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INDEFERIMENTO LIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário
I – Em providência cautelar, o juiz pode indeferir liminarmente a petição, quando o pedido seja manifestamente improcedente, pois tal decorre, expressamente, do disposto no art. 234º-A, n.º 1, conjugado com o art. 234º n.º 4 b), ambos do C.P.C.; II – em providência cautelar comum como em qualquer outra nominada, basta que se possa concluir, em termos de mera probabilidade e verosimilhança que o Requerente é titular do direito que invoca e que existe fundado receio de que o Requerido possa praticar ou esteja a praticar factos susceptíveis de causar lesão grave ou de difícil reparação do direito invocado, para se impor a adopção de medidas tendentes a afastar a ameaça que sobre ele impende; III – O Tribunal não está vinculado à adopção das medidas cautelares solicitadas pelo Requerente, cabendo-lhe a ele, desde que se verifiquem os necessários pressupostos, adoptar as medidas cautelares que considere mais adequadas ao fim em vista, gozando, para isso, de amplos poderes nos termos do disposto no art. 392º do C.P.C.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.
I – RELATÓRIO
“P…, S.A.” instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente providência cautelar comum contra o Requerido MANUEL …, alegando, em resumo e com interesse que de acordo com as condições remuneratórias do Requerido, foi-lhe atribuída uma viatura.
Sob pretexto de necessitar de uma outra viatura para levar os clientes a visitar as instalações da Requerente e para o transporte de mercadorias, o Requerido convenceu a Requerente a adquirir uma viatura nova, viatura essa que nunca foi nem estava previsto vir a ser propriedade do Requerido.
A Requerente adquiriu uma viatura marca Ford, modelo Galaxy com a matrícula 41-78-OQ.
Esta viatura sempre foi propriedade da Requerente e isso sempre foi manifestado ao Requerido.
Assim e após a cessação do contrato de trabalho existente entre ambos, o Requerido estava obrigado a entregar a referida viatura à Requerente, o que, não obstante diversas interpelações feitas nesse sentido, o Requerido nunca fez, mantendo-se, assim, ilegítima e ilegalmente na respectiva posse.
Por outro lado e como decorre do que a Requerente refere na sua contestação formulada na acção principal, o Requerido adquiriu bens para seu uso pessoal, referindo à Requerente que o fazia com dinheiro próprio.
Todavia fê-lo com dinheiro da Requerente, adquirindo, nessas circunstâncias um computador portátil marca HP, modelo 4500 pelo montante de € 1.929,00.
Por outro lado, o Requerido mantém em sua posse licenças de programas informáticos que são propriedade da Requerente, tais como uma licença para utilização do programa Office Pro 2003 OEM PORT e as licenças relativas a software utilizado pelo computador servidor de marca City Desk.
Acresce que no computador que o Requerido mantém ilicitamente na sua posse, está instalado o programa de gestão integrada utilizado na Requerente e que contém informação confidencial de extrema relevância para esta, nomeadamente os dados relativos à carteira das empresas das quais a Requerente é representante, bem como dos seus clientes, informação que o Requerido copiou para o seu computador.
O desapossamento de tais bens da Requerente por parte do Requerido significa a impossibilidade daquela poder utilizar ou dispor dos mesmos como lhe aprouver, tendo a Requerente fundado receio de não os não conseguir recuperar ou de salvaguardar o seu estado de conservação e bom funcionamento, salvo por via cautelar. Aliás, no que respeita ao veículo automóvel o Requerido não tem qualquer pejo em o utilizar ao serviço de uma empresa que constituiu para concorrer directamente com a Requerente, no âmbito das relações comerciais que essa empresa mantém com empresas que faziam parte da carteira de clientes da Requerente.
Concluiu pedindo que, sem audição prévia do Requerido, seja determinada a apreensão judicial dos seguintes bens, os quais devem ser entregues à Requerente:
a) O veículo automóvel marca Ford, modelo Galaxy,de matrícula 41-78-OQ;
b) Um computador de marca HP, modelo 4500 (Incluindo o software);
c) As licenças relativas ao software utilizado pelo computador-servidor da marca City Desk;
d) Uma licença de utilização do programa Office Pro.
