Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INCIDENTE INOMINADO
INCIDENTE TRIBUTÁVEL
Sumário
I - Os magistrados e os advogados estão obrigados, estatutariamente, a se dirigirem, mutuamente, com urbanidade. II - Embora não seja a maneira mais curial de interpor recurso, não se pode dizer que, as alegações em causa, são susceptíveis de configurar um incidente processual nos termos definidos no artº448º nº2 do CPC, desde logo, porque tal requerimento teve utilidade manifesta e reconhecida: a interposição de recurso duma decisão da qual o recorrente discordava. V – Por outro lado e como se verificou, tais alegações/expressões podem dar origem a uma queixa - crime (o que aconteceu, cabendo aos Tribunais a última palavra sobre este particular), mas já não um incidente processual, como erradamente se julgou (vide nova redacção do artº154º do CPC). A.H.
Texto Integral
ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
C, LDA, sociedade comercial por quotas com sede na freguesia de Pinheiro, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra,
G, SA, sociedade comercial anónima, com sede em Mem Martins, pedindo que: - A Ré seja condenada, a pagar à A., a quantia de €17.080,57, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 12%, contados, desde 1 de Janeiro até efectivo e integral pagamento.
A ré contestou, excepcionando a incompetência relatava do tribunal, julgada procedente no Tribunal de Guimarães/Varas Mistas, tendo sido remetido o processo para o Tribunal de Sintra/Varas Mistas e, impugnou os factos alegados pela autora.
Foi proferido despacho saneador, em que foram elencados os factos assentes e elaborada a base instrutória, não sujeita a reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi dada resposta à factualidade ainda controvertida.
Foi proferida sentença – parte decisória -: “-…- Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno a ré a pagar à autora a quantia de €6.040,87 (seis mil e quarenta euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida dos juros legais contados à taxa legal de 9% ou outras que vierem a vigorar, desde 20 de Janeiro de 2004, até integral pagamento. Custas a cargo da autora e ré, na proporção do respectivo decaimento, que desde já fixo em 1/3 para a autora e 2/3 para a ré. -…-”
Na sequência da discordância da ré, relativamente, à quantificação das custas estipuladas pelo Tribunal a quo, formulou esta parte, o seguinte, requerimento:
“-…-
I - Em nome da sua constituinte, consignar que, não sendo possível o recurso da decisão, que uma vez mais a condenou em custas, por ora dispensa-se de comentar as considerações nela expendidas, sem prejuízo de o vir a fazer em sede própria, convicta de que está a ser vítima de um grave erro judiciário, se não mesmo de um caso de denegação de justiça.
II - Em seu próprio nome:
1. O signatário não se conforma com a decisão que não só o condenou em custas num alegado incidente que não requereu nem suscitou, mas sobretudo porque, numa afronta sem precedentes ao exercido do seu direito profissional de advogado, além de lhe perverter o sentido do requerimento, declarou não escritas umas quantas expressões.
Efectivamente, sem prejuízo das alegações que irão ser produzidas oportunamente e do direito de participação crime por eventual denúncia caluniosa, adianta desde já, que o “incidente do dever de correcção imputado ao signatário” é uma ficção, tendo em consideração:
a) - Que o único incidente suscitado pelo signatário (arguição de nulidade por falta de fundamentação) foi feito em nome da sua constituinte, que acabaria, uma vez mais, condenada em custas, por forma injusta, como a seu tempo se procurará demonstrar;
b) - Nos termos do artº448° nº2 do CPC, “Devem reputar-se supérfluos os actos e incidentes desnecessários para a declaração ou defesa do direito. As custas destes actos ficam à conta de quem os requereu”:
c) - Ora se a constituinte do signatário, por responsabilidade deste, requereu o que não devia por má fé, por certo que, o instrumento processual mais adequado para sancionar tal conduta, seria o previsto nos art°s456º a 459° do CPC - litigando de má fé;
