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ACÇÃO POPULAR
Sumário
I. Quando estamos perante várias e inúmeras situações, que diferem de consumidor para consumidor e que, obviamente, não podem conduzir a um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico para todos eles, porquanto resultam de situações factuais distintas, envolvendo, por vezes a apreciação de questões jurídicas também diferentes, não poderá falar-se em qualquer homogeneidade de interesses que fundamenta a acção popular. II. O artº 13º da Lei da Acção Ppopular (LAP) só tem de ser cumprido no caso de a acção posta configurar uma acção popular. III. “A rejeição liminar da petição inicial só em casos extremos, em que a inviabilidade da acção é de uma evidência irrecusável, deve ter lugar” (artº 234-A do CPC. (MAR)
Texto Integral
Agravante/A: G….
Agravado/R: C…, S.A.
Pretensão sob recurso: revogação do despacho que indeferiu liminarmente a petição.
O despacho de indeferimento liminar da petição considerou que o meio próprio para o ora agravante fazer valer os seus interesses é a acção comum e não a acção popular.
É contra esta decisão que se insurge o recorrente, formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo decidiu mal ao indeferir liminarmente a petição inicial, sendo inconstitucional e nula, por violação do disposto no n.° 3 do artº 52.° da CRP, dos artºs 668/1/c) e d), l99/2 e 206 º, todos do C.P.C., e dos artºs l.°, 2/2, 12°, 13°, 22.° e 23.° da Lei n.° 83/95 de 3l de Agosto (Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular).
2. Inconstitucional porque no domínio dos Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política, consagra-se na Constituição da República Portuguesa, no artº 52.°, o Direito de Acção Popular, regulamentada pela Lei n° 83/95, de 3l de Agosto, conforme imposição do artº 52/3.
3. Isto porque, quando o autor recorreu à acção popular, fê-lo por pretender fazer valer na acção um direito que lhe diz respeito, não apenas a si, mas a uma universalidade de consumidores dos serviços de correio postal prestados pelos C….
4. A má ou deficiente prestação de serviços prestados pela R. à universalidade de consumidores, também afecta, umas vezes directa e outras indirectamente, as legitimas expectativas do autor, bastando analisar os mais de 320 documentos juntos com a petição inicial.
5. Na Acção Popular encontramo-nos perante uma situação em que a universalidade de consumidores, de todos os consumidores, são potenciais sujeitos de ficar afectados pela deficiência de serviços e, por via de tais erros, acções ou omissões, sofrerem danos e incómodos diversos.
6. Para além dos interesses difusos, existem no âmbito das normas da acção popular interesses individuais homogéneos que representam todos aqueles casos em que os membros da classe são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma única questão de facto ou de direito, pedindo-se para todos eles um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico.
7. A descrição e caracterização dos factos que ocorreram em concreto com o autor, e que dessa forma fundamentam a causa de pedir, não visam a tutela individual da sua posição jurídica considerada de forma isolada, mas sim, exemplificar situações concretas, em que a R. não cumpriu as obrigações assumidas perante o autor e de forma conexa perante terceiros, alguns deles que nem chegaram a ter conhecimento desse incumprimento, sendo por isso a Acção Popular a sede própria para ser quantificado um quantum indemnizatório. A acção popular é a sede própria para o autor peticionar um quantum.
8. Contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal a quo, o autor com a presente acção não visava apenas o ressarcimento dum incumprimento contratual, mas também a apreciação e decisão sobre questões de interesse geral comum a todos os consumidores, onde se inclui o autor, como destinatário de correspondência que lhe não é dirigida, ou, por verificar que aquela que a si lhe é distribuída, é extraviada ou danificada, ou porque a correspondência enviada pelo autor não chega ao seu destino.
9. O Tribunal não pode ignorar que em cada correspondência que o autor dirige a alguém, ou quando alguém dirige a correspondência ao autor, existe um sujeito, um terceiro, que poderá ser lesado pela deficiente prestação de serviços por parte da R.
