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ARTICULADO SUPERVENIENTE
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
Sumário
1- Perante o disposto no nº. 4 do art. 506º. do CPC., sempre que a parte desconheça, sem culpa ou sem negligência grave um facto e por tal razão o não alegando no respectivo articulado, o mesmo não fica precludido, podendo ser acolhido num articulado superveniente. 2- A permissão de modificação simultânea do pedido e da causa de pedir só pode ocorrer se tal não implicar a convolação para relação jurídica diversa da controvertida. 3-Embora sendo possível admitir a ampliação da causa de pedir, não podendo a mesma ser acompanhada da ampliação do pedido, não será de admitir o articulado superveniente. 4-A ampliação do âmbito do recurso, prevista pelo art. 864º-A do CPC., é subsidiária relativamente à procedência do recurso interposto pela parte contrária. 5- Não obtendo o recorrente vencimento no recurso, antes a decisão sendo confirmatória da recorrida, embora com fundamentos diferentes dos invocados pelo recorrido, não pode este ver aqueles fundamentos apreciados pelo tribunal superior. Com tal possibilidade apenas se permite ao recorrido neutralizar a eficácia dos fundamentos do recurso. R.G.
Texto Integral
1-Relatório:
A Sociedade Portuguesa de Autores, em representação de F, intentou acção sob a forma de processo ordinário, contra as rés, RTP, SA., N, SA. e M, SA., pedindo a condenação solidária das 1ª e 2ª Rés a pagar à Autora o montante de € 17.500 e as 1ª e 3ª Rés a pagar à autora a quantia de € 7.500, fundamentando tais pretensões nos termos do Código de Direitos de Autor.
Após a elaboração da base instrutória apresentou a autora um articulado superveniente, o qual não foi admitido.
Inconformada com tal despacho do mesmo recorreu a autora, concluindo nas suas alegações, em síntese:
- Está em causa um pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual derivada da prática de facto ilícito, cujo “quantum” a agravante, no art.º 19º da petição inicial, referiu estar dependente da duração das transmissões e do grau de divulgação das mesmas.
- Juntos aos autos os registos informáticos da programação transmitida, relativos aos períodos e canais referidos nos quesitos 1º, 2º, 4º e 5º, pela 1ª R., nos termos do art.º 528º do CPC, constatou-se que dos mesmos resultavam várias outras transmissões, algumas integrais, das referidas telenovela e série, factos dos quais a A. apenas teve conhecimento com a notificação da referida junção.
- Pelo que, através de articulado superveniente, de 18.5.2006, a A., ora agravante, requereu, nos termos dos arts. 506º, nº 3, al. c), e 507º do CPC, a ampliação da causa de pedir, invocando que as utilizações decorrentes da junção de documentos pela 1ª R., pressupondo utilização mais extensa do que a inicialmente conhecida pela A., configuram factos modificativos do direito à indemnização por utilização abusiva e não autorizada pela A. Requereu ainda, em conformidade, a ampliação do pedido, na medida em que utilização mais extensa pressupõe indemnização mais elevada, sendo pois tal ampliação desenvolvimento do pedido primitivo, nos termos do art. 273º, nº 2, do CPC, peticionando, para cada uma das novas transmissões (e em proporção do número de episódios transmitidos), o valor indicado na petição inicial para as transmissões da telenovela e da série.
-A conduta das RR., reportada na petição inicial e articulado superveniente, denota uma linha de conduta continuada, cuja ilicitude decorre da falta de autorização para o efeito pelo titular de direitos autorais.
- Pelo que se está perante a prática de um facto ilícito continuado, cujos danos eram, em parte, à data da instauração da presente acção, desconhecidos da autora. Nesta medida, o número de transmissões, deverá ser considerado para aferir do valor da indemnização correspondente, não fazendo sentido, face à dinâmica dos autos, autonomizar cada transmissão como uma causa de pedir, nem muito menos afirmar que a indemnização devida por cada transmissão em nada se relaciona com as restantes.
- Deve pois entender-se que a ampliação requerida é mero desenvolvimento do pedido primitivo por ser idêntica a causa de pedir.
-A ampliação do pedido, em consequência do conhecimento superveniente de outras transmissões é, ainda assim, mero desenvolvimento do pedido primitivo por as respectivas causas de pedir se integrarem no mesmo complexo de factos.
- A tese ora defendida apresenta-se igualmente como aquela que melhor serve o princípio da economia processual, na medida em que com ela se evita a instauração de nova acção, com os mesmos sujeitos, dependendo a procedência do pedido dos mesmos pressupostos, probatórios e de interpretação do direito aplicável, de que depende a procedência do pedido nos presentes autos.
- A questão a decidir quanto aos factos constantes do articulado superveniente e respectivo pedido é a mesma relativamente aos factos constantes da petição inicial e pedido aí formulado, por ser a mesma a autorização inicial de cujo âmbito depende a licitude ou ilicitude da inclusão das referidas obras nas transmissões descritas no articulado superveniente.
- Estando pois perante um único facto ilícito, continuado, ou, quando assim se não entenda, perante um conjunto de factos cuja ilicitude deriva do mesmo facto, é de admitir a alteração simultânea.
Contra-alegou a ré, Radiotelevisão Portuguesa, em síntese:
- No caso sub judice, verifica-se a apresentação de um novo objecto (novas causas de pedir e pedidos) a par do objecto inicial. E não, ao contrário do que forçadamente pretende a recorrente, uma simples extensão do pedido primitivo.
- A pretendida cumulação objectiva sucessiva não é possível para além da réplica. Tal cumulação consubstancia uma simultânea alteração de causa de pedir e pedido.
-A presente acção funda-se na suposta responsabilidade civil extra-contratual das rés decorrente de, por diversas vezes e em momentos distintos, terem utilizado, na óptica da autora, sem autorização, obras de cujos direitos autorais será titular o seu representado, sendo que, por cada utilização não autorizada, a autora formula um pedido indemnizatório autónomo.
- As causas de pedir que presidem aos vários pedidos indemnizatórios são autónomas entre si. Não está em causa a extensão da utilização das obras. Está verdadeiramente em causa saber se, relativamente a cada utilização, era ou não necessária uma prévia autorização específica, e se, em caso afirmativo, essa autorização foi, ou não, dada.
- Não há qualquer conduta continuada das rés.
