EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário

- Se se considera inepta a petição, não há que proferir despacho de aperfeiçoamento em sede de pré-saneador, antes haverá que proferir, por escrito, despacho saneador, uma vez que ocorre dispensa da audiência preliminar, onde será julgada verificada tal excepção, que é uma excepção dilatória insuprível.
- Tendo-se proferido despacho de aperfeiçoamento foi porque se entendeu que, na exposição da matéria de facto relevante, o opoente fez apelo a conceitos conclusivos ou integrando matéria de direito, isto é, que a causa de pedir se mostrava insuficientemente concretizada.
- Mas, então, tendo o opoente correspondido ao convite em termos insatisfatórios, ou mesmo que não correspondesse ao convite de aperfeiçoamento, a oposição tinha que prosseguir, correndo aquele o risco de que a decisão de mérito lhe fosse desfavorável por falta de concretização da causa de pedir.
- Logo, não havia que, face ao não aperfeiçoamento em termos satisfatórios, julgar verificada a excepção dilatória da ineptidão daquela petição, antes havendo que prosseguir a oposição, correndo o opoente o risco de que a decisão lhe venha a ser desfavorável.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

A deduziu oposição à execução que contra ele moveu B, alegando que nada lhe deve, que não lhe pediu qualquer empréstimo e que não contraiu alguma dívida, tendo o título executivo sido obtido depois de ameaça física e coacção moral.
Mais alega que foi sócio da mulher do exequente, desconhecendo se esta contraiu alguma dívida perante o marido, sendo que, foi com base nesta relação com a mulher do exequente que este o obrigou a assinar o documento que constitui título executivo, sem que alguma vez fosse seu sócio ou lhe tivesse emprestado algum dinheiro.
Conclui, assim, pela procedência da oposição.
Recebida esta, foi ordenada a notificação do exequente para contestar, o que fez, alegando que o opoente não invoca um único facto, concreto e preciso, que possa integrar juízos meramente conclusivos, como extorsão, ameaça física e coacção moral, o que torna a sua petição inepta, excepção essa que expressamente invoca.
Mais alega que a execução tem por base um documento particular, que consubstancia uma confissão de dívida assinada pelo executado, a qual representa a globalidade de várias quantias em dinheiro que o opoente pediu emprestadas ao exequente.
Conclui, deste modo, pela procedência da excepção que invocou, com a inerente absolvição do exequente da instância, ou, então, pela improcedência da oposição, com a consequente absolvição do exequente do pedido.
O opoente respondeu à excepção, concluindo, de novo, pela procedência da oposição.
Seguidamente, foi proferido despacho, convidando o executado, ao abrigo do disposto no art.508º, nº1, al.b), do C.P.C., a aperfeiçoar o articulado apresentado, fazendo constar do mesmo os concretos factos que lhe permitiram concluir ter existido ameaça, coacção e extorsão.
Acedendo ao convite, o executado apresentou novo articulado, onde, praticamente, repetiu o que já havia dito na petição inicial de oposição, mas reproduzindo, desta feita, a queixa crime que afirma ter apresentado.
O exequente respondeu, alegando que não foi dado cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento e remetendo para tudo quanto havia alegado na anterior contestação.
Foi, então, proferido despacho saneador, onde se conheceu da excepção de ineptidão da petição, suscitada pelo exequente, prevista na al.b), do art.494º, do C.P.C., julgando-se a mesma verificada e absolvendo-se o exequente da instância.
Inconformado, o executado interpôs recurso daquela decisão, que foi admitido como agravo.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

Um título de dívida obtido através de Extorsão ou ameaça é não válido face à Ordem Jurídica, constituindo crime previsto e punível pelo Código Penal. O documento assinado, de facto, pelo Embargante, no escritório e na presença do Advogado do Exequente, foi precedido de ameaças físicas, coacção física e moral, que constando dos factos alegados como causa de pedir podia e devia ter sido conhecido.
2a
Em determinado momento, recorrendo a Ameaças e Coacção Física e Moral, deslocando-se mesmo para o efeito ao local de trabalho do Denunciante, o recorrido ameaçou o recorrente, para exigir que este assinasse o documento; Esta declaração assim obtida é inválida e mesmo juridicamente inexistente; Determina o art. 255.° do CC: "l. Diz- se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração ".

