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RESERVA DE PROPRIEDADE
EXECUÇÃO
DIREITO REAL DE GARANTIA
DIREITO REAL DE GOZO
Sumário
I - Mostrando-se inscrita na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa reserva da propriedade do veículo penhorado a favor da exequente, o que faz presumir a existência do direito e que este pertence ao titular inscrito, deve concluir-se que a propriedade daquele se não transferiu para a titularidade dos executados, mantendo-se na esfera jurídica da exequente. II - Por isso, e sendo certo que o registo automóvel tem que estar em conformidade com a situação substantiva dos bens, a penhora do bem cuja reserva de propriedade está inscrita em nome da exequente exigia que esta, previamente, demonstrasse o cancelamento dessa reserva ou que, no mínimo, comprovasse esse cancelamento antes de o processo avançar para a fase da venda executiva. III - Pese embora o facto de o Exequente/Agravante haver nomeado à penhora o veículo automóvel sobre cujo direito de propriedade tinha reserva, não pode entender-se que, com tal nomeação, a ela haja renunciado tácita e eficazmente. IV - A reserva de propriedade não constitui uma garantia real coberta pelas normas dos arts. 824º do C.Civil ou do art. 888º do C.Proc.Civil, que apenas abarcam os direitos reais de garantia e os demais direitos reais (como a reserva de propriedade) que não tenham registo anterior ao registo da penhora. V - Como a reserva de propriedade, direito real de gozo sobre o veículo automóvel penhorado, está inscrita no registo automóvel com anterioridade em relação ao acto de penhora, não pode caducar, por força do disposto no nº 2 do artigo 824º do CC, com o acto da venda do veículo. VI - Perante uma situação em que a penhora (já que foi feita) deve manter-se, não pode a execução prosseguir para a fase da venda, sem que, previamente, o recorrente renuncie à reserva de propriedade e inscreva no registo o respectivo cancelamento. F.G.
Texto Integral
Acordam, na Secção Cível da Relação de Lisboa:
"BANCO, SA" instaurou, no Tribunal Cível de Lisboa, contra H, execução de sentença para pagamento da quantia de 16.553,04 Euros, indicando, no requerimento inicial, para ser penhorado, além de outros bens, o veículo automóvel da marca FIAT, com a matrícula PP, que poderia ser encontrado junto à residência do executado, a quem (alegadamente) pertence.
Levada a efeito a penhora do referido veículo, foi a mesma registada, em 23/05/2005, na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, constatando-se da respectiva certidão de ónus e encargos que sobre o veículo 31-61-PP se encontrava registada, desde 22/12/2000, a favor do "BANCO, SA", a respectiva reserva de propriedade.
Juntos aos autos o registo da penhora e a certidão de ónus e encargos, a M.ma. Juiz proferiu despacho no qual convidou o Exequente a demonstrar nos autos ter procedido ao levantamento da reserva de propriedade inscrita sobre o veículo penhorado, sob pena de, não o fazendo, a execução ser sustada quanto a esse bem.
Inconformado, o Exequente declarou expressamente nos autos não aceitar tal convite e agravou do referido despacho, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes conclusões:
“1. O exequente, ora recorrente, nos termos e de harmonia com o que dispõe o artigo 740°, n°s 2, alínea c) e n° 3, do Código de Processo Civil e, por entender que o despacho recorrido lhe causa, inquestionavelmente prejuízos, requereu que ao referido recurso fosse fixado efeito suspensivo.
2. O despacho recorrido mais não faz do que ordenar o cancelamento do registo da reserva de propriedade
3. A possibilidade de utilização pelo executado, ora recorrido, ou por quem quer que seja, do veículo dos autos, causa graves prejuízos ao exequente, ora recorrente, na medida em que aumenta consideravelmente a desvalorização e o risco de perecimento do dito veículo vendo, assim, o exequente, ora recorrente, aumentado o risco de ver ressarcido o seu crédito, risco ou prejuízos que não podem aliás ser sequer quantificados.
4. O despacho proferido nos autos a fls. , que admitiu o recurso, admitiu-o, porém, como se vê da certidão que no final se requer destinada a instruir o presente recurso, como de agravo, com subida imediata, em separado mas com efeito meramente devolutivo.
5. Daí que, como QUESTÃO PREVIA, a ora recorrente, nos termos aplicáveis do disposto no artigo 703°, n° 2, do Código de Processo Civil, requeira, como ora o faz, a V. Exa. que se digne, ouvida que seja a parte contrária, atribuir ao presente recurso efeito suspensivo e, como desde já se requer, nos termos e de harmonia com o disposto no preceito aplicável do n° 3, do artigo 703° do Código de Processo Civil, se digne ordenar se oficie de imediato ao Senhor Juiz a quo para ser suspensa a execução do dito despacho recorrido.
