I. O n.º5 do art.º 1352º do CPC permite o adiamento da conferência de interessados “por uma só vez”, se faltar algum dos convocados e, mesmo assim, apenas se houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões. A falta de comparência de um dos interessados ou do seu advogado não pode servir de fundamento para adiar pela segunda vez o prosseguimento da conferência ou impedir a imediata abertura de licitações.
II. Esgotadas as possibilidades legais de adiamento, tem lugar a realização da conferência de interessados, sendo indiferente o número de interessados que se encontrem presentes.
(sumário da Relatora)
Agravante/requerida: A
Agravados/requerentes: B e Mulher, C.
No âmbito dos presentes autos de inventário foi marcada conferência de interessados para dia 04.04.2006.
Foram regularmente notificados para comparecerem na referida conferência os interessados na partilha bem como os respectivos mandatários.
Porém, a interessada A bem como o seu ilustre mandatário faltaram a esta conferência.
Perante a referida situação, o Juiz decidiu não adiar, dando início à diligência, já que não se vislumbrava possibilidade de acordo quanto à composição dos quinhões.
Em 12.06.2007 foi proferido despacho sobre o modo como devia ser organizada a partilha.
Em 12.03.2008 veio a interessada A juntar aos autos requerimento onde arguiu a nulidade da conferência de interessados, com base na qual se havia determinado o modo de composição dos quinhões, solicitando a marcação de uma nova conferência para que à mesma fosse dada uma oportunidade de licitar e se manifestar quanto ao destino da partilha.
Para tal alegou, em síntese, que na referida diligência não havia comparecido por motivos de saúde, tendo juntado comprovativo do mesmo e justificado a sua falta atempadamente.
Apesar disso ficou, posteriormente, a saber que a conferência de interessados sempre se havia realizado, não obstante a sua impossibilidade de comparência e o facto de não ter ninguém a representá-la, já que o seu mandatário havia renunciado à procuração conferida em 03.04.2006 (facto do qual só veio a ser notificada a 11.05.2005).
Pelos requeridos, B e mulher, C, foi exercido o contraditório, dizendo, em síntese, que lei possibilita a todos os interessados o comparecimento na conferência e não faz depender a sua realização da presença de todos ou de certo número de interessados. Para além disso, a lei não exige a presença do mandatário para o acto porque se trata de causa em que não é obrigatória a constituição de advogado (art.º 32º n.º3 ). Assim, e uma vez que quer a interessada quer o seu mandatário foram regularmente notificados para comparecerem na diligência em causa, não releva, portanto, que a interessada não tenha querido ou podido assistir à conferência. Sobretudo, porque já não era a primeira vez que faltava. A já havia faltado anteriormente à conferência de interessados realizada a 5 de Fevereiro de 2004. Dessa vez a Conferência fora adiada, fazendo-se aplicação do 1352º n.º5 do CPC, o qual prevê a possibilidade de adiamento por uma só vez se faltar algum dos convocados e haja razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões. Não existia, pois, fundamento legal para novo adiamento. Já se havia esgotado o único adiamento que a lei consente. A conferência tinha obrigatoriamente de realizar-se.
Tal requerimento foi indeferido por despacho do Juiz.
Inconformada com tal decisão vem apelar a Requerente., formulando as seguintes conclusões:
1. Para a validade da conferência realizada a 04.04.2006 era necessário que ambas as partes estivessem presentes ou representadas;
2. A recorrente por justo impedimento não pode estar presente;
3. O que provou fls. 131 dos autos;
4. Todavia, a conferência realizou-se do mesmo modo, o que não poderia ter acontecido – nulidade nos termos e para os efeitos do art.º 201º n.º1 do C.P.C;
5. Foi arguida esta nulidade e não foi acolhida motivando o presente recurso que pelas razões expendidas deve proceder
6. Assim, foram violadas as disposições do art.º 34º do CPC bem como do art.º 1352º n.º2 do CPC.
7. Foi incorrectamente aplicado o art.º 1352º n.º5 do CPC, pois apenas é aplicável a situações em que os interessados se propõem a chegar a acordo sobre a partilha sem necessidade de intervenção do tribunal, o que não é sem dúvida o presente caso.
A requerida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. A recorrente A bem como o seu mandatário, Dr. D, foram regularmente notificados para comparecerem na conferência de interessados marcada para o dia 4 de Abril de 2006.
2. O mandatário da recorrente renunciou, em 3 de Abril de 2006, à procuração que lhe fora outorgada pela recorrente.
4. A recorrente não nomeou novo advogado e continuou a intervir nos autos, pleiteando por si, subscrevendo requerimentos e exposições.
