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EXPURGAÇÃO DE HIPOTECA
Sumário
I. Os artºs 998º a 1000º do CPC, por um lado e o artº 1002 e segs. do mesmo diploma, por outro lado, consagram, para a expurgação de hipoteca, dois regimes diferentes, autónomos e, até, incompatíveis, quer nos seus fundamentos, quer nas suas consequências. II. O regime do Artº 998º aplica-se apenas aos casos em que o requerente se propõe pagar integralmente ao credor e não existe controvérsia entre as partes quanto ao montante em dívida ou tal conflito é rapidamente ultrapassado. O regime do artº 1002º, aplica-se a todos os outros casos e pode acarretar a venda do bem mesmo contra a vontade do requerente. III. Assim, impetrada a expurgação ao abrigo do artº 998º, se existirem divergências das partes quanto ao valor em dívida e tal dissidência não for ultrapassada dentro de prazo e processado razoáveis, não pode o juiz, oficiosamente e sem o acordo dos litigantes, proferir despacho que encaminhe os autos para a tramitação do artº 1002º, devendo antes o processo ser dado por findo. (CM)
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1.
J e Maria instauraram contra a C acção especial de expurgação de hipoteca ao abrigo do artº 998º do CPC.
Indicando o valor (3,405.115$00) que entendia dever satisfazer aquela credora para referente a dois empréstimos contraídos perante ela pelos anteriores proprietários do imóvel que, entretanto, comprou.
2.
Ordenada a citação da credora para, nos termos legais, receber a importância dos seus créditos sob pena de esta ser depositada, veio ela invocar que o montante dos mesmos era superior (27.729.000$00) ao indicado pelos requerentes.
A fls. 36 foi proferido despacho que ordenou a:
«notificação dos requerentes para no prazo de 30 dias procederem ao pagamento da quantia aludida a fls.33 (a indicada pela C…) sob pena de se vir a dar cumprimento ao disposto no artº 1003º nº2 do CPC». Agravaram os requerentes desta decisão tendo o agravo sido reparado por despacho que, para o efeito, aduziu os seguintes fundamentos : «não são as partes que definem o preço a pagar mas sim a própria inscrição hipotecária… e que …os agravantes requerentes apenas ofereceram 3.405.115$00, quando o crédito hipotecário é bem superior – só uma das hipotecas garante o valor de 14.400$00…. Logo, não oferecendo a totalidade da quantia à segurança da qual o prédio se encontra hipotecado, deveriam antes, ab inicio, ter lançado mão do mecanismo previsto nos artºs 1002º e seguintes… tal erro não se traduz num vício de forma, mas de substancia… pois se refere …ao pedido formulado e sua causa de pedir, já que os requerentes pedem aquilo que segundo a lei não podem pedir, dando origem à improcedência da acção …e… nem sequer é viável o aproveitamento da petição, porque os requerentes, inclusivamente, não alegaram os demais factos essenciais constitutivos do seu direito – ex. valor pelo qual obteve o bem, ou estimado… donde se conclui que o despacho em causa deve ser revogado, embora pelas razões diversas e que acabamos de explanar…»
O processo prosseguiu com vicissitudes várias atinentes á determinação do valor devido e ao modo adequado para a pretendida expurgação, isto é se seria aplicável a tramitação dos artºs 998º a 1000º ou a do artº 1002º do CPC.
Assim a fls. 142 foi proferido despacho que constatando não existir acordo das partes quanto ao valor em dívida ordenou: «a citação dos credores para em quinze dias impugnarem, querendo, os valores em causa sob a cominação legal de nada dizendo se considerar que o aceitam, cfr. artº 1002º nº2 do C.P.C.»
E a fls 230 foi proferido o seguinte despacho: «uma vez que foi deduzida impugnação, determino a venda do imóvel em causa (melhor id. A fls.79). Abertura de proposta: dia 19 de Abril de 2006, pelas 14 horas, neste tribunal. Valor a anunciar:25000 euros (valor de aquisição)»
3.
Inconformados agravaram destes despachos os requerentes.
Terminando as suas alegações, no essencial para os dois recursos, com as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido viola o caso julgado resultante do despacho de reparação do agravo de 12/5/2000, que REVOGOU anterior decisão de tramitação dos autos nos termos dos arts. 1002.° e ss. do CPC.