6. Saliente-se que o preceito do artigo 703° do Código de Processo Civil é aplicável à hipótese dos autos, face aos normativos insitos nos artigos 749° e 751°, maxime no artigo 751 °, n° 3, do Código de Processo Civil.
7. Impõe-se, assim, que ao presente recurso seja atribuído efeito suspensivo, com as consequências legais.
8. Assim, porque o efeito fixado pelo Senhor Juiz a quo ao presente recurso o toma inútil deve ao mesmo, como requerido pelo exequente, ora recorrente, ser fixado efeito suspensivo, e proceder-se de conformidade com o disposto no artigo 751 °, n°3, do Código de Processo Civil.
9. Nos autos em que sobe o presente recurso foi logo de início requerida a penhora sobre o veículo automóvel com a matrícula PP, penhora que foi ordenada pelo Senhor Juiz a quo.
10. Não é por existir uma reserva de propriedade sobre o veículo dos autos em nome do ora recorrente que é necessário que este requeira o cancelamento da dita reserva, não tendo, aliás, o Senhor Juiz a quo competência para proceder a tal notificação ao exequente, ora recorrente.
11. O facto de a reserva de propriedade estar registada não impede o prosseguimento da penhora, pois de acordo de harmonia com o disposto no artigo 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil, aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam.
12. No caso de surgirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora, se deve agir de acordo com o que se prescreve no artigo 119° do Código do Registo Predial caso a penhora já tenha sido realizada
13. Tendo o ora recorrente optado pelo pagamento coercivo da dívida em detrimento da resolução do contrato e do funcionamento da reserva de propriedade para chamar a si o bem sobre a qual a mesma incide - o que, como referido, seria, neste caso, ilegítimo -; tendo o exequente renunciado ao domínio sobre o bem - pois desde o início afirmou que o mesmo pertencia ao recorrido -; tendo, como dos autos ressalta, a reserva de propriedade sido constituída apenas como mera garantia, e para os efeitos antes referidos; prevendo-se nos artigos 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil, que aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam; e não se prevendo no artigo 119° do Código do Registo Predial que se notifique o detentor da reserva de propriedade para que requeira o seu cancelamento, é manifesto que no despacho recorrido, se errou e decidiu incorrectamente.
14. Caso, assim, não se entenda, sempre se dirá, que deveria o exequente - titular da reserva de propriedade - ter sido notificado para se pronunciar pela renúncia ou não à propriedade do veículo, mas não ser notificado para requerer o seu cancelamento.
15. No despacho recorrido, ao decidir-se pela forma como se decidiu e ao claramente se violou e erradamente se interpretou e aplicou o disposto no artigo 888° do Código de Processo Civil, violou também o disposto nos artigos 5°, n° 1, alínea b) e 29° do Decreto-Lei n° 54/75, de 12 de Fevereiro, artigos 7° e 119° do Código do Registo Predial e artigos 408°, 409°, n° 1, 601° e 879°, alínea a), todos do Código Civil.
Termos em que, se deve julgar procedente o presente recurso, com a consequente revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos, assim se fazendo JUSTIÇA.”
Não houve contra-alegações.
A Mma. Juiz “a quo” manteve inalterado o despacho agravado, tendo proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
A DECISÃO RECORRIDA
O despacho que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor :
“Fls. 62:
Atendendo a que se mostra inscrita reserva de propriedade sobre o veículo penhorado à ordem destes autos, convido a exequente para, em dez dias, comprovar nos autos ter procedido ao levantamento de tal reserva sob pena de, não o fazendo, a execução ser sustada quanto a tal bem.
Notifique, sendo também, naturalmente, o executado.”
O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2): efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranjatudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3)(4).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença (ou despacho) recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito a uma única questão: a de saber se, estando inscrita no registo automóvel a reserva da propriedade do veículo penhorado a favor do exequente, pode a execução prosseguir seus termos sem previamente estar efectuada e levada ao registo a renúncia do exequente àquela reserva.
O MÉRITO DO AGRAVO
EFECTUADA A PENHORA DE UM VEÍCULO AUTOMÓVEL, NA PRESSUPOSIÇÃO DE QUE NÃO EXISTIA RESERVA DE PROPRIEDADE A FAVOR DO EXEQUENTE, MAS JUNTA AOS AUTOS CERTIDÃO DE ÓNUS E ENCARGOS PELA QUAL SE COMPROVA ESTAR INSCRITA NO REGISTO AUTOMÓVEL A RESERVA DE PROPRIEDADE DO VEÍCULO PENHORADO A FAVOR DO EXEQUENTE, A ACÇÃO EXECUTIVA PODE OU NÃO PROSSEGUIR, DESIGNADAMENTE PARA EFEITOS DE SE PROCEDER À RESPECTIVA VENDA, SEM QUE O EXEQUENTE COMPROVE DOCUMENTALMENTE A RENÚNCIA À RESERVA DE PROPRIEDADE E O CONSEQUENTE CANCELAMENTO DO REGISTO ?
