SOCIEDADE COMERCIAL
DELIBERAÇÃO SOCIAL
ANULAÇÃO
QUOTA INDIVISA
REPRESENTAÇÃO
EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
Sumário

1- Falecendo um dos sócios na sociedade comercial por quotas, e inexistindo no contrato social impedimento no sentido da quota não ser transmitida aos sucessores do falecido e não deliberando a sociedade nos 90 dias seguintes ao conhecimento do falecimento do sócio, no sentido de amortizar a quota, adquirir a quota ou fazê-la adquirir por terceiro, então ipso jure a quota do falecido sócio transmite-se para os sucessores do mesmo. É o que estabelece o artigo 225º do CSC.
2-A quota indivisa fica até à partilha na titularidade dos sucessores do falecido sócio, em regime de contitularidade, devendo os contitulares exercer os direitos inerentes à quota através de um representante comum.
3-O capital social da sociedade pertencia ao casal e seus dois filhos. Por via do falecimento do pai da Autora, dada a dissolução da comunhão conjugal e a sucessão hereditária, as duas quotas pertencentes ao pai e à mãe da ora Autora, passaram a estar registadas em comum e sem determinação de parte ou direito, e a pertencer à ora Autora, ao irmão e à mãe de ambos. É o regime estabelecido nos artigos 222º a 224º do CSC, que se estriba no fundo no regime da compropriedade dos artigos 1403º e ss do C. Civil.
4- Estatuto do representante comum: o nº 5 do artigo 223º do C.S.C. estabelece a regra, o 6 as limitações. O representante comum representa a quota indivisa, é mandatário dela. O representante comum representa os contitulares perante a sociedade para o exercício de direitos inerentes à quota. Não tem a ver com relações entre os contitulares e terceiros, de que o representante comum está afastado.
5- O representante comum dos titulares das quotas indivisas não pode participar na votação da deliberação sobre a dissolução da sociedade, se a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal não atribuírem ao representante comum poderes de disposição.
6-Os elementos literal, lógico e o teleológico de interpretação, considerando que o representante comum não pode praticar actos que levem à redução dos direitos dos sócios, obriga a considerar que este não pode participar na votação de uma proposta que, levada à assembleia geral, possa vir a desembocar numa deliberação no sentido da dissolução da sociedade.
7-Tendo a representante comum nela participado, e votado, é de concluir que o fez sem ter poderes para tal, não estava munida de poderes especiais de disposição ( que a existirem tinham de ser comunicados obrigatoriamente à sociedade ), o que fere a deliberação de anulabilidade – artigo 58º, nº 1, al. a) do CSC, por violação do estatuto do representante comum – artigo 223º, nºs 5 e 6 do CSC.
R.M.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO
H deduziu no Tribunal do Comércio de Lisboa, após prévia intentação de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais nos termos do artigo 396º do C.P.C., que acabou por ser julgado improcedente-, acção de anulação com processo comum na forma ordinária contra A LDA., alegando sucintamente que:
- A ora Ré dedica-se à actividade de compra, venda e revenda de prédios, adquiridos para esse fim, promoção e execução de obras de construção civil, tendo sido constituída em 1982, com o capital social de esc.: 500.000$00, distribuído por uma quota de esc.: 200.000$00 pertencente a N, então pai da Autora, outra de igual valor pertencente a M, ao tempo casada com o anterior no regime de comunhão geral de bens, outra de esc.: 50.000$00 pertencente a V (filho do casal, irmão da ora Autora e ao tempo menor de 11 anos de idade e ainda outra no valor de esc.: 50.000$00 pertencente à ora A, ao tempo com 18 anos de idade.