10. E esta situação entre dois consumidores multiplicam-se não só por todos aqueles com quem o autor troca correspondência, mas também pelas inúmeras (milhares ou milhões) possibilidades matemáticas de, na troca de correspondência entre dois consumidores, sejam eles singulares ou colectivos, existir a possibilidade diária de se verificarem dezenas ou centenas de casos de incumprimento da prestação do serviço postal.
11. Este aspecto não só trata de uma opinião diferente ou de simples discordância com a decisão proferida. O problema é que a decisão não contemplou nem apreciou todas as questões que foram formuladas no pedido.
12. O Tribunal a quo preocupou-se mais com o facto do autor não ter pago a taxa do justiça inicial, do que verificar se ao propor a Acção Popular cumpria com os requisitos de tal regime e instituto.
13. Além do mais, o Tribunal a quo decidiu em contradição com a fundamentarão, isto porque, se por um lado alegou conhecer que o autor formulou um pedido que se encontra substanciado no objecto duma Acção Popular, acabou por rejeitar tal espécie de acção com o fundamento de que tais interesses poderão ser exercidos por via do uma acção comum.
14. Ora, o autor demonstrou as razões pelas quais optou pela acção popular, porque, precisamente, não estava unicamente em causa o seu interesse individual, mas também o interesse universal dos consumidores que pretendem a satisfação de um serviço de qualidade.
15. Por outro lado, entendemos, S.M.O., que o Meritíssimo Senhor Juiz do Tribunal a quo errou ao considerar que o pedido do autor era genérico.
16. Como resulta do 4.º parágrafo do despacho de que se recorre, o Tribunal considerou que o autor "intentou a presente acção popular, sob a forma ordinária, contra os C…, S.A. (…) pedindo a condenação desta a pagar indemnização ao A. e a cada um dos seus clientes que se encontram lesados e a promover e realizar as alterações necessária e adequadas ao cumprimento do serviço postal universal com a máxima qualidade. " (o sublinhado é nosso)
17. Só que o pedido do Autor não se limitou ao texto descrito, mas sim, também, a todo o pedido contido nos artigos 445.° a 454.° da petição inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
18. Numa acção popular, dificilmente o pedido poderá ser formulado de outro modo, o qual, aliás, se enquadra no disposto no artigo 52.° da C.R.P..
19. Por via de tal disposição, qualquer cidadão tem o direito de apresentar, individual ou colectivamente, petições, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos ou do interesse geral, assim como,
20. É conferido a todos, pessoalmente (...), o direito de acção popular, (...), incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, para promover a prevenção, a cessação (. . .) das infracções contra os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, etc..
21. Face ao exposto, resulta claramente que o Tribunal entendeu de forma correcta quais as pretensões jurídicas do autor e que o levaram à propositura da presente acção judicial.
22. O erro, quanto a nós, foi que o Tribunal entendeu que os factos narrados não eram integradores de interesses supra-individuais, e, em consequência, da não justificação da acção popular.
23. Mas mesmo que o Tribunal entendesse que a presente acção não devia prosseguir como Acção Popular, o que se rejeita e não concede, a petição inicial não deveria ter sido indeferida liminarmente.
24. Isto porque, caso estivéssemos perante uma situação de erro de processo, deveria o Tribunal a quo, quanto a nós, proceder à convolação da forma utilizada – acção popular civil – na forma que deveria empregar-se – acção civil comum – com aproveitamento de tudo quanto fosse possível.
25. Ao não ter decidido de tal, forma, o Tribunal violou as normas contidas nos artigos 199.° e n.° 2 do art. 206.°, ambos do CPC, seguindo os seus tramites até final.
26. Mas mais, nos termos do Código Processo Civil, o Juiz pode indeferir a petição quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (n.° 1 do art. 234.°-A do CPC.)
27. In casu, o Tribunal refere por duas vezes no despacho que o autor pretende a condenação da R. a promover e a realizar as alterações necessárias e adequadas ao cumprimento do serviço postal universal com a máxima qualidade, e que tal pedido seria genérico.