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Perante a providência assim requerida pela Requerente, o Mmº Juiz, reputando-a de manifestamente improcedente, decidiu indeferi-la liminarmente ao abrigo do art. 234º n.º 4, al. b) e 234-A, ambos do Cod. Proc. Civil e ex vi art. 1º do Cod. Proc. Trab.
Inconformada com esta decisão dela veio agora a Requerente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando conclusões e alegações.
Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.
II – OBJECTO DO RECURSO Considerando que são as conclusões formuladas nas alegações de recurso que delimitam o respectivo objecto (cfr. arts. 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC aqui aplicável por força do art. 87º n.º 1 do CPT), à excepção de outras cujo conhecimento oficioso a lei permita ou imponha (art. 660º n.º 2 do CPC), verifica-se que no recurso em apreço se formulam as seguintes: Conclusões:
( .. .) III – APRECIAÇÃO
§ FUNDAMENTOS DE FACTO Com interesse resulta dos autos que:
- No processo principal n.º 615/05 a ora Requerente, na sua qualidade de Ré/Reconvinte, formulou pedido reconvencional contra o Autor/Reconvindo e ora Requerido, pedindo que este fosse condenado a entregar-lhe todos os bens que são da sua propriedade e que, ilicitamente, mantém na sua posse, a saber:
- a viatura de marca Ford, modelo Galaxy, com a matrícula 41-78-OQ;
- dois computadores, um de marca HP, modelo 4500 (incluindo o software) e outro de marca City Desk (incluindo o software);
- a licença de utilização do programa Office Pro, [al. a) do pedido formulado a fls. 236].
Pediu ainda que o Autor/Reconvindo fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 220.000,00 a título de danos patrimoniais e de € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como a reembolsá-la do valor de € 3.830,50 referente ao pagamento das apólices de seguro automóvel [alíneas c) e d) do pedido formulado a fls. 236].
§ FUNDAMENTOS DE DIREITO
Face às conclusões delimitadoras do recurso, são as seguintes as questões suscitadas à apreciação deste Tribunal:
٠ Saber se o Tribunal a quo podia ou não lançar mão do indeferimento liminar na presente providência cautelar;
٠ Em caso afirmativo à anterior questão, saber se se mostra correcto o indeferimento liminar da providência cautelar com fundamento constante da decisão recorrida.
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Relativamente à primeira das mencionadas questões, concluiu a Agravante que o Tribunal a quo não podia lançar mão do indeferimento liminar, na medida em que o regime previsto no art. 234º-A do Cod. Proc. Civil, para efeitos de indeferimento liminar, não é aplicável aos procedimentos cautelares por serem processos especiais.
Desde já se afirma não assistir qualquer razão à Agravante. Com efeito bastará atentar no disposto no n.º 1 do referido preceito legal quando conjugado com o n.º 4 alínea b) do art. 234º do mesmo diploma e para o qual expressamente remete, para assim se ter de concluir.
Na verdade, sob a epígrafe de “Casos em que é admissível indeferimento liminar” estabelece o n.º 1 do art. 234º-A do Código de Processo Civil que «Nos casos referidos nas alíneas a) a e) do número 4 do artigo anterior pode o juiz, em vez de ordenar a citação, indeferir liminarmente a petição, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 476º» (realce nosso).
Por seu turno, sob a epígrafe de “Regra da oficiosidade das diligências destinadas à citação” dispõe o art. 234º n.º 4 b) do mesmo diploma que «A citação depende, porém, de prévio despacho judicial: ... b) Nos procedimentos cautelares e em todos os casos em que incumba ao juiz decidir da prévia audiência do requerido» (realce nosso).