d) - O que é inadmissível é alguém, arrogar-se vítima, acusador e julgador do comportamento de terceiro, a quem não se da o direito de defesa e condená-lo em custas (ou deveria chamar-se-lhe multa?), não tendo para tanto legitimidade, porque cometida a outrem, o A. (art°s208° da C.P., 66° nº2 e 114° nº1 e nº3, alínea b), da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, 40° nº3 e 48º C, alínea a) do EOA. - DL 84/84 de 16/03);
e) - Como inadmissível é pressupor ofensivas e injuriosas expressões como “porventura arbitrária, prepotente e imprópria de alguém a quem incube a função jurisdicional”, proferidas no âmbito de uma censura seguramente técnica a um despacho não fundamentado (e daí a reclamação por nulidade, por dele não caber recurso). Despacho de resto, já precedido de outro igualmente não fundamentado, sendo certo que, no contexto em que tais expressões foram proferidas (para quem tenha o dever de conhecer medianamente a língua portuguesa), só poderão ser entendidas como; arbitrário = a não fundamentado, não justificado (Dic. Ling. Portuguesa Contemporânea, AC Ciências de Lisboa, Verbo, Vol. I, pag.323 – 1ª coluna, 1ª acepção; Prepotente = a uso incorrecto do poder (Ob. citada, Vol. II, pág.2947, 2ª coluna, 1ª acepção); Eloquente - porque esclarecedor (Ob. citada, Vol. I, pág. 1350, 2ª Coluna, 3ª acepção), quanto à falta de fundamentação; Peregrina - porque estranha e alheia ao assunto (Ob. citada Vol. II, pag.2823, 1ª coluna, 5ª acepção) face ao disposto no artº158º nº1 do CPC e à dúvida suscitada.
Acresce, além disso, que tal adjectivação nem sequer é assertiva, porque precedida do advérbio porventura, que inculca o sentido de dúvida ou eventualidade.
f) - Nunca se deve esquecer que o advogado, a par com o dever recíproco de correcção e urbanidade, tem também o dever deontológico de:
- Combater as arbitrariedades de que tiver conhecimento no exercício da profissão (78º alínea e) do EOA.);
- Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade (artº83º nº1, alínea d) do EOA.);
g) - Sendo ao advogado, lícito “o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa” (artº154° nº3 do CPC).
Corno de resto é reconhecido pela jurisprudência da. O.A. e dos nossos tribunais:
- “Está o advogado autorizado ao emprego de expressões mais ou menos enérgicas, veementes, vibrantes, consoante a natureza do assunto e o temperamento emocional de quem as subscreve” (Ac. do CS, 11/03/65, R0A 25 - 262);
- “O advogado não poderia desempenhar com notoriedade e elevação a sua alta missão de defensor do direito e da justiça, se a linguagem deixasse forçosamente de ser enérgica e veemente para ser só timidez e cheia de respostas humilhantes” (Ac. STJ, 18/12/71 Gazeta de R. Lx, 31, 286);
- “Não queiramos nunca nesta terra uma advocacia subserviente e tímida ante o atropelo da lei, ou prepotência dos que têm o dever de a aplicar” (Ac. STJ, 25/3/62, in Alfredo Gaspar - ROA.),
2 - E, não se conformando com a referida decisão, dela pretende recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, seja porque está em tempo (artº685°); porque tem legitimidade (680º nº2) e a decisão é recorrível, atento o disposto no artº678º nº1 “in fine”, todos do CPC.
- Recorrível, porque o valor da causa o admite e, não se mostrando fixado qualquer valor ao incidente, deverá valor da causa (artº313º CPC), sendo que no caso o valor da sucumbência (coarctação da liberdade de expressão), não tem preço, devendo-se aplicar, à falta de melhor, o disposto no artº312° do CPC e, porventura, no artº154° nº6 do CPC.
Nesta conformidade, digne-se V. Exa considerar interposto tal recurso que é de agravo, com subida imediata e, salvo melhor opinião, em separado (artº737° CPC).
-…-”
Sobre este requerimento recaiu, o seguinte, despacho:
“-…- Vem o ilustre mandatário da ré, em requerimento que apresentou com registo de entrada na secretaria deste tribunal a 18/05/07, comentar a decisão proferida a 03/05/07 e que ficou junta a fls. 127 e seguintes.
Nesse requerimento o Ilustre mandatário comenta e emite a sua opinião sobre a referida decisão “sem prejuízo das alegações que irão ser produzidas oportunamente” conforme o próprio afirma.
Isto é, todo o requerimento, à excepção da parte final em parágrafo numerado com o número 2, em que declara interpor recurso da decisão, é um simples comentário à decisão.
