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COOPERATIVA DE HABITAÇÃO
DIREITO DE HABITAÇÃO
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
NULIDADE
RESTITUIÇÃO
OBRIGAÇÃO CONJUNTA
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário
I – No contrato de atribuição de um direito cooperativo de habitação, em que os cônjuges beneficiários se constituem solidariamente responsáveis pelo pagamento das prestações, a solidariedade convencional da obrigação dá à cooperativa o direito de exigir o pagamento a qualquer dos obrigados. II – Mas, sendo esse contrato nulo, por inobservância da forma legal, a obrigação de restituir a cargo dos agora ex-cônjuges, por força da declaração de nulidade, é conjunta, pelo que cada um só tem de restituir na medida do benefício que recebeu. III – A natureza das prestações não permite uma repristinação automática e linear, pois tal como o inquilino não consegue restituir o uso ou gozo do arrendado, no contrato em apreço os beneficiários também não, pelo que deverão entregar ao credor o equivalente pecuniário desse uso, correspondente às prestações devidas e não pagas e este tem o direito de fazer suas as já pagas. IV – Requerido pela A. que o processo seguisse só contra a ré, dizendo não se justificar, por ilegitimidade, a continuação da instância contra o ex-marido, pretensão logo homologada como desistência do pedido, a ré, notificada desta decisão ao mesmo tempo que do imediato saneador-sentença, deveria dela ter recorrido, não podendo, após trânsito, impugná-la no recurso desta última. JAP
Texto Integral
Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório
A COOPERATIVA DE HABITAÇÕES SCRL, cave, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra M, pedindo o pagamento de Esc. 1.442.055$00, por falta de pagamento das contrapartidas do direito de habitar o fogo em questão.
A Ré contestou por excepção e por impugnação, alegando, além do mais que saiu de casa em 27 de Outubro de 1986, dando de imediato conhecimento à A., que o fogo em questão, como casa de morada de família, só lhe foi atribuído em acção instaurada para esse fim e transitada em julgado em 6 de Outubro de 1994, tendo o Tribunal dado conhecimento à A.. Mais alegou a Ré que a partir de 2 de Fevereiro de 1995, altura em que passou a habitar o fogo em apreço, juntamente com o filho menor, as mensalidades passaram a ser regularmente pagas por si até à presente data (a da contestação). Acresce que a Ré também impugna o teor dos artigos 3.º, 4.º e 5.º.
Na resposta à excepção, além de impugnar alguns dos pagamentos que a Ré alegou ter feito (fls. 44), a A. veio pedir a reparação do seu lapso, ao não indicar o nome do réu marido, para que a acção siga também contra J. Este pedido foi deferido (fls. 58). Todavia, a fls. 88 veio a A. requerer que o processo seguisse apenas contra a Ré M, o que foi entendido como uma desistência do pedido, tendo sido homologada por sentença (fls. 91).
Foi dispensada a realização da audiência preliminar, nos termos do art.º 787.º do CPC, e, de imediato, foi proferida sentença que: 1) declarou nulo o contrato de atribuição do direito de habitação do 1.º andar D do Bloco B, Entrada XI, celebrado entre a A. e a Ré, a 14-7-1985; 2) condenou a Ré a pagar à A. a quantia de € 3.030,59; e 3) absolveu a Ré no demais peticionado.
Inconformada, a Ré apelou do saneador-sentença, pretendendo a revogação deste, tendo alegado e concluído do modo seguinte:
1. A Responsabilidade da Recorrente não é solidária, pelo que nada tem a pagar a título de prestações, no período entre 27 de Outubro 1998 e 2 de Fevereiro de 1995.
2. O contrato de Atribuição do Direito de Habitação foi validamente celebrado, pelo que não está ferido de nulidade.
3. Mesmo que assim fosse, nada teria a recorrente a pagar, pelo contrário, receberia a totalidade das rendas pagas, não se podendo anular um contrato, penalizando apenas uma das partes.
4. A decisão está ferida de nulidade, pois decide matéria de que a Ré, aqui recorrente não tem conhecimento, cerceando-lhe o direito ao contraditório.
A recorrida contra-alegou e concluiu assim:
1. O saneador sentença não violou qualquer preceito legal e fez, ainda que com incompreensível demora, parcimoniosa interpretação dos factos e aplicação aos mesmos do direito.