28. Contudo, não deveria tal argumento ser bastante para pôr fim à acção.
29. Isto porque, face à norma especifica prevista no art. l3.° da Lei 83/95 de 31 de Agosto (Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular), o indeferimento da petição deverá apenas ocorrer quando o julgador entenda que é manifestamente improvável a procedência do pedido, ouvido o Ministério Público, e feitas preliminarmente as averiguações que o julgador entenda justificadas ou que o Autor ou o Ministério Público requeiram, o que não aconteceu.
30. Além do mais, o Tribunal antes de indeferir liminarmente a petição, deveria ter ouvido o Ministério Público e de levar a cabo averiguações sobre a procedência do pedido, como, por exemplo, contactar a entidade reguladora do Sector, o ICP —ANACOM.
31. Pelo que, ao fazê-lo da forma que resulta da decisão, o Tribunal não ap1icou correctamente a lei, mais concretamente o disposto no art. 13.° da Lei n.° 83/95 de 31 de Agosto (Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular) nem no art. 234.°-A do CPC.
32. Face a tudo quanto vem alegado nas presentes conclusões e alegações do recurso, a decisão do Meritíssimo Senhor Juiz do Tribunal a quo violou a Constituição da República Portuguesa, designadamente o disposto no art. 52.° da CRP, por via dos artigos 1.° e 22.° da Lei n.° 83/95 de 31 de Agosto, assim como,
33. A decisão de que se recorre é nula e de nenhum efeito, face ao disposto nos artºs 668/1/c e d, 199.° 206/2, todos do C.P.C., e dos artºs 1.°, 2.° 12/2.° 13.° 22.° e 23.° da Lei n.° 83/95 de 31 de Agosto (Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular), pelo que a decisão de que se recorre deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos com todas as consequências até final.
A R., ora agravada contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. É valida, legal e constitucional, a decisão do Mmº. Juiz do Tribunal a quo de indeferir liminarmente a petição inicial apresentada pelo autor.
2. A pretensão individual do agravante e os factos por si articulados não consubstanciam um interesse individual homogéneo equivalente ao dos restantes consumidores do serviço nacional postal passível de ser apreciado no âmbito da Lei da Acção Popular.
3. A existência de eventual responsabilidade e dever de indemnizar resultante do alegado incumprimento contratual da agravada relativamente aos contratos celebrados com o agravante e a existência de eventual dever de indemnização dos restantes clientes da agravada que se encontrem lesados não depende de uma única questão de facto ou de direito.
4. Em caso de procedência da acção, tanto o agravante, como cada um dos clientes da agravada teriam de provar varias questões de facto e de direito relativamente à sua situação individualmente considerada.
5. São vários os requisitos exigidos pela lei para efectivação da responsabilidade contratual e verificarão do consequente dever de indemnizar.
6. Da eventual verificação de tais requisitos, porque resultantes de situações factuais distintas, nunca poderia resultar um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico para todos os utilizadores dos serviços dos C….
7. O pedido de condenação da agravada a promover e realizar as alterações necessárias e adequadas ao cumprimento do serviço postal universal com a máxima qualidade, é inconcretizável e por isso inadmissível.
8. É impossível para o julgador, e nem tal lhe é exigido ou está abrangido pelo seu poder jurisdicional, especificar quais as medidas concretas que poderão dar resposta a tal pedido.
9. Invoca o agravante, que formulou objectivamente outros pedidos, em que pede a condenação da R. a pagar uma indemnização a cada um dos seus clientes que se encontrem lesados, após simples interpelação por parte destes, quando demonstrem que houve atraso ou erro na distribuição e entrega de correspondência ou correspondência perdida ou espoliada, e na devolução das importâncias por estes pagas, nas situações em que se confirmar atraso na distribuição do correio normal e azul.
10. A responsabilidade obrigacional concretizada no dever de indemnizar depende da prévia verificação de vários requisitos, impostos pela lei, não podendo ocorrer por simples interpelação por parte dos alegados credores.