Explica que a gerência pertencia aos pais da Autora, mas na prática era exercida pelo pai. O sócio V após ter concluído estudos na área da engenharia civil passou a trabalhar para a Ré. A Autora desempenhava tarefas de organização e conferência de facturas que eram posteriormente encaminhadas para uma empresa encarregue da contabilidade. Trata-se de uma sociedade de cunho familiar.
O sócio N, pai da Autora, faleceu a 18 de Agosto de 2005, sendo que o sócio Vítor é gerente de facto, ocupando o lugar do pai no dia-a-dia da sociedade.
Porem, pela inscrição nº 1 de 6 de Janeiro de 1983, como se pode ver da certidão do registo comercial de fls. 24 do Apenso, o capital social da sociedade Ré passou a ser de euros 600.000,00 distribuído por quatro quotas de igual valor –cada de € 150.000,00- pela Autora, pela mãe, pelo pai e pelo irmão, exercendo a gerência os sócios pais da ora Autora.
Como igualmente se verifica pelo mesmo documento, conforme inscrições nº 3 – AP 10 e nº 4 AP 11, ambas de 9 de Fevereiro de 2006, por via do falecimento do pai da Autora, dada a dissolução da comunhão conjugal e a sucessão hereditária, as duas quotas pertencentes ao pai e à mãe da ora Autora, cada uma delas no valor de € 150.000,00, passaram a estar registadas em comum e sem determinação de parte ou direito, e a pertencer à ora Autora, ao irmão e à mãe de ambos.
Acontece porém que alegadamente a Autora tem procurado exercer direitos de informação de sócio junto da Ré, que alegadamente também lhe são sonegados, havendo divergências e desconfianças quanto a actividades e contas, o que já desencadeou o recurso aos tribunais no sentido de solucionar os litígios.
Acrescenta que no dia 3 de Agosto de 2007 teve lugar uma Assembleia Geral Extraordinária da Ré cujo ponto único da ordem de trabalhos era deliberar sobre a dissolução da sociedade. Colocada à votação a proposta veio a ter como votos a favor o dos sócios Vítor e Maria Helena e como voto contra o da ora Autora.
Considera a Autora que a sócia M passou a exercer os direitos dos contitulares das duas quotas na qualidade de representante comum.
Considera que a deliberação social da dissolução da sociedade carece para ser no caso tomada de uma maioria legal de 3/4 dos votos correspondentes ao capital social – artigos 141º, nº 1, al. b) e 270º do CSC.
Considera que o representante comum dos contitulares da quota não pode praticar actos que importem a extinção diferida e mediata da quota – artigo 223, nºs 4 e 5 do CSC, que aconteceria com a dissolução da sociedade.
Refere que nunca foram atribuídos à representante comum quaisquer poderes dispositivos pelos contitulares das duas quotas em referência.
Aduz que a dissolução da sociedade não pode ser votada pelo representante comum – artigo 122º da douta petição inicial.
Invoca que a falta de maioria necessária para a aprovação da deliberação constitui fundamento de anulabilidade nos termos do disposto no artigo 58º, nº 1 al. b) do CSC.
Conclui pela anulação da deliberação tomada pela Assembleia Geral Extraordinária da Ré de 3 de Agosto de 2007.
Citada, contesta a Ré, por excepção e impugnação, invocando má-fé da Autora, concluindo pela absolvição e pela condenação da Autora como litigante de má-fé em multa e indemnização- fls. 221.
Replica a Autora.
É saneado o processo e decidida improcedente a matéria de defesa por excepção. É lavrado saneador-sentença que julga a acção procedente por provada e condena a Ré no pedido, isto é - declara anulada a deliberação.
Por outro lado abstém-se de apreciar o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.
Inconformada recorre a Ré, de apelação, recurso esse admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