2. O despacho recorrido violou o caso julgado resultante do despacho de 6/2/2004.
3. Consequentemente, o despacho recorrido violou o disposto no art. 672.° do CPC.
4. Requerido expurgo de hipoteca nos termos dos arts. 998.° a 1000.° do CPC (expurgo de hipoteca mediante pagamento integral aos credores hipotecários) e verificando-se existir litígio quanto ao montante que deve ser pago, não deve nem pode o processo passar a tramitar-se nos termos dos arts. 1002.° e ss. do CPC.
5. O processo dos arts. 998.° a 1000.° CPC é aplicável aos casos em que o requerente se propõe pagar integralmente ao credor hipotecário.
6. O processo dos arts. 1002.° a 1004.° CPC é aplicável "a todos os outros casos", ou seja, aos demais casos de expurgação previstos na lei civil: aqueles em que o requerente está apenas disposto a pagar "até à quantia pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço.
7. Ambos os regimes são incompatíveis e inconvoláveis entre si, porquanto o primeiro se aplica aos casos em que o proprietário se propõe pagar a dívida hipotecária e o segundo a todos os outros casos.
8. No processo do art. 998.° a 1000.° CPC, importa definir qual o montante da dívida garantida pela hipoteca, sendo o pagamento desse valor que dá lugar ao distrate - É ASSIM INDIFERENTE QUAL SEJA O VALOR DO IMÓVEL HIPOTECADO, NÃO HAVENDO LUGAR A QUALQUER OPERAÇÃO PARA DETERMINAÇÃO DO MESMO.
9. No regime dos arts. 1002.° a 1004.° CPC. o que importa averiguar é o valor do imóvel, o qual constituirá o limite do pagamento a efectuar par que ocorra o distrate.
10. Nada justifica ou permite que um processo de distrate requerido nos termos dos arts. 998.° a 1000.° CPC seja convolado para o processo dos arts1002.° a 1004.° CPC, PARTICULARMENTE CONTRA A VONTADE DOS REQUERENTES E SEM QUE ESTES O PRETENDAM OU TENHAM PEDIDO.
11. Neste sentido, também a decisão recorrida viola, grosseiramente, o art. 661.° CPC e o princípio da iniciativa da parte.
12.0 entendimento da decisão recorrida conduz a que basta o requerido impugnar o valor oferecido (no caso, o valor da dívida garantida) para impor uma venda judicial, VERDADEIRO ESBULHO PELA VIA JUDICIAL, do imóvel.
13. Este entendimento liquidaria o instituto da expurgação judicial de hipoteca, por isso que quem o pretendesse, estaria sempre sujeito a que mera impugnação do valor da dívida (MESMO FALSA, MESMO DE MÁ FÉ) implicaria o esbulho judicial através da venda forçada da sua propriedade e, obviamente, ninguém mais se arriscaria a requerer distrate judicial.
14.Verificando-se que, em processo dos arts. 998.° a 1000.° do CPC surge desacordo quanto ao montante da dívida, tal constitui uma questão incidental à expurgação de hipoteca, havendo assim que se abrir incidente que habilite à determinação do valor do distrate.
3.1
Por seu turno a requerida pugnou pelo desatendimento dos recursos com a seguinte síntese argumentativa:
1. Os autores, aqui recorrentes, comparam a fracção “L” sem previamente assegurarem a expurgação das hipotecas constituída a favor da C e que garantem várias responsabilidades de terceiros.
2. Sendo sabedores dessa situação como resulta do teor da escritura pública de compra e venda que juntaram com a p.i. como Doc.2, a qual faz menção expressa às hipotecas constituídas a favor da C.
3. Concretamente, os recorrentes intentaram a presente acção ao abrigo da alínea a) do art. 721º do C.P.C., isto é, propondo-se “pagar integralmente à credora hipotecária C divida a que o bem está hipotecado”- cfr. art. 9º da p.i. , usando para tanto os termos do disposto no art.998º do C.P.C.
4. Vigorando no nosso sistema jurídico o principio da legalidade das formas processuais, a tramitação processual não está sujeita ao livre alvedrio das partes, antes deve corresponder àquela que previamente foi fixada pelo legislador atenta a natureza da acção.
5. Com efeito, o valor oferecido para expurgação das hipotecas que incidem sobre o bem não corresponde ao valor das inscrições hipotecárias respectivas, nem tão pouco resulta de qualquer documento que tenha sido entregue aos recorrentes para efeitos de os informar das dividas pelas quais responde aquele bem.
6. Ora, nestes autos, o credor hipotecário impugnou fundamentadamente o valor do pagamento indicado pelos autores, e estes recusaram-se a pagar o valor da divida hipotecária pela qual responde o bem adquirido.