2. A recorrente violou o disposto nos art.ºs 229A e 260A do CPC ao não notificar as alegações ao mandatário da recorrida.
3.A obrigação de pagar a mensalidade acordada é uma obrigação solidária de quem assinar o contrato de atribuição do fogo, nos termos do art.º 512 da CC.
4. É a recorrente quem não indica, nas suas conclusões, quais as normas violadas, não cumprindo o disposto no art.º 690, n.º 2 do CPC.
Em qualquer caso o recorrido mostra compreender quais elas sejam pelo que ousa sugerir que se não faça o favor, à recorrente, de a convidar a vir completá-las, provocando-se nova dilação sabe-se lá de quanto tempo ...
5. Não se pede condenação como litigante de má fé — que bem se justificava! — precisamente para evitar perda de tempo.
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A A. contra-alegou e concluiu pela manutenção da decisão recorrida.
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A M.ma Juíza proferiu despacho a considerar não verificada a nulidade invocada (fls. 151).
Colhidos os vistos, cumpre decidir as seguintes questões que emergem das conclusões da recorrente: 1) da arguida nulidade da sentença; 2) da responsabilidade solidária; 3) da invalidade do contrato de atribuição do direito de habitação; 4) da liquidação do valor a restituir pela Ré.
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II – Fundamentação A – Factos provados.
Na decisão recorrida foi dado como resultando dos autos assente, face ao acordo das partes, que:
1. No dia 14 de Julho de 1985, A. e R. e J, subscreveram o instrumento junto por fotocópia a fls. 5 a 8 dos autos, o qual se dá aqui integralmente por reproduzido e do qual consta, designadamente, que aos 20 e 30 contraentes e seu agregado familiar, é conferido o direito de habitar o fogo deste bairro, que é identificado como Bloco - B, nos termos e condições constantes dos artigos seguintes, que se comprometem, consciente e voluntariamente, a cumprir.
2. Os 20 e 30 contraentes comprometem-se solidariamente a pagar à Cooperativa ama quantia mensal, composta de uma parte destinada à amortização e juros do empréstimo contraído pela Cooperativa junto do Fundo de Fomento de Habitação e uma parte que se destina a despesas gerais de manutenção do bairro; (...)
3. o não cumprimento desta obrigação, implica o pagamento da prestação ou prestações em débito, com o acréscimo de cinquenta por cento por cada mês em atrazo, e no máximo dentro de três meses a contar da última prestação em débito e sendo então paga a totalidade em atrazo e respectivos acréscimos.
4. O não cumprimento das condições estabelecidas no presente contrato, digo artigo, implicará a exclusão do sócio, com as consequências estatutárias e a perda do direito de habitar, mediante pré-aviso feito por carta registada com aviso de recepção ou, não sendo esta recebida, por afixação na porta da casa por oito dias. (...) 5. O abandono da casa por qualquer dos membros constantes da ficha inicial ou que posteriormente nela forem viver (...) não prejudica o direito a habitar dos restantes membros do respectivo agregado, com os inerentes direitos e obrigações. B – Apreciação jurídica. 1) Da arguida nulidade da sentença
A Recorrente alega que a sentença decide matéria de que ela não tem conhecimento, cerceando-lhe o direito ao contraditório. Isto porque, na sentença, a acção não segue contra o Réu José Carlos, considerando-se ter havido desistência do pedido contra este formulado, mas de que a Ré não teve conhecimento.
Na verdade, a fls. 88 dos autos, a A., ora recorrida, requereu que o processo seguisse apenas contra a R. Maria Teresa Mendes Silva, entendendo não se justificar, «por ilegitimidade, a continuação da instância contra o ex-marido».
Não obstante, este requerimento foi encarado como desistência do pedido contra o Réu, tendo tal desistência sido homologada de imediato (fls. 91), em decisão autónoma, antes de ser dispensada a realização de audiência preliminar e de ser proferido o saneador-sentença.
Acontece que a Ré foi notificada daquela sentença homologatória ao mesmo tempo que o foi do saneador-sentença que a condenou, mas só recorreu deste último (cf. fls. 117 e 119). A própria A., que até foi condenada nas custas, também não recorreu.
Portanto, a sentença que recaiu sobre a referida desistência, homologando-a transitou em julgado, não sendo já lícito à Ré pô-la em causa.