- Os elementos de facto alegados na PI e no articulado superveniente não respeitam à mesma relação material. Os pedidos não se reportam a um único facto ilícito, mas sim a várias e dispersas utilizações da obra do representado da autora. Não há aliás um único pedido, mas sim vários, formulados com base em cada uma das utilizações da obra.
- Não há, por outro lado, qualquer dependência dos pedidos. A procedência ou improcedência de cada um deles depende da verificação autónoma dos pressupostos da responsabilidade civil.
-A pretensão da Autora implica a convolação da relação jurídica controvertida numa relação diversa da que inicialmente presidiu à instauração da acção, o que sempre inviabilizaria o sucesso da sua posição, atento o disposto no artigo 273. °, n.º 6 do CPC.
As rés N e M aderiram às contra – alegações da ré RTP.
Prosseguiram os autos, tendo vindo a ser proferida sentença, a qual decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar a 1ª e 2ª rés a pagar, solidariamente, ao representado da SPA, F, a quantia de € 399,03 (80.000$00) pela nova transmissão de catorze episódios da telenovela e condenar a 1ª e 3ª Rés a pagar, solidariamente, ao representado da SPA, F, a quantia de € 1.309,34 (262.500$00) pela nova transmissão da série televisiva e no mais, a acção improcedente.
Uma vez mais inconformada recorreu a autora, concluindo nas suas alegações, em síntese:
-A douta sentença recorrida não considerou todos os factos relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente, o transtorno causado pela utilização não autorizada, que motivou o desencadear de todo um processo burocrático, por parte da A., envolvendo inúmeras horas de trabalho de vários funcionários seus, com vista à cobrança do crédito.
- Por outro lado, apesar de a nova transmissão da Série ter ocorrido no Canal 2, a mesma não deixou, por tal motivo, de ter ampla divulgação, facto alegado pela A., e notório. De facto, se é certo que o Canal 2 tem audiências inferiores às do Canal 1, a verdade é que, ainda assim, com um share entre os 5% e os 10%, atinge um público de dezenas de milhares de espectadores. E o mesmo se dirá quanto à Telenovela pois que, se é certo que a nova transmissão não foi integral, a verdade é que a mesma ocorreu no Canal 1, e, por tal facto, teve uma audiência de centenas de milhares de espectadores.
- Estes factos não foram, de todo em todo, considerados na douta sentença recorrida, e impunham, por si, decisão diversa, abstraindo do resultado do recurso à aplicação analógica do art. 179º, nº 3, do CDADC.
- E, quanto ao recurso à analogia com o disposto nesse preceito, cabe, em primeiro lugar, referir que a remuneração primitivamente fixada, a que o mesmo alude, corresponde à que foi auferida pelos titulares de direitos conexos, no seu conjunto.
- Ora, no caso em apreço, as remunerações referidas nos pontos 29º e 30º da matéria assente foram auferidas exclusivamente pelo ora representado, e apenas pela utilização das suas obras. Naturalmente, os restantes titulares de direitos de autor, e titulares de direitos conexos, terão auferido as suas remunerações. Mas estas não estão englobadas naquela.
- Por outro lado, e ainda no que respeita à aplicação analógica do art.º 179º, nº 3, do CDADC, importa referir que esta norma se refere à remuneração adicional devida, por novas transmissões, aos titulares de direito conexos, isto é, aos intérpretes e executantes da obra, por exemplo, cujas prestações são dignas de tutela, por permitirem a exteriorização, divulgação ou concretização da obra.
- Ora, esta tutela é diferente, em grau, daquela de que beneficiam os autores propriamente ditos, pois que sem o seu contributo criativo, a obra não chega a existir. Há pois uma necessidade de defender de forma mais intensa os direitos do criador intelectual da obra, do que aqueles outros.
- E tal diferença na intensidade da tutela necessária é patente desde logo pelo facto de ao artista, intérprete ou executante não ser reconhecido o direito de autorizar, livremente, toda e qualquer utilização (como acontece com o titular de direitos de autor, nos termos dos arts. 40º, 41º, 67º e 68º, nº 3, do CDADC), mas tão só o de impedir certas utilizações (art. 178º do CDADC), bem como pela inexistência de qualquer direito de retirada, por parte do titular de direitos conexos, ou ainda, pelas diferentes durações dos respectivos prazos de protecção, por confronto entre os arts. 31º e ss. e 183º do CDADC.
- E, no que respeita ao presente caso, importa realçar a diferença dos próprios direitos de remuneração, os quais, quanto ao titular de direitos de autor, se encontram regulados nos arts. 14º, nº 4, 67º e 153º, do CDADC, e obedecem ao princípio da liberdade, constante do art. 68º, nº 3, do CDADC, limitado apenas pelo princípio da equidade. No direito de autor não existe pois qualquer limite semelhante aos 20% da remuneração primitiva, referidos no art. 179º, nº 3, do mesmo Código. Pelo que o recurso à analogia, no presente caso, ao equiparar a protecção dada aos titulares de direitos de autor, àquela de que beneficiam os titulares de direitos conexos, constitui um atropelo à ratio do ordenamento vigente que, deliberadamente, aborda de forma materialmente diferente as duas situações.
- E, sendo um princípio de elementar justiça que subjaz àqueles preceitos, e que visa assegurar ao criador intelectual um benefício patrimonial proporcional àquele que, a final, acaba por se verificar relativamente ao titular de direitos patrimoniais sobre a obra (no caso, a R. RTP), e que não foi inicialmente previsto, é manifesto que o valor encontrado na douta sentença recorrida, 399,03 €, se reduz, na prática, a uma esmola, face ao valor da remuneração inicial (46.388,20 €). De facto, se é certo que a transmissão apenas ocorreu na proporção de 14/150 episódios, ou 9,33%, a verdade é que teve lugar no mesmo Canal 1, com audiências de centenas de milhares espectadores. Pelo que, equitativamente, o valor de tal remuneração adicional deveria ter sido fixado, em 9,33 % de 46.388,20 €, ou seja: 9.277,64 €, acrescidos de penalização pelo transtorno causado à A. e seu representado. Pelo que se considera justo o montante peticionado, de 17.500,00 €.