5. O mandatário renunciante não estava obrigado a prosseguir com o patrocínio judiciário da recorrente, até esta nomear outro advogado, por se tratar de causa em que não é obrigatória a constituição de advogado.
6. A conferência de interessados já havia sido anteriormente adiada, com fundamento na falta de comparência da recorrente A.
7. A lei possibilita a todos os interessados o comparecimento à conferência e não faz depender a sua realização de todos ou de certo número deles.
8. A conferência de interessados deve realizar-se logo que esgotadas as possibilidades de adiamento.
9. Houve uma correcta aplicação da norma contida no n.º5 do art.º 1352º do CPC, que apenas permite o adiamento da conferência de interessados “por uma só vez”, se faltar algum dos convocados e mesmo assim apenas se houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.
10. Não foi violada a norma contida no art.º 34º do CPC, pois a recorrente continuou a pleitear por si.
11. A conferência de interessados de 4 de Abril de 2006 realizou-se no estrito cumprimento da lei, não estando inquinada de qualquer nulidade, pelo que os seus efeitos devem manter-se válidos na ordem jurídica.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, declarando-se validamente realizada a conferência de interessados do dia 4 de Abril de 2006 e mantendo-se a decisão recorrida, por ter obedecido aos comandos legais que a regulam.
II. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questão de saber se: (i) Foi ou não violada a disposição do art.º 34º do CPC bem como a disposição do art.º 1352 n.º 2 pelo facto de uma das partes interessadas não ter estado presente nem ter estado representada na conferência de interessados e consequentemente, se a conferência de interessados padece ou não do vicio da nulidade nos termos do 201º n.º1 do CPC; (ii) Se o despacho recorrido faz uma correcta interpretação e aplicação do art.º 1352º n.º5
II.1. Importa ponderar o circunstancialismo relativo à tramitação processual acima sintetizado.
II.2. Apreciando:
1. Quanto à questão de saber se no caso em apreço foi ou não violada a disposição do art.º 34º do CPC bem como a disposição do art.º 1352 n.º 2 pelo facto de uma das partes interessadas não ter estado presente nem ter estado representada na conferência de interessados.
O art.º 1352º do CPC é uma disposição específica do processo de inventário referente a uma fase da sua tramitação – a conferência de interessados.
Uma vez resolvidas as questões susceptíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar é designado dia para a realização de uma conferência de interessados. Esta é o verdadeiro órgão deliberativo no processo de inventário, devendo deliberar sobre: a composição dos quinhões (art.º 1353º n.º 1), a aprovação do passivo (art.º 1353º n.º 3), as reclamações contra o valor atribuído aos bens (art.º 1362º n.º 2), as questões cuja resolução possa influir na partilha (art.º 1353º n.º 4), a avaliação nos casos em que não é possível abrir licitações sobre determinados bens da herança.
Resulta do art. 1352 n.º2 e n.º4 que os interessados na partilha são notificados da data da realização da conferência de interessados e não precisam de comparecer pessoalmente, podendo fazer-se representar, porém, não necessariamente por um advogado.
O art.º 32º n.º3 do CPC refere, por sua vez, que não é obrigatória a intervenção de advogado nos inventários seja qual for a sua natureza ou valor, com a excepção de se suscitarem ou discutirem questões de direito. E o art.º 34º do CPC vem dizer que nestes casos (em que não é obrigatória a constituição de advogado), podem as partes pleitear por si ou ser representadas, nomeadamente, por advogados estagiários ou solicitadores.
Assim, das referidas normas, ao contrário do que vem dito em recurso, não resulta, salvo melhor opinião, que “nada se poderá fazer sem que ambas as partes estejam presentes ou regularmente representadas por alguém...”.
Da conjugação dos preceitos supra-referidos não se retira que a conferência de interessados não se possa realizar no caso de faltar o mandatário das partes ou mesmo alguma das partes interessadas.
O sentido da lei é apenas o de ser dada a possibilidade de os interessados (por si sós ou regularmente representados por outrem, advogado ou não) poderem participar e influenciar as deliberações da conferência de interessados, tendo sobretudo, em vista facilitar ou propiciar a obtenção de um acordo quanto à composição dos quinhões. Tal significa que estando os interessados, bem como os respectivos mandatários, se for o caso, regularmente notificados e não houver motivo legal para adiamento, a conferência de interessados pode realizar-se ainda que algum ou alguns deles não compareçam.
