CONCESSIONÁRIA DA AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE CIVIL
ÓNUS DA PROVA
Sumário

A concessionária não cumpre o ónus da prova imposto pelo artº. 12º nº. 1, da lei 24/2007, se se limita a provar a adoção de medidas gerais de segurança, isto é, medidas que não tiveram como fim específico detetar a presença na auto-estrada dos objetos perigosos para a circulação e sua remoção imediata.

Texto Integral

Apelação n.º 98/14.4T2OBR.P1 – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1689
Mário Fernandes
Leonel Serôdio

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B…, Lda intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros C…, S.A. e D…, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5.926,70€, acrescida dos juros vincendos à taxa legal, desde a citação até ao integral pagamento.
Alegou que no dia 06/07/2013, pelas 4.15h, na A…, sentido sul/norte, em …, ao Km … o veículo ..-FT-.. embateu em destroços deixados na via, provenientes de despiste de outros veículos que embateram em restos de tela resultantes do rebentamento do pneumático do semi-reboque L- ……, segurado na 1.ª R.. No local do rebentamento - recta sem inclinação, com duas vias de circulação para casa sentido, divididas por separador central e ladeada de rails, piso seco, sem iluminação pública - vários veículos depararam-se com um pneumático de grandes dimensões com o qual não lograram evitar o embate e, que por sua vez, o veículo da A., que circulava na faixa da direita, a uma velocidade não superior a 100km/h, deparou-se com os veículos BC e BT parados na berma e com o pneu, não tendo o seu condutor possibilidade de evitar o embate com os destroços do pneu e os provenientes das viaturas acidentadas, espalhados pelas duas faixas de circulação. Em consequência do embate sofreu danos na frente do veículo, cuja reparação ascendeu o montante de 4.855,44€ e ficou privado do uso do veículo, durante o período de 33 dias desde a data do acidente até à sua reparação – dano que computa em 990.00€ - e, ainda, despesas em que incorreu em consequência do acidente, 81,86€, pelo levantamento do auto de ocorrência.
As Rés contestaram.
A Ré D…, suscitou o incidente de intervenção acessória da Companhia de Seguros E…, que foi admitido, e impugnou, contrapondo que tomou conhecimento do acidente através do carro patrulha, pelas 6 horas, e até à hora da comunicação via Linha …, pelas 3.58h, desconhecia por completo a existência de qualquer objecto na via e que, após tal comunicação, de imediato accionou o painel de mensagem móvel. Pelas 04.59h tomou conhecimento, pelo operador do posto de portagem de Aveiro Sul, que naquela barreira se encontra o veículo pesado que “largou o rasto” do pneu, o ..-LU-.. L-……. A auto-estrada é patrulhada pela D… e pela própria entidade policial competente, 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano. No dia do sinistro, os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados, nenhuma responsabilidade lhe podendo ser assacada na eclosão do acidente ajuizado.
A Ré C…, seguradora do conjunto formado por tractor com a matrícula ..-LU-.. e semi-reboque, com matrícula L-……., declinou qualquer responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, contrapondo que o condutor do pesado circulava pela hemi-faixa de rodagem da direita quando, após ter passado pelo parque de descanso na zona existente, se deparou com uma tela inteira de um pneumático na faixa de rodagem por onde seguia, não logrando desviar-se da referida tela de grandes dimensões existente na via, e que mais adiante deparou-se com novos destroços de pneus mais pequenos depositados na via, que também não logrou contornar em segurança, passando por cima dos mesmos e, que ao chegar à saída de Aveiro Sul, o condutor do conjunto sentiu o rebentamento de um dos pneumáticos, tendo parado na berma para verificar o sucedido, onde constatou que apenas tinham ficado pequenos pedaços de borracha oriundos do rebentamento, ficando o pneu, incluindo a tela, preso à jante, tendo prosseguido a marcha até à portagem onde procedeu à substituição do pneumático, entre as 2h47 e 4h37 da madrugada. Estes factos ocorreram pelas 02h.26m, após o km … da A…, sentido Sul/Norte, sendo inequívoco que o semi-reboque nada tem a ver com a eclosão do acidente discutido nos autos, sendo, ao invés, mais uma vítima da existência de destroços na auto-estrada, não assinalados. Por fim, impugna a materialidade alegada pela A. no art.º 1 no que se refere ao local e hora e danos ocorridos no veículo da A., aduzindo também que o condutor do veículo FT efectuava a condução por conta, no interesse e sob a direcção da A., pelo que se presume a sua culpa na produção do embate, nos termos do art.º 503.º, n.º 1 do CC.