- Já quanto às condições de fixação da remuneração adicional pela nova transmissão da Série, nos termos e para os efeitos do art. 562º do CC, são aquelas que em circunstâncias normais, o ora representado teria fixado, de acordo com princípio da liberdade contratual, conjugado com o carácter exclusivo do direito de autorizar a utilização da obra (art. 68º, nº 3, do CDADC), e acrescidas, naturalmente, de uma penalização pelo transtorno efectivamente causado. É por demais evidente que o representado nunca teria permitido a nova transmissão, ainda que em Canal de menor audiência (mas mesmo assim um dos canais de maior audiência em Portugal, como é, de facto, o Canal 2), por um valor correspondente a 7,5% da remuneração inicial (17.457,93 €).
- Ora, o montante peticionado, quanto a esta nova transmissão, 7.500,00 €, corresponde, sensivelmente, a metade desse valor. O que leva em conta que as audiências no Canal 2, correspondem, em média, a pouco mais de um terço das audiências do Canal 1, mas, também, por outro lado, que foi considerável o transtorno causado por essa nova Transmissão não autorizada. Pelo que o montante peticionado não é arbitrário, pondera os elementos atenuantes e agravantes e é, pois, equitativo.
- Em qualquer dos casos, verifica-se pois que não havia lugar à aplicação analógica do 179º, nº 3, do CDADC, sendo que, com a mesma, o resultado obtido foi manifestamente desproporcionado e lesivo do direito do ora representado a acompanhar os lucros da exploração das suas obras, pelo que deve a douta sentença ser revogada.
Contra-alegou a ré, RTP., em síntese:
- A recorrente centra a sua argumentação na questão do montante indemnizatório arbitrado, em termos de equidade, pela douta sentença, referindo, em primeiro lugar, que para a aferição do quantum indemnizatório não foi ponderado o transtorno causado pela utilização não autorizada da obra do representado da Autora.
- Os transtornos a que se refere dizem respeito à própria recorrente e não ao seu representado. A recorrente age em juízo em representação deste, pelo que, para efeitos do cálculo de indemnização, apenas poderão ser considerados os prejuízos sofridos na respectiva esfera jurídica deste, e não eventuais prejuízos sofridos pela própria recorrente.
- Na definição do quantum indemnizatório, a douta sentença ponderou devidamente o facto de a repetição da série “Febre …” ter tido ampla divulgação, apesar de ter sido exibida no Canal 2. De acordo com a prova produzida em sede de julgamento ficou assente que as audiências do Canal 2 são muito inferiores às do Canal 1 – correspondendo a cerca de 7,5 % das audiências do Canal 1. Foi esse o critério seguido na definição do montante indemnizatório.
- Dos pontos 29.º e 30.º da matéria assente não é possível concluir-se que a remuneração dos titulares dos direitos conexos não estivessem englobadas na remuneração paga pelas 2ª e 3ª Rés ao representado da Autora, pelo que carece de fundamentação a alegação de que as remunerações aí mencionadas foram auferidas exclusivamente pelo representado da recorrente. Era sobre esta que recaía o ónus da prova sobre a exclusividade da remuneração, a qual não ficou demonstrada.
- A douta sentença não aplica analogicamente o artigo 179.º ao caso em apreço, ao contrário do que artificialmente pretende a recorrente. O exercício que foi feito foi o de, perante a inexistência de elementos fácticos que possibilitem a fixação de indemnização por aplicação linear da teoria da diferença, encontrar um critério que pudesse orientar um juízo de equidade destinado a apurar o quantum indemnizatório.
- A formação do juízo de equidade feita com referência à percentagem referida no artigo 179.º, n.º 3 do CDADC é razoável e adequada para os casos de repetição de transmissão, assegurando com razoabilidade a protecção do conteúdo patrimonial dos direitos de autor.
- Não colhe, por isso, a chamada à colação do artigo 49.º, n.º 2, do CDADC para fundamentar um montante indemnizatório mais elevado.
- Em primeiro lugar, era perfeitamente previsível que a utilização da obra do representado da Autora abrangesse a repetição da transmissão, atenta a natureza da obra de encomenda, podendo o representado da Autora claramente antever que isso sucederia. - Em segundo lugar, os termos da autorização por este prestada são muito extensos, abrangendo variadíssimas formas de utilização da sua obra, praticamente todas as utilizações possíveis da obra do representado da Autora, consubstanciando a repetição da transmissão da série e da telenovela uma utilização da obra que, no conjunto das demais utilizações cedidas, teria um peso praticamente insignificante.
- Em terceiro lugar, a remuneração atribuída ao representado da Autora foi calculada tendo em consideração que a autorização prestada abrangia todas ou praticamente todas as formas de utilização da sua obra. Neste sentido, é manifestamente abusivo o raciocínio feito pela Autora, que pretende, artificialmente, fazer passar a ideia de que a remuneração auferida pelo seu representado se destinava tão só a compensar apenas uma transmissão da obra, o que não é verdade.
- O preço por si recebido foi contrapartida de uma cedência muitíssimo abrangente de direitos autorais, abarcando uma multiplicidade enorme de utilizações. A repetição da transmissão era apenas uma de muitas das utilizações possíveis da obra.
-Assim, compensação devida por essa utilização específica não pode, obviamente, ter por referência a totalidade da remuneração auferida, pois essa foi calculada como contrapartida justa da autorização para utilizar a obra de inúmeras formas.
- Por último, o artigo 49.º, n.º 2, do CDADC prevê uma compensação suplementar para o caso de manifesta desproporção entre os proventos do titular dos direitos de autor e os lucros auferidos por aquele a quem o conteúdo patrimonial desses direitos foi transmitido. Ora, não só inexiste essa manifesta desproporção, como tal questão nunca foi suscitada nos autos. O que está em causa nos autos é saber se o representado da autora tem direito a ser remunerado por uma nova utilização, perfeitamente banal e previsível da sua obra.
- A argumentação da recorrente acaba por, artificialmente, conduzir à atribuição ao seu representado de uma compensação suplementar extraordinária em virtude de uma suposta grave lesão patrimonial sofrida pelo titular dos direitos de autor (que ficou por demonstrar), a qual não tem qualquer similitude com a questão em apreço.
- Em face do recurso interposto pela recorrente, é possível à aqui recorrida arguir, a título subsidiário, a nulidade da sentença, e também requerer seja apreciado o fundamento em que a recorrida decaiu, o que aqui se faz nos temos e para os efeitos do disposto no artigo 684.º-A n.º 1 e 2 do CPC.
