordaram que estes ficariam responsáveis pela colocação de parte de tijoleira do quintal, descontando-se do orçamento apresentado o valor de € 2.992,79.
S) Do valor dos orçamentos, já com o desconto do valor da colocação da tijoleira, os RR pagaram pelo menos, dezoito prestações, no valor de € 93.524,00.
T) As obras foram concluídas em 2000 e o último pagamento dos RR à Autora foi feito em Julho de 2000.
O direito.
São duas as questões a decidir nesta apelação.
- Se o crédito peticionado pela Autora na acção está sujeito ao prazo de prescrição de dois anos, a que alude o art. 317º do Cód. Civil;
- Se os RR praticaram actos incompatíveis com a presunção de pagamento, em que assentam as prescrições de curto prazo.
Vejamos.
É do seguinte teor o despacho impugnado: “Na contestação invocam os RR a excepção peremptória do pagamento da quantia pedida. Sucede, porém, que os autos não fornecem ainda todos os elementos indispensáveis (…). Ainda invocaram os RR a excepção de prescrição invocando estar prescrito o direito que a Autora pretende fazer valer nesta acção. Respondeu a Autora dizendo que não se verifica tal excepção pelo que deverá ser julgada improcedente. Decidindo: Estatui a al. b) do art. 317º do Cód. Civil que (…). Ora esta norma insere-se no âmbito das prescrições presuntivas as quais, no dizer do art. 312º do C. Civil se fundam na presunção de cumprimento. Assim, tendo os RR alegado que já pagaram a totalidade da quantia pedida não podem eles invocar a prescrição do crédito invocado pela Autora, razão pela qual julgo improcedente a invocada excepção.”
Que dizer?
Como resulta da matéria de facto logo assente no despacho saneador, o crédito que a “E…Lda” veio reclamar dos RR/Apelantes emerge de um contrato de empreitada que consistiu numa obra de construção civil que a Apelada realizou para os Apelantes, que teve o seu início em Agosto de 1998 e que se concluiu no ano 2000.
Trata-se, pois, de um caso de responsabilidade contratual uma vez que tem na sua base o incumprimento de uma obrigação emergente de um contrato.
Dispõe o art. 309º do Cód. Civil que o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.
É este o prazo de prazo de prescrição na responsabilidade contratual (Ac. do STJ de 08.2.94, CJ Ac STJ, ano II, tomo I, pag. 95).
A prescrição, como se sabe, é uma forma de extinção de direitos subjectivos. Nas palavras do Prof. Almeida Costa, “a prescrição é o instituto por virtude do qual a parte contrária se pode opor ao exercício de um direito, quando este não seja exercitado durante o tempo fixado na lei” (Direito das Obrigações, 4ª edição, pag. 789).
Ao lado desta existem as chamadas prescrições presuntivas, referidas nos art.s 312º a 317º do Cód. Civil.
“A expressão prescriçãopresuntiva indica que ela se funda na presunção de cumprimento, e se destina, no fundo, a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo” (Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil anotado, vol. I, pag. 281).
Esta prescrição pode ser ilidida por confissão nos termos dos arts.313º e 314º do Cód. Civil, isto é, por confissão expressa do não pagamento ou por confissão tácita como sucede quando o devedor pratica em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
O art. 317º do Cód. Civil enuncia um conjunto de créditos que prescrevem no prazo de dois anos, um caso de prescrição presuntiva.
Nos termos da alínea b) deste preceito, “prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou não os destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.”
A questão que se coloca é a de saber se o crédito da Apelada está sujeito ao prazo de prescrição de dois anos, ou seja, se estamos perante um caso de prescrição presuntiva.
Entendemos que não.
A razão da prescrição presuntiva é o pagamento imediato ou, pelo menos, em curto prazo e sem quitação. Ora, não é esse o uso nas empreitadas para construção de imóveis de longa duração. Assim se decidiu no douto Acórdão da Relação do Porto de 28.11.94, CJ ano XIX, tomo 5, pag. 215, no qual se escreveu:
“A própria natureza do instituto da prescrição presuntiva é incompatível com o objecto do contrato de empreitada de imóveis de longa duração.
Por isso, o art. 317º, b) do CC, deve ser interpretado no sentido de não abarcar os contratos de empreitada para construção de imóveis, onde, aliás, a lei quer proteger o dono da obra de forma assinalável, concedendo-lhe um prazo de garantia de cinco anos a contar da entrega, se outro não for o convencionado (art. 1225º)”. No mesmo sentido foi a sentença de 23.05.79, do então Sr. Juiz de Círculo de Aveiro, Dr. Matos Fernandes, CJ ano VII, tomo 5, pag. 282.
O crédito reclamado nos autos tem o prazo de prescrição fixado no art. 309º do Cód. Civil – o prazo regra na responsabilidade contratual – e não um prazo de prescrição presuntiva, cuja razão de ser é de todo inadequada a uma relação negocial como é o contrato de empreitada.
Quanto à segunda questão colocada no recurso diremos muito rapidamente o seguinte.
Na prescrição presuntiva, o devedor deve alegar que pagou.
Tal como se escreveu no douto acórdão da Relação do Porto supra citado, “nas prescrições presuntivas, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, mas apenas faz presumir o pagamento, libertando desta forma o devedor do ónus da prova do pagamento, mas não do ónus de alegar que pagou.”
Assim, salvo o devido respeito, não se afigura correcto o despacho recorrido ao dizer, a propósito da prescrição presuntiva que “tendo os RR alegado que já pagaram a totalidade da quantia pedida não podem eles invocar a prescrição do crédito invocado pela Autora (…).” Pelo contrário, se não tivessem alegado que já pagaram é que não podiam invocar a prescrição.
Conclui-se pela não prescrição do crédito da Autor/Apelada, por o respectivo prazo de prescrição ser de 20 anos, com o que improcede o recurso. Decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes.
Lisboa, 18 de Maio de 2006
Ferreira Lopes
Manuel Gonçalves
Aguiar Pereira