7. Foi nessa sequência que foi proferido despacho a ordenar o prosseguimento dos autos ao abrigo do disposto no art. 1002º do CPC, enquanto forma legalmente prevista para a composição do litigio entre as partes.
8. De resto, o despacho invocado pelos recorrentes, datado de 12.05.2000 e transitado em julgado salienta que: “não são as partes que definem o preço a pagar, mas sim a própria inscrição hipotecária.”
9. Esse mesmo despacho de 12.05.2000, mencionado pelos recorrentes, diz: “No caso, os agravantes/requerentes apenas ofereceram 3.405.115$00, quando o crédito hipotecário é bem superior - só uma das inscrições hipotecárias garante o valor de 14.400.000$00 com o montante máximo de 24. 156.000$00.”!
10. Ora, este despacho de 12.05.2000 e o recorrido foram preferidos em fases processuais distintas da acção, portanto para fins distintos, não existindo nenhum caso julgado formal relativamente ao despacho aqui em crise.
11. Para além do mais, oregime especial previsto nos art. 998º do C.P.C. exige, para a expurgação ser procedente, que o credor hipotecário seja pago integralmente.
12. Donde, e como bem entendeu o Mmº Juiz a quo, uma vez que nos autos o credor hipotecário impugnou o valor do pagamento proposto pelos autores, e uma vez que estes se recusaram a pagar integralmente a divida hipotecária, o regime dos art. 998º a 1000º do CPC é inidóneo para os fins a que se propuseram os AA.
13. Nas circunstâncias descritas, rege, indiscutivelmente, o preceituado no art. 1002º e ss. do CPC – regime que estabelece as regras concebidas para este especifico escopo, designadamente se existe litígio entre o titular inscrito e o credor hipotecário sobre os valores a pagar.
14. Não existe subjacente ao despacho em apreço qualquer venda forçada do bem.
15. Esta só surge depois de e porque os recorrentes se recusarem a pagar a divida hipotecária.
16. De resto, uma vez que os recorrentes quando adquiriram a fracção bem sabiam que este estava onerado com as hipotecas, não se vê que legitimamente possam pretender uma composição do litigio que faça tábua rasa da garantia real previamente constituída e registada!
4.
Sendo que, por via de regra, o teor das conclusões, define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª Ilegalidade dos despachos de fls.142 e 230, ao ordenarem a tramitação dos autos de acordo com o estatuído no artº 1002º e segs. do CPC, perante o decidido no despacho de reparação do agravo, devendo, assim, os autos tramitarem de acordo com o procedimento estatuído no artº 998º do CPC.. 2ª Havendo litígio quanto ao montante devido para a expurgação da hipoteca, deve, ou não, este montante ser definido, por via incidental, no âmbito de tal procedimento.
5.
Os factos a considerar são os resultantes do relatório supra.
6.
Apreciando.
6.1.
Primeira questão.
O presente processo está repleto de vicissitudes várias na sua tramitação, designadamente no atinente à forma do processado a seguir, se ao abrigo do artº 998º, se no âmbito do artº1002º do CPC.
Tal, pensamos, decorrerá, pelo menos em parte do teor do Acórdão desta Relação que consta a fls.76 e sgs, quando nele se afirma que :
«Depois de obtida a referida informação poderão os apelantes optar pela via que mais lhes convier: a prevista no artº 998º ou no artº 1002 do CPC…»
Mas este Acórdão não emitiu pronuncia sobre tal ponto.
Limitou-se a considerar que haveria que deferir o pedido dos requerentes no sentido de a requerida informar e documentar o valor que peticiona e que depois os requerentes (e, naturalmente só estes) poderiam impulsionar os autos no sentido de um ou outro processado. Subjacendo a tal aresto a ideia que o agravo foi provido, não pela ilegalidade intrínseca da decisão, mas antes por alguma intempestividade da mesma que não deferiu atempadamente ao pedido de uma diligência que se poderia vir a revelar útil para a boa composição da causa. Ora nem os requerentes, eles próprios, vieram posteriormente requerer a tramitação dos autos ao abrigo do artº 1002º (para o que, obviamente, teriam de alterar ou reformular a causa de pedir e, até, o pedido), nem as ulteriores diligências ordenadas para apuramento do valor resultaram frutíferas, máxime para o entendimento dos impetrantes, os quais continuam a não aceitar as quantias e respectivos cálculos apresentados pela demandada.