-A douta sentença considerou que a recorrida incorreu em responsabilidade civil extracontratual por violação do direito de autor de F – cfr. artigo 203.º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).
- Considerou, ainda, serem as 2ª e 3ª Rés co-responsáveis pela conduta da recorrida. E fundamenta este entendimento do seguinte modo: «Quer no contrato firmado entre a 1ª e a 3ª Ré, quer no contrato firmado entre a 1ª e a 2ª Ré, ficou expressamente consignado que a 1ª Ré poderia proceder à difusão da obra por “uma ou mais vezes” (facto 27, quanto à terceira Ré; cláusula 11ª, ponto 3 a fls. 196, quanto à 2ª Ré). Ao actuarem desta forma, a 2ª e 3ª Rés induziram a 1ª Ré em erro, propiciando – activa e directamente – a decisão da 1ª Ré em proceder a nova transmissão da série e da telenovela.»
- Esta conclusão sobre a conduta da 2ª e 3º Rés, com a qual se concorda em absoluto, é reforçada por outros factos dados por assentes a saber: 13; 15; 16; 17; 23; 24; 25; 26; 27, os quais assumem relevância na perspectiva de aferir se, perante aquele quadro contratual, era, ou não, exigível à RTP que, nas circunstâncias concretas do caso, tivesse agido de forma mais diligente.
- Sendo possível apenas responsabilizar a recorrida nos termos da responsabilidade civil extracontratual, importava, relativamente a ela, que fossem ponderados os pressupostos de que a lei (artigo 483.º do CC) faz depender essa responsabilidade.
- Porém, relativamente à recorrida não é possível retirar dos factos provados, nem da fundamentação de direito da douta sentença, que esta tenha agido com culpa no sentido de que, pela sua capacidade e em face das circunstâncias da situação, podia e devia ter agido de outro modo.
- A prova da conduta culposa incumbia à Autora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 487.º do CC.
-A própria sentença acaba por reconhecer, fundamentando a responsabilidade das 2ª e 3ª Rés, que a recorrida não agiu culposamente, já que da factualidade dada por assente, concluiu que a 2ª e 3ª Rés induziram a 1ª Ré, ora recorrida, em erro, propiciando – activa e directamente – a decisão da 1ª Ré em proceder a nova transmissão da série e da telenovela.
-Contudo, o Meritíssimo Juiz a quo, contraditoriamente, não retirou o efeito jurídico que se exigia e que era o de absolver a recorrida dos pedidos, por não se ter por verificado, relativamente a ela, um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
- Nestes termos, é de concluir pela nulidade da sentença nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. c) do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão.
- Mesmo que assim se não venha a entender, a verdade é que, então, teria de concluir-se que a sentença pressupôs (embora, na realidade, expresse o contrário) como sendo culposa a actuação da recorrida.
- Consubstanciando a culpa, necessariamente, um dos fundamentos do pedido condenatório por responsabilidade civil extracontratual (artigos 483.º e 487.º), teria, então, a recorrida decaído nesse fundamento, pelo que no quadro de ampliação do âmbito do recurso previsto no n.º 1 do artigo 684.º-A do CPC, sempre pode requer-se que o Venerando Tribunal da Relação aprecie a seguinte questão/fundamento que aqui se enuncia: não verificação, relativamente à recorrida, de um dos pressupostos necessários à sua responsabilização perante o representado da recorrente – a prática culposa de facto ilícito.
- Por último, a entender-se que, não é nesta sede possível aproveitar a arguição de nulidade ou a apreciação da inexistência da culpa para efeitos de absolvição da recorrida do pedido, sempre estas questões deverão ser tidas em conta, para efeitos de improcedência do presente recurso, o que subsidiariamente se requer.
Contra-alegaram as restantes rés:
- As obras em questão foram encomendadas ao representado da Apelante, tendo na remuneração recebida contrapartida da cedência da totalidade do direito patrimonial do autor, e incluía a transmissão da telenovela e série o número de vezes que a Ré RTP entendesse.
-O Tribunal entendeu que a transmissão da telenovela “O Ajuste …” foi devidamente autorizada pelo representado da Apelante, simplesmente e ainda assim teria este direito a uma remuneração especial nos termos do art. 14º, nº 4 do CDADC.
- O art. 14º, nº 4 do CDADC diz respeito a situações excepcionais.
- O art. 14º, nº 4 do CDADC tem implícito que não tenha existido uma autorização.
-Os prejuízos sofridos nunca podem ser avaliados na perspectiva da Apelante, mas sim do seu representado e quanto a prejuízos, nenhum foi julgado provado ou sequer alegado.
- Sendo que a existência de prejuízo é pressuposto essencial da responsabilidade civil (art. 483º do CC) e da obrigação de indemnizar.
- Os transtornos sofridos pela Apelante são simplesmente o cumprimento de um dever que lhe está acometido pelos seus estatutos. E para o qual recebe as quotas dos seus associados e demais receitas.
- As transmissões em causa nos autos não tiveram o impacto público ou divulgação reclamada pela Apelante.
- Estamos no âmbito de obras feitas por encomenda, nas quais o direito patrimonial de autor foi cedido. É que no âmbito do art. 14º do CDADC, tal como aos titulares dos direitos conexos, só é permitido ao titular do direito de autor impedir determinadas utilizações.
- E no que concerne à telenovela “O Ajuste …”, de acordo com o julgado, o representado da Apelante sequer pode impedir, mas apenas exigir uma remuneração especial nos termos do art. 14º, nº 4 do CDADC.
- Pelo que, nos parece adequado no caso em apreço o recurso à analogia com o art. 179º, nº 3 do CDADC.
- Não assiste razão à Apelante no que concerne ao facto de o Mmº Juiz a quo ter calculado o montante indemnizatório tendo em consideração os restantes titulares de direitos de autor.
- Por outro lado, e mais uma vez se diga, a sentença recorrida considerou no que concerne à telenovela “O Ajuste de Contas” que o representado da Apelante tinha autorizado a referida utilização. E apenas tinha direito, não a opor-se, mas a exigir uma remuneração especial.
- Ora, o art. 179º, nº 3 do CDACC fala em “nova transmissão não autorizada”, ou seja pressupõe que em causa esteja uma utilização da obra não autorizada. Ainda que os argumentos da Apelante tivessem vencimento, no que concerne ao modo de cálculo da percentagem, sempre aqui teria que existir uma correcção para um valor inferior uma vez que foi julgado provado que existiu autorização.