Sustenta o ora Exequente/Agravante que o facto de estar registada a seu favor a reserva de propriedade sobre o veículo automóvel por si nomeado à penhora e já efectivamente penhorado nos autos não impede o prosseguimento da execução, pois, de acordo de harmonia com o disposto no artigo 824° do Código Civil e no artigo 888° do Código de Processo Civil, aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam.
Isto porque, desde logo, se o titular da reserva de propriedade nomear à penhora o bem objecto da reserva de propriedade, tal significa que renunciou tacitamente ao domínio que se reservara. Daí que nem sequer haja lugar ao cumprimento do disposto no artigo 119° do Código do Registo Predial, visto não haver dúvidas sobre a propriedade do veículo automóvel em questão.
De todo o modo, no caso em apreço, o veículo em questão nunca foi propriedade do exequente, o qual se limitou a financiar a sua aquisição por parte do executado, através dum contrato de mútuo celebrado entre exequente e executado, sendo que a únicafinalidadeque mutuante e mutuário tiverem em vista, ao clausularem a constituição e registo da reserva de propriedade sobre tal veículo a favor do mutuante, foi a degarantirem o bom cumprimento do aludido contrato de mútuo, obstando a que, enquanto este não fosse integralmente cumprido, o veículo cuja aquisição tal mútuo financiou pudesse ser vendido pelo mutuário sem conhecimento e autorização do mutuante ou ser nomeado à penhora por terceiros credores do mutuário e possibilitando que, em caso de incumprimento do dito contrato pelo mutuário, pelo menos o veículo financiado pudesse assegurar, precisamente através da sua nomeação à penhora, o pagamento coercivo da dívida proveniente do mútuo.
Como assim, tendo a reserva de propriedade sido constituída apenas como mera garantia, e para os efeitos supra referidos, o tribunal, aquando da venda do bem penhorado, sempre haveria de ordenar oficiosamente o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Automóvel, nos termos dos artigos 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil, pelo que nunca existiria o perigo de o comprador na venda em execução ficar onerado pela dita reserva, pois então esta não só teria caducado, como o exequente já a ela havia renunciado. Quid juris ?
A questão que constitui o objecto do presente recurso, se bem que encarada por aspectos não totalmente coincidentes, tem sido recorrentemente objecto de apreciação pelos tribunais superiores (sobretudo por este Tribunal da Relação de Lisboa), com divergências de entendimento e, consequentemente, com diferentes conclusões na interpretação e aplicação do direito.
Assim, para alguns (que constituem jurisprudência maioritária), penhorado um bem sobre o qual está registada a reserva de propriedade a favor do exequente, deve a execução ser suspensa até que se mostre comprovado o cancelamento desse registo (5).
Diversamente, sustentam outros que, requerida e ordenada a penhora sobre determinado veículo automóvel, não é necessário que o exequente requeira o cancelamento da existente reserva de propriedade a seu favor, sendo que o facto da reserva de propriedade estar registada não impede o prosseguimento da execução (6).
Por seu turno, o Supremo Tribunal de Justiça já por seis vezes, pelo menos, se pronunciou sobre esta questão.
Assim, nos Acórdãos de 30/04/98(7) e de 13/01/2005(8), entendeu-se que, penhorado um veículo automóvel com reserva de propriedade a favor da exequente, não pode a acção executiva prosseguir sem que se demonstre o registo da renúncia àquela reserva.
A mesma orientação foi também perfilhada no Acórdão de 12/5/2005(9) - cuja linha argumentativa iremos seguir de muito perto – e no recente Acórdão de 18/5/2006 (10).
Em contrapartida, no Acórdão de 02/11/2004(11) e no recente Acórdão de 2/2/2006 (12), defendeu-se que o exequente, ao nomear à penhora um bem relativamente ao qual possui a reserva de propriedade, abdica da manutenção do seu direito de propriedade sobre o mesmo, através da renúncia tácita e automática ao domínio que se reservara no momento da celebração do contrato, pelo que nada obsta ao prosseguimento da execução. Quid juris ?
Estatui o art. 409º do Cód. Civil que "nos contratos de alienaçãoé lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento" (nº 1), sendo, porém, que, "Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros" (nº 2).