As conclusões de recurso da Ré:
A Recorrente Ré conclui nos seguintes termos:
a) a sentença recorrida, salvo melhor opinião, violou os arts. 58°, n° 1, aI. a), 223°, nºs 5 e 6, 157°, 160° e 161°, bem como o art. 224° do Cod. das Sociedades Comerciais;
b) de facto, a deliberação de dissolução em nada se identifica, determina ou impõe a extinção da sociedade e, inerentemente, da participação social, estando fora dos poderes de disposição a que faz apelo o art. 223°, n° 6, do Cod. Soco Comerciais;
c) tendo a representante comum legitimidade para deliberar nos termos em que o fez;
d) e mesmo que não tivesse, tal ausência de poderes apenas seria oponível à representante comum e não à sociedade.
Conclui pela revogação da decisão.

Nas contra motivação de recurso da Apelada diz-se:
A. Conforme resulta da matéria de facto provada, actualmente o capital social da Ré é de €600.000, e encontra-se repartido em quatro quotas iguais: uma quota de €150.000 detida pela Autora; uma quota de €150.000 detida por V; duas quotas de € 150.000 cada, detidas em comum e sem determinação de parte ou direito por M, H (a Autora) e V, no seguimento do óbito de N.
B. Após o óbito do sócio N, a sócia M passou a exercer os direitos dos contitulares das referidas quotas na qualidade de representante comum, nos termos do disposto no art. 222°, n.o 1, do CSC.
C. A deliberação de dissolução da Ré/Recorrente foi aprovada apenas com os votos favoráveis dos sócios M e V.
D. A deliberação de dissolução, estando em causa, como no vertente caso, uma sociedade por quotas, "... deve ser tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social. a não ser que o contrato exija maioria mais elevada ou outros requisitos" - art. 270° do CSC.
E. Determina o art .. 223°, n° 5, do CSC: "Excepto quando a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal atribuírem ao representante comum poderes de disposição, não lhe é lícito praticar actos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. A atribuição de tais poderes pelos contitulares deve ser comunicada por escrito à sociedade".
F. A dissolução da sociedade tem como consequência a extinção da mesma pois inicia o processo de extinção que termina após o registo do encerramento da liquidação e, também conduz, por inerência, a extinção das quotas, nos termos do disposto no art. 160°, n° 2 do CSC.
G. A" ... a dissolução da sociedade vai importar a extinção (diferida e mediata) da quota e, portanto, não pode ser votada pelo representante comum" (Prof. Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, VoI. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, p. 518).
H. À representante comum M nunca foram atribuídos quaisquer poderes dispositivos pelos contitulares das duas quotas em referência.
I Uma vez que não existiu qualquer acordo entre os contitulares das duas quotas em referência - representativas de 2/4 do capital social da Ré/Recorrente - não se formou a maioria necessária para a aprovação da deliberação de dissolução da Ré/Recorrente, nos termos do disposto no art. 270.° do CSC.
J A falta da maioria necessária para a aprovação da deliberação de dissolução, derivada da inexistência de poderes de disposição por parte da representante comum dos contitulares das duas quotas, constitui fundamento de anulabilidade daquela deliberação, nos termos do disposto no art. 58.°, n.º 1, aI. a) do CSC.

Pugna pela bondade do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO
É entendimento pacífico ser pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo – artigos 690º- 1 e 684º- 3 do C.P.C., exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso - art. 660º - 2 – fim do mesmo diploma.

O tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas, dentro desse âmbito, para apreciação, com excepção das questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – artigo 660º - 2 -1ª parte do C.P.C..

É dominante o entendimento de que o vocábulo “ questões “ não abrange os argumentos, os motivos ou as razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja – entende-se por questões as concretas controvérsias centrais a dirimir – neste sentido o Ac. do STJ de 02-10-2003, in “ Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª secção “.

III - MATÉRIA DE FACTO A TER EM CONTA
1. A autora H é sócia da sociedade comercial por quotas «A & FILHOS, LIMITADA», ré.
2. A sociedade dedica-se à actividade de compra, venda e revenda de prédios, adquiridos para esse fim, promoção e execução de obras de construção civil.
3. Foi constituída em 1982, com o capital social de Esc. 500.000$00, correspondente à soma das seguintes quotas: uma quota de Esc. 200.000$00 pertencente a N; uma quota de Esc. 200.000$00 pertencente a M; uma quota de Esc. 50.000$00 pertencente a V; uma quota de Esc. 50.000$00 pertencente a H, a autora.
4. Os sócios N e M eram casados sob o regime de bens da comunhão geral.
5. Os sócios V e H são filhos de ambos e, portanto, irmãos.
6. Em 18 de Agosto de 2005, o sócio N faleceu.
7. Os herdeiros são a viúva M e os filhos H, a autora, e V.
8. Actualmente, o capital social da ré é de € 600.000, e encontra-se repartido em quatro quotas iguais: uma quota de € 150.000 detida pela Autora; uma quota de € 150.000 detida por V; duas quotas de € 150.000 cada, detidas em comum e sem determinação de parte ou direito por M, H (a Autora) e V no seguimento do óbito de N.
9. No passado dia 03/08/2007, teve lugar a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária da ré, com a seguinte ordem de trabalhos: "Ponto único - deliberar sobre a dissolução da sociedade", conforme fls. 148 a 150 (acta nº 42) que se dão por reproduzidas na íntegra.
10. A deliberação de dissolução da sociedade ré foi votada favoravelmente pelos sócios M e V.
11. A autora votou contra.