11. O autor recorreu à acção popular para camuflar uma pretensão individual, a qual é aplicável a forma de processo comum.
12. O Mmº Juiz ao decidir que não se aplica a Lei da Acção Popular aos presentes autos, não terá que aplicar o regime previsto nessa Lei para o indeferimento liminar.
Foi proferido despacho de sustentação pelo Mmo. Juiz a quo.
II.1. As questões a decidir consistem em saber se: (i) o despacho recorrido é inconstitucional e nulo, por violação do disposto no n.° 3 do artº 52.° da CRP, disposto nos artºs 668/1/c e d, 199.° 206/2, todos do C.P.C., e dos artºs 1.°, 2.° 12/2.° 13.° 22.° e 23.° da Lei n.° 83/95 de 31 de Agosto (Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular); (ii) ao ser indeferida liminarmente a petição, houve violação do disposto no art.º 13º da lei 83/95 de 31 de Agosto, por não ter sido ouvido o MP, nem procedido às averiguações que se tivessem por justificadas; (iii) em última análise, e considerando-se que a acção não deveria prosseguir como acção popular, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts.º 199.º e 206.º/2 do CPC, ao não declarar o erro na forma de processo, como se imporia, e determinado o prosseguimento daquela como acção civil comum, aproveitando-se tudo o que fosse possível.
II.2.1. Os autos permitem fixar a seguinte matéria com relevo para a decisão das questões:
1. O A. propôs a presente Acção Popular contra a R., pedindo:
a) A condenação da R. no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €10 000,00:
b) A condenação da R. no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, em valor a liquidar em execução de sentença;
c) A condenação da R. a promover e realizar as alterações necessárias e adequadas ao cumprimento do serviço postal universal com a máxima qualidade, quer no que respeita ao cumprimento de prazos acordados em convénio com o ICP-ANACOM, quer na efectiva e rigorosa entrega da correspondência nos destinatários correctos e demais obrigações decorrentes do contrato de concessão e dos serviços acessórios e complementares contratados com os clientes, designadamente, reexpedição de correspondência, apartados, etc.;
d) A condenação da R. a pagar a cada um dos seus clientes que se encontrem lesados e após simples interpelação por parte destes:
(i) Indemnização por cada dia de atraso na distribuição do correio, em violação do disposto na alínea b) da Base X do DL 448/99, de 4 de Novembro;
(ii) Indemnização a fixar, nos termos do disposto no art. 564.º do CC, a cada um dos seus clientes, remetentes ou destinatários, que demonstrem que a correspondência registada não foi entregue no destino para além do primeiro dia útil após terem sido depositadas num ponto de recepção de correio;
(iii) Indemnização a fixar, nos termos do disposto no art. 564.º do CC, a cada um dos seus clientes, remetentes ou destinatários, que demonstrem que a correspondência não foi entregue ou recebida em cumprimento do disposto no art. 23.º do DL 176/88, de 18 de Maio;
(iv) Indemnização a fixar, nos termos do disposto no art. 78.º do DL 176/88, de 18 de Maio, a cada um dos seus clientes, remetentes ou destinatários, que demonstrem que o envio ou recepção de correspondência registada tenha sido perdida, espoliada ou avariada;
(v) Indemnização a fixar, nos termos do disposto no art. 78.º do DL 176/88, de 18 de Maio, a cada um dos seus clientes, remetentes ou destinatários, que demonstrem atraso na correspondência registada para além dos limites fixados no n.º 1 do anexo ao convénio celebrado entre a R. e o ICP, publicado no DR, II Série, n.º 182, de 20 de Setembro de 2006, por via do n.º 5 do art. 8.º da Lei n.º 102/99, de 26 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 116/2003, de 12 de Junho e Base XII do DL n.º 448/99, de 4 de Novembro;