Reportando-se o referido art. 409º - na sequência, aliás, do anterior art. 408º, que consagra a regra de que a transferência da propriedade se opera por mero efeito do contrato (princípio da transferência consensual do domínio: consensus parit proprietatem) - aos contratos reais ou com eficácia real, de que resultam não apenas efeitos obrigacionais mas também efeitos reais (constituição ou transferência do domínio), parece óbvio que “a função económica da reserva de propriedade é a de garantir o crédito do vendedor pelo preço da compra”. “A reserva de propriedade substitui o direito de penhor sem posse do vendedor, inadmissível em face do nosso Código Civil (arts. 669º e 677º)”. “Com a reserva de propriedade visa o vendedor precaver-se de uma eventual inexecução do contrato ou insolvência por parte do comprador, caso em que o vendedor deseja obter a restituição da coisa, fazendo valer os seus direitos quer em face do comprador, quer de terceiros, credores do comprador, ou que por ele tenham sido investidos em direitos sobre a coisa”. “Consegue-o convencionando que a titularidade do direito de propriedade permaneça na sua esfera jurídica até ao integral pagamento do preço” (13).
A esta luz, não se percebe facilmente – nem o Exequente ora Agravante procura minimamente explicá-lo – como é que, no caso dos autos, a reserva de propriedade se encontra inscrita a favor do Exequente, o qual – segundo ele próprio alega - não foi vendedor mas apenas financiadorda aquisição feita pelo executado, no contexto dum contrato de mútuo, que apenas tem por efeito transferir para o mutuário o montante pecuniário a ele entregue, sendo, desse modo, até certo ponto incompatível com a norma do art. 409º, nº 1, do Cód. Civil, sede principal da reserva de propriedade, que apenas contempla a sua inserção, em benefício do alienante, em quaisquer contratos de alienação.
Da alegação do Exequente/Agravante depreende-se que teria existido, in casu, uma relação traingular: a fornecedora do automóvel vendeu-o ao executado; este, para conseguir o correspondente pagamento, obteve do exequente um financiamento (empréstimo) da quantia necessária; finalmente, como é usual, o financiador entregou a quantia correspondente ao preço directamente à vendedora.
De qualquer modo – e como bem se salientou no cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005 – “não se descortina, no entanto, com facilidade o processo negocial que veio a permitir o registo da reserva de propriedade a favor da mutuante (terá havido uma dupla venda, primeiro da fornecedora à financiadora e depois, desta ao adquirente ? terá ocorrido uma sub-rogação contratual da financiadora nos direitos que, ab initio, pertenciam à vendedora ? ter-se-ão procurado, afinal, efeitos semelhantes aos da alienação fiduciária em garantia que, entre nós, ainda não alcançou consagração legal ?)”.
Porém, como quer que tenha sido configurado o processo negocial que possibilitou o registo, a favor do ora Exequente/Agravante, da reserva de propriedade sobre o veículo automóvel em questão, o que releva, na economia do presente recurso e para efeitos da resolução da questão de direito nele suscitada, é que o exequente nomeou à penhora um veículo automóvel sobre o qual - não importa para o caso como - detém o registo da reserva de propriedade a seu favor.
Tradicionalmente, a reserva de propriedade era encarada como uma condição suspensiva do negócio de alienação, mantendo-se a propriedade na titularidade do alienante até integral pagamento do preço (14).
É bem verdade que diversas tentativas foram ensaiadas no intuito de, por forma mais consentânea com as suas características, qualificar a natureza da reserva de propriedade, sem que, todavia, qualquer delas tenha passado a prevalecer sobre a qualificação tradicional (houve quem a considerasse um direito real de garantia do vendedor, na medida em que reveste a natureza de uma garantia real do crédito e, assim, uma hipoteca mobiliária pelo preço em dívida - Wieacker; ou que o vendedor fica investido na titularidade de um direito de penhor com pacto comissório - Blomeyer); ou ainda que "nos seus termos substanciais o pacto de reserva de propriedade é uma cláusula de garantia que confere ao vendedor o poder de reivindicar o bem no caso de resolução do contrato por incumprimento do comprador" (Bianca), ou também que constitui uma cláusula específica, cláusula acessória atípica, devendo a indagação do regime aplicável partir do seu conteúdo e sentido próprios, sem passar pelo filtro da condição suspensiva e nalguns pontos até em contradição com o regime que desta resultaria (Gama Rose), ou finalmente que "na sequência do reconhecimento ao comprador de um direito real de expectativa e da posse em nome próprio, tanto o alienante como o adquirente detêm um pedaço da propriedade. Tratar-se-ia de uma transferência gradual do direito do vendedor para o comprador: a partilha de propriedade defendida por Raiser) (15).
Em qualquer dos casos, uma coisa é certa: o adquirente não tem a propriedade plena sobre o veículo, porquanto, além do mais, “surge-nos como inevitável em face do direito vigente a aceitação da tese de que a transferência da propriedade, estritamente entendida como transferência da titularidade do direito de propriedade, fica subordinada a uma condição suspensiva” (16).