Foram colhidos os vistos.
2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º., nº. 2, 664º., 684º., 690º. e 749º., todos do CPC.
Tendo sido interposto recurso de apelação e de agravo, nos termos constantes do nº. 1 do art. 710º do CPC., serão os mesmos conhecidos pela ordem da sua interposição.
A)- A questão a dirimir no agravo consiste em aquilatar:
- Da admissibilidade ou não do articulado superveniente, com ampliação do pedido e da causa de pedir.
B)- A questão a dirimir na apelação consiste em aquilatar:
- Do correcto ou incorrecto critério usado, na fixação do montante indemnizatório arbitrado, pela utilização sem autorização, de obras do representado da autora.
A matéria de facto delineada na 1ª. Instância foi a seguinte:
1- A A., Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), é uma associação de utilidade pública constituída para a gestão e defesa do Direito de Autor, competindo-lhe agir em representação dos seus associados, civil e criminalmente, em defesa dos seus direitos e interesses legítimos em matéria do Direito de Autor, nos termos do art.º 73º, nº 2 do C.D.A.D.C. e do art.º 5º, nº 1, al. i) dos respectivos Estatutos (A);
2 - Nos termos do art.º 5º, nº 1, al. j) e nº 2), al. b), dos Estatutos, compete ainda à A. fiscalizar a utilização e exploração, sob qualquer forma, das obras intelectuais cuja gestão lhe haja sido confiada, cobrando e arrecadando os respectivos direitos autorais (B);
3-A A. encontra-se registada na Divisão de Registo e Controlo da Inspecção das Actividades Culturais do Ministério da Cultura (C);
4 - O autor encontra-se inscrito na SPA (D);
5 -As RR. dedicam-se à produção e radiodifusão de programas televisivos (E);
6 - Durante o ano de 2000, a 2ª R. produziu para a 1ª R. a telenovela “Ajuste …”, de 150 episódios (F);
7 - Nesta produção foram utilizadas as obras musicais “Não …” e “Tocou-lhe …”, da autoria de F (G);
8 - A 3ª R. produziu para a 1ª R. a série de 13 episódios “Febre do Ouro Negro” (H);
9 - A Radiotelevisão Portuguesa – Serviço Público de Televisão, S.A., é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício da actividade de televisão nos domínios da emissão e produção de programas, bem como a exploração do serviço público de televisão, nos termos da Lei da Televisão, podendo também prosseguir quaisquer outras actividades, comerciais ou industriais, relacionadas com a actividade de televisão (I);
10 - A exploração do serviço de programas generalista é da competência da Radiotelevisão Portuguesa – Serviço Público de Televisão, S.A., sociedade que, estatutariamente, tem por objecto o exercício da actividade de televisão nos domínios da emissão e produção de programas, bem como a exploração do serviço público de televisão, nos termos da Lei da Televisão (cfr. artigo 3º do Anexo II – Estatutos da Radiotelevisão Portuguesa – Serviço Público de Televisão, S.A – à Lei 33/2003, de 22 de Agosto) (J);
11 - Em 29 de Fevereiro de 2000, entre 1ª e 2ª Rés, foi celebrado um acordo intitulado “Contrato” junto a fls. 182 a 202, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo por objecto “a produção e realização, como obra de encomenda para a RTP, de uma novela com 150 (cento e cinquenta) episódios para televisão, cada um com a duração aproximada de 45 (quarenta e cinco minutos) (...) “ (L);
12 - A referida obra é propriedade exclusiva da RTP (K);
13 - De acordo com a cláusula segunda, alínea c), do mesmo “Contrato”, a 2ª Ré obrigou-se, além do mais, a “assegurar, junto dos autores, dos produtores de fonogramas eventualmente utilizados na série ou de outros titulares de direitos conexos, incluindo artistas, intérpretes ou executantes nos episódios, as autorizações necessárias ao livre exercício, pela RTP, dos direitos que sobre os mesmos lhe ficam a caber nos termos do presente contrato, bem como suportar todas e quaisquer remunerações àqueles devidas.” (L);
14 - Nos termos da cláusula oitava do “Contrato”, “Como contrapartida de todas as prestações a que se obriga a PRODUTORA para produção e realização da série de episódios objecto do presente contrato e cedência dos respectivos direitos autorais, a RTP pagar-lhe-á a quantia global de Esc: 865.820.550$00 (…)” (M);
15 - Como referido na cláusula nona, número um, do “Contrato”: “ sobre os episódios objecto deste contrato existem os seguintes direitos autorais, cujos valores se encontram, todos eles, incluídos no preço global da produção: (…) Música original na titularidade de F (…)” (N);
16 - Dispõe, por seu turno, o número dois, da referida cláusula que: “Constitui responsabilidade exclusiva da PRODUTORA, a obtenção das autorizações indispensáveis, em sede de direitos de autor e conexos, ao livre exercício pela RTP, dos direitos que lhe ficam a caber nos termos do presente contrato, comprometendo-se a PRODUTORA a enviar à RTP cópia da prova do pagamento dos direitos referidos no número anterior.” (O);
17 - De acordo com a cláusula décima sétima, número dois, “Quaisquer pagamentos devidos a titulares de direitos de autor ou conexos, seja a que título for, serão da inteira responsabilidade da PRODUTORA.” (P);
18 - No âmbito e em execução do contrato, a 2ª Ré obteve de F a “Declaração” de fls. 203, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, datada de 29 de Dezembro de 1999, nos termos da qual afirma
“Eu F (…) na qualidade de autor da música da telenovela Ajuste de Contas declaro ceder à RTP – Radiotelevisão Portuguesa, S.A. os meus direitos autorais nas seguintes condições:
1. Direitos de exibição exclusivos
Os programas produzidos incluindo todos os suportes audiovisuais utilizados ficarão propriedade exclusiva da RTP que poderá livremente reproduzir total ou parcialmente quaisquer suportes, adaptar ou efectuar outras modificações, conforme as exigências da programação, difundir por qualquer meio técnico conhecido ou desconhecido, designadamente através de feixes hertzianos terrestres, satélite artificial e ou cabo (incluindo a distribuição e/ou retransmissão), através das suas emissões próprias, já existentes ou a criar, nacionais ou internacionais, nomeadamente através da RTP 1, RTP 2, RTP Africa, NET RTP, RTP MADEIRA e RTP AÇORES, ou em circuito fechado e sem qualquer limitado de natureza temporal.
