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PROPRIEDADE HORIZONTAL
LEGITIMIDADE
Sumário
I- Num imóvel em regime de propriedade horizontal em que apenas existem dois condóminos, qualquer um deles tem legitimidade para demandar o outro para defesa das partes comuns, nomeadamente uso, fruição, actos conservatórios etc., quer contra o outro condómino quer contra terceiros. II- No caso de existência de apenas dois condóminos não é necessário para se ter legitimidade para a acção que se tenha de eleger primeiramente o administrador do condomínio. III- O administrador do condomínio é um mero mandatário das decisões tomadas pelos condóminos na respectiva assembleia, aplicando-se-lhe as regras do mandato. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
J... e esposa M..., instauraram acção com processo ordinário, contra L... e esposa G..., pedindo que os Réus sejam condenados:
a) a reconhecerem que a parte do logradouro é comum às duas fracções, conforme título constitutivo de propriedade horizontal;
b) a absterem-se da prática de actos que impeçam, restrinjam ou extingam o direito de propriedade dos autores sobre a parte comum do prédio;
c) a não autorizarem terceiros a utilizarem a área comum do prédio;
d) a consentir no pedido de autorização para a construção do muro de vedação conforme projecto apresentado na Câmara Municipal;
e) a efectuarem as obras de construção do muro de vedação, em conjunto com os autores e na proporção de metade para cada proprietário de cada uma das fracções.
Alegaram para tanto e resumidamente, que são conjuntamente com os Réus proprietário de um prédio em regime de propriedade horizontal, constituído por duas fracções a A propriedade dos Réus e a B propriedade dos Autores, sendo ainda cada fracção constituída por garagem e casa de banho com 32 m2, sendo comum a ambas o logradouro com a área de 236 m2.
O muro de vedação nunca foi construído o que vem permitindo que terceiros utilizam a parte comum do prédio, com estacionamento, passagem e lavagem de viaturas, factos de que os Réus têm conhecimento e nos quais vêm consentindo.
Os Réus recusam-se a assinar ou autorizar o pedido de licenciamento para a construção do muro de vedação, assistindo aos Autores o direito de peticionar o suprimento do consentimento dos Réus.
Contestaram os Réus por excepção e por impugnação, tendo os Autores replicado e aqueles treplicado.
Foi proferido despacho saneador que julgando os Autores partes ilegítimas, absolveu os Réus da instância.
Inconformados, agravaram os Autores concluindo textualmente nas suas alegações pela forma seguinte: 1. O Tribunal "a quo" absolveu os Réus da instância, com fundamento na ilegitimidade processual dos Autores, nos termos do disposto nos artigos 288º, nº 1, alínea d), 493º nº 2 e 494º alínea e), todos do Código de Processo Civil. 2. O Sr. Juiz do Tribunal "a quo" considerou que "como resulta da petição inicial está em causa por um lado regular o uso das partes comuns bem como a realização os actos conservatórios dos direitos relativos às partes comuns, sendo que, face ao direito substantivo, tal incumbe ao administrador do condomínio e não aos condóminos individualmente considerados (cfr Artigo 1436° do Código Civil)..." 3. No presente recurso está em causa aferir da legitimidade dos Autores, na qualidade de proprietários (condóminos) de uma fracção, de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, para por si só, demandar outro proprietário (condómino), numa acção que está em causa a defesa de uma parte comum do prédio. 4. Nos termos do art, 1420º nº 1 do CC, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. 5. Na defesa do que os condóminos entendem ser parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, os condóminos podem agir coligados ou isoladamente. 6. Dos factos considerados provados resulta que o logradouro é parte comum do prédio, pelo que assiste aos Autores, na qualidade de condóminos, dada a sua qualidade de comproprietários dessa parte comum, intentarem acção para defesa da mesma, (artigos 1405º e 1406º do Código Civil). 7. Os agravantes e agravados nada convencionaram sobre a gestão de coisa comum, nem tão pouco designaram um administrador. 8. Sendo aplicável às partes comuns o regime da compropriedade preceituado no Código Civil, podemos concluir que nos termos do disposto no artigo 985º deste diploma legal, aplicável por força da remissão do art. 1407º nº 1 do CC, na falta de convenção em contrário, todos os condóminos têm poder para administrar e agir judicialmente dentro de tal âmbito. 9. A legitimidade conferida pelo artigo 1437º do Código Civil ao administrador não exclui a legitimidade do próprio condomínio e no caso sub júdice do condómino. 10. A construção de um muro de vedação nas partes comuns, tem por objectivo impedir actos abusivos de terceiros, restritivos e impeditivos da normal utilização do logradouro. 11. Ao julgar procedente a excepção dilatória da ilegitimidade processual dos A.A. o Sr. Juiz do Tribunal a quo violou, por erro de interpretação o disposto nos artigos 26º do CPC, arts. 1420º, 1437º, 1407º nº 1 e 985º nº 1 do CC.