O Denunciado ora recorrido veio exigir a assinatura de documento de dívida, sendo que durante meses lhe fazia esperas no seu local de trabalho; em sua casa, onde o encontrasse, mesmo quando tinha em sua posse seu filho de tenra idade; Era a Ameaça Continuada, para assinar o documento de declaração de dívida; O tribunal podia e devia ter conhecido da validade substancial deste documento ou sobre a mesma se ter pronunciado, por exemplo relegando o seu conhecimento para a audiência de julgamento.

Que o recorrente desconhece como foram sequer encontrados estes valores já que nenhum documento existe, ou existiu, de suporte físico ou útil; Mas atento as constantes ameaças físicas e coacção acabou por assim no escritório do Advogado do Denunciado e na presença daquele; como este último reconhece; estes factos gravíssimos seriam de conhecimento prévio e de comunicação pelo tribunal ao MP e Ordem dos Advogados. É o direito à família e integridade física de crianças que o determina.

Se o Denunciado emprestou algum dinheiro foi a sua mulher, sócia do recorrente; Como diz a lei, pedida a declaração da nulidade de uma declaração negocial, obtida criminalmente “ A intervenção do Tribunal nos termos deste artigo, é meramente declarativa, limitando-se a comprovar a existência de nulidade”. ACSTJ, 15-12-1977: BMJ, 272.° -196.

Foram alegados factos consubstanciadores da nulidade e mesmo inexistência jurídica da declaração negocial, que foi obtida por meio de violência física e moral; Ao tribunal cabia apreciar a existência ou verificação da dita nulidade e declará-la. A clareza da exposição dos factos nenhuma duvida deixará para que se entenda que existe uma declaração de divida obtida sob coação física e moral;
"I — É nulo o contrato de mútuo que não foi celebrado por escritura pública, com infracção do disposto no art. 1.143.° do Cód. Civil. II - Declarada a nulidade do contrato, deve o mutuário restituir ao mutuante tudo o que este houver prestado (art. 289. °, n. ° l, do Cód. Civil)". ACSTJ, de 26-11-1985: BMJ, 351.° -415.

Os pressupostos processuais são de conhecimento prévio ao conhecimento do facto jurídico propriamente dito, o que a douta sentença recorrida não fez, a pretexto da falta de clareza da exposição dos factos; "São elementos típicos do crime de extorsão do art. 317.° do CP: A violência ou ameaça ou sujeição do ofendido à impossibilidade de resistir; prática de actos, pelo ofendido, de disposição patrimonial, em situação de constrangimento; que esses actos acarretem, para ele ou para terceiro, prejuízo patrimonial efectivo; e intenção do agente de, com a sua actuação, conseguir enriquecimento ilegítimo". Ac RC de 04 de Março de 1987; CJ, XII, tomo 2,102.

Tendo sido alegado que o recorrente é totalmente estranho àquela declaração negocial, já que nenhum negocio jurídico ou relação substancial existe, este facto podia e devia ter sido apreciado pela douta sentença recorrida, invertendo-se o ónus ao Exequente de provar a relação substancial à declaração da divida o que não fez, em violação da inversão do ónus da prova.

Denunciados factos criminais graves , atentadores da saúde e integridade física de uma família e de uma criança, com eventual conhecimento ou aceitação de um jurista, tais factos podiam e deviam ter sido de imediato comunicados ao MP e ordem profissional e os autos suspensos até decisão prévia sobre estas denuncias criminais, pois que eles são prévios a analise da acção.
10ª
Normas violadas: 13 e seguintes; 25 da CRP
3; 3-A; 668 do CPC
220; 255/256;234/233; 286; 289; 1143 do Código Civil
153/154;317 do Código Penal.
VEXAS revogando a aliás douta sentença, substituindo-a por outra que
conheça destas nulidades de imediato, ordenando a imediata suspensão da
penhora, farão a costumada Justiça.