Parece, desta forma, que, mantendo-se a reserva de propriedade a favor do exequente, o veículo não deveria sequer ter sido penhorado, já que se não tratava dum bem do executado (arts. 601º do C.Civil e 821º, nº 1, do C.Proc.Civil)(17).
Sustenta, porém, o Exequente/Agravante que é perfeitamente admissível que o detentor da reserva de propriedade possa nomear à penhora o bem sobre que incide tal reserva, porquanto, nesse caso, estará a renunciar implicitamente ao seu "domínio" sobre o bem, tanto mais que, nos casos em que o detentor da reserva de propriedade opta pelo pagamento coercivo da quantia em dívida, deixa de poder fazer operar a reserva de propriedade constituída, deixa de poder reivindicar para si o bem. A não ser assim, no caso de opção pelo pagamento da quantia em dívida, a constituição de reserva de propriedade não só não beneficiaria o respectivo titular, como até o prejudicaria, inclusivamente em relação aos outros credores do devedor. Quid juris ?
“Ainda que fosse aceitável atender a uma declaração de renúncia tacitamente efectuada através de mera actuação processual (e, a nosso ver, a propositura da acção de cumprimento não encerra qualquer vontade de renúncia à reserva) não pode esquecer-se que, in casu, desacompanhada da comprovação do cancelamento da reserva de propriedade, a mesma devia ser expressa e formalmente assumida em declaração dotada da força necessária para assegurar a renúncia e para servir de base ao futuro cancelamento do registo (18)” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005) (19).
Na verdade, “a reserva de propriedade tende a manter-se até efectivo pagamento do preço, certo que só esta circunstância desencadeia a transferência do direito de propriedade sobre a coisa vendida, ao que acresce o facto de a penhora em acção executiva não bastar, como é natural, à realização do direito de crédito do credor reservante do direito de propriedade. (...) Por outro lado, atenta a fonte contratual de que a reserva de propriedade deriva, não é um direito a que se possa renunciar livremente, porque se traduz no diferimento contratual de um dos efeitos do contrato de compra e venda acordado entre as partes. De contrário, estar-se-ia perante uma situação que significaria a extinção da expectativa (direito real de aquisição?) do comprador de adquirir o direito de propriedade por sua exclusiva vontade, o que se revela contrário ao princípio do consenso contratual que decorre do art. 406º, nº 1, do C.Civil” (20).
Ademais, só será eficaz a renúncia à reserva de propriedade desde que registralmente comprovada, através do respectivo cancelamento.
Estabelece, com efeito, o art. 7º do C. Registo Predial (aqui aplicável por força do disposto no art. 29º do Dec. Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro) que "o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito".
“Daí que, mostrando-se inscrita na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa reserva da propriedade do veículo penhorado a favor da exequente, o que faz presumir a existência do direito e que este pertence ao titular inscrito, se deva concluir que a propriedade daquele se não transferiu para a titularidade dos executados, mantendo-se na esfera jurídica da exequente” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
“Por isso, e sendo certo que o registo automóvel tem que estar em conformidade com a situação substantiva dos bens, designadamente para defesa de terceiros, a penhora do bem cuja reserva de propriedade está inscrita em nome da exequente exigia que esta, previamente, demonstrasse o cancelamento dessa reserva ou que, no mínimo, comprovasse esse cancelamento antes de o processo avançar para a fase da venda executiva” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
“Quando não permitir-se-ia a manutenção nos autos de uma situação claramente contraditória: por um lado, através da penhora (devidamente registada) e subsequente sujeição à venda executiva, atingir-se-ia o pagamento do exequente (e eventuais credores reclamantes) pelo produto da venda do bem; por outro lado, e enquanto durasse a execução, no período que antecedesse a venda continuaria, por força da reserva de propriedade (também devidamente registada) o exequente a gozar da faculdade de exercer o seu direito de resolução do contrato, ressarcindo-se, nomeadamente, através da restituição do veículo” (cit. Ac. do S.T.J. de 12/5/2005).
Assim, pese embora o facto de o Exequente/Agravante haver nomeado à penhora o veículo automóvel sobre cujo direito de propriedade tinha reserva, não pode entender-se que, com tal nomeação, a ela haja renunciado tácita e eficazmente.
Defende, ainda, o Exequente/Agravante que o facto de a reserva de propriedade estar registada não impede o prosseguimento da penhora, pois, de harmonia com o disposto nos artigos 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil, aquando da venda do bem penhorado, o tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam.
E que, no caso de surgirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora, deve-se agir de acordo com o que se prescreve no artigo 832° do Código de Processo Civil (caso a penhora ainda não tenha sido efectuada ou esteja a sê-lo) ou com o que se prescreve no artigo 119° do Código do Registo Predial (caso a penhora já tenha sido realizada e a dúvida surja por o bem não estar registado em nome do executado mas em nome de outrem). Quid juris ?
