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ARRESTO
Sumário
I – O arresto reconduz-se a uma penhora antecipada, levada a cabo antes de o credor dispor de título executivo, sendo o seu destino a metamorfose em penhora, na execução, retrotraindo a efectivação desta à data da realização daquele. II – O facto de estarem em causa bens perecíveis não impede que sejam arrestados, pois trata-se de mercadoria e não de instrumentos, alfaias ou objectos indispensáveis à continuação da laboração da requerida. III – Atenta a natureza do arresto, de verdadeira penhora antecipada ou preventiva, desempenhando uma função eminentemente conservatória da garantia patrimonial do credor, são-lhe aplicáveis as normas relativas à venda antecipada. IV – Esta antecipação da venda é a solução mais adequada e eficaz para evitar que pereçam certos bens que se encontram arrestados, isto no interesse económico tanto do credor arrestante como do devedor arrestado. JAP
Texto Integral
Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
R, S.A., recorre do despacho de venda antecipada de bens perecíveis proferido nos autos de arresto que lhe movem, e a outros, B, S.A., A, LDA., BE, Lda., e M LDA. (todos id. a fls. 78-79).
A Recorrente pede a anulação da decisão recorrida e conclui as suas alegações do seguinte modo:
1. Os custos de remoção e de conservação da mercadoria não são fundamento da decretada venda antecipada.
2. Apesar de devidamente alertados e advertidos para tal, e com arguição de nulidade antes da sua execução material pelos Recorrentes, o Tribunal ordenou uma medida ilegal, contra legem, e nula, que foi o arresto da mercadoria fora dos trâmites legais do arresto de um estabelecimento comercial, e a sua remoção.
3. A penhora ou o arresto dos bens, nestes termos, foi e é ilegal, por violação do disposto nos artigos 823° e 862° A do CPC e obviamente não têm as Requeridas que arcar, ou considerar, custos de armazenamentos e transportes, mormente como fundamento de venda.
4. A mercadoria estava e está isenta de penhora por se tratar de "objecto indispensável ao exercício da actividade", por não ter sido indicada para arresto pela R SA, por o procedimento não se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição e por não ter sido arrestado como elemento de um estabelecimento.
5. A mercadoria foi objecto de arresto sem que as requerentes do arresto o tivessem peticionado, por iniciativa processual do Tribunal (!) a pedido de uma não parte (!) e em sede de ampliação do objecto do arresto, ou a ampliação da decisão de arresto,... e já depois dele ter sido decretado...
6. Sendo o arresto nulo, a sua venda é também nula, porque decretada a coberto de acto nulo.
7. A mercadoria foi objecto de arresto, com remoção, bem sabendo o Tribunal que os géneros alimentícios congelados para consumo humano, como o marisco congelado, são produtos perecíveis, sujeitos a prazo de validade. Isto é, susceptíveis de se tornarem inaptos para a sua função e destino económico pelo mero decurso do tempo.
8. Ora, tendo a providência cautelar de arresto por causa função assegurar a garantia patrimonial de um crédito, obviamente não são susceptíveis de arresto e remoção bens que estão sujeitos a perecimento pelo decurso do tempo e por decurso do seu prazo de validade.
9. A apreensão física, através do arresto e sua remoção de géneros alimentícios com prazo de validade, e perecíveis, não desempenha a função típica pela qual a lei garante aos credores o direito ao arresto, que é a de garantirem o crédito, uma vez que ele não fica garantido: sobrevem necessariamente ao decurso do tempo próprio do procedimento judicial o perecimento dos bens arrestados — o marisco congelado.
10. Tais produtos não são objectivamente arrestáveis como foram, com remoção, desenquadrados de um arresto do estabelecimento comercial por o seu arresto não corresponder ao fim pelo qual a ordem jurídica garante ao credor o seu direito.
11. O seu exercício não correspondeu a qualquer interesse económico atendível do credor, como corresponde, apenas e só, a um inconsequente sacrifício patrimonial da requerida recorrente, que se vê privada e confiscada de um bem que é seu, perdendo o mesmo bem o seu valor económico pela perda total da sua aptidão económica.