2.2. O recorrido contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
1º. Para se eximir ao pagamento da sua dívida ao Recorrente, o Executado lembrou-se de urdir que a declaração de dívida (título executivo) lhe foi extorquida sob ameaça e coação, as quais terão ocorrido, inclusivamente, no escritório do advogado ora subscritor e na presença deste, do que, alegadamente, teria dado conhecimento ao MP e à Ordem dos Advogados.
2º. À parte, quer o Recorrido, quer o aqui subscritor, nunca haverem sido notificados a esse propósito pelas mencionadas entidades, pelo que desconhecem o teor e o prosseguimento das hipotéticas participações, certo é que, pelo menos nos presentes autos, a imaginação do Recorrente não logrou chegar ao ponto de circunstanciar aquelas acusações.
3º. Apenas referiu que as ameaças e coacção ocorreram quando tinha o filho ao colo, em sua casa, no seu local de trabalho e no escritório do mandatário do Exequente, mas sem particularizar datas e, principalmente, quais as ameaças concretas, por que forma foi coagido, como é que, especificadamente, o Exequente e o mandatário deste o obrigaram a assinar a declaração de divida.
4º. Assim, tanto o Tribunal a quo, como o Recorrido e o seu mandatário, ficaram na total ignorância das circunstâncias de tempo e, sobretudo, modo, da prática daquelas condutas criminais, que o Recorrente leviana, genérica e abstractamente lhes imputou, pelo que não podia a sentença recorrida conhecer de factos não invocados.
5º. Trata-se, além do mais, a litigância do Recorrente, de pusilanimidade intelectual, porquanto, sem aquele conhecimento, a defesa do Recorrido (e, já agora, do seu advogado) torna-se naturalmente inviável, como o Recorrente não pode deixar de ter presente.
6º. Perante o carácter meramente conclusivo da Oposição, foi o Recorrente convidado «a aperfeiçoar o articulado, fazendo constar do mesmo os concretos factos que lhe permitiram concluir ter existido ameaça, coação e extorsão» (fls.92).
7º. Porém, ou por não ter entendido a clareza e simplicidade do despacho, ou por lhe ter faltado o génio inventivo para descrever factos que nunca existiram, o Recorrente entregou nova peça que padecia exactamente das mesmas deficiências e insuficiências, pelo que acabou por não habilitar o Tribunal a pronunciar-se sobre os integrantes factuais daqueles seus juízos conclusivos.
8º. Portanto, contrariamente ao que o Recorrente pretende nas suas Conclusões 4a e 6a, não só não foram alegados factos consubstanciadores da extorsão, como não existiu, por parte do Recorrido, qualquer confissão desses factos e, daí que, não pôde o Tribunal apreciar da nulidade do título com tal fundamento.
9°. A questão da nulidade por vício de forma também não releva em termos práticos, uma vez que a mesma conduz à restituição do que foi prestado (CC, art.289º, n° 1), sendo que, por outro lado, não carecia o Exequente de alegar a causa da obrigação, porque, atendo o regime prescrito pelo art.4580 do CC e a conexão existente entre o ónus da alegação e o ónus da prova, inexiste fundamento para impor ao credor, tanto numa acção declarativa como na execução, o ónus de invocar a causa da dívida reconhecida, pois só faz sentido impor o ónus da alegação àquele sobre quem recai simultaneamente o ónus da prova.
10º. Efectivamente, considerando que a lei, face a uma declaração de reconhecimento de dívida, presume a existência da respectiva causa, o credor está exonerado do ónus da prova (CC, art.334°, n° 1), logo não é razoável impor-lhe o ónus da alegação que, no contexto processual, é totalmente despiciendo (vide Juiz Desembargador António Santos Abrantes Geraldes, Títulos Executivos, in Reforma da Acção Executiva e Acs.RL de 27-6-02, CJ, III, pág.121 e STJ de 11-5-99, II, pág.88).
11º. Acresce que, o Recorrente não elidiu a presunção da existência da dívida, pois, negar, por si só, a relação substancial de uma dívida que prévia e expressamente se assumiu, porque, alegadamente, se assinou o respectivo título sob ameaça e coação, isto com as deficiências e insuficiências acima apontadas, não é elidir a presunção da dívida, pelo que não há lugar a inversão do ónus da prova.