Podia, pois, o Mmº Juiz do Tribunal a quo decidir-se pelo indeferimento liminar da providência cautelar em qualquer das circunstâncias previstas no referido n.º 1 do art. 234º-A do C.P.C., mormente se devesse concluir pela manifesta improcedência da pretensão. É uma faculdade que legalmente lhe assiste ocorrendo qualquer das situações previstas no n.º 1 do referido art. 234º-A, não fazendo, por isso, sentido que se afirme, como o faz a Agravante, que o indeferimento liminar só possa ter lugar quando for a única solução juridicamente viável.
Passando agora à apreciação da segunda das suscitadas questões de recurso, prende-se a mesma com saber se, in casu, estaremos ou não perante uma situação de manifesta improcedência da pretensão formulada pela Requerente, susceptível, como tal, de permitir o indeferimento liminar da providência.
Sobre a função jurisdicional dos procedimentos cautelares refere o Prof. José Alberto dos Reis (1) que «A providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior; prepara o terreno e abre caminho para uma providência final.
A providência cautelar, nota Calamandrei, não é um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material.
Portanto a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo».
Noutro passo refere ainda o mesmo insigne Prof. «o juiz não faz outra coisa senão antecipar um determinado efeito jurídico. Em atenção ao dano que pode resultar do facto de o julgamento final ser demorado, o tribunal toma determinadas medidas ou decreta certas providências, na espectativa ou na previsão de que o seu juízo provisório venha a ser confirmado pela decisão definitiva.
De modo que a providência cautelar tem feição nitidamente provisória ou interina: supre temporariamente a falta da providência final... pela sua própria natureza e pelas condições em que é decretada, a providência cautelar tem uma vida necessariamente limitada: só dura enquanto não é proferida a decisão final. Logo que se forma a decisão definitiva, a providência cautelar, porque é provisória, caduca automaticamente, perde, ex se ou ipso jure, a sua eficácia, a sua vitalidade».
Também Carla Amado Gomes (2), a propósito dos traços essenciais definidores das medidas cautelares, refere que «A composição provisória proporcionada através da concessão da providência cautelar serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional, contribuindo de forma mediata para a tutela jurisdicional efectiva do direito objecto da acção principal… a tutela fornecida pelas providências cautelares é qualitativamente diversa daquela que é alcançada através da acção principal – da qual são formalmente dependentes – na medida em que o que se procura acautelar é a sobrevivência de um bem ou direito até à decisão final, não a definição final do Direito aplicável à situação controvertida».
Importa ainda referir que, face ao disposto no art. 381º e seguintes do C.P.C., o decretamento de uma providência cautelar comum ou, como anteriormente se designava, não especificada, seja ela qual for, depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- que haja a probabilidade séria ou a aparência do direito invocado pelo Requerente e que é objecto da acção principal já proposta ou a propor;
- que haja um fundado receio de que outrem – o Requerido – cause lesão grave ou dificilmente reparável a esse direito;
- que ao caso não caiba qualquer providência das que surgem legalmente tipificadas.
Decorre, necessariamente, da função jurisdicional da providência cautelar anteriormente mencionada, que, através dela, não poderá o Requerente conseguir um objectivo que lhe não seja possível alcançar através da acção principal instaurada ou a instaurar.
Assim, uma vez que se verifica não figurar no pedido formulado no processo principal a pretensão cautelar deduzida pela aqui Requerente de apreensão, pelo período de tempo indispensável à realização de uma perícia informática, dos computadores utilizados pelo Requerido e que se encontrassem no seu domicílio ou na sede da sociedade por si gerida, com o objectivo de se apurar da existência, nos mesmos, de informação confidencial relativa à gestão ou à carteira de clientes da Requerente e sua eliminação definitiva, não nos merece censura a decisão recorrida na parte em que, quanto a uma tal pretensão, considerou a providência manifestamente improcedente.