12. Ora, sendo o arresto nulo, e tendo o mesmo violado diversas disposições legais imperativas, a sua venda é também nula, porque decretada a coberto de acto nulo.
13. Impondo a lei processual que, em caso de arresto do estabelecimento, por princípio, seja o executado que se mantém na gestão do estabelecimento e, portanto, dos seus activos, apenas não sendo assim se, fundadamente, e a pedido dos requerentes, deva ser nomeado um novo administrador... que assegura a gestão ordinária, o que não foi feito e decretado, e teria que ter sido feito no pedido de arresto, e sujeito a prova, e depois a contraditório, não se vê como, sem grave atropelo destas regras processuais possa agora o Tribunal mandar vender estes bens....e a uma solicitadora.
14. Pior. A mercadoria é propriedade da R, SA. e não se vê como, nem porquê, nem com que fundamento legal, pode ser ordenada a venda de algo que é propriedade da Recorrente.
15. Uma nulidade não se sana com outra. Por definição, não é sanável.
16. Foi arrestado, e removido, produto acabado, o mesmo encontra-se embalado sob marcas registadas, e que não pode ser vendido como tal, sendo que os Requeridos apenas se poderiam pronunciar quanto a propostas concretas de compra, em face de valores e compradores concretos, condições, etc., que era no mínimo aquilo que deveria ser apresentado, sendo que é obviamente inaceitável – por ilegal - a autorização genérica de venda concedida à solicitadora....
17. O Tribunal deveria, nos termos do artigo 390° do CPC, tornar a providência dependente da prestação de caução.
18. Face à confissão dos Requerentes de que esta mercadoria está a perder valor, naturalmente impõem-se a prestação imediata de caução pelas Requerentes, que terá de ser de valor igual ao do arresto, e como condição da manutenção do mesmo.
19. Podendo essa medida ser decretada por este tribunal de recurso ou, supletivamente, ordenada ao tribunal de primeira instância.
20. Igualmente o despacho recorrido deve ser revogado na parte em que defere "o arresto dos bens imóveis e da embarcação referida da fls. 1208", arresto adicional que lhe foi pedido pelas Requerentes como se os requeridos fossem "executados".
21. Obviamente, um arresto não pode ser ampliado.
22. Obviamente, não pode uma parte numa providência cautelar vir dizer que os bens não chegam.... e ordenar-se o arresto de mais bens. O arresto foi decretado de acordo, e consoante, o alegado na petição inicial entregue, e consoante a prova então produzida, não tendo então sido ponderada a questão precisamente porque as Requerentes não a apresentaram.
23. Novas medidas – neste ou noutros autos – dependem necessariamente de apresentação de novos factos a juízo; contraditório; produção de prova e decisão judicial.
24. Este tribunal recorrido passou por cima de tudo isto, violando princípios processuais elementares de contraditório e de imparcialidade.
25. Qualquer decisão judicial sobre arresto de mais bens tem que ponderar a situação de facto e de direito existente, e ser sujeita a contraditório.
26. Por outro lado os Requerentes vêm requerer um arresto adicional sobre bens imóveis e móvel sujeito a registo sem terem tido o elementar ónus processual de juntarem (no mínimo) aos autos documentação relativa aos respectivos registos.
E sem que o Tribunal tenha tido, também a cautela elementar, de a pedir.
27. Por exemplo, pode estar a decretar o arresto de bens que não são de nenhuma das Requeridas....O que é grave, obviamente, porque não pode este tribunal ordenar o arresto de bens de pessoas que não são parte na acção.
28. E está a fazê-lo, pois que o arresto decretado incide pelo menos sobre um barco de quem não é parte na acção....
29. É por isso que estes arrestos não são decretáveis sem uma actividade jurisdicional prévia: prova do direito, alegação dos pressupostos, audição da contra-parte....
30. Existe nulidade manifesta deste despacho, o que os Requeridos vêm arguir, sendo certo que a omissão e a preterição das formalidades legais influi directamente no exame da causa. Analisada por óptica de uma parte, sem contraditório. E sem se perceber porquê.
31. Os Requerentes fizeram os requerimentos nos autos que deram origem ao despacho recorrido sem notificarem a parte contrária. E o Tribunal defere estes mesmos requerimentos sem que a parte contrária deles tenha tido conhecimento prévio ou sobre eles se tenha pronunciado. Ou tenha tido hipótese de se pronunciar.