A) Quanto à pretensa aplicabilidade ao caso em apreço do disposto no art. 119º do Cód. do Registo Predial (aplicável, como vimos, ao registo de automóveis, ex vi do cit. art. 29º do Dec-Lei nº 54/75), cujo nº 1 estatui que: "havendo registo provisório de arresto, penhora ou apreensão em falência ou insolvência de bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido ou executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de dez dias, se o prédio ou direito lhe pertence".
Antes de mais, cumpre esclarecer que “os registos referidos no nº 1 são provisórios por natureza, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 92º [do C.R.P.], e são oficiosamente convertidos em definitivos, em face de certidão comprovativa de o citado ter declarado que os bens não lhe pertencem, ou de não ter feito nenhuma declaração, expedida pelo tribunal à conservatória (nº 3)” (21).
“A função desta norma é, como naturalmente se deduz, a de estabelecer um mecanismo que permita a conversão de um registo provisório em definitivo, a de providenciar por uma actualização dos factos inscritos no registo para evitar a sustação de execuções pelo simples facto de o bem penhorado estar indevidamente registado a favor de pessoa diferente do executado” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
“In casu, como claramente se infere da competente certidão (fls. 62) o registo da penhora é definitivo. Donde, como é natural, por falta do pressuposto da provisoriedade, não se justifica o recurso ao disposto naquele art. 119º, nº 1” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
“Acresce que o recurso ao mecanismo previsto em tal disposição apenas se justifica relativamente a discrepâncias entre a titularidade do bem e o respectivo registo, quando respeitem a pessoas diversas do exequente e não, como ocorre no caso concreto, com relação a situações em que ele próprio surge como titular inscrito, nas quais existe conhecimento exacto e sem controvérsia da titularidade do direito de propriedade sobre o bem penhorado” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
B) Quanto àqueloutro entendimento propugnado pelo Exequente/Agravante, de que, aquando e após a venda do bem penhorado, o tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos (incluindo a reserva de propriedade) que sobre o bem incidam, por aplicação da disciplina dos arts. 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil:
Dispõe actualmente o art. 888º do C.Proc.Civil que "após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão, o agente de execução promove o cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam nos termos do nº 2 do artigo 824º do Código Civil e não sejam de cancelamento oficioso pela conservatória".
Estabelece, por sua vez, o art. 824º do C.Civil que "a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida" (nº 1), sendo que "os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo" (nº 2).
Demos de barato, para facilidade de raciocínio, que é possível, tendo em conta o princípio da liberdade contratual, a aplicação desta figura (reserva de propriedade) a contratos diferentes dos de alienação, nomeadamente ao de mútuo a prestações que com o de compra e venda de veículo automóvel apresenta uma relação de estreita conexão, consubstanciada no facto de o objecto do primeiro - quantia mutuada - representar o preço do segundo (22)(23).
Teria sido isso, afinal, o que ocorreu no caso sub judice, em que a reserva da propriedade sobre o veículo foi estabelecida, não a favor do vendedor, mas em benefício do mutuante, justamente porque o primeiro recebeu, mercê do contrato de mútuo outorgado pelo comprador, o preço convencionado no âmbito da compra e venda do veículo (24).
“Antes de mais, (…) o facto de a reserva de propriedade ter sido (eventualmente) constituída para garantia do direito de crédito do recorrente, advindo do financiamento destinado à aquisição do veículo, de nada releva no sentido da sua pretensão, uma vez que na reserva de propriedade, conquanto direito real de gozo, a função de garantia está sempre presente” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
“Todavia, sempre será de entender que a situações como a agora mencionada não deixam de ser aplicáveis, como é evidente, os efeitos prescritos na lei e próprios da reserva de propriedade como se esta houvesse sido constituída a favor do vendedor. Mesmo que a reserva de propriedade haja sido funcionalmente utilizada e registada para garantia do pagamento da dívida do financiador, nunca será juridicamente um direito real de garantia, mas, em termos de rigor, uma condição suspensiva aposta com respeito à transmissão da propriedade” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
“Donde surja líquida a conclusão de que a reserva de propriedade não constitui uma garantia real coberta pelas normas dos arts. 824º do C.Civil ou do art. 888º do C.Proc.Civil, que apenas abarcam os direitos reais de garantia e os demais direitos reais (como a reserva de propriedade) que não tenham registo anterior ao registo da penhora” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005) (25).