Fazer a sua comercialização acessória ou a cedência dos Programas utilizando todos os direitos de usos secundários já criados ou a criar, designadamente, mas sem restringir, o Home Vídeo, o Merchandising, e o Áudio Texto, o CD-RO; o DVD e a Internet.
2. Direito de Comercialização
A RTP deterá todos os direitos exclusivos de comercialização de série incluindo os de usos secundários, sem limites de tempo nos seguintes territórios:
Portugal e Palops.
A RTP deterá direitos não exclusivos de comercialização no resto do mundo incluindo os usos secundários” (Q);
19- Com data de 17 de Fevereiro de 2000, F emitiu a “Declaração” de fls. 204, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual afirma
“F (…) declara ceder à RTP – Radiodifusão Portuguesa, S.A. os direitos autorais de Direcção Musical de uma série de 150 programas intitulada “Ajuste…” por se tratar de uma obra de encomenda, ao abrigo do n.º1 do Artigo 14º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, englobando também a exploração pela RTP dos direitos de usos secundários já criados ou a criar, nomeadamente o publishing, merchandising e home vídeo, sem qualquer outra remuneração para além da contratualmente prevista. “ ®;
20 – Com data de 31.7.1992, SPA e 1ª Ré celebraram um acordo que intitularam “Acordo” junto a fls. 205 a 216, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual aquela, mediante o pagamento de um montante global autorizava a 1ª Ré a utilizar nas suas emissões as obras intelectuais protegidas nos termos da legislação nacional e internacional em vigor sobre propriedade intelectual e em relação às quais compete à autora a gestão dos direitos dos respectivos autores ou titulares de direitos de autor – cfr. Cláusula 1ª, n.º 1 do “Contrato” (S);
21 - Em 20 de Junho de 2000, foi celebrado entre 1 ª e 3ª Rés um acordo intitulado “Contrato de Co-Produção” junto a fls. 217 a 226, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que tem como objecto a produção, em regime de co-produção, de uma série de 13 programas intitulada genericamente “ A Febre …” (T);
22 - Nos termos do acordo referido em 21., a 3ª Ré ficou obrigada a elaborar os planos de produção dos programas e assegurar, exclusivamente para a produção daquela série de programas, os meios necessários para o efeito, nomeadamente, assegurar a contratação de todos os elementos do elenco criativo e/ou artístico, designadamente, autores intérpretes, actores, músicos e bailarinos, (cfr. alínea e) da cláusula segunda do contrato) (U);
23 - Bem como assegurar e obter, junto dos autores e de quaisquer artistas, intérpretes, bailarinos músicos, executantes ou outros intervenientes, as autorizações necessárias ao livre exercício, pela RTP, dos direitos que sobre os programas lhe ficam a caber nos termos do presente contrato (cfr. alínea f) da mesma cláusula segunda do mesmo contrato) (V);
24 - De acordo com a cláusula quarta, a 3ª Ré garantiu à 1ª Ré que “sobre o programa, objecto deste contrato apenas existem os seguintes direitos autorais: - Argumento ou texto em regime de co-autoria de Manuel, Júlia e Felícia; - Cenografia de Augusto; - Realização de W; - Figurinos de Maria (…)” (X);
25 - Ainda nos termos da cláusula quinta, número um, estipulou-se entre as partes que o montante da participação financeira da RTP por programa incluía remuneração dos respectivos direitos autorais e conexos previstos na cláusula quarta, e a remuneração de quaisquer outros titulares de direitos de autor ou conexos, incluindo actores, artistas ou executantes (W);
26 - Ficou também convencionado que os programas, incluindo todos os suportes audiovisuais utilizados, ficariam propriedade exclusiva da RTP – cfr. cláusula sexta, número um, do acordo (Z);
27 - Nos termos da mesma cláusula sexta, convencionou-se que a RTP podia, em regime livre e exclusivo, efectuar a transmissão dos programas, e proceder à sua difusão, podendo fazê-lo uma ou mais vezes, a todo o tempo e em qualquer lugar, não sendo devida pela RTP qualquer remuneração suplementar, quer aos autores, quer aos restantes intervenientes nos programas, pelo exercício desses direitos – cfr. n.º 1, alínea a), e n.º 3 da cláusula sexta (AA);
28 - Ainda, de acordo com o estipulado no n.º 4 da mesma cláusula sexta, a 3ª Ré constituiu-se “garante da RTP contra quaisquer pretensões de terceiros que tragam obstáculo ao exercício destes direitos, responsabilizando-se pelo ressarcimento de todos os prejuízos daí decorrentes.” (BB);
29 – A 2ª Ré pagou a F a quantia de 9.300.000$00 pela utilização das obras musicais deste na telenovela “Ajuste de Contas” (C C);
30 – A 3ª ré pagou a F a quantia de 3.500.000$00 pela utilização das obras musicais deste na série “Febre” (DD);
31- Os episódios de “Ajuste” foram transmitidos pela 1ª R., no Canal 1 da sua emissora, entre 7.10.2000 e 8.6.2001 (1º);
32- A 1ª R. transmitiu a “Febre” entre 8.1.2001 e 16.4.2001, no Canal 1 (2º);
33- Nesta produção foram igualmente utilizadas, como banda sonora, obras musicais da autoria de F (3º);
34- Entre 11.6.2002 e 28.6.2002, a 1ª R. repetiu a transmissão da telenovela “Ajuste”, igualmente no seu Canal 1, sem prejuízo do referido em 40 (4º);
35- Entre 17.10.2002 e 4.11.2002, no canal 2, a 1ª ré repetiu a transmissão da série “Febre” (5º);
36- Aquando desta repetição de transmissões foram novamente utilizadas as referidas obras de F (6º);
37- Este nunca deu autorização para a utilização das suas obras nas referidas reexibições (7º);
38- Em decorrência do referido em 37 houve inúmeros contactos e diligências entre as partes para uma regularização da situação (10º);
39- As audiências na RTP 2 são muito inferiores às audiências da RTP 1 (13º);
40 - Foram repetidos apenas os primeiros 14 episódios da telenovela (14º);
41- A Autora obteve da 1ª ré a confirmação do referido em 34 no dia 27.3.2003 (15º);
42- A Autora obteve da 1ºRé a confirmação do referido em 35 no dia 1.4.2003 (16º).