É o caso deste requerimento de fls. 1208.
E o caso deste despacho de fls 296.
32. Ora, ordena a lei processual outro comportamento processual. Quer dos Requerentes. Quer ao tribunal. Sendo que no caso do tribunal, existe manifesta nulidade, sendo que a omissão influi no exame da causa, pois toma decisões sem observância do elementar contraditório.
33. O que torna obviamente este despacho nulo, também por esta via.
A Recorrida Biofrescos apresentou as suas contra-alegações, que concluiu assim:
1. As mercadorias em causa foram arrestadas e removidas em termos perfeitamente legais.
2. As disposições restritivas constantes da Lei quanto à penhora não se aplicam "ipsis verbis" ao Arresto.
3. Cabe-lhe o formalismo mas nem por isso o conteúdo.
4. Aliás nas próprias disposições sobre Arresto se contêm expressamente as limitações respectivas.
5. Independentemente disso e conforme a própria agravante confessa nas suas Alegações, até teve lugar o Arresto do estabelecimento, o que retira todo o fundamento ao citado agravo.
6. E não pode queixar-se de não ter sido beneficiada pelas arrestantes ora agravadas.
7. Na verdade estas, não obstante o Arresto do estabelecimento comercial (para o que até era bastante a simples iniciativa da Solicitadora de Execução) entenderam não remover todo o equipamento existente e veículos afectos ao transporte e comércio das mercadorias, exactamente para lhe permitirem continuar a sua actividade normal, tanto mais que assumiram o compromisso de não arrestar mais mercadoria o que sempre permitiria à agravante continuar a receber os seus fornecimentos normais e a prosseguir a sua habitual actividade.
8. Daí que não houvesse necessidade de requerer a nomeação de um Administrador, mas tão-somente de manter o seu legal representante, desta feita como fiel depositário. Também deste beneficio, se não pode a agravante queixar,
9. Sendo certo que cabe nos poderes da Solicitadora de Execução arrestar mais bens sempre que verifique haver insuficiência para garantia da responsabilidade.
10. Também não colhe a alegação de que a agravante se vê impossibilitada de saber a que respeitam os despachos proferidos no processo quando estes remetem para requerimentos cujas folhas dos autos se identificam. Ë que existe sempre a possibilidade de consultar o processo directamente ou com a colaboração de outros Advogados e/ou Solicitadores.
11. Por outro lado se a mercadoria arrestada tivesse ficado retida nas câmaras frigoríficas da agravante, corria o mesmo risco de deterioração e/ou saída do prazo de validade.
12. Dir-se-à que sendo o risco o mesmo, é preferível proceder à sua venda de tal forma que o respectivo produto possa reentrar no seu património ou no das arrestantes, consoante a sorte do processo principal, tanto mais que a venda está a ser feita através de quem tem especial condição para o fazer - a Solicitadora de Execução.
***
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Das doutas alegações da Recorrente resulta que objecto do recurso é apenas o despacho que ordenou a venda antecipada dos bens arrestados perecíveis. E das suas conclusões uma só questão se coloca, que é a da validade de tal decisão.
II – Fundamentação
A – Do contexto petitório retira-se, com interesse para a decisão, o seguinte:
1. Os ora recorridos instauraram a presente providência cautelar em 1-8-2006, pedindo o arresto de vários bens que identificaram e de «quaisquer outros bens, equipamentos e mercadorias que se encontrem nas referidas instalações, S. Domingos de Rana» (fls. 89).
2. Foi proferida decisão a ordenar o arresto dos bens indicados, inclusive dos referidos equipamentos e mercadorias que se encontrassem nas referidas instalações (fls. 90-108).
3. Do auto de arresto de fls. 111 a 125, constam apreendidos, entre outros, diversos produtos alimentares, sobretudo de marisco e peixe, conforme relação de fls. 120 a 122).
4. Em 28-02-2007, a ora recorrida B apresentou nos autos de arresto um requerimento a pedir a venda dessas mercadorias perecíveis, «antes que se convertam em perda total» (fls. 123-125), por estarem muito próximas do termo do prazo de validade, tendo-o algumas já ultrapassado.