A chamada E… – Companhia de Seguros, S.A. também contestou, alegando que o FT, na ocasião do acidente, era tripulado por um dos quadros da A. no seu interesse e de acordo com ordens e instruções da própria A., sendo pouco crível que o veículo da A. que é um Jaguar …, com 2700 de cilindrada e mais de 200 cavalos de potência circulasse a uma velocidade máxima de 100 km/h. e que apercebendo-se da existência de dois veículos parados na berma deveria ter evitado o embate. Aderiu, ainda, à defesa por impugnação produzida pela R. D…, sua segurada. Terminou alegando que em caso de condenação da sua segurada, sempre o valor por si a pagar terá de ser deduzido do valor da franquia estabelecida de 750,00€.
Foi realizada audiência prévia, na qual foi identificado objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova (fls. 384 e ss)
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré D… – Concessão Rodoviária a pagar à A. a quantia de €4.855,44 (pela reparação do FT); €240,00 (pela indemnização da privação do uso) e €81,26 (despesas com o valor do auto), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; e absolveu a 1.ª Ré Companhia de Seguros C…, S.A., do pedido.
II.
Recorreu a D… concluindo:
1. Tal como resulta da matéria dada como provada, o veículo – semi-reboque de matrícula L-……, pelas 02,36h, rebentou um dos pneumáticos do semi-reboque (6 dos factos provados).
2. Os objectos em que embateram os veículos EC e BT, que passaram pelo mesmo local onde o veículo pesado LU rebentou um pneu, foram identificados pelo condutor do EC às autoridades como tela de cor cinzenta e objecto de cor preta de grandes dimensões (7 dos factos provados).
3. A D… só tomou conhecimento via Linha … pelas 3,58h da existência de objecto na via de circulação, que desconhecia por completo até àquele momento, após tal comunicação, de imediato accionou o painel de mensagem móvel (17 dos factos provados).
4. No dia em que ocorreu o acidente, a D… e a GNR efectuaram patrulhamento no local do acidente e nada foi detectado que fizesse perigar a circulação na auto-estrada (19 e 20 dos factos provados).
5. Resulta igualmente dos factos provados que não houve qualquer omissão por parte da Ré D… relativamente aos deveres a que está obrigada pelo contrato de concessão.
6. Atentos os factos provados, a Ré logrou ilidir a presunção de incumprimento da observância dos deveres de segurança que sobre si recaem.
7. A D… agiu com a diligência e o cuidado que se pode esperar de uma concessionária de auto-estradas.
8. A Ré alegou e demonstrou que cumpriu efectivamente com os seus deveres de manutenção, conservação, vigilância e fiscalização, decorrentes do contrato de concessão, quer por prova documental quer por prova testemunhal.
9. De facto, atenta a matéria provada não é possível concluir pela responsabilidade da D… quanto à ocorrência do acidente, pois, perante o art. 12.º/1 da Lei 24/2007 deve ter-se por ilidida a presunção aí estabelecida, uma vez que resultou provado que a Ré, concessionária da A…, cumpriu todos os deveres de vigilância que sobre si impendiam no local onde ocorreu o acidente.
10. Não resultou provado que tenha havido qualquer omissão por parte da Ré D… relativamente aos deveres a que está obrigada pelo contrato de concessão, pelo que não podia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu, impondo-se a sua revogação.
11. Acresce que a M.ma Juíza a quo não faz constar dos factos provados que os danos causados no FT foram provocados pelo embate do mesmo no pneu deixado na via pelo veículo pesado LU, nem, que o último patrulhamento efectuado no local do acidente ocorreu cerca de 1,30h antes da comunicação referida no facto 17 e não foi detectado nenhum obstáculo nas vias, que se encontravam livres e desimpedidas.
12. A M.ma Juíza a quo também não fez constar dos factos provados, e devia, que imediatamente após a comunicação referida no facto 17 a D… accionou um painel de mensagem variável, com informação de “obstáculo seja prudente”.
13. Tendo resultado provado que foi efectuado o patrulhamento pela D… na A… para que o trânsito se procedesse com segurança e comodidade, não tendo sido detectado qualquer obstáculo que pusesse em risco a segurança dos utentes da auto-estrada, e que o pneu em que o FT embateu pertencia ao veículo pesado LU, a sentença deve ser revogada e absolvida a recorrente.