IV- OBJECTO DO RECURSO
As questões a dirimir são:
-Se a representante comum dos titulares das quotas indivisas pode ou não votar na deliberação sobre a dissolução da sociedade.
-No caso de ter participado na votação, se a deliberação é válida e lícita ou se está ferida de vício que implique a invocada anulabilidade.

V - DO MÉRITO DO RECURSO
Falecendo um dos sócios na sociedade comercial por quotas, e inexistindo no contrato social impedimento no sentido da quota não ser transmitida aos sucessores do falecido ( como in casu inexiste ), e não deliberando a sociedade nos 90 dias seguintes ao conhecimento do falecimento do sócio, no sentido de amortizar a quota, adquirir a quota ou fazê-la adquirir por terceiro, ( como igualmente in casu não se deliberou ), então ipso jure a quota do falecido sócio transmite-se para os sucessores do mesmo. É o que estabelece o artigo 225º do CSC. A quota indivisa fica até à partilha na titularidade dos sucessores do falecido sócio, em regime de contitularidade, devendo os contitulares exercer os direitos inerentes à quota através de um representante comum.
Estes sucessores do falecido passam a ser sócios da sociedade (1), funcionando nos limites da quota.
O representante comum é assim um sócio da sociedade algo diferente, apesar de poder igualmente ser sócio titular de uma quota na sociedade.
Nos autos, faleceu o sócio N, casado com a igualmente sócia M, e pai dos outros dois sócios, mas não se alcançou a partilha de modo que por via do falecimento do pai da Autora, dada a dissolução da comunhão conjugal e a sucessão hereditária, as duas quotas pertencentes ao pai e à mãe da ora Autora, cada uma delas no valor de € 150.000,00, passaram a estar registadas em comum e sem determinação de parte ou direito, e a pertencer à ora Autora, ao irmão e à mãe de ambos.
É o regime estabelecido nos artigos 222º a 224º do CSC, que se estriba no fundo no regime da compropriedade dos artigos 1403º e ss do C. Civil, onde os contitulares exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao titular ou proprietário singular da quota, transmitindo-os em regra através do representante comum. Os direitos dos consortes são qualitativamente iguais embora possam ser quantitativamente diferentes.
Nos autos o representante comum das duas quotas indivisas é a igualmente já sócia M.
Há portanto toda uma actividade que diz respeito à quota ou às quotas indivisas, que só diz respeito aos contitulares, e que não diz respeito à sociedade.
Essa actividade tem nomeadamente a ver com as deliberações que dentro da quota ou das quotas indivisas acontecem. São deliberações que têm a ver com os contitulares entre si, e ainda perante a sociedade para o exercício dos direitos inerentes à quota ou quotas indivisas. São deliberações de sócios, não deliberações da sociedade.
Dentro da quota em compropriedade as deliberações fazem-se por maioria – artigo 1407º - 1 do C. Civil. Não bastando a mera maioria dos comunheiros, mas exigindo-se que essa maioria represente a maioria do valor total das quotas.
E verificamos que dentro das quotas indivisas, as dos pais da Autora-, que são duas, no valor unitário de € 150.000,00, há três comunheiros, com uma posição qualitativamente igual – a Autora, a mãe e o irmão. Dentro desta comunhão há naturalmente deliberações. A lei pressupõe a existência das deliberações de contitulares, e preocupou-se apenas com a votação delas - Raul Ventura, Comentário ao Cód. das Sociedades Comerciais, Almedina, 1987, vol. I, pág. 523.
Depois há a transmissão dessas deliberações para a sociedade, que é feita pela representante comum. As deliberações da ou das quotas indivisas têm eficácia apenas nas relações internas dos contitulares, vinculam os contitulares. Mas depois há todo o relacionamento da quota indivisa para com a sociedade. Aí há um vínculo de representação, há toda a lógica do mandato. O representante comum representa a quota, é mandatário dela. No caso de divergência entre a deliberação tomada pelos contitulares e a actuação do representante comum perante a sociedade, o que é eficaz é esta última, pois a deliberação dos contitulares não tem – só por si – eficácia junto da sociedade. Eventual desconformidade ou desobediência entre a actuação do representante comum e a deliberação dos contitulares da quota, será matéria de acção a que a sociedade é alheia - Raul Ventura, Comentário ao Cód. das Sociedades Comerciais, Almedina, 1987, vol. I, pág. 524.