5. Em 30 de Abril de 2007, por despacho de fls. 60-61, foi determinada a requerida venda antecipada a efectuar pela Sr.ª Solicitadora de Execução nomeada nos autos.
6. O M.mo juiz sustentou a decisão recorrida (fls. 56).
B - Apreciação jurídica.
O arresto traduz-se numa apreensão judicial de bens suficientes para garantir a satisfação do crédito do requerente de tal providência, quando este demonstre, ainda que indiciariamente, a existência do direito que se arroga e o seu justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito (art.º 406.º do CPC). O arresto pauta-se pelas normas aplicáveis à penhora, em tudo o que não contrarie as normas próprias do arresto (art.ºs 406.º a 411.º do CPC).
Os bens a arrestar serão aqueles que o requerente relacionar e identificar no seu requerimento inicial (art.º 407.º, n.º 2, CPC), mas o arrestado não pode ser privado dos rendimentos estritamente indispensáveis aos seus alimentos e da sua família, nos termos previstos no art.º 408.º, n.º 3, do CPC. Nomeadamente não podem ser penhorados nem arrestados “os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado” ou, neste caso, do arrestado (art.º 823.º, n.º 2, CPC).
No caso em apreço, não se mostra violada nenhuma destas limitações legais à incidência e à extensão do arresto. O facto de se tratar de bens perecíveis não impede que sejam arrestados, pois trata-se de mercadoria e não de instrumentos, alfaias ou objectos indispensáveis à continuação da laboração da requerida. Também nada impede que se arrestem ou penhorem bens concretos e individualizados sem se penhorar ou arrestar necessariamente o estabelecimento comercial.
Em boa verdade, o arresto não deixou de ser o que já era no tempo de Alberto dos Reis, uma penhora antecipada, só podendo ser arrestados os bens que e na medida em que puderem ser penhorados. Uma penhora levada a cabo antes de o credor dispor de um título executivo, pois o destino normal do arresto é sua metamorfose em penhora na execução (art.º 846.º, do CPC), retrotraindo a efectivação desta à data da realização daquele.
Mas, enquanto só existe em juízo a providência cautelar, pode colocar-se a questão de saber se a lei processual autoriza aí a venda antecipada de bens perecíveis, tendo em consideração a natureza urgente, provisória e conservatória de tal procedimento. Quando ainda vigorava a redacção do art.º 851.º do CPC, anterior ao D.L. n.º 38/2003, de 9 de Março, regulando a venda antecipada de bens penhorados, inserido na secção do código dedicada à penhora, não existiam dúvidas em aplicar este mecanismo processual aos bens arrestados.
Todavia, não obstante aquela alteração legislativa, actualmente a solução não pode deixar de ser a mesma. Com efeito, em vez daquele artigo existe agora outra disposição, o art.º 886.º-C do CPC, inserida na disciplina processual do pagamento e da venda executiva, exclusivamente dedicada à venda antecipada a requerimento e com observância do contraditório. No entanto, as partes ou aquela que não for requerente podem não ser ouvidas sobre o requerimento de venda se, como no caso presente, a urgência dessa venda impuser uma decisão imediata (n.º 2). Aí se prevê também (no n.º 3) que um solicitador de execução possa ser incumbido de proceder a tal venda, como aconteceu no caso em apreço.
Deste modo, reconduzindo-se o arresto a uma verdadeira penhora preventiva e desempenhando uma função eminentemente conservatória da garantia patrimonial do credor, têm de ser forçosamente aplicáveis ao caso dos autos as normas relativas à venda antecipada, para evitar que pereçam certos bens que se encontram arrestados, isto no interesse económico tanto do credor arrestante como do devedor arrestado.
Em conclusão, a referida venda antecipada é válida, além de se revelar a melhor solução para preservar a garantia patrimonial dos credores.
Nada há, portanto, a censurar à douta decisão recorrida.
III – Decisão
Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e confirma-se o despacho
Recorrido.
Custas pela recorrente.
Notifique.
***
Lisboa, 8 de Janeiro de 2008.
João Aveiro Pereira
Rui Moura
Folque Magalhães