(vi) A devolver, a cada um dos seus clientes que se encontrem lesados, as importâncias por estes pagas nas situações em que se confirmar atraso na distribuição do correio normal, sempre que este atinja o seu destino para além de três dias úteis após terem sido depositadas num ponto de recepção de correio (alínea a), do n.º 1 do Anexo ao Convénio celebrado entre a Ré e o ICP, publicado no DR, II Série, n.º 182, de 20 de Setembro de 2006, por via do n.º 5 do art. 8.º da Lei n.º 102/99, de 26 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 116/2003, de 12 de Junho e Base XII do DL n.º 448/99, de 4 de Novembro);
(vii) A devolver, a cada um dos seus clientes que se encontrem lesados, as importâncias por estes pagas nas situações em que se confirmar atraso na distribuição do correio azul – Continente, sempre que este atinja o seu destino para além do primeiro dia útil, após terem sido depositadas num ponto de recepção de correio (alínea b), do n.º 1 do anexo ao convénio celebrado entre a Ré e o ICP, publicado no DR, II Série, n.º 182, de 20 de Setembro de 2006, por via do n.º 5 do art. 8.º da Lei n.º 102/99, de 26 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 116/2003, de 12 de Junho e Base XII do DL n.º 448/99, de 4 de Novembro);
(viii) A devolver, a cada um dos seus clientes que se encontrem lesados, as importâncias por estes pagas nas situações em que se confirmar atraso na distribuição do correio azul, sempre que este atinja o seu destino para além de dois dias úteis, após terem sido depositadas num ponto de recepção de correio (alínea c), do n.º 1 do anexo ao convénio celebrado entre a R. e o ICP, publicado no DR, II Série, n.º 182, de 20 de Setembro de 2006, por via do n.º 5 do art. 8.º da Lei n.º 102/99, de 26 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 116/2003, de 12 de Junho e Base XII do DL n.º 448/99, de 4 de Novembro);
2. A R. foi citada oficiosamente pela secção do Tribunal a quo, tendo contestado e pedido, em síntese, que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 13.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, dando-se assim vista ao MP para apreciação da admissibilidade da presente acção ou, caso assim se não entendesse, que lhe fosse prorrogado o prazo para a apresentação da contestação, por tempo não inferior a trinta dias, nos termos do art. 486.º n.º 5, do CPC.
3. Em 17 de Setembro de 2007, o Mmo. Juiz a quo proferiu despacho anulando a citação da R., o qual transitou em julgado.
4. Também em 17 de Setembro de 2007, o Mmo Juiz a quo proferiu despacho que indeferiu liminarmente a petição, considerando que o meio próprio para o ora agravante fazer valer os seus interesses é a acção comum e não a acção popular.
5. Na sequência, o ora agravante veio pedir a reforma do despacho e, caso tal não se verificasse, interpor recurso de agravo do mesmo.
6. Em 17 de Outubro de 2007, o Mmo. Juiz a quo proferiu despacho indeferindo o pedido de reforma.
7. Também em 17 de Outubro de 2007, o Mmo. Juiz a quo proferiu o despacho de admissão do recurso de agravo.
8. Em 06 de Março de 2008, o Mmo. Juiz a quo proferiu despacho de sustentação do despacho recorrido.
II.2.2. Apreciando:
II.2.2.1. Quanto à questão de saber se o despacho recorrido é inconstitucional e nulo, por violação do disposto no n.° 3 do artº 52.° da CRP, disposto nos artºs 668/1/c e d, 199.° 206/2, todos do C.P.C., e dos artºs 1.°, 2.° 12/2.° 13.° 22.° e 23.° da Lei n.° 83/95 de 31 de Agosto (Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular).