Não sabemos se dentro das quotas indivisas se deliberou e como se deliberou concretamente em relação ao sentido de voto a dar pelo representante comum por cada quota indivisa na Assembleia Geral Extraordinária da Ré do dia 3 de Agosto de 2007, cujo ponto único da ordem de trabalhos era deliberar sobre a dissolução da sociedade, para o momento em que seria colocada à votação a proposta.
Nem temos de saber.
Nesta acção não está em causa o voto da cada uma das quotas indivisas. Não está em causa este voto quer na perspectiva interna de cada quota, quer na sua expressão tomada quando a representante comum das quotas votou a proposta de deliberação sobre a dissolução da Ré sociedade.
Para a averiguação de qualquer desconformidade teriam de ser demandados os comunheiros deliberantes e ou a representante comum, o que poderia dar lugar a responsabilidade destes ou desta, mas matéria que manifestamente não está em causa nesta acção.
Assim não são de considerar as conclusões da Recorrida de H) a J), não sendo de averiguar se os contitulares das quotas indivisas conferiram poderes ou não ao representante comum das mesmas na sociedade Ré para votar como votou.
As deliberações dos contitulares sobre o exercício dos seus direitos – cuja forma é livre - podem ser tomadas por maioria, nos termos do disposto no artigo 1407º- 1 do C. Civil, salvo os casos da parte final do nº 1 do artigo 224º do CSC, salvo se tiver por objecto a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações, renúncia ou redução dos direitos dos sócios, nestes casos é exigido consentimento de todos os contitulares.
Trata-se como dissemos das deliberações internas de cada quota indivisa. Como não sabemos, nem temos de curar de como se deliberou internamente em cada quota indivisa, também não temos necessidade de interpretar esta norma para saber do alcance do segmento em itálico.
A dissolução da sociedade depende de deliberação dos sócios – artigos 141º, nº 1, al. b), 246º, nº 1, al. i) e 270º do CSC, que deve ser tomada por maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social, a não ser que o contrato exija maioria mais elevada, o que não é o caso.
Sobre a natureza da deliberação da sociedade se pronunciou o S.T.J. em ac. recente – de 19-6-2008 proferido no processo nº 08B871 ( Relator Cons. Serra Batista ), consultável em www.dgsi.pt, de onde com utilidade respigamos as seguintes considerações:
“…
Até há pouco, entendia a doutrina tida por dominante (cfr. V. Lobo Xavier, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, p. 554) ser a deliberação social, pelo menos em regra, um negócio jurídico da sociedade, formado pela declaração de vontade dos sócios, expressa através do seu voto.
Tratando-se de um negócio jurídico da sociedade e não dos seus sócios, constituindo os votos de que ela resulta declarações de vontade destes – Pedro Maia e outros – Estudos de Direito das Sociedades, p. 173.
Mais recentemente, tem vindo a doutrina a entender que a deliberação social tem uma natureza sui generis, que se distingue, por princípio, dos negócios jurídicos em si mesmos (não obstando que em certos casos seja mesmo um negócio jurídico) - Brito Correia, Direito Comercial, vol. III, p. 98 e ss, maxime, p. 117 e Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, p. 54.
Sendo então a deliberação dos sócios (melhor dizendo, a deliberação da sociedade) algo mais do que a simples operação aritmética de adição de vontades individuais maioritariamente expressa através do voto: sendo uma vontade colectiva (uma vontade social) constituída a partir de exteriorização de vontades naturais, pelo Direito reputada suficiente – e sacrificando os contrários votos minoritários – como vontade orgânica do grupo.