Não foram apresentadas contra alegações e o Meritíssimo Juiz sustentou o seu despacho.
*** COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS, CUMPRE DECIDIR. ***
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, é questão a dirimir a respeitante à legitimidade dos Autores.
*** Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: 1. Os autores e réus são proprietários de um prédio urbano, localizado ao sítio da K..., freguesia e concelho do P...., com a área de 300 m2, dos quais 64 m2 são de superfície coberta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .... 2. O prédio anteriormente identificado encontra-se constituído em regime de propriedade horizontal, por escritura notarial, outorgada no Cartório Notarial em 28-08-2003. 3. O prédio destina-se a estacionamento automóvel e é composto pelas fracções "A" e "B", constituídas cada uma, por garagem e casa de banho, com a área de 32 m2. 4. A fracção "A" é propriedade dos réus. 5. E a fracção "B" propriedade dos autores. 6. É comum a ambas as fracções, o logradouro com a área de 236 m2. 7. O prédio sempre teve a mesma configuração física desde a data da construção e emissão da licença de utilização, com nº .... bem como, nunca foi alterado o título constitutivo da propriedade horizontal através de competente escritura pública, desde a sua constituição. 8. A Câmara Municipal não aprovou nem licenciou qualquer utilização para fim diverso do inicialmente constituído.
***
Os Agravantes requereram a condenação dos Agravados a:
f) reconhecerem que a parte do logradouro é comum às duas fracções, conforme título constitutivo de propriedade horizontal;
g) absterem-se da prática de actos que impeçam, restrinjam ou extingam o direito de propriedade dos autores sobre a parte comum do prédio;
h) não autorizarem terceiros a utilizarem a área comum do prédio;
i) consentir no pedido de autorização para a construção do muro de vedação conforme projecto apresentado na Câmara Municipal;
j) efectuarem as obras de construção do muro de vedação, em conjunto com os autores e na proporção de metade para cada proprietário de cada uma das fracções.
Nos termos do artigo 26º do Código de Processo Civil, e tendo em conta o pedido e a causa de pedir, a legitimidade afere-se pelo interesse em demandar por parte do autor e o interesse em contradizer por parte do réu, sendo que o nº 3 deste preceito resolveu as situações dos casos duvidosos conferindo legitimidade aos sujeitos da relação material controvertida, tal como ela é configurada pelo autor.
A causa de pedir desta acção é complexa abrangendo não só o uso e actos conservatórios da parte comum, como a defesa da mesma, quer contra actos de terceiros, quer contra os condóminos Réus, ora, Agravados, que segundo os Agravantes inviabilizaram a construção de um muro de vedação daquela parte, permitindo, assim, a devassa da mesma e o livre uso e fruição, por parte destes.
Trata-se de um imóvel em regime de propriedade horizontal, desconhecendo-se se o mesmo tem ou não administrador, sendo certo que em última análise, seriam os Agravados os Administradores (artigos 1435º e 1435º-A, nº 1 e 2, ambos do Código Civil).
De qualquer modo, a situação aqui em apreço é bastante sui generis, na medida em que aquela imóvel só possui dois condóminos, ou sejam Autores e Réus, pelo que a acção para resolução de qualquer litigio sempre terá de ser apenas propostas por um contra o outro.
O administrador do condomínio tem, entre outras, as funções elencadas no artigo 1436º do Código, que não é de modo alguma taxativo na sua enumeração.
Igualmente, o administrador tem legitimidade para demandar e ser demandado conforme dispõe expressamente o artigo 1437º, do mesmo diploma legal.
Acontece, porém, que o administrador do condomínio é um mero mandatário das decisões tomadas pelos condóminos na respectiva assembleia, aplicando-se-lhe as regras do mandato.
Ora, salvo casos especialmente previstos na lei, não pode este ter mais poderes do que aqueles que caberiam ao mandante, especialmente, como no sub judice onde os condóminos são apenas dois, não se justificando de todo que a acção não pudesse ser proposta pelos Agravantes.
Na realidade, mal se entenderia que na situação concreta em que Agravantes e Agravados são os únicos condóminos, como já atrás se referiu, tivessem de recorrer primeiramente à eleição de um administrador, que como também já antes se disse, caberia em primeira linha aos Agravados, por força do disposto no nº 2, do artigo 1435º-A, do Código Civil, para posteriormente, na sua qualidade de condóminos, que é a que agora possuem, virem demandar os Agravados, numa possível qualidade de administradores do condomínio, quando é certo que eles próprios eram a outra parte do condomínio.
Perante tudo isto, procedem as conclusões das alegações, consideram-se os Agravantes partes legítimas para demandarem os Agravados.
Assim, face ao exposto, dá-se provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos se nenhum outro motivo obstar ao seu andamento.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2008.
Lúcia Sousa
Farinha Alves
Tibério Silva