12º. Na verdade, não foi denunciado um único facto criminal (e, pergunta-se, como é que o Recorrido teve a peregrina ideia dos atentados à saúde, ao direito à família e à integridade física de uma criança?!), muito menos com conhecimento e aceitação de um jurista,
13º. Não podendo deixar de se lamentar, isso sim, é que um advogado produza uma peça processual, na qual, abstracta e genericamente, acusa um Colega, ainda que sob a forma de suspeita, de práticas criminosas e, mesmo após haver sido convidado a circunstanciar aquelas acusações, persista na abstracção e na generalidade, limitando-se a eivar, excruciantemente, os articulados, de jurisprudência e doutrina (alguma, note-se, diametralmente inversa às suas próprias teses).
14º. Não tendo o Recorrente indicado causa de pedir, na Oposição à execução, fatalmente só seria expectável que o Tribunal absolvesse o Exequente da instância, por julgar verificada a excepção dilatória da al. b) do art.4940 do CPC, pelo que, não existiu qualquer violação de lei por parte da douta decisão recorrida, a qual deverá ser mantida, negando-se provimento ao recurso.
2.3. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, tendo o executado deduzido oposição à execução, que foi recebida, pode posteriormente, em sede de despacho saneador e após convite feito ao opoente para aperfeiçoar a petição de oposição, dadas as insuficiências desta na concretização da matéria de facto alegada, julgar-se procedente a excepção da ineptidão daquela petição e absolver-se o exequente da instância.
No caso, foi o que se passou, como já resulta do que se expôs no relatório supra. Assim, após os articulados, foi proferido despacho, convidando o executado a aperfeiçoar a petição de oposição, para dela fazer constar os concretos factos que lhe permitiram concluir ter existido ameaça, coacção e extorsão. E tendo o opoente apresentado nova petição, foi proferido despacho saneador, onde se entendeu que aquele se limitou a repetir o que já havia dito, pelo que, continuou a não concretizar os aludidos conceitos, concluindo-se, então, que a petição é inepta, e, em consequência, decidindo-se absolver o exequente da instância.
Mas será que, face aos preceitos legais aplicáveis ao caso, tal decisão é juridicamente correcta?
Vejamos.
Como é sabido, o processo de oposição à execução configura-se como uma verdadeira acção declarativa enxertada na executiva, implicando, pois, a constituição de uma relação processual com a estrutura do processo normal de declaração. Assim, a oposição à execução corre por apenso, devendo o processo ser concluso ao juiz, a fim de ser proferido despacho de rejeição ou despacho de recebimento (art.817º, nºs 1 e 2, do C.P.C. – serão deste Código os demais artigos citados sem menção de origem). Não sendo caso de indeferimento liminar, deverá ser lavrado despacho de recebimento da oposição, na sequência do qual o exequente é notificado para contestar, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração. O que significa que, findos os articulados, se observa o disposto nos arts.508º a 512º-A (cfr. o art.787º, nº1), podendo, deste modo, ser proferido despacho no sentido de se providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do nº2, do art.265º, ou de se convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos nºs 2 a 6, do art.508º (cfr. as als.a) e b), do nº1, do citado art.508º). Prevê-se, neste artigo, a figura do despacho «pré-saneador», onde são colocados dois tipos de questões que consistem, por um lado, em saber se existem excepções dilatórias supríveis que careçam de ser ultrapassadas para permitir o conhecimento do mérito da causa, e, por outro lado, em saber se existem irregularidades ou deficiências em qualquer dos articulados apresentados.
Deste modo, no âmbito do 1º tipo de questões, se se verificar a existência de uma excepção dilatória suprível, deve providenciar-se logo, oficiosamente, pelo seu suprimento ou convidar-se o interessado a providenciar pelo suprimento, se este depender de uma opção da vontade da parte. Se se verificar a existência de uma excepção dilatória insuprível, das duas uma: se as partes não tiveram oportunidade de suscitar e discutir tal excepção nos articulados, haverá que convocar a audiência preliminar para lhes facultar a discussão de facto e de direito (art.508º-A, nº1, al.b)); se tal excepção já foi suscitada e debatida nos articulados, poderá ser dispensada a audiência preliminar, nos termos do art.508º-B, nº1, al.b), devendo então ser julgada verificada no despacho saneador, com a inerente absolvição do réu da instância, nos termos do art.510º, nº1, al.a).