A deliberação sobre a dissolução da sociedade não carece de ser fundamentada.
Como vimos, os contitulares de uma quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de um representante comum – artigo 222º, nº 1 do CSC. É a actuação deste junto da sociedade que é eficaz em relação a ela. Este representante comum tem uma designação, um estatuto, ligado como referimos ao instituto do mandato e da representação, tem poderes e deveres.
Rege o disposto no artigo 223º, nºs 5 e 6 onde se dispõe respectivamente que:

O representante comum pode exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa alvo o disposto no número seguinte; qualquer redução desses poderes só é oponível à sociedade se lhe fôr comunicado por escrito.
Excepto quando a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal atribuírem ao representante comum poderes de disposição, não lhe é lícito praticar actos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. ( … )
Não há notícia de ter havido redução dos poderes do representante comum pelos seus filhos, contitulares.
Também não há notícia dos contitulares terem ampliado os poderes normais que decorrem da lei para o representante comum, pois que essa ampliação tinha de ser comunicada à sociedade – parte final do nº6 do artigo 223º do CSC.
Também não há notícia de que essas redução e ampliação tenham vindo de outra fonte: tribunal, testamento, das previstas na lei.
O nº 5 estabelece a regra, o 6 as limitações. O representante comum representa os contitulares perante a sociedade para o exercício de direitos inerentes à quota. Não tem a ver com relações entre os contitulares e terceiros, de que o representante comum está afastado.
Mas pode o representante comum, titular dos poderes decorrentes da lei e do seu estatuto, participar na deliberação sobre a dissolução da sociedade?
Na nossa opinião, não pode.
Vistas as coisas trata-se agora de uma deliberação da sociedade, de um acto colectivo da sociedade, e bem assim da sua formação. Continua a não estar em causa o voto do representante comum, num sentido ou noutro, mas está em causa a deliberação da sociedade. E a questão é de saber, antes de mais, se o representante comum das duas quotas indivisas pode ou não participar na deliberação, votando, sobre o ponto único da ordem de trabalhos da Assembleia Geral da Ré marcada para o dia 3 de Agosto de 2007 pois que com essa actuação pode praticar actos que importem extinção das quotas. A questão é saber se com a própria participação na votação o representante comum, sem ampliação dos poderes que lhe são conferidos por lei, pode vir a estar a colocar em causa a extinção da quota.