Contudo, como é sabido, as decisões judiciais não são passíveis de comentário pelas partes no próprio processo e instância em que são proferidas,
As partes acatam a decisão ou, nos casos e termos da lei, dela interpõem o competente recurso ou ainda, também nos casos legalmente previstos poderão arguir alguma nulidade que julguem ter sido cometida e que nesse caso será também objecto de apreciação e decisão na mesma instância que proferiu a decisão.
O que não podem, as partes ou seus Ilustres mandatários, em absoluto, é dirigir-se ao tribunal com o simples objectivo de comentar a decisão proferida, sem quaisquer consequências processuais que não seja a de tentar manter um diálogo estéril com o tribunal por não terem concordado com a decisão.
Tal comportamento, da ré e do seu Ilustre mandatário, Senhor Dr. M é, pois, mais uma vez, anómalo ao desenrolar da lide, que aliás se encontra finda, pelo que não será permitido nem mantido no processo.
No entanto, não se desentranhará o requerimento em causa visto que a sua parte final contém a interposição de um recurso, única questão relevante e que deverá ser no âmbito deste processo apreciada.
Nestes termos, declaro não escrito o requerimento de fls. 145 a 148, nos seus pontos I, II - 1, alíneas a) a g).
Anote no lugar próprio.
Custas deste incidente a cargo da ré e do seu ilustre mandatário - que declara expressamente manifestar-se em seu nome próprio (no ponto II) - com taxa de justiça que fixo em quatro unidades de conta, sendo uma unidade de conta, a cargo da ré e três unidades de contas, a cargo do Senhor Advogado. -…-
Embora com dúvidas sobre a admissibilidade do recurso, nos termos do disposto, na parte final, do nº1, do artº678º do CPC, decido admitir o recurso interposto, sendo certo que, o Tribunal Superior, no seu mais alto critério, sempre poderá, caso o entenda, corrigir, nos termos do disposto no artº700º do CPC, a presente decisão.
Assim, o recurso é de agravo, tem subida imediata, em separado e efeito devolutivo – artºs.733º, 734º nº1, alínea d), 737º nº1 e 740° “a contrario”, todos do CPC.
-…-”
O recurso agora em apreço tem a ver com, aquela parte da decisão complexa acima enunciada, que:
“-…- Declarou não escrito o requerimento de fls. 145 a 148, nos seus pontos I, II - 1, alíneas a) a g) e, condenou (por custas deste incidente), a ré e o se Ilustre advogado na taxa de justiça fixada em quatro unidades de conta, sendo uma unidade de conta, a cargo da ré e três unidades de contas, a cargo do Senhor Advogado. -…-”
Tal recurso foi admitido, na sequência da reclamação deferida pela Ex.ma Vice-Presidente desta Relação de Lisboa (fls.28 e 29).
O recorrente fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
l - O ora recorrente, na qualidade de advogado da ré interveio numa acção com processo ordinário, que a autora lhe moveu para pagamento da quantia de €17.080,57 acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa anual de 12%.
2 - A acção veio, a final, a ser julgada parcialmente procedente., condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de €6.040,87 acrescida de juros contados à taxa legal de 4%, desde Janeiro de 2004 - ou seja, aproximadamente, a parte do pedido que a ré aceitou dever à autora;
3 - Na sentença foi ainda determinado: “custas a cargo da autora e ré, na proporção do respectivo decaimento, que desde já fixo em 1/3 para a autora e 2/3 para a ré”.
4 - O recorrente, dada a evidência de erro material na sentença em relação às custas, requereu, em nome da sua constituinte, a rectificação do mesmo ao abrigo do disposto no artº667° nº1 do CPC.
5 - Ao que o Sr. Juiz, por despacho datado de 05/0312007, respondeu: “Não há qualquer lapso quanto a custas”.
6 - O recorrente, não conformado, em nome e no interesse da sua constituinte, requereu, oportunamente, ao Senhor Juiz que, a não haver erro material que devesse ser rectificado, se dignasse esclarecer e reformar a sentença, relativamente, a custas, por a mesma conter duas proposições contraditórias, sendo certo que, a ré decaiu na acção apenas em cerca de 1/3 do pedido.