Vejamos:
A)-Com pertinência para a decisão do agravo mostra-se apurado o seguinte:
- A autora, em 18-5-2006 apresentou articulado superveniente, na sequência da junção aos autos de documentos pela ré, RTP, SA.
- A autora invocou a existência de outras transmissões, não autorizadas, da telenovela «Ajuste …» e da série televisiva «Febre …», que por desconhecimento não tinham sido alegadas na petição inicial.
- Em tal articulado a autora requereu a ampliação da causa de pedir e do pedido.
- As rés opuseram-se às pretendidas ampliações.
- Por despacho proferido a fls. 980 dos autos, não foi admitido o articulado superveniente, por ter sido entendido que o mesmo implicava alteração ilegal do pedido.
Prevê o artigo 506º. do CPC., a admissibilidade de articulados supervenientes.
Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, a pág. 298, «Os articulados supervenientes são utilizados para a alegação de factos que, dada a sua superveniência, não puderam ser invocados nos articulados normais».
O articulado superveniente diz respeito aos factos constitutivos, modificativos ou extintivos que interessam à decisão da causa e que a parte apenas deles teve conhecimento já depois de ter apresentado os articulados previstos por lei.
A agravante alega no seu articulado superveniente, que só com a notificação da junção dos registos informáticos por banda da ré, R.T.P. em 5-5-06, teve conhecimento de outras transmissões, algumas integrais, da telenovela e da série em questão.
Ora, da análise do respectivo articulado e de acordo com a argumentação expendida pela própria agravante, constatamos que a mesma veio dar conta de transmissões de episódios da telenovela, aludindo às datas de 7-10-2000, 13-11-2000, 11-6-2002, 20-7-2004, 24-1-2005, 18-10-2004, 30-10-2001, 2-4-2002.
Relativamente à série, aludiu às datas de 1-9-2003, 19-9-2003, 21-4-2003 e 7-5-2003, 2-6-2003, 9-7-2003, 3-6-2003 e 10-7-2003.
Ainda perante a tese da agravante, os programas em causa foram objecto das transmissões, algumas delas integrais, mas a mesma desconhecia-as.
Porém, uma coisa é a superveniência dos factos e outra o seu conhecimento.
Com efeito, a acção foi intentada em 4 de Novembro de 2005, numa altura em que todas as transmissões, agora em apreço, já tinham sido efectuadas. Assim, o que está aqui em causa não é a superveniência objectiva dos factos, mas a subjectiva, ou seja, o conhecimento de factos ocorridos, mas já depois do decurso do prazo de apresentação dos articulados.
Partindo do pressuposto que foi com a junção de documentos pela ré, que a agravante tomou conhecimento da situação, não nos repugna admitir, como o faremos, que a superveniência subjectiva pressupôs um desconhecimento não culposo do facto.
Assim, perante o disposto no nº. 4 do art. 506º. do CPC., sempre que a parte desconheça, sem culpa ou sem negligência grave um facto, e por tal razão o não alegando no respectivo articulado, o mesmo não fica precludido, podendo ser acolhido num articulado superveniente.
Porém, face à apresentação de tal peça processual, acabou a agravante por requerer a ampliação do pedido e da causa de pedir, inicialmente formulados na acção.
Ora, relativamente à causa de pedir dispõe o nº. 1 do art. 273º. do CPC., que na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.
Contudo, relativamente à causa de pedir há que fazer, ainda, a sua conjugação com a disciplina dos articulados supervenientes e dentro de todo o quadro normativo.
E, nos termos consagrados no nº. 1 do artigo 506º.do CPC., os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, até ao encerramento da discussão.
Perante tal, não vemos qualquer obstáculo legal para que relativamente à causa de pedir, não poder a mesma ser admitida.
Tal entendimento, tem tido o apoio da doutrina e foi explanado no despacho recorrido, tendo merecido acolhimento, reiterando-se aqui o mesmo.
Assim, importa apenas apreciar da admissibilidade ou não da requerida ampliação do pedido.
Nos termos constantes do nº. 2 do art. 273º. do CPC., o pedido pode ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª. Instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
A ampliação do pedido é possível desde que a mesma esteja contida virtualmente no pedido inicial (cfr. Acs. RL. 25-6-96 e de 26-2-87, in www.dgsi.pt.).
Ora, o pedido inicial não é correspondente ao que agora se pretende ver ampliado.
A autora veio com uma nova causa de pedir, para assim, conseguir modificar para um mais, o pedido inicialmente apresentado.
Porém, aqui já não temos que fazer a conjugação com a norma do articulado superveniente, mas a aplicação do preceituado no nº. 2 do art.273º. do CPC., cujo âmbito é muito delimitado.
A autora veio agora requerer uma ampliação que não está contida no pedido inicial, ou seja, as violações agora enunciadas reportam-se a períodos temporais diferentes, bem como, a novas violações eventualmente cometidas.
Aquilo que é apresentado como um facto continuado emergente da mesma conduta, mais não são do que outras condutas, que do ponto de vista da agravante merecem censura, o que implicaria desde logo, a reunião dos elementos geradores da pretendida responsabilidade e, assim, além do mais, apurar casuisticamente da existência ou não de uma autorização prévia para possibilitar a transmissão.
A cada causa de pedir ampliada corresponderia, «ex novo» um pedido, desvirtuando a relação jurídica inicial.
Não há um mero desenvolvimento do pedido primitivo, dado que as causas de pedir não emergem dos mesmos factos.
O apontado facto ilícito não é continuado, mas antes se esgotando em cada actuação.
Ora, não sendo a requerida ampliação do pedido, o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, não será possível a pretensão da recorrente perante o consagrado no nº. 2 do art. 273º. do CPC., uma vez que também não há qualquer acordo para tal.
Nem tão pouco faz sentido a conclusão da agravante no sentido da aplicabilidade ao caso vertente do teor do nº. 6 do art. 273º. do CPC., pois, a permissão de modificação simultânea do pedido e da causa de pedir só pode ocorrer se tal não implicar a convolação para relação jurídica diversa da controvertida, o que se viu não ser o caso.