No âmbito do 2º tipo de questões atrás referidas, distingue-se entre o convite ao aperfeiçoamento do articulado «irregular» e do articulado «deficiente». Assim, enquanto que a irregularidade do articulado radica na falta de requisitos legais ou na falta de junção de documentos de que a lei faz depender o prosseguimento da causa (art.508º, nº2), a deficiência do articulado tem a ver com insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, as quais devem ser supridas em conformidade com os limites estabelecidos no art.273º, se as alterações forem introduzidas pelo autor, com sujeição às regras gerais sobre contraditoriedade e prova (art.508, nºs 3, 4 e 5).
No caso dos autos, foi o opoente convidado a aperfeiçoar a petição de oposição, ao abrigo do disposto na al.b), do nº1, do art.508º, por se ter entendido que dela não constavam os concretos factos que permitiriam concluir ter existido ameaça, coação e extorsão. Tendo o opoente correspondido ao convite, apresentou nova petição de oposição, no entanto, considerou-se que esta se limitou a repetir o que já havia sido alegado na primitiva petição. E porque se entendeu que a mesma é inepta, conforme o invocado pelo exequente na sua contestação, julgou-se verificada a excepção de ineptidão da petição, absolvendo-se o exequente da instância.
Ora, tal solução não está de acordo com os preceitos legais atrás citados. Na verdade, se se considerava inepta a petição, tal como defendia o exequente, não havia que proferir despacho de aperfeiçoamento em sede de pré-saneador, antes haveria que proferir, por escrito, despacho saneador, uma vez que ocorria dispensa da audiência preliminar, onde seria julgada verificada tal excepção, que é uma excepção dilatória insuprível (cfr. Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, págs.177 e 341). Tendo-se proferido despacho de aperfeiçoamento foi porque se entendeu que, na exposição da matéria de facto relevante, o opoente fez apelo a conceitos conclusivos ou integrando matéria de direito, isto é, que a causa de pedir se mostrava insuficientemente concretizada. Mas, então, tendo o opoente correspondido ao convite em termos insatisfatórios, ou mesmo que não correspondesse ao convite de aperfeiçoamento, a oposição tinha que prosseguir, correndo aquele o risco de que a decisão de mérito lhe fosse desfavorável por falta de concretização da causa de pedir (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, vol.2º, pág.355).
Já Alberto dos Reis advertia, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol.2º, págs.372 e 374, que importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente, embora por vezes se torne difícil distinguir a deficiência que envolve ineptidão da que deve importar improcedência do pedido. Seja como for, no caso, num primeiro momento, considerou-se que a deficiência não envolvia ineptidão. De tal modo que foi o opoente notificado para aperfeiçoar a petição de oposição. Logo, não havia que, num segundo momento, face ao não aperfeiçoamento em termos satisfatórios, julgar verificada a excepção dilatória da ineptidão daquela petição, antes havendo que prosseguir a oposição, correndo o opoente o risco de que a decisão lhe venha a ser desfavorável.
É certo que a petição de oposição à execução é prolixa e difusa, estando os factos expostos de uma forma vaga e abstracta, o que pode comprometer o êxito da oposição. Todavia, a pouca clareza e precisão na dedução dos fundamentos não importa ineptidão quando, apesar disso, se depreende qual a causa de pedir. É que o vício descrito na al.a), do nº1, do art.193º, só se verifica quando não possa saber-se, pela petição, qual a causa de pedir, seja porque é inteiramente omissa a esse respeito, seja porque, por inintelegibilidade, não é possível apreendê-la com segurança. Num caso e no outro a petição é inepta porque não pode saber-se qual a causa de pedir.