7 - Uma vez mais a resposta do Sr. Juiz, para além de seca, foi impiedosa: “-…- não há lapso da sentença quanto a custas. Igualmente, não há qualquer contradição, esclarecimento ou omissão que deva ser suprida. Pelo exposto indefiro a requerida reforma. Custas do incidente a cargo da ré/requerente com taxa de justiça que fixo em duas unidades de conta.”
8 - Na impossibilidade legal de recorrer e perante uma decisão injustificada e injusta, o recorrente, sempre em nome da sua constituinte, arguiu a nulidade do despacho por falta de fundamentação nos termos dos art°s668° nº1, alínea h) e 670º nº3, ambos do CPC.
9 – Ao que, o Sr. juiz, conhecendo da nulidade, por tempestivamente arguida, acabou por julgá-la improcedente e além do mais condenar, pessoalmente, o ora recorrente e uma vez mais, a ré em custas do incidente, por alegadamente os despachos anteriores terem sido suficientemente esclarecedores e fundamentados, dizendo, “não se vislumbrando a necessidade de outra mais extensa fundamentação”.
10 - O ora recorrente, não conformado, em nome pessoal, interpôs recurso desse despacho conforme documento 9 anexo.
11 - Apesar da admissão do recurso, o Sr. Juiz ao mesmo tempo que admitiu o recurso, por despacho de 12/06/07, declarou não escritas as expressões e considerações que justificavam a interposição do recurso, e, considerando-as anómalas, condenou o ora recorrente em 3 UCs, sem qualquer justificação ou referência explicita ao disposto nos artºs448° nº2 do CPC e 16º nº1 do CCJ.
12 – É, desse outro despacho que vem interposto o presente recurso de agravo cuja admissão teve de ser ordenada pela Sra. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
13 – Isto porque, o dito despacho ora recorrido, além de não ter suporte legal, seja quanto à supressão das expressões e considerações produzidas no requerimento, seja quanto à condenação em custas, constitui uma afronta à liberdade de expressão do recorrente enquanto cidadão e profissional do foro.
14 - Salvo melhor entendimento, além do disposto nos art°s205° da Constituição da República, 158° e 448° nº2 do CPC e 16° nº1 do CCJ, o despacho recorrido viola, ostensivamente, o disposto nos art°s37º n°s1 e 2 e 208° da CR, conjugado com o disposto nos art°s60º nº2 e 114º nº1 e nº3 alínea b) da Lei 105/2003, de 10/12 e art°s64º, 75° e 84° do EOA / Lei 15/2005 de 26/01. Conclui pela revogação do referido despacho, declarando-se sem efeito, a referida condenação em custas e a supressão das expressões visadas no despacho recorrido relativamente ao Ponto II, 1 alíneas a) a g) do requerimento de fls.145 a 148, como é de JUSTIÇA.
O Tribunal recorrido manteve a decisão objecto de recurso.
O Ex.mos Adjuntos dispensaram os respectivos vistos.
APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum: O presente recurso, em função das respectivas conclusões, circunscreve-se, a aferir da bondade do despacho em que (segundo o recorrente): - Apesar da admissão do recurso, o Sr. Juiz, ao mesmo tempo que admitiu o recurso, declarou não escritas as expressões e considerações que justificavam a interposição do recurso e, considerando-as anómalas, condenou o ora recorrente em custas.
A) - Os factos a ponderar neste recurso, são os que resultam do relatório que antecede.
B) - O Direito.
Segundo o recorrente não podia o Mº Juiz a quo ordenar a supressão das expressões e considerações produzidas no requerimento, nem considerar que tal conduta do mesmo recorrente (Ilustre mandatário judicial da ré) configura um incidente que deve ser tributado.
Para o recorrente, a decisão em causa constitui sim “uma afronta à liberdade de expressão do recorrente enquanto cidadão e profissional do foro.”