Deste modo, improcedem nesta parte as conclusões da Recorrente. 2) Da solidariedade
A Recorrente conclui que a sua responsabilidade não é solidária, pelo que, no seu entender, nada tem a pagar relativamente ao período entre 27 de Outubro de 1998 (certamente queria dizer 1986, como refere no corpo das alegações) e 2 de Fevereiro de 1995. Vejamos a natureza e as características da solidariedade.
Uma obrigação é solidária, pelo lado dos devedores, quando cada um destes responde pela totalidade da prestação e esta a todos libera (art.º 512.º do C.C.). A solidariedade pode ter origem na lei ou na vontade das partes (art.º 513.º do C.C.).
No caso dos autos, a fonte da solidariedade é a vontade, como textualmente consta da cláusula terceira do Contrato de Atribuição do Direito de Habitação (fls. 5), cujo teor foi acima dado como provado. Portanto, na relação externa credor-devedor, que neste recurso se perfila, são irrelevantes as considerações atinentes às relações internas entre os obrigados, tecidas pela Recorrente sobre o divórcio e quem habitou ou deixou de habitar a casa, em determinado período.
Uma vez que a obrigação de pagar as quantias é solidária, e no pressuposto de que o negócio era válido, a A. tinha o direito de pedir o pagamento das quantias em dívida tanto ao réu J como à Ré, ora recorrente (art.º 519.º, n.º 1, do C.C.), estando cada um deles obrigado a entregar-lhe a totalidade dessas verbas, sem prejuízo do seu direito de regresso sobre o outro devedor (art.º 524.º do C.C.).
Portanto, num cenário de validade do contrato, a responsabilidade solidariamente assumida pelos devedores implica que a A. possa pedir a cada um deles a totalidade da dívida. E por isso não tem razão a Recorrente quando conclui que a responsabilidade contratual não é solidária.
Acontece, no entanto, que o contrato dos autos foi declarado nulo por falta de forma legal, o que implica, como se verá de seguida, uma mudança radical quanto à responsabilidade da Ré. 3) Da nulidade do contrato de atribuição do direito de habitação
O contrato dos autos regia-se pelo D.L n.º 218/82, de 2 de Junho, sobre a caracterização das cooperativas de habitação, diploma este que posteriormente veio a ser revogado pelo D.L n.º 502/99, de 19 de Novembro. Porém, no que à forma do acto constitutivo deste contrato diz respeito, é aplicável aquele primeiro instrumento normativo.
No seu art.º 14.º, n.º 1, o direito de habitação é atribuído ao cooperador, como morador usuário, por escritura pública, exigência que, aliás, foi mantida no art.º 19.º, n.º 1, daquele segundo decreto-lei. No caso dos autos, o contrato que atribuiu o fogo à Ré foi apenas reduzido a escrito particular. Assim, por força do disposto no art.º 220.º do código civil, tal contrato é nulo por inobservância da forma legalmente exigida. Esta nulidade é invocável a todo tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, nos termos do art.º 286.º do código civil.
Os efeitos retroactivos da declaração de nulidade implicam a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, não sendo possível a restituição em espécie, o valor correspondente – art.º 289.º, n.º 1, do código civil.
Porém, a natureza das prestações de cada uma das partes nem sempre permite uma tal restituição tão automática e linear. Com efeito, tal como na nulidade do arrendamento não é viável ao inquilino restituir o uso ou o gozo da coisa locada, também neste caso o cooperante morador usuário não pode devolver à Cooperativa o uso e o gozo do direito de habitação de que beneficiou ao longo dos anos.
Além disso, uma vez que o referido contrato afinal é nulo, e como tal foi declarado na sentença recorrida, não produz qualquer efeito e, por isso, seca se mostra também a fonte contratual da solidariedade. Com efeito, na obrigação de restituição por força da nulidade do contrato não existe solidariedade (art.º 289.º do C.C.), aplicando-se antes a regra das obrigações civis que é a da conjunção, ou seja, cada devedor paga a sua parte.