Nas suas alegações o recorrente entende que o despacho ora recorrido é inconstitucional, uma vez que, ao contrário do que nele é sustentado, a presente acção reveste todas as características de uma acção popular, uma vez que os direitos em causa dizem respeito não apenas ao ora recorrente, mas também a toda a universalidade de consumidores dos serviços prestados pelos C…, visando-se, mais do que a condenação, a promoção de acções adequadas a que se preste um verdadeiro serviço postal de qualidade. Além disso, acrescenta, estão em causa interesses individuais homogéneos, os quais apresentando uma origem comum, e estando dependentes de uma única questão de facto ou direito, pedem para todos eles um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico, sendo a acção popular a sede própria para se peticionar uma indemnização que seja também a expressão do dano colectivo causado pela deficiente actuação da R..
Já no que toca à nulidade, a mesma decorreria da violação no disposto nas alíneas c) e d) do art.º 668.º do CPC, ou seja, os fundamentos invocados no despacho ora sob recurso, estariam em oposição com a própria decisão em si. Além disso, o Mm.º Juiz a quo teria deixado de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado: (i) por um lado, não teria tido em conta que a presente acção visava não apenas o ressarcimento de um incumprimento contratual, mas também a apreciação e decisão sobre questões de interesse geral comuns a todos os consumidores, incluindo o próprio recorrente e (ii), por outro, teria reconhecido que, afinal, o pedido feito se encontraria substanciado no objecto de uma acção popular, designadamente na parte em que se pretendia que a R. cumprisse o serviço postal com a máxima qualidade.
Salvo melhor opinião, entendemos que o recorrente não tem razão.
Como é sabido, no domínio dos Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Politica, consagra-se na Constituição da República Portuguesa, mais propriamente no seu art.º 52.°, o Direito de Acção Popular, nomeadamente para promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural, ou ainda para assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.
Este direito de acção popular foi regulamentado posteriormente pela Lei nº 83/95, de 3l de Agosto (Lei do Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular, também designada por LAP), conforme imposição do n.º 3 do art.º 52.º da CRP.
Nessa lei, e nos termos do disposto no seu art.º 1.º, n.º 2, são interesses protegidos, entre outros, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público, sendo titulares do direito de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e associações e fundações defensoras desses interesses, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda (art.º 2.º, n.º 1, da LAP). A acção popular civil pode a revestir qualquer das formas previstas no CPC (art.º 12.º, n.º 2, da LAP), e representando o autor desses processos, por iniciativa própria e com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão (art.º 14.º, da LAP).
Pode, assim, dizer-se que o direito de acção popular constitui um meio de participação do cidadão na condução politica do Estado, um instituto de democracia directa, para além de um direito político fundamental, tendo em vista a realização de interesses meta-individuais, ou seja, que não apresentem uma relação identificável e imediata com um individuo, desenquadrado da sua inserção comunitária[1].
A acção popular ocupa-se, prima facie, dos chamados interesses difusos, ou seja, da refracção, em cada indivíduo, de interesses comunitários da comunidade, global e complexivamente considerada, ou, dito de outra maneira, daqueles interesses que pertencem a todos os indivíduos ou a, pelo menos, a um grupo alargado de indivíduos que se encontram numa situação de contitularidade de um bem decorrente de serem membros de uma mesma comunidade[2], traduzindo-se a tutela de tais interesses difusos no reconhecimento aos cidadãos uti cives e não uti singuli, do direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses.
Contudo, e para além dos interesses difusos, tem-se sustentado que caem também no âmbito da acção popular outros interesses, como os denominados interesses individuais homogéneos, que dizem respeito a todos aqueles casos em que os membros da classe são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma única questão de facto ou de direito, pedindo-se para todos eles um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico[3].
Tais interesses individuais homogéneos caracterizam-se, assim, por não ser possível a apropriação individual exclusiva do bem. Assim, e a título de exemplo, o direito dos consumidores a não pagar a taxa de activação da PT corresponde a um interesse individual (dos consumidores) homogéneo (idêntico e similar a todos eles), ao passo que o direito à qualidade de vida, à saúde pública e ao ambiente são, por natureza, interesses difusos.