As expressões em discussão são, em especial, as que se seguem:
“-…- - Que o único incidente suscitado pelo signatário (arguição de nulidade por falta de fundamentação) foi feito em nome da sua constituinte, que acabaria, uma vez mais, condenada em custas, por forma injusta, como a seu tempo se procurará demonstrar; - Nos termos do artº448° nº2 do CPC, “Devem reputar-se supérfluos os actos e incidentes desnecessários para a declaração ou defesa do direito. As custas destes actos ficam à conta de quem os requereu”; - Ora se a constituinte do signatário, por responsabilidade deste, requereu o que não devia por má fé, por certo que, o instrumento processual mais adequado para sancionar tal conduta, seria o previsto nos art°s456º a 459° do CPC - litigando de má fé; - O que é inadmissível é alguém, arrogar-se vítima, acusador e julgador do comportamento de terceiro, a quem não se da o direito de defesa e condená-lo em custas (ou deveria chamar-se-lhe multa?), não tendo para tanto legitimidade, porque cometida a outrem, o A. (art°s208° da C.P., 66° nº2 e 114° nº1 e nº3, alínea b), da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, 40° nº3 e 48º C, alínea a) do EOA. - DL 84/84 de 16/03); - Como inadmissível é pressupor ofensivas e injuriosas expressões como “porventura arbitrária, prepotente e imprópria de alguém a quem incumbe a função jurisdicional”, proferidas no âmbito de uma censura seguramente técnica a um despacho não fundamentado (e daí a reclamação por nulidade, por dele não caber recurso). Despacho de resto, já precedido de outro igualmente não fundamentado, sendo certo que, no contexto em que tais expressões foram proferidas (para quem tenha o dever de conhecer medianamente a língua portuguesa), só poderão ser entendidas como; arbitrário = a não fundamentado, não justificado (Dic. Ling. Portuguesa Contemporânea, AC Ciências de Lisboa, Verbo, Vol. I, pag.323 – 1ª coluna, 1ª acepção; Prepotente = a uso incorrecto do poder (Ob. citada, Vol. II, pág.2947, 2ª coluna, 1ª acepção); Eloquente - porque esclarecedor (Ob. citada, Vol. I, pág. 1350, 2ª Coluna, 3ª acepção), quanto à falta de fundamentação; Peregrina - porque estranha e alheia ao assunto (Ob. citada Vol. II, pag.2823, 1ª coluna, 5ª acepção) face ao disposto no artº158º nº1 do CPC e à dúvida suscitada;
-…-.”
O Mº Juiz que proferiu a decisão recorrida, fundamentou a mesma – na parte que interessa a este recurso - desta maneira:
“-…- Nesse requerimento o Ilustre mandatário comenta e emite a sua opinião sobre a referida decisão “sem prejuízo das alegações que irão ser produzidas oportunamente” conforme o próprio afirma.
Isto é, todo o requerimento, à excepção da parte final em parágrafo numerado com o número 2, em que declara interpor recurso da decisão, é um simples comentário à decisão.
Contudo, como é sabido, as decisões judiciais não são passíveis de comentário pelas partes no próprio processo e instância em que são proferidas,
As partes acatam a decisão ou, nos casos e termos da lei, dela interpõem o competente recurso ou ainda, também nos casos legalmente previstos poderão arguir alguma nulidade que julguem ter sido cometida e que nesse caso será também objecto de apreciação e decisão na mesma instância que proferiu a decisão.
O que não podem, as partes ou seus Ilustres mandatários, em absoluto, é dirigir-se ao tribunal com o simples objectivo de comentar a decisão proferida, sem quaisquer consequências processuais que não seja a de tentar manter um diálogo estéril com o tribunal por não terem concordado com a decisão.
Tal comportamento, da ré e do seu Ilustre mandatário, Senhor Dr. Manuel Leitão Romeiro é, pois, mais uma vez, anómalo ao desenrolar da lide, que aliás se encontra finda, pelo que não será permitido nem mantido no processo.
No entanto, não se desentranhará o requerimento em causa visto que a sua parte final contém a interposição de um recurso, única questão relevante e que deverá ser no âmbito deste processo apreciada.
Nestes termos, declaro não escrito o requerimento de fls. 145 a 148, nos seus pontos I, II - 1, alíneas a) a g).
-…-”
Quid juris?
Como se constata, do teor da decisão supra relatada, o que está aqui em análise e sobre o qual este Tribunal de recurso se tem de pronunciar, não é se o alegado pelo Ilustre mandatário do R. (em seu nome e da parte que representa como fez questão de esclarecer) ofendeu - ou não - a honra pessoal do Mº Juiz a que se dirigiu, mas sim, se “as decisões não são passíveis de comentário pelas partes no próprio processo e instância em que são proferidas.”