Assim sendo, cada um dos cooperadores a quem foi entregue o fogo está adstrito a restituir unicamente o que recebeu, em uso ou gozo do imóvel, por efeito da declaração de nulidade do contrato. Como, no caso em apreço, essa devolução em espécie não é viável a cada um dos contraentes incumbe pagar à A. o equivalente pecuniário do uso de que beneficiou ao longo do tempo, valor esse que, no fundo, corresponde às prestações devidas e não pagas. Quanto às já pagas a A. tem o direito a mantê-las como suas, a título de restituição do valor do uso do imóvel que proporcionou aos subscritores do referido contrato nulo.
Nesta conformidade, a A. só tem direito a receber da Ré, e esta só é obrigada a pagar-lhe, a quantia correspondente ao tempo em que ela esteve a habitar o imóvel, mas não pode ser obrigada a restituir o que não recebeu, relativamente ao tempo em que lá não viveu. 4) Da liquidação do valor a restituir pela Ré
Todavia, a decisão recorrida, apesar de declarar nulo o contrato, condenou a Ré a pagar uma quantia correspondente a um período em que, segundo ela alega, não habitava o fogo.
Por outro lado, na sua contestação, a Ré impugna especificadamente os art.ºs 3.º, 4.º e 5.º. Sobre esta impugnação escreveu-se na sentença recorrida que: «não especificou porque impugnava, sendo certo que a matéria de defesa por excepção quanto a esta matéria, como vimos, já foi julgada improcedente. Assim, esta mera impugnação especificada quando estão em causa factos pessoais e de que ela devia ter conhecimento, não tem qualquer valor, pelo que se devem considerar admitidos por acordo».
Salvo o devido respeito, à luz do art.º 490.º do CPC, a parte deve tomar posição definida perante os factos articulados na petição. E a posição da Ré é definida, pois diz que os referidos factos não correspondem à verdade e impugna-os. Além disso, não se trata de factos pessoais, caso em que se a Ré dissesse que não sabia se eram ou não verdadeiros, ter-se-iam por confessados - mas não foi este o caso. Verifica-se, portanto, aqui alguma contradição e mesmo obscuridade na apreciação da matéria de facto.
Também não é verdade que a Ré não tenha dito por que impugnava aqueles factos da p.i.. Disse-o nos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 19.º e 20.º da contestação, dos quais se retira, claramente, que a Ré não só não aceita os montantes do mapa junto pela A., nomeadamente o da rubrica «outras despesas», como defende que nada tem a pagar. Alega inclusivamente a Ré que saiu da casa objecto do contrato em 27 de Outubro de 1986, que lá permaneceu o seu cônjuge J, e que disto informou a A.. Mais aduz a Ré que, depois do divórcio, em virtude de na acção para atribuição da casa de morada de família, a casa dos autos lhe ter sido atribuída, passou a habitá-la de novo a partir de 2 de Fevereiro de 1995. Importa, pois, ter em consideração todos estes factos.
Por outro lado, ainda, ao dizer-se na sentença que a matéria de excepção já foi julgada improcedente, olvida-se que tal “excepção” foi decidida no pressuposto, não verificado, de o contrato ser válido, caso em que a solidariedade passiva impunha à Ré o pagamento da totalidade da dívida. Todavia, como se viu, o contrato é nulo e, assim sendo, não produz qualquer efeito. Não se atentou, por isso, nas várias soluções possíveis e plausíveis da causa.
Deste modo, não estando assente quais os montantes que, por força da declaração de nulidade do contrato devem ser pagos pela Ré, a título de restituição, afigura-se prematura a decisão da causa na fase do saneador. Aliás, a douta sentença nem discrimina todos os factos considerados provados, afrontando assim o disposto no art.º 659.º, n.º 1, do CPC. Haverá portanto, antes de mais, que seleccionar os pertinentes factos alegados por ambas as partes, dar a estas a oportunidade de fazerem prova sobre os que dela necessitem e de contraditarem os meios probatórios apresentados.
Em conclusão, a fim de serem supridas as indicadas deficiências, obscuridades e contradições existentes na decisão sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 712.º, n.º 4, do CPC, a sentença recorrida não pode deixar de ser anulada.
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III – Decisão Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, por conseguinte: 1) anula-se a decisão recorrida; e 2) ordena-se a baixa do processo à primeira instância, a fim de aí ser organizada a base instrutória e prosseguir os seus ulteriores termos. Custas pela parte vencida a final. Notifique
Lisboa, 28.10.2008
João Aveiro Pereira
Rui Moura
Anabela Calafate