A Ré C… contra-alegou, suscitando o incumprimento dos ónus que impendem sobre o impugnante da decisão de facto, e pedindo a confirmação da sentença.
III.
Questões suscitadas:
- aditamento da matéria de facto;
- erro de julgamento.
IV –Factos considerados provados na sentença:
1- No dia 06.07.2013, pelas 04.15h, na A…, cerca do Km …, …, …, ocorreram vários acidentes de viação, no qual foram intervenientes os seguintes veículos:
a) o veículo pesado (semi-reboque) de matrícula L-……, propriedade de F… Lda., conduzido por G… e seguro na C… pela apólice ………;
b) o veiculo ligeiro de passageiros de matrícula ..-EC-.., propriedade de H… e por este conduzido, seguro na I… pela apólice ………;
c) o veiculo ligeiro do de passageiros de matrícula ..-BT-.., propriedade de J… e por esta conduzido, seguro na K… Seguros pela apólice n.” ../……..:
d) o veículo ligeiro de passageiros de matricula …-FT-.., propriedade da A. B…, Lda., conduzido por L…, seguro na K… Seguros pela apólice n.º ../……….
e) veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-FL-.., propriedade de M… e por esta conduzido, seguro na K… Seguros pela apólice n.º ../……..:
f) o veiculo ligeiro de passageiros de matrícula ..-...-SE, propriedade de N… e conduzido por O…, seguro na K… Seguros pela apólice n.º../……...
2- Ao Km …,.. a A… apresenta-se em recta sem inclinação, existindo duas vias de circulação para cada sentido de marcha, divididas por separador central, ajardinado ladeado por rails.
3- Não chovia, encontrando-se o piso seco.
4- Era noite e o local não tem iluminação pública, pelo que a visibilidade era proporcionada pelas luzes médias dos veículos que ali circulavam.
5- No local e hora acima indicados, os veículos circulavam todos na A…, no sentido Sul/Norte, entre os Kms … e …, por onde já tinha passado o veículo pesado de mercadorias LU, identificado em primeiro lugar, seguro na 1.ª R..
6- Ao referido veículo – semi-reboque - de matrícula L-……-, pelas 02h36, rebentou um dos pneumáticos do semi-reboque na sequência do que se deslocou e parou no parque das portagens da saída de Aveiro sul para a sua substituição.
7- Os veículos EC e BT que passaram depois pelo mesmo local onde o veículo pesado LU rebentou um pneu, embateram em objectos na via que o condutor do EC identificou às autoridades como “tela de cor cinzenta” e “objecto de cor preta de grandes dimensões” não conseguindo evitar o embate.
8- Não foi possível ao condutor do FT evitar o embate com destroços, dada a falta de iluminação pública no local, a cor dos destroços – preta- ou de metal e a localização dos mesmos – espalhados pelas duas vias de circulação.
9- Tendo sofrido danos na frente do veículo, nomeadamente na chapa de matrícula, no pára-choques, grelha do pára-choques e capot.
10- Em consequência do acidente supra descrito, o veículo do A. sofreu danos materiais que se cifraram em €4.855,44.
11- O veículo esteve 8 dias paralisado, para reparação e é utilizado pelo condutor L…, sócio da A., em deslocações por conta desta.
12- A A incorreu em despesas com o pedido do auto de ocorrência no valor de 81,26
13- A D…, S.A., é concessionária do Estado para a construção, conservação e exploração das auto-estradas refendas na Base I anexa ao Decreto – Lei n.º 294/97 de 24 de Outubro, entre as auto-estradas ali referidas, conta-se a auto-estrada A….
14- Por causa das indemnizações que, nos termos da lei, em consequência das actividades da concessão, sejam devidas a terceiros, a D…, S.A., por contrato de seguro, garantiu a sua responsabilidade civil até ao montante de Esc.150.000.000$00 pelas indeminizações que, de conformidade com a lei, possam ser-lhe exigidas como civilmente responsável pelos prejuízos e/ou danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da Al, conforme se alcança pela apólice n° …….
15- Pelo referido contrato de seguro, a E…, garantiu, até ao montante de Esc.150.000.000$00, a responsabilidade civil pelas indemnizações que, nos termos da legislação em vigor, sejam exigidas à D…, S.A., por prejuízos causados a terceiros que integrem a responsabilidade civil coberta pelo seguro.