Nos presentes autos qualquer uma das partes havia constituído advogado para as representarem. Quer a agravante quer o agravado, bem como os seus respectivos mandatários, foram regularmente notificados para comparecerem na conferência de interessados marcada para dia 04.04.2006. Porém nem a agravante compareceu à referida conferência, justificando posteriormente a falta, nem o seu ilustre mandatário, tendo este juntado renúncia ao mandato, em 3 de Abril de 2006.
Nessa altura, encontrava-se já designado o dia 4 de Abril para a realização da conferência de interessados, tendo sido expedido ofício a notificar a mandante da renúncia somente em 11 de Maio de 2006. Significa isto que, de acordo com o disposto no art.º 39 n.º2 do CPC, ainda estava em vigor o mandato conferido pela recorrente ao renunciante. Concluindo, não foi por qualquer irregular actividade do tribunal que a agravante não esteve presente na conferência de interessados nem representada por advogado. Somente a falta de notificação regular da data para a realização da conferência poderia afectar a validade daquela conferência. Tal não foi o caso nos presentes autos.
Conforme refere D. Carvalho de Sá “Para a realização da conferência é indiferente o número de interessados que se encontrem presentes, realizando-se mesmo, logo que esgotadas as possibilidades legais de adiamento” [1].
Assim, entendemos que, contrariamente ao que alega a agravante, não foram violados os arts 34º e 1352º n.º2 do CPC.
A conferência de interessados realizada nos presentes autos não padece, pois, do vício da nulidade.
De qualquer modo, a haver alguma nulidade, esta teria de seguir o regime geral das nulidades processuais previsto no art.º 201º do CPC (uma vez que não está em causa a prática de acto processual especialmente previsto na lei, ou a sua omissão), estando sujeita ao prazo geral de arguição de 10 dias (art.º 153º CPC).
Tendo em conta o caso vertente, o referido prazo teria de ser contado a partir do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interviesse em algum acto praticado no processo ou fosse notificada para qualquer termo dele, presumindo-se que então tomara conhecimento da nulidade ou que tomaria caso agisse com a devida diligência (art.º 205º do CPC).
Sucede estar assente que, após a renúncia do seu mandatário, a agravante continuou a pleitear por si e que, após a realização da conferência de interessados, subscreveu requerimentos e exposições. Também resulta assente que a agravante foi notificada do despacho sobre a forma da partilha de 12.06.2007.
Significa que, já há muito que, a agravante tinha conhecimento da decisão do tribunal em não adiar a conferência de interessados e de admitir o acto de licitações.
Ora, como não arguiu essa situação processual no prazo de 10 dias, no processo de inventário, certo é que mesmo que existisse o vício alegado (o que não é o caso) ele já estaria sanado.
Assim, a arguição da nulidade deveria sempre improceder não só pela falta de fundamento legal mas também por extemporaneidade.
2. Quanto à questão de saber se houve uma correcta interpretação e aplicação do art.º 1352º n.º5
Resulta do art.º 1352º n.º5 que uma vez designada a conferência de interessados em inventário, a regra legal é a de que esta não pode ser adiada por falta de interessados devendo realizar-se. Apenas se permite, como excepção, um adiamento quando, mesmo no decurso dela, se torne previsível que haja acordo dos interessados em compor os quinhões evitando licitações.
O n.º5 do art.º 1352º do CPC, apenas permite o adiamento da conferência de interessados “por uma só vez”, se faltar algum dos convocados e, mesmo assim, apenas se houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.
Ora, nos presentes autos está assente que não era a primeira vez que a agravante faltava a uma conferência de interessados, tendo já anteriormente provocado o adiamento da conferência de 5 de Fevereiro de 2004, com fundamento na sua falta de comparência.
Por outro lado, os presentes autos não fornecem elementos para que se possa presumir ou considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões. Aliás o facto de não estarem presentes todos os interessados, significava que o acordo estava desde logo impossibilitado, pelo que tinha obrigatoriamente que se proceder a licitações.
Assim, foi correctamente aplicado o artº 1352º n.º5, não havendo fundamento legal para qualquer adiamento.
A falta de comparência do interessado ou do seu advogado não pode servir de fundamento para adiar pela segunda vez o prosseguimento da conferência ou impedir a imediata abertura de licitações[2].
III. Decisão
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso declarando-se validamente realizada a conferência de interessados do dia 4 de Abril de 2006 e mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela agravante.
Lisboa,17 de Março de 2009
Maria Amélia Ribeiro
Arnaldo Silva
Graça Amaral
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[1] Do Inventário, 1996, pag. 118
[2] Com interesse para o caso refere-se a seguinte jurisprudência: Acórdão do STJ de 11.10.2005, Acórdão do STJ de 03.03.2005, Acórdão do TRP de 27.06.2002, todos disponíveis in www.dgsi.pt