Como referia o Prof. Alberto dos Reis, in Comentário, vol. III, pág. 93 e segs. «A ampliação do pedido por motivo do desenvolvimento ou de consequência do pedido primitivo implica a distinção entre ampliação e cumulação, o que se faz relacionando o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais. A cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso».
Assim, não será possível a requerida ampliação do pedido, por constituir uma alteração ilegal do mesmo.
Embora fosse possível admitir a ampliação da causa de pedir, não podendo a mesma ser acompanhada da ampliação do pedido, não será de admitir o articulado superveniente, nenhum reparo nos merecendo o despacho recorrido.
Destarte, improcedem na totalidade as conclusões deste recurso de agravo.
B)- Insurge-se a apelante relativamente ao modo e ao montante encontrados na sentença recorrida, para ressarcir o seu representado, da utilização não autorizada de obras musicais suas.
Para tanto, invoca desde logo que, não foi ponderado o transtorno causado à autora com o desencadear de todo o processo burocrático, envolvendo inúmeras horas de trabalho aos seus funcionários.
A Sociedade Portuguesa de Autores trata-se de uma associação de utilidade pública constituída para a gestão e defesa do Direito de Autor, agindo em representação dos seus associados.
Nos termos consagrados no art. 73º. do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (C.D.A.D.C.), as associações constituídas para gestão do direito de autor desempenham essa função como mandatários dos respectivos titulares, resultando o mandato da simples qualidade de sócio.
Ora, o autor encontra-se inscrito na SPA.
Deste modo, encontra-se aquela no exercício de uma função que lhe está destinada, sem que para o efeito tenha direito a auferir o que quer que seja, já que a sua função é precisamente a de actuar em representação e na defesa dos direitos dos seus associados.
O que aqui está posto em causa relaciona-se apenas com o representado da apelante e não com interesses da própria, aqui não tutelados.
Porém, mesmo em relação ao representado, o que se alude nos factos é que este nunca deu autorização para a utilização das suas obras nas referidas reexibições, tendo por isso havido inúmeros contactos e diligências entre as partes para uma regularização da situação, o que só por si não é ressarcível.
Assim, não lhe assiste razão.
Alega também a recorrente não ter sido ponderado na sentença o facto da transmissão da Série ter ocorrido no Canal 2, com grande divulgação e a da Telenovela no Canal 1, com centenas de milhares de espectadores.
De igual modo, sem razão, pois tal foi apreciado a fls. 1095 e 1096 da sentença, ponderando-se as audiências em ambos os canais e utilizando o inerente share.
Insurge-se também a apelante, no concernente à aplicação analógica do art. 179º., nº.3 do CDADC., ao caso vertente, por entender que tal normativo não se aplica aos titulares dos direitos de autor.
Ora, nesta parte incorre a apelante numa certa confusão.
Com efeito, resulta do explanado na sentença recorrida que, na situação em apreço, houve efectivamente uma repetição sem a devida autorização de obras do representado da apelante.
Conduzindo tal conduta a uma reparação relativamente a danos causados e uma vez que o tribunal não dispunha de elementos fácticos que possibilitassem em termos jurídicos, a fixação de uma indemnização por aplicação da teoria da diferença, o mesmo tinha que proceder à fixação de uma indemnização, pelo que a arbitrou com apelo a juízos de equidade.
Para pôr em prática tal equidade foi adoptado um critério que consta do CDADC., mais propriamente do seu artigo 176º.e seguintes, referente às prestações dos artistas intérpretes ou executantes, atenta a sua semelhança com a situação subjacente nos autos e, daí a chamada à colação do nº. 3 do art. 179º., do citado diploma legal.
No texto deste mesmo artigo se encontra plasmada a situação de contemplação do direito de uma remuneração suplementar sempre que haja lugar a uma transmissão não autorizada de obras e sem que estejam previstas nas negociações.
Assim sendo, não tem razão de ser a argumentação da apelante, no sentido dos titulares dos direitos de autor, beneficiarem de maior protecção do que a que é concedida aos titulares dos direitos conexos e, por isso, não tem aqui aplicação qualquer dos preceitos apontados neste sentido.
A questão em apreço nem é esta nem a indemnização arbitrada foi por tal caminho.
A indemnização encontrada pautou-se por critérios objectivos e justos, aplicando uma solução equilibrada e ponderada perante o caso concreto, não merecendo qualquer censura, louvando-nos nos demais argumentos ali expendidos.
Destarte, improcedem na totalidade as conclusões do recurso apresentado.
Por último, resta-nos apreciar questões suscitadas em sede de contra-alegações.
Ora, não tendo sido admitido outro recurso nos autos, que não o da apelante, as questões apreciadas apenas tinham que se reportar às conclusões do recurso efectivamente apresentado.
As contra-alegações são mecanismos legais que permitem a todos os sujeitos processuais pronunciarem-se sobre as questões pertinentes para a tomada da decisão de mérito e não para fazer vingar os pontos de vista discordantes, mas que não foram admitidos por via de recurso.
Significa tal, que não será possível apreciar uma mesma questão, quando esta já transitou, atenta a rejeição do recurso, o que aqui se aplica às rés, NBP e Multicena.
Por seu turno, veio a ré RTP., em termos subsidiários, fazer apelo ao disposto no art.684º.-A, nº.1 e 2 do CPC., requerendo a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, por não se ter verificado quanto a si, uma actuação culposa.
Ora, a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido, prevista pelo art. 864º-A do CPC., é subsidiária relativamente à procedência do recurso interposto pela parte contrária.
Não obtendo o recorrente vencimento no recurso, antes a decisão sendo confirmatória da recorrida, embora com fundamentos diferentes dos invocados pelo recorrido, não pode este ver aqueles fundamentos apreciados pelo tribunal superior.
Com tal possibilidade apenas se permite ao recorrido neutralizar a eficácia dos fundamentos do recurso.
Na situação em apreço, as questões suscitadas pela apelante no seu recurso, não obtiveram procedência, não se verificando assim o requisito constante do nº2, in fine, do art. 684º-A do CPC., razão pela qual não se conhece da pretensão suscitada pela ré. 3- Decisão: Nos termos expostos, acorda-se em: a) Negar provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido. b) Julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.
Custas do agravo e da apelação a cargo da recorrente.
Lisboa, 18-9-07
Maria do Rosário Gonçalves
Maria José Simões
Azadinho Loureiro