De qualquer forma, e tal como se sublinha no Ac. do STJ de 20.10.2005 (CJ- STJ, Tomo III/2005, Coimbra, pp. 82-86), a acção popular pode ser intentada por um qualquer cidadão, ou por pessoas com interesses individuais homogéneos, invocando ou não o interesse público, mas terá de ser sempre uma acção em defesa de um interesse público geral e dos direitos subjectivos nesses direitos incluídos. Não é, portanto, qualquer interesse meramente individual e egoístico que pode estar na base de uma acção popular, tanto mais que, muito embora a lei atribua legitimidade processual a qualquer pessoa singular para intentar tal acção popular, os direitos que se pretende ver tutelados deverão ter um carácter comunitário, ou seja, um valor pluri-subjectivo e os interesses subjacentes devem assumir um cunho meta-individual.
Ora, em face de tudo isto, afigura-se-nos que a acção posta pelo ora recorrente não reveste, as características de uma acção popular, face à manifesta generalização e inconcretização de tais interesses, por um lado, de que é exemplo marcante o pedido feito no ponto 435 da PI (ou seja, de condenação da R. em promover e realizar alterações necessárias e adequadas ao cumprimento de um serviço postal universal com a máxima qualidade), e por outro, da manifesta improbabilidade da procedência dos pedidos feitos nos pontos 436 a 444 da PI, já que todos eles dizem respeito a situações individuais, relativas a cada utente efectivamente lesado, e que terão, naturalmente, de obedecer aos vários requisitos exigidos pela lei para efectivação da responsabilidade contratual e da verificação do consequente dever de indemnizar (como seja: a existência de acto ilícito, de culpa, de prejuízo, etc., etc.), não bastando a simples interpelação.
Assim, não estamos perante uma única questão de facto ou de direito, mas antes, em face de várias e inúmeras situações, que diferem de consumidor para consumidor e que, obviamente, não podem conduzir a um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico para todos eles, porquanto resultam de situações factuais distintas.
Temos assim, por um lado, o interesse individual do agravante que se considera lesado pelo alegado mau serviço da R. e, por outro, os interesses individuais de cada um dos eventuais lesados também utentes daquela, não havendo, pois, que falar, aqui, em qualquer homogeneidade entre ambos, já para não falar da generalização abstracta e, mais do que isso, inconcretizável, do pedido de promoção e realização já referido.
Por fim, deve dizer-se que “caindo” os pedidos feitos nos pontos 434 a 444 da PI, não faria qualquer sentido, falar-se ainda de “acção popular”, relativamente aos pedidos que restavam, e que dizem apenas respeito ao próprio agravante.
Assim sendo, o despacho recorrido não enferma da inconstitucionalidade suscitada pelo agravante.
E nem tão pouco da nulidade também pelo mesmo invocada, já que o Mm.º Juiz a quo julgou correctamente a situação, não deixando de se pronunciar, embora sumariamente, é certo, sobre os vários pedidos feitos pelo ora agravante, ao considerar não haver interesses individuais homogéneos relativos ao autor e aos demais clientes da R., relativamente às alegadas infracções aos direitos dos consumidores, não se esquecendo, assim, dessas questões. Por outro lado, e atento todo o conteúdo do despacho sob recurso, e designadamente, do parágrafo constante de fls. 463, verso, não parece fazer sentido a interpretação segundo a qual o Mm.º Juiz a quo acabou por reconhecer que o pedido feito no ponto 435 da PI não seria, afinal, genérico e caberia, assim, no âmbito de uma acção popular.
Em suma, não existe qualquer violação do disposto no art.º 668.º do CPC.
II.2.2.2. Quanto à questão de saber se o indeferimento liminar da petição foi feito com violação do disposto no art.º 13º da lei 83/95 de 31 de Agosto, por não ter sido ouvido o MP, nem procedido às averiguações que se tivessem por justificadas.
Face ao que atrás ficou dito sobre a questão anterior, facilmente se conclui que não tem se verifica a alegada violação do dispositivo legal em causa.