“Ora, como a reserva de propriedade, direito real de gozo sobre o veículo automóvel penhorado, está inscrita no registo automóvel com anterioridade em relação ao acto de penhora, certo é que não podia caducar, por força do disposto no nº 2 do artigo 824º do CC, com o acto da venda do veículo” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
“Assim, realizada a venda do veículo automóvel penhorado, não podia o tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 888º do C.Proc.Civil, ordenar o cancelamento da inscrição respeitante à reserva de propriedade, com a consequência de o adquirente ter de suportar aquele ónus na sua esfera jurídico-patrimonial” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
“Encontramo-nos, pois, perante uma situação em que a penhora (já que foi feita) pode manter-se, mas com base nela não pode a execução prosseguir para a fase da venda, sem que, previamente, o recorrente renuncie à reserva de propriedade e inscreva no registo o respectivo cancelamento” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
Consequentemente, “perante a anomalia de haver sido ordenada e realizada a penhora de um veículo automóvel em relação ao qual a exequente é titular do direito de propriedade e não qualquer dos executados, a solução não pode deixar de ser no sentido da suspensão da acção executiva em relação à referida penhora até que a agravante demonstre em juízo o cancelamento do registo da reserva de propriedade em causa (artigos 276º, n° 1, alínea c) e 279º, ex vi do n° 1 do art. 466, do C.Proc.Civil)” (cit. Acórdão do S.T.J. de 12/5/2005).
Eis por que o despacho objecto do presente recurso de agravo não merece qualquer censura, já que não violou qualquer das normas invocadas pelo Exequente/Agravante, improcedendo, consequentemente, o recurso contra ele interposto.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao presente recurso de Agravo, confirmando integralmente o despacho recorrido.
Custas a cargo do Exequente ora Agravante.
Lisboa, 4 de Dezembro de 2006
Rui Torres Vouga (Relator)
Carlos Moreira (1º Adjunto)
Isoleta Almeida Costa (2º Adjunto)
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(1) Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
(2) Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
(3) O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
(4) A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
(5) Esta foi a orientação que fez vencimento, designadamente, nos seguintes arestos: Acórdãos da Rel. de Lisboa de 02/06/99, no Proc. 0032956 (relator: Moreira Camilo); de 18/02/2002, no Proc. 0050632 (relatora: Ana Paula Boularot); de 18/02/2002, no Proc. 00888867 (relatora: Maria do Rosário Morgado); de 11/04/2002, no Proc. 0024576 (relator: Salvador da Costa); de 18/04/2002, no Proc. 00304498 (relatora: Catarina Manso); de 05/12/2002, no Proc. 0089506 (relator: Granja da Fonseca); de 16/01/2003, no Proc. 0095882: relator Farinha Alves); de 20/03/2003, no Proc. 0004856 (relatora: Fernanda Isabel Pereira); de 13/05/2003, no Proc. 1410/2003-7 (relatora: Rosa Maria Coelho); de 27/05/2003, no Proc. 4467/03-1 (relator: António Geraldes); de 09/07/2003, no Proc. 4400/2003-2 (relatora: Graça Amaral); de 03/06/2004, no Proc. 2826/2004-2 (relator: Francisco Magueijo); e de 14/12/2004, no Proc. 9857/2004-7 (relator: António Geraldes).
(6) Enfileiraram por esta tese, entre outros, os seguintes arestos: Acórdãos da Rel. de Lisboa de 28/02/2002, no Proc. 00110498 (relator: Bruto da Costa); de 27/02/2003, no Proc. 0007856 (relator: Urbano Dias); e de 21/12/2004, no Proc. 10130/2004-1 (relator: André dos Santos).
(7) Proferido no Proc. nº 1111/98 da 2ª secção (relator: Simões Freire), cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no site www.dgsi.pt.
(8) Proferido no Proc. nº 3754/04 da 2ª secção (relator: Abílio Vasconcelos), cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no site www.dgsi.pt..
(9) Proferido no Proc. nº 05B993, de que foi relator o saudoso Conselheiro ARAÚJO DE BARROS, e cujo texto integral pode ser consultado, via Internet, no site www.dgsi.pt.
(10) Proferido no Proc. nº 06A880 e relatado pelo Conselheiro JOÃO CAMILO, podendo o respectivo texto integral ser acedido, via Internet, no site www.dgsi.pt.
(11) Exarado no Proc. 1765/04 da 6ª secção (relator Sousa Leite).
(12) Proferido no Proc. nº 05B3932 e relatado pelo Conselheiro BETTENCOURT DE FARIA, cujo texto integral também pode ser acedido, via Internet, no site www.dgsi.pt.
(13) LUÍS LIMA PINHEIRO in "A Cláusula de Reserva de Propriedade", Coimbra, 1988, pags. 23 e 24.
(14) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, p. 376); VAZ SERRA (in RLJ Ano 112º, p. 235); ALMEIDA COSTA (in “Direito das Obrigações”, 5ª edição, Coimbra, 1991, p. 232); ARMANDO BRAGA (in "Contrato de Compra e Venda", Porto, 1990, p. 69). Cfr., na jurisprudência, os Acs. do STJ de 22/02/83 (in BMJ nº 324, pag. 578: relator Santos Silveira); e de 01/02/95 (in BMJ nº 444, pag. 609: relator Sousa Inês).