Acresce que, se o réu arguir a ineptidão com fundamento naquela al.a) e ao mesmo tempo contestar, não deve julgar-se procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (art.193º, nº2). É que bem pode acontecer que a causa de pedir falte ou seja de tal modo inintelegível que o réu não tem maneira de organizar a sua contestação. Mas também pode suceder que seja possível atribuir à petição um determinado sentido, o que permite ao réu contestar, caso em que, se tiver dado à petição o verdadeiro sentido (e, por isso, é que é ouvido o autor), não há motivo para ser considerada inepta.
No caso dos autos, o exequente, apesar de ter arguido a ineptidão com fundamento na al.a), do nº1, do art.193º, contestou a oposição, alegando ser falso o argumento da extorsão, das ameaças físicas e da coacção moral, e esclarecendo que, para não pairar a mínima suspeita de que a confissão em causa não foi obtida por qualquer meio ilícito, tal confissão representa a globalidade de várias quantias em dinheiro que o opoente pediu emprestadas ao exequente. É que o opoente havia alegado nada dever ao exequente, por não ter tido qualquer negócio com ele, e que o documento de confissão da dívida havia sido obtido mediante ameaça física e coacção moral, tendo sido obrigado a assiná-lo. Estamos, assim, perante uma simples declaração unilateral de reconhecimento de dívida, sem indicação da respectiva causa (cfr. o art.46º, nº1, al.c)), caso em que, nos termos do art.458º, nº1, do C.Civil, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. Estabelece-se, pois, naquele artigo a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, já que se presume que a obrigação tem uma causa, embora o devedor possa fazer a prova do contrário (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., pág.385). Compete, deste modo, ao devedor-declarante alegar e provar que semelhante relação não existe, designadamente, porque não se constituiu qualquer negócio ou porque é nulo.
Ora, no caso sub judice, o opoente alega, precisamente, que não teve qualquer negócio com o exequente, apenas tendo sido sócio da mulher deste, mas sem que, nesse âmbito, tenha assumido qualquer dívida para com ele, mais alegando que foi coagido, física e moralmente, a assinar o documento de dívida, embora, nesta parte, pudesse e devesse ter sido mais preciso e explícito, indicando factos concretos dos quais se inferisse a coacção. De todo o modo, dúvidas não restam que o opoente alega a não existência da relação fundamental, cuja existência se presume, pelo que, lhe cabe a prova do alegado.
Não obstante, não se pode dizer que seja inútil o exercício de actividade probatória por parte do exequente, no sentido de convencer que o facto alegado pelo opoente não é exacto, pois que, tem todo o interesse e vantagem em produzir a prova do facto contrário ao do opoente, tendo em vista a improcedência da oposição. Seja como for, uma coisa é certa: no caso de falta ou insuficiência de provas, terá de ser desatendida a pretensão do opoente, uma vez que já se apurou que lhe incumbia o ónus da prova. Na verdade, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, ob.cit., pág.284, «O significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar como deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto». O que vale por dizer que o problema do ónus da prova consiste em determinar qual das partes há-de suportar o risco em cada caso concreto, sendo que, suporta o risco a parte sobre a qual impendia o ónus.
Haverá, deste modo, que concluir que, tendo o executado deduzido oposição à execução, que foi recebida, não pode posteriormente, em sede de despacho saneador e após convite feito ao opoente para aperfeiçoar a petição de oposição, dadas as insuficiências desta na concretização da matéria de facto alegada, julgar-se procedente a excepção da ineptidão daquela petição e absolver-se o exequente da instância.
A oposição deverá, pois, prosseguir, correndo por conta do opoente o risco de que a decisão de mérito lhe venha a ser desfavorável, por falta de material de facto sobre haja de assentar o reconhecimento do seu direito. Para o efeito, haverá que ter em consideração a matéria de facto alegada pelo opoente e pelo exequente, a primeira a relevar em sede de ónus da prova e a segunda como meio de contraprova.
Procede, assim, o recurso, não podendo, destarte, manter-se a decisão recorrida.
3 – Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão agravada, julgando-se improcedente a excepção dilatória da ineptidão da petição de oposição e determinando-se que os autos prossigam seus regulares termos.
Custas pelo agravado.
Lisboa 17.2.2009
Roque Nogueira
Abrantes Geraldes
Tomé Gomes