E o certo é que, tal como correctamente referem os recorrentes, as tramitações previstas nos artºs 998º e 1002º do CPC são incompatíveis e inconvoláveis entre si.
Pois que aquela pressupõe os seguintes requisitos:
1º- Que o requerente se apresente em juízo para pagarintegralmente aos credores
2ª Que os credores não tenham qualquer interesse ou motivo para discutir, ou seja, que não haja controvérsia. - cfr. A. Reis, Especiais, 1º, 284
Naturalmente que tal inexistência de controvérsia só pode ocorrer se o credor hipotecário aceitar como boa a quantia oferecida.
Se a não aceitar entendemos ser ainda admissível, na economia da tramitação do processado do artº998º, e atendendo aos princípios da concentração dos actos processuais e da economia, que o credor conteste o valor apresentado.
Não se podendo aceitar, perante a ratio do preceito, que exige o pagamento integral, (ou seja, e numa interpretação teleológica, o que for efectiva e actualizadamente devido) e os mais elementares princípios de justiça, que, ao abrigo do disposto no artº 998º do CPC, o requerente ofereça um qualquer valor e o credor seja obrigado a anuir ao mesmo.
Como sucede no caso sub júdice pois que dos documentos juntos pelos requerentes resulta, só quanto a um empréstimo hipotecário o montante inicial de 14 mil e quatrocentos contos, sendo certo que os extractos bancários em que fundamentam a quantia por eles apresentada não estão actualizados, porque reportados a 1991.
Aliás e como ensina o A. Reis, ob. Cit. P.281 este processo é raro porque o que geralmente se passa é que o adquirente paga no acto da aquisição as dívidas a que o prédio está hipotecado e obtém dos respectivos credores o cancelamento das inscrições hipotecárias.
Logo, o simples instaurar do processo já é indício de que alguma dissonância existe entre o adquirente e o credor. Pelo que deve o próprio julgador ser prudente na análise dos elementos que o requerente lhe apresenta e naturalmente, não está quedo ao demandado de por em crise o valor proposto, maxime quando este não se estriba em elementos probatórios que não ofereçam qualquer dúvida.
Efectivamente e como se expende no Ac. do STJ de 22.01.1998, dgsi.pt, p.98A731:
«No processo especial de expurgação de hipotecas, regulado nos artigos 998 e seguintes do C.P.C., não está prevista a possibilidade de apresentação de contestação, pois tal processo assenta no pressuposto de ausência de um verdadeiro litígio.
Faltando este pressuposto, abre-se a porta a uma hipótese não prevista na regulamentação específica desse processo, que deverá ser suprida lançando mão da via indicada pelo artigo 463, n. 1, do C.P.C., facultando ao credor a apresentação de contestação.
Assim sucederá, se o credor entender que, ao requerer-se a expurgação, foi posta em causa a indivisibilidade da hipoteca ou que o pagamento oferecido não atinge o montante do crédito hipotecário».
Porém, apresentada a contestação o requerente terá de apresentar prova inequívoca, maxime documental, que convença sem rodeios que o valor oferecido é o certo e adequado, designadamente porque actualizado à data em que é proposto.
Pois que, não obstante ser de permitir a este, como se viu, tomar posição quanto à pretensão do requerente, o processo não pode arrastar-se e complexizar-se, na medida em que não foi decididamente perspectivado pelo legislador nesse sentido, pretendendo-se, ao invés, uma tramitação célere e que, no máximo, possa suprir e atalhar a algum desentendimento anterior que tenha havido entre as partes, mais de natureza formal do que substancial, o qual que tenha impedido a expurgação extrajudicial.
E sendo que, no rigor dos princípios, no âmbito desta tramitação, uma vez colocado em crise o valor pela credora, o ónus de provar e convencer sobre o montante da quantia devida impende sobre os requerentes, devem aqueles cumpri-lo designadamente carreando para os autos, eles próprios, os documentos comprovativos dos pagamentos efectuados que infirmassem os valores apresentados. Mas cumpri-lo em prazo razoável,e não adentro de um emaranhado processual e ao longo de um larguíssimo lapso temporal, como acontece no caso vertente em que já decorreram mais de sete anos desde a propositura da acção.