Esclareça-se que, quanto ao facto de algumas expressões usadas pelo Ilustre mandatário da R. poderem – ou não – integrar um crime de injúria agravada (artºs181º nº1 e 184º do CP, com referência ao artº132º nº2 j), todos do CP), já foi proferido despacho de não pronúncia, pelo Tribunal de Sintra (1º Juízo Criminal) – doc. de fls.64 a 77 -.
Limitemo-nos pois, a aquilatar do âmbito de quaisquer alegações em geral e da que está em análise em particular, no que ao seu conteúdo diz respeito.
No entendimento expresso no despacho objecto de recurso, “não podem, as partes ou seus Ilustres mandatários, em absoluto, dirigir-se ao tribunal com o simples objectivo de comentar a decisão proferida, sem quaisquer consequências processuais que não seja a de tentar manter um diálogo estéril com o tribunal, por não terem concordado com a decisão.”
Sabemos que, quer os magistrados quer os advogados estão obrigados, estatutariamente, a se dirigirem, mutuamente, com urbanidade.
Também é verdade que, “iniciada a instância, cumpre ao Juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo, oficiosamente, as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção recusando o que for impertinente ou meramente dilatório” (artº265º nº1 CPC).
Este poder de direcção do processo atribuído ao Juiz visa evitar diligências dilatórias ou determinar a realização de actos susceptíveis de contribuir para a descoberta da verdade material.
In casu, não está em causa o desiderato pretendido pelo R. e seu mandatário constituído nos autos (interpor recurso duma outra decisão do mesmo Tribunal recorrido) mas o “comentário” introdutório desse mesmo requerimento.
Embora não seja a maneira mais curial de interpor recurso, não se pode dizer que, as alegações em causa, são susceptíveis de configurar um incidente processual nos termos definidos no artº448º nº2 do CPC, desde logo, porque tal requerimento teve utilidade manifesta e reconhecida: a interposição de recurso duma decisão da qual o recorrente discordava.
Quanto às expressões utilizadas pelo mandatário judicial da Ré, como se realçou, podiam, como aconteceu, ser consideradas ofensivas da honra e consideração do decisor (o que motivou a respectiva queixa crime, cabendo aos Tribunais a última palavra sobre este particular), mas já não um incidente processual, como erradamente se julgou.
E, é só a esta luz que, como se frisou, nos temos que pronunciar, sendo certo ainda que, o artº154º do CPC correspondendo, no essencial, ao preceituado nos artºs154º e 155º do CPC, na redacção anterior à recente reforma desse diploma legal, regista a inovação de se haver eliminado a possibilidade de “mandar riscar quaisquer expressões ofensivas” – vide, Comentários ao Código Processo Civil de, Carlos F. de Oliveira Lopes do Rego, Almedina, pag.130 -.
DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação, acordam, em dar provimento ao recurso e, consequentemente, revogam decisão recorrida(que declarou não escrito o requerimento de fls. 145 a 148, nos seus pontos I, II - 1, alíneas a) a g) e, condenou (por custas deste incidente), a ré e o se Ilustre advogado na taxa de justiça fixada em quatro unidades de conta, sendo uma unidade de conta, a cargo da ré e três unidades de contas, a cargo do Senhor Advogado).
Sem custas.
Lisboa, 17.6.2008
Afonso Henrique Ferreira
Rui Torres Vouga (com voto de vencido)
Maria do Rosário Barbosa
____________________________
Voto de vencido:
Vencido porquanto embora subscreva a doutrina que fez vencimento no acórdão, segundo a qual deixou de ser legalmente possível, face à nova redacção dada ao art. 154º do CPC mandar-se riscar – ou considerar não escrito – qualquer parte duma peça processual, por muito descabidas e despropositadas que sejam as afirmações delas constantes, não acompanho o aresto, na parte em que o mesmo considera que um caso como o dos autos – em que a parte aproveita o requerimento de interposição de recurso para manifestamente a destempo, apresentar desde logo o conteúdo das suas alegações de recurso – não constitui um incidente de carácter anómalo, para efeitos de tributação em sede de custas, o que tanto bastaria para manter a decisão recorrida, no segmento em que condenou o agravante nas custas do incidente de carácter anómalo a que deu causa, ao alegar antes de tempo, no próprio requerimento de interposição de recurso.