De uma maneira geral a jurisprudência tem entendido que a deliberação da dissolução da sociedade não é sinónimo da imediata extinção da sociedade.
No S.T.J. ( Ac. de 19-5-1992, consultável no site da dgsi.pt ) decidiu-se que a sociedade comercial dissolvida entra imediatamente em liquidação, mantendo a personalidade jurídica, embora se altere a importância relativa dos elementos do contrato.
No S.T.J. no já referido recente Acórdão de 19-6-2008 proferido no processo nº 08B871, consultável em www.dgsi.pt, considerou-se que:
“…
Prevêem os arts 141º e 142º a dissolução da sociedade como primeiro passo de um processo que eventual, mas normalmente, conduzirá à extinção da sociedade.( …) Com a dissolução, a sociedade entra na fase de liquidação. (…)Tal dissolução não equivale à extinção. Pois a sociedade, como relação e como pessoa colectiva, não se extingue pela dissolução, sendo necessário que outros factos jurídicos se produzam para que a extinção se verifique – Raul Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, p. 16 e ss. E, não obstante o facto de a sociedade dissolvida entrar imediatamente em liquidação, salvo se a lei dispuser em sentido diferente, a mesma mantém a sua personalidade jurídica. Continuando, em regra, a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras relativas às sociedades não dissolvidas – art. 146º, nºs 1 e 2.Tendo a personalidade jurídica da sociedade a mesma natureza, quer antes, quer depois da dissolução. Não se transformando, com a dissolução, em comunhão de bens ou de interesses. Não passando a sociedade fictícia, nem a sociedade especial, nova – Raul Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, p. 238. Procedendo-se, na liquidação, satisfeitas ou acauteladas que estejam as dívidas sociais, à partilha, em princípio em dinheiro – já que a em espécie tem que estar prevista no pacto social ou em deliberação unânime dos sócios – entre estes, com o reembolso, em primeiro lugar, das entradas efectivamente realizadas (art. 156º).
(…).
Não se podendo, assim, concluir que a deliberação que aprova a dissolução da sociedade é, em si mesma, um acto de disposição da quota (empregue tal expressão em sentido jurídico, cfr., a propósito, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 64) por banda do sócio que tal deliberação favoravelmente votou.
(2)
Sobre o sentido a dar à limitação do nº 6 do artigo 223º do CSC escreve com inteira propriedade Raul Ventura, na obra referida na nota 1 mas a fls. 518 onde explica que o representante comum está impedido de acordar com a sociedade a amortização da quota. Como aumento de obrigações, a renúncia ou redução dos direitos dos sócios previstas neste artigo devem ser entendidas as deliberações sociais que tenham algum desses efeitos e, portanto, o representante comum está impedido de votar nessas deliberações. Assim a dissolução da sociedade vai importar a extinção (diferida e mediata) da quota, e portanto, não pode ser votada pelo representante comum.
E mais à frente, a fls. 520 explica ainda sobre a extensão do preceito no respeitante às palavras: “que importem extinção…, etc”, que: a letra do preceito compreende as deliberações a tomar cujo objecto seja algum dos nele referidos; o representante comum está impedido de votar antes de ser conhecido o sentido da deliberação, e portanto, não pode por exemplo votar numa deliberação sobre dissolução da sociedade, mesmo que a deliberação venha a ser no sentido da sociedade não ser dissolvida.
A excepção deve abranger ainda, não só aquela deliberação que para cada dos referidos efeitos deva ser considerada, como ainda outras com essa conexas.
O sentido a dar ao nº 6 do artigo 223º do CSC na parte em que dispõe…
não lhe é lícito praticar actos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios tem de ser percebido no seu teor.
O representante comum dos contitulares da quota indivisa, no desenho normal das suas competências que decorre da lei não pode praticar actos cujo objecto por si seja a extinção, etc; não pode praticar actos que produzam alguns destes efeitos; não pode praticar actos que importem, que produzam, que tenham como consequência, diferida e mediatamente, algum destes efeitos; não pode participar nesses actos ( como é o caso de participar na votação da proposta da dissolução ); não pode praticar e participar em actos que conexamente estejam ligados à produção mediata e diferida dos efeitos proibidos por lei no preceito.
A valoração do elemento literal de interpretação ( artigo 9º do C. Civil ) sustenta a consideração de que a lei impede o representante comum de praticar actos que levem diferida e mediatamente à extinção da sociedade, e portanto da quota. Os elementos literal, lógico e o teleológico de interpretação, considerando que o representante comum não pode praticar actos que levem à redução dos direitos dos sócios, obriga a considerar que este não pode participar na votação de uma proposta que levada à assembleia geral possa vir a desembocar numa deliberação no sentido da dissolução da sociedade, como é o caso do ponto único da ordem de trabalhos da assembleia geral extraordinária da Ré de 3 de Agosto de 2007.
E tendo, como foi, a representante comum nela participado, e votado, temos de concluir que o fez sem ter poderes para tal, não estava munida de poderes especiais de disposição (que a existirem tinham de ser comunicados obrigatoriamente à sociedade ), o que fere a deliberação de anulabilidade – artigo 58º, nº 1, al. a) do CSC, por violação do estatuto do representante comum – artigo 223º, nºs 5 e 6 do CSC.
A representante comum H não tinha legitimidade para participar na votação, face ao desenho legal do seu estatuto.
Não pode dizer a Ré que essa ausência de poderes por parte da representante comum apenas será oponível à própria representante comum, que não à sociedade.
Por três razões simples: por um lado o conjunto normal da competência do representante comum decorre da lei; por outro a sociedade tinha conhecimento da indivisão das duas quotas e da designação do representante único, em relação às duas quotas (e comum em relação aos contitulares), para as representar; por fim, nos termos do artigo 6º do C. Civil, a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.

Improcedem assim as conclusões do recurso.
VI–DECISÃO:
Pelo que fica exposto, acorda este Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente Ré.
Lisboa, 7/10/2008
( Rui Correia Moura )
( Folque de Magalhães)
( Anabela Calafate )
__________________________
(1)- Raul Ventura, in Sociedades por Quotas, Comentário ao CSC, vol. I, 1987, Almedina.
(2) Mas este ac. é tirado sobre questão diferente da tratada neste nosso processo, e não incide sequer sobre a interpretação a dar ao artigo 223º, nº 6 e nem ao artigo 224º do CSC, o que pode fazer diferença.
A questão do douto ac. é saber se a deliberação que aprova a dissolução da sociedade é ou não um acto de disposição da respectiva quota porque causa da dissolução que terá como efeito a liquidação. Está sobre a mesa saber se é necessário consentimento do marido da Ré sócia, que vota na dissolução da sociedade, sem consentimento do marido, sendo com ele casado no regime de comunhão de adquiridos e a sociedade constituída na constância do matrimónio. É uma questão de administração de bens do casal. É uma questão de saber se tal votação é um acto de disposição do bem. Estão neste ac. envolvidos os artigos 1678-3, 1682º-1 1687-1 do C. Civil e 58º do CSC.