(15) Cfr., LUÍS LIMA PINHEIRO in obra citada, pags. 93 a 120.
(16) LUÍS LIMA PINHEIRO, ibidem, pag. 113 e autores aí citados em nota.
(17) Com efeito, na execução para pagamento de quantia certa, o exequente (credor) visa obter o cumprimento duma obrigação pecuniária através do património do executado (devedor). Apreendidos e vendidos bens deste património, procede-se, com o dinheiro realizado, ao pagamento do exequente, que obterá assim, por esta via, idêntico resultado ao da realização da prestação que lhe é devida, segundo o título executivo. Assim, “a nomeação à penhora pelo titular da reserva de propriedade sobre o bem concernente não é conforme à regra que resulta da lei, no sentido de que pelas dívidas do executado apenas os seus bens ou os de terceiro afectos ao cumprimento da obrigação, respondem (artigos 601º CC e 821º CPC)” (Ac. da Rel. de Lisboa de 16/10/2003, proferido no Proc. nº 7341/2003-6 e relatado pelo Desembargador GRANJA DA FONSECA, cujo texto integral está disponível para consulta, via Internet, no site www.dgsi.pt).
(18) Ac. da Rel. de Lisboa de 21/02/2002 in CJ Ano XXVII, tomo 2, pag. 113 (relator: Salvador da Costa).
(19) Efectivamente, “se assim fosse, isto é, se se tratasse de renúncia tácita, não havia meio de se conseguir o seu cancelamento no registo automóvel por falta de título documental adequado” (cit. Ac. RL de 21/02/2002 in CJ Ano XXVII, tomo 2, pag. 113). “Nesta lógica, ainda que o veículo automóvel fosse vendido no âmbito da acção executiva, porque a reserva de propriedade, ou seja, um direito real de gozo, está registada antes do acto da penhora, continuaria a afectar, não obstante a alienação, o veículo automóvel vendido (cfr. artigo 824º, n.º 2 CC)” (ibidem).
(20) Cit. Ac. RL de 21/02/2002 in CJ Ano XXVII, tomo 2, p. 113 (relator Salvador da Costa).
(21) ISABEL PEREIRA MENDES in "Código de Registo Predial", 5ª edição, Coimbra, 1992, p. 243.
(22) Cfr., neste sentido, VASCO DA GAMA LOBO XAVIER, in "Venda a Prestações, Algumas notas sobre os artigos 934º e 935º do Código Civil", Coimbra, 1977, pags. 23 a 25.
(23) Cfr., no sentido de que, “embora a reserva de propriedade, tal como está prevista na lei, tenha sido pensada para contratos de compra e venda, o certo é que o artigo 409º, n.º 1 abrange, na sua letra e espírito, a hipótese de conexão entre o contrato de mútuo a prestações e o contrato de compra e venda do veículo automóvel por virtude do objecto mediato do primeiro constituir o elemento preço do segundo, situação que se configura como se o pagamento do preço relativo ao contrato de compra e venda do veículo automóvel fosse fraccionado no tempo”, LUÍS LIMA PINHEIRO (in "A Cláusula de Reserva de Propriedade" cit., pp. 33-34) e o Ac. da Rel. de Lisboa de 11/12/1997 (in CJ, Ano XXII, Tomo 5, p. 120).
(24) Cfr., no sentido de que “o facto de as partes terem optado pela reserva de propriedade do veículo automóvel não a favor do vendedor, mas da mutuante, consubstancia uma situação anómala de constituição da reserva de propriedade, mas não se altera o regime legal que decorre da lei”, porquanto “os seus efeitos são idênticos àqueles que derivariam de ela haver sido constituída a favor do vendedor do veículo automóvel que foi penhorado”, o Ac. da Rel. de Lisboa de 16/10/2003 (proferido no Proc. nº 7341/2003-6 e relatado pelo Desembargador GRANJA DA FONSECA, cujo texto integral está disponível para consulta, via Internet, no site www.dgsi.pt).
(25) Como se sabe, nos termos do nº 2 do cit. art. 824º do Cód. Civil, há que distinguir duas espécies de direitos que incidam sobre os bens vendidos. Assim, enquanto os de garantia caducam todos (os bens são sempre transmitidos livres de todos eles, sejam de constituição anterior ou posterior à penhora, tenha ou não havido reclamação na execução dos créditos que eles garantem), já os direitos reais de gozo só caducam se não tiverem um registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, ou seja, anterior à mais antiga destas garantias (apenas se exceptuam aqueles direitos de gozo que produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, porque estes também não caducam, se tiverem sido constituídos anteriormente ao mais antigo daqueles actos).