Na verdade, o mesmo refere-se única e exclusivamente a uma situação de verdadeira acção popular, não sendo possível retirar-se outro sentido. Ou seja, tratando-se de um caso efectivo de acção popular é possível, em determinadas circunstâncias (manifesta improbabilidade da procedência do pedido), indeferir-se liminarmente a petição inicial, tendo, aí sim, de ouvir-se o MP e proceder preliminarmente às averiguações que o julgador tenha por justificadas.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal a quo entendeu – e bem – que o processo sub judice não configurava uma acção popular, pelo que, muito naturalmente, não tinha que dar cumprimento ao disposto no art.º 13.º da LAP.
Não existe, pois, a alegada violação.
II.2.2.3. Quanto à questão de se saber se, em última análise - e considerando-se que a acção não deveria prosseguir como acção popular - violou o Tribunal a quo o disposto nos arts.º 199.º e 206.º/2 do CPC, ao não declarar o erro na forma de processo, como se imporia, determinando o prosseguimento daquela como acção civil comum, aproveitando-se tudo o que fosse possível (o que se interpreta como pretensão subsidiária em fase de recurso).
Em todo o caso, e seguindo a posição evidenciada – embora sem conceder - pelo recorrente nas suas alegações (cls. 23 a 25), entende-se que neste particular lhe assiste razão.
Na verdade, uma vez que o Tribunal a quo considerou que não nos encontramos perante uma acção popular, mas antes perante uma acção civil comum, deveria ter, perante o erro na forma do processo, mandado seguir a forma correcta[4].
Com efeito, o erro na forma do processo, segundo o artigo 199º do CPC, importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
É que o despacho de indeferimento liminar da petição inicial, passou a ser conferido só a certos casos excepcionais e extremos como é referido no Ac. RL., de 01.03.2001[5] - onde se diz: A rejeição liminar da petição inicial só em casos extremos, em que a inviabilidade da acção é de uma evidência irrecusável, deve ter lugar - e no artigo 234-A do CPC. Perante este normativo só admite o indeferimento liminar nos casos previstos nas alíneas a) a e) que, como especifica Ana Prata[6] são: situações em que a citação depende de prévio despacho judicial, que são os casos especialmente previstos na lei, os procedimentos cautelares e os casos em que incumba ao juiz decidir da prévia audiência do requerido. E continua: nos casos em que a propositura da acção deva ser anunciada, nos termos da lei (…), quando se trate de citar terceiros chamados a intervir em causas pendentes e, no processo executivo, pode o juiz, em vez de ordenar a citação, indeferir liminarmente a petição. Assim será quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
Da nulidade decorrente do erro na forma do processo, o Tribunal conhece oficiosamente (artº 202º CPC).
Por isso, não seria caso de indeferimento
III. Nesta conformidade, de harmonia com as disposições legais citadas concede-se provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido e, consequentemente, determina-se a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento sob a forma processual comum, devendo, contudo, o A. apresentar nova P.I. reformulada, nos termos supra indicados.
Custas pelo vencido a final.
[1] Sérgio Nuno Marques Antunes, O Direito de Acção Popular no Contencioso Administrativo Português, Lex, 1997, p.41. [2] Também se podem definir tais interesses difusos como aqueles que correspondem a interesses juridicamente reconhecidos e tutelados, cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo, mas não são susceptíveis de apropriação individual por qualquer um desses membros – são simultaneamente interesses não públicos, não colectivos e não individuais (v. Ac. STJ, de 23.09.98, Proc. n.º 200/98, 1ª Secção, sendo Relator o Conselheiro Garcia Marques). [3] Ada Pellegrini Grinover, Revista Portuguesa de Direito de Consumo, n.º 5, Janeiro, 1996, p. 10, aliás referenciada no Ac. STJ de 23.09.97, BMJ, 469.º, p. 432. [4] Neste sentido. vg. o Ac. RP, de 03.04.2004, Rel Gonçalo Silvano [5] Pn: 0056172, Rel. Freitas Carvalho, in www.dgsi.pt. [6]Dicionário Jurídico pág. 629.