Prazo cujo termo se entende razoavelmente dever fixar-se o mais tardar até ao momento processual subsequente à oposição do credor. Se, todavia o desentendimento não for ultrapassado, como acontece in casu e porque a demandada apresenta valores em dívida superiores, não atingindo os litigantes consenso quanto ao valor a satisfazer, não obstante todas as diligências já ordenadas e todos os elementos constantes nos autos, então, em princípio e no rigor do formalismo legal, falecem os pressupostos desta tramitação processual, a qual, consequentemente, terá de cessar.
Admitindo-se que tal não aconteça e o processo possa ser aproveitado para se operar a convolação para a tramitação do artº 1002º apenas se as partes e o tribunal assim o entenderem, hipótese que não se coloca no caso sub júdice pois que os próprios autores se opõem a que tal tramitação surja nos presentes autos.
Tal não acontecendo, podem e devem os respectivos interessados deitar mão, do processado previsto no artº1002º, pois que e citando ainda o referido Mestre, p.284: «há-de empregar-se em todos os outros casos de expurgação que não sejam aqueles a que se ajustam os processos dos artºs 999º (hoje 998º)» (realce nosso), designadamente naqueles em que o requerente. «quer depositar quantia que não representa a totalidade das dívidas a que o prédio está hipotecado».
Naturalmente que o devem fazer em acção própria e autónoma.
O que, ao que parece, não será do agrado dos requerentes porventura receosos, das consequências que dela para si poderão advir.
Uma das quais, qual seja a venda do imóvel no caso de impugnação do valor, efectivo ou estimado, indicado para a sua aquisição, há que convir se apresenta algo intempestiva e excessiva considerando a sua natureza e a finalidade.
Conclui-se assim que, não poderiam ser prolactados os despachos tendentes à subsunção do presente caso na previsão e respectiva tramitação do artº1002º do CPC.
Mais pelas razões substanciais ora expostas, e invocadas pelos recorrentes nas conclusões 4ª a 10ª (designadamente porque a convolação da tramitação foi operada contra a sua vontade), do que pelos motivos formais concernentes ao caso julgado, porque o despacho de reparação do agravo em que os recorrentes se esteiam é anterior à decisão de fls.41 e 42 a qual, com fundamentos parcialmente coincidentes com os ora expendidos, já decorrentes da decisão de 12/05/2000 e que se mantêm hoje acrescidamente válidos, julgou improcedente a acção, foi prolactado noutra fase processual e o reparou não pelas razões indicadas pelos então recorrentes mas face ao modo como a lide estava a decorrer (pretensão dos demandantes em pagar valor inferior ao resultante da inscrição hipotecária e falta de alegação dos elementos exigíveis pelo artº 1002º).
6.2.
Segunda questão
Como dimana do supra exposto, para obviar e remediar a uma situação para a qual eles próprios contribuíram, não podem os requerentes, pretender criar meios de suprimento alternativos, como seja o enxertar nestes autos, instaurados ao abrigo do artº998º, tramitação incidental que, como se disse, não é, sumo rigore, permitida na letra da lei que a não contempla e, outrossim, com a sua natureza e fito, sendo certo que tratando-se de legislação adjectiva e processo de cariz especial, a sua interpretação deve, tendencialmente e não obstante poder ser concedida alguma tolerância e perspectivada alguma plasticidade nos termos sobreditos (o que já foi feito), cingir-se ao seu significado directo e ao seu sentido estrito e imediato.
Não podendo o entendimento que maleabilize, plasticise ou adeqúe uma determinada tramitação processual às especificidades de uma concreta causa, no desiderato de economia e concentração de meios e com o fito último da consecução da justiça no mais curto lapso de tempo possível, gizado v.g. ao abrigo do artº 265º-A do CPC, ser levado ao extremo da criação de um procedimento atípico em larga escala, pois que: «estando nesta matéria de interesse público, o juiz a invadir a esfera do legislador, tal faculdade deve ser rodeada da maior prudência» - cfr. Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.83.
Restando-lhes, assim e como se disse, acobertar-se, na tramitação, em acção própria, do artº 1002º e arcar com todas as sua possíveis consequências, ou, porventura, socorrer-se de uma acção declarativa comum no sentido de o valor ser definitivamente fixado e, depois sim enveredar pelo processado dos artºs 998º a 1000º.
E entendendo-se dever ser prolactado, oportunamente, despacho pela primeira instância a declarar cessado o processado, com o consequente arquivamento dos autos.
7.
Decisão: Termos em que, ainda que por razões parcialmente diversas, se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar os despachos impugnados.
Custas nesta instância recursiva pela recorrida.
Lisboa, 2006.12.14
Carlos António Moreira
Rosário Gonçalves
Maria José Simões