16- A R. tomou conhecimento do sinistro dos presentes autos através de comunicação da Assistência Rodoviária (carro patrulha), para o Centro de Coordenação de Operações, vulgo CCO, onde se encontrava a trabalhar, entre outros, a operadora de comunicações, P….
17- Até à hora da comunicação via Linha …, pelas 3.58 horas, a D… desconhecia por completo da existência de objecto na via de circulação e, após tal comunicação, de imediato accionou o Painel de Mensagem Móvel, vulgo, PMV.
18- Por comunicação para o mesmo Centro de Coordenação, o operador principal de posto de portagem de …, Sr. Q…, pelas 04.59 horas, dá notícia de que se encontra naquela barreira de portagem o veículo pesado que largou o rasto de pneu, o ..-LU-.. …….
19- A Auto-estrada é patrulhada pela D… e pela própria entidade policial competente, 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano.
20- No dia do sinistro, os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados.
21- O condutor do conjunto articulado prosseguiu a marcha até ao parque da portagem onde procedeu à substituição do pneumático (art.º 15.º).
Factos considerados não provados:
- Que o veículo FT se tenha deparado com os veículos EC e BT parados na via e com os destroços do pneumático e os destroços de um desses veículos acidentados espalhados pela via (parte do art.º 8.º da PI).
- O FT seguia tranquilamente a velocidade perfeitamente adequada ao local e condições meteorológicas e do trânsito a não mais de 100 km/ hora (art.º 9.º da PI).
- O veículo esteve 33 dias paralisado, contado desde a data do acidente (em 6/07/2013) até à efectiva reparação (em 8/08/2013) (art.º 14.º da PI).
- Após ter passado pelo parque de descanso na zona existente, o condutor deste conjunto de veículos- LU e atrelado- deparou-se com uma tela inteira de um pneumático no meio da hemi-faixa direita de rodagem (art.º 6 da cont da 1.ª R.).
- Como, naquele momento, não circulavam quaisquer outros veículos no mesmo sentido (Sul – Norte), este condutor logrou desviar o conjunto para hemi-faixa de rodagem esquerda, contornando a tela de grandes dimensões (art.º 7.º da cont. da 1.ª R.).
- Mais à frente, já depois de ter passado uma ponte ou viaduto ali existente, o mesmo condutor deparou-se com novos destroços de pneu depositados na via, desta feita mais pequenos (art.º 8 da cont da 1.ª R.).
- No entanto, como nesta altura circulavam mais veículos na A… no mesmo sentido, o condutor do conjunto não teve a possibilidade do contornar estes destroços, nem imobilizar o conjunto em segurança, pelo que teve de passar por cima dos ditos destroços de pneu. (art.ºs 9.º e 10.º da cont. da 1.º R.).
- Ao chegar à saída de …, o condutor do conjunto sentiu o rebentamento de dos pneumáticos, tendo parado na berma para verificar o sucedido ( art.º 11.º da cont. da1.ª R.).
- Na altura teve oportunidade de constatar através das luzes dos demais utentes da Auto-Estrada que apenas ficaram depositados na via pequenos pedaços de borrachas oriundos do rebentamento ocorrido, tanto mais quo o pneu em causa borrachas oriundos rebentamento ocorrido, tanto mais que o pneu em causa (incluindo tela) havia ficado preso à jante ( art.º 12 da cont da 1.º R.).
- E após o Km … da A…, atento o sentido Sul – Norte (art.º 14.º da cont. da 1.ª R.).
- Como não tinha condições para proceder, em segurança, à mudança do pneu naquele local, o condutor do conjunto articulado prosseguiu a marcha até ao parque da portagem onde procedeu à substituição do pneumático ( art.º 15.º da cont. da 11.ª R.).
- Nessa tarefa, o condutor pode novamente constatar que o pneu que havia rebentado continuava preso à jante, tendo apenas um buraco na tela (artº16.º da cont. da 1.ª R.).
V.
A Apelante pretende que se aditem três factos aos provados:
- Os danos causados no FT foram provocados pelo embate do mesmo no pneu deixado na via pelo veículo pesado LU;
- O último patrulhamento efectuado no local do acidente ocorreu cerca de 1,30 horas antes da comunicação referida no ponto 17 e não foi detectado nenhum obstáculo nas vias, que se encontravam livres e desimpedidas;
- Imediatamente após a comunicação referida no ponto 17, a D… accionou um painel de mensagem variável com a informação “Obstáculo seja prudente”.