Já quanto à pretensão, igualmente formulada pela Requerente na presente providência cautelar, de apreensão judicial de diversos bens – veículo automóvel de matrícula 41-78-OQ; um computador HP modelo 4500 e seu software; licenças relativas ao software utilizado pelo computador-servidor de marca City Desk e uma licença de utilização do programa Office Pro – e sua subsequente entrega à Requerente, atendendo à mencionada função jurisdicional da providência e perante os fins que, com ela, se visa acautelar, não se nos afigura existirem razões válidas para se poder concluir, ab initio e sem mais, pela verificação da sua manifesta improcedência. Com efeito, pode, efectivamente, haver uma razão ou um fundamento válido (v.g. perigo de deterioração dos bens cuja apreensão vem requerida), naturalmente dependente de uma apreciação sumária ou perfunctória das provas apresentadas pela Requerente, justificativos da adopção de alguma ou algumas providências destinadas a afastar o perigo de insatisfação ou de satisfação tardia pela demora na resolução do processo principal e atendendo à pretensão aí formulada pela Reconvinte, ora Requerente, contra o Reconvindo, ora Requerido. Basta que se possa concluir, em termos de mera probabilidade e verosimilhança, que a Requerente é titular do direito que invoca sobre tais bens e que exista um fundado receio de que o Requerido, em relação aos mesmos, possa praticar ou esteja a praticar factos susceptíveis de causar lesão grave ou de difícil reparação do direito invocado, para se impor a adopção de medidas tendentes a afastar a ameaça que sobre ele impenda.
Subentende-se da decisão recorrida que, para o Mmº Juiz do Tribunal a quo, o grande óbice ao prosseguimento da providência requerida nos presentes autos reside na circunstância de, com a apreensão de tais bens e sua subsequente entrega à Requerente, esta consiga obter, desde já, os efeitos que poderia vir a alcançar com a procedência do pedido reconvencional que formulou no processo principal. Importa, todavia, ter presente a natureza provisória da decisão a proferir em sede de procedimento cautelar e que, naturalmente, caducará com a prolação de decisão definitiva naquele processo.
Acresce, por outro lado, que o Tribunal a quo não está vinculado à adopção das medidas cautelares solicitadas pelo Requerente, cabendo-lhe a ele, desde que se verifiquem os pressupostos anteriormente mencionados, adoptar as medidas cautelares que considere mais adequadas ao fim em vista (v.g. depósito judicial ou qualquer outra), gozando para isso de amplos poderes nos termos do disposto no art. 392º do Cod. Proc. Civil.
Ora, perante a alegação da Requerente de que o Requerido, fruto da relação laboral que entre ambos terá existido, está ilicitamente na posse e vem dando uma utilização indevida em relação aos bens que afirma pertencerem-lhe, designadamente no tocante à viatura Ford Galaxy 41-78-OQ, impunha-se que, nessa parte, se fizesse uma apreciação sumária das provas apresentadas pela Requerente e se decidisse, a final, se se verificam ou não os pressupostos justificativos da adopção de medidas cautelares para salvaguarda do direito de propriedade invocado pela mesma.
Importa, pois, que se altere a decisão recorrida para que o processo possa prosseguir os seus trâmites para apreciação dessa parte da pretensão formulada pela Requerente/Agravante.
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IV – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em conceder parcial provimento ao agravo, determinando-se que o Tribunal a quo faça prosseguir os ulteriores trâmites da presente providência tendo em vista a apreciação da pretensão formulada pela Requerente atinente à adopção de medidas cautelares em relação aos bens descriminados nas alíneas a) a d) do pedido deduzido no requerimento inicial.
Custas a cargo da Requerente/Agravante na proporção de ½.
Registe e notifique apenas a Agravante atendendo ao requerimento de não audição prévia do Requerido.
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Lisboa, 2006/06/07
____________________ (1).-“Código de Processo Civil anotado” Vol. 1º, 3ª Ed. – Reimpressão – pag. 623 e sgts.
(2).-“Contributo para o Estudo das Operações Materiais da Administração Pública e do seu Controlo Jurisdicional”, 1999, pag. 440 e sgts.