A sua pretensão não procede.
Com efeito, o primeiro facto é uma redundância, atendendo a que dos factos provados 5 a 8 e 18 já resulta essa matéria. Sabe-se, assim, que o veículo da A. (FT), embateu nos pedaços de pneu deixados no local pelo veículo LU.
O segundo facto não resulta de qualquer alegação feita pela Apelante na sua contestação. Nela limitou-se a dizer que até às 03,58h desconhecia por completo a existência de objectos na via e, após o conhecimento de imediato accionou o painel de mensagem móvel (art. 8.º); que a auto-estrada é patrulhada pela D… e pela própria entidade policial competente 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano (art. 10.º); e que no dia do sinistro os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados (art. 11.º).
Tratando-se de facto essencial, cabia-lhe tê-lo oportunamente alegado, nos termos do art. 5.º/1 do CPC.
Por isso, não pode atender-se à sua pretensão.
O terceiro facto igualmente não deve ser adicionado, na medida em que o facto 17 contém, como se referiu, a alegação feita pela Ré D… no art. 8.º da contestação, no qual se não faz menção ao teor da informação passada.
Assim, a decisão sobre a responsabilidade da Apelante há-de resultar da análise dos factos que seguem:
1- No dia 06.07.2013, pelas 04.15h, na A…, cerca do Km …, …, …, ocorreram vários acidentes de viação, no qual foram intervenientes os seguintes veículos:
a) o veículo pesado (semi-reboque) de matrícula L-……, propriedade de F…e Lda., conduzido por G… e seguro na C… pela apólice ……….;
b) o veiculo ligeiro de passageiros de matrícula ..-EC-.., propriedade de H… e por este conduzido, seguro na I… pela apólice ………;
c) o veiculo ligeiro do de passageiros de matrícula ..-BT-.., propriedade de J… e por esta conduzido, seguro na K… Seguros pela apólice n.” ../……..:
d) o veículo ligeiro de passageiros de matricula ..-FT-.., propriedade da A. B…, Lda., conduzido por L…, seguro na K… Seguros pela apólice n.º ../……….
e) veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-FL-.., propriedade de M… e por esta conduzido, seguro na K… Seguros pela apólice n.º ../……..:
f) o veiculo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SE, propriedade de N… e conduzido por O…, seguro na K… pela apólice n.º../……...
5- No local e hora acima indicados, os veículos circulavam todos na A…, no sentido Sul/Norte, entre os Kms … e …, por onde já tinha passado o veículo pesado de mercadorias LU, identificado em primeiro lugar, seguro na 1.ª R..
6- Ao referido veículo – semi-reboque - de matrícula L-……-, pelas 02h36, rebentou um dos pneumáticos do semi-reboque na sequência do que se deslocou e parou no parque das portagens da saída de … para a sua substituição.
7- Os veículos EC e BT que passaram depois pelo mesmo local onde o veículo pesado LU rebentou um pneu, embateram em objectos na via que o condutor do EC identificou às autoridades como “tela de cor cinzenta” e “objecto de cor preta de grandes dimensões” não conseguindo evitar o embate.
8- Não foi possível ao condutor do FT evitar o embate com destroços, dada a falta de iluminação pública no local, a cor dos destroços – preta ou de metal e a localização dos mesmos – espalhados pelas duas vias de circulação.
17- Até à hora da comunicação via Linha …, pelas 3.58 horas, a D… desconhecia por completo da existência de objecto na via de circulação e, após tal comunicação, de imediato accionou o Painel de Mensagem Móvel, vulgo, PMV.
18- Por comunicação para o mesmo Centro de Coordenação, o operador principal de posto de portagem de …, Sr. Q…, pelas 04.59 horas, dá notícia de que se encontra naquela barreira de portagem o veículo pesado que largou o rasto de pneu, o ..-LU-.. …….
O facto 1 dá a entender que todos os veículos passaram no mesmo local à mesma hora. No entanto, essa imprecisão fica corrigida logo com o facto 5, que explica que o LU já tinha passado quando os outros chegaram ao local.
E quando passou o LU, que foi o veículo que sofreu o rebentamento do pneu do seu semi-reboque? Às 2,36h, como revela o facto 6.
E quando passou o FT? Às 4,15h, segundo o facto 1.
Às 3,58h a D… accionou o painel de mensagem móvel (facto 17), mas desconhece-se onde o mesmo se situava em termos de se tornar perceptível para o condutor do FT, alertando-o para a existência de pedaços de pneu no local.
O que sabemos, sendo a própria D… que o diz no documento de fls. 74, é que soube às 3,58h da existência de destroços no local, e que o seu veículo de assistência chegou às 4,40h.
A essa hora já o FT havia embatido nos destroços, visto que o embate ocorreu às 4,15h. Entre o rebentamento do pneu (2,36h) e o accionamento do painel às 3,58h mediou uma hora e 22 minutos. Entre o accionamento do painel e o acidente com o veículo da A. mediaram 17m. Entre o rebentamento do pneu e a chegada da assistência ao local mediaram duas horas e quatro minutos.
Não se vê, deste modo, que a Apelante tenha agido com a diligência que lhe é exigível.
Já tomámos posição sobre a responsabilidade da concessionária de auto-estradas no acórdão proferido em 24.11.2016 na apelação 3459/14.5TBMTS.P1, no qual intervieram quer o relator quer os Adjuntos deste:
«Por conseguinte, tudo anda à volta de saber se os factos provados relativamente ao comportamento de vigilância da Apelada são suficientes para ilidir a presunção decorrente do art. 12.º da Lei 24/2007.
Com efeito, tratando-se de presunção juris tantum pode ser ilidida pelo interessado em afastar a responsabilidade (n.º 2 do art. 350.º do CC).
(…).
Dispõe o art. 12.º (Responsabilidade) da Lei 24/2007, de 18 de Julho:
1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.
Sobre este artigo fez-se a seguinte dissertação de mestrado na Universidade Lusíada do Porto, sob o tema A Relevância da Lei dos Direitos dos Utentes das Auto-estradas (Lei 24/2007) na Responsabilidade Civil das Concessionárias[1], em 15.09.2015:
5.1 O regime do artigo 12º da Lei nº 24/2007
O artigo 12º, como foi dito, determina que é à concessionária que incumbe o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, por forma a ilidir a presunção legal contra si estabelecida.
Sobre a natureza desta presunção, de culpa ou de presunção de incumprimento, entende António Menezes Cordeiro que tal presunção configura uma responsabilidade objectiva ou sem culpa (64)[2].
Já Rui Ataíde (65)[3] entende tratar-se uma presunção indirecta de ilicitude, explicando que a opção legislativa reflecte a doutrina de Larenz e Canaris que reconduz ao plano da ilicitude as “«tradicionais» presunções de culpa”.
Defende tal opção legislativa e que a mesma se coaduna com a responsabilidade indiciária da concessionária, no que respeita aos acidentes provocados por factores de risco que lhe compete dominar.
Sustenta que a referida Lei n.º 24/2007 não contém um regime de responsabilidade civil objectiva e satisfaz os corolários do princípio da culpa, podendo a concessionária fazer prova da ausência de culpa e ilidir a presunção.
Nestes termos e além dos casos de «força maior», bastará a concessionária demonstrar que as medidas de prevenção que adoptou eram idóneas perante os deveres impostos pelo critério do bonus pater familias, afastando a tese de que não só teria de provar o cumprimento das suas obrigações, mas também um caso de força maior.
Por sua vez, no acórdão no Tribunal Constitucional n.º 597/2009, de 18 de Novembro (66)[4], sustenta - se que o artigo 12º, nº1, consubstancia uma presunção de culpa baseada na verificação da ocorrência de alguma das situações previstas nas suas alíneas, e subsequente atribuição do ónus da prova do contrário à concessionária, “a quem está atribuído o dever de velar pelas condições de segurança daquela via”.
Neste acórdão é também afastada a ideia de que o art.º 12.º do diploma consagra um regime de responsabilidade objectiva, insistindo que não se prescinde do requisito da culpa para apurar a responsabilidade da concessionária, existindo apenas uma facilitação da prova da existência de culpa por parte da mesma. Afirma ainda o Tribunal Constitucional que a ratio do diploma seria não só fazer recair o ónus da prova sobre aquele que está em melhores condições para fornecer os elementos de prova relativos às circunstâncias em que ocorreu o acidente, mas também funcionar como um incentivo ao reforço, por parte das concessionárias, das medidas destinadas a evitar a ocorrência daquele tipo de acidentes.
Quanto a nós, parece-nos que o que determina o artigo 12º, ao dispor que «o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária», não é substancialmente diferente do que dispõe o artigo 799º do Código Civil, quando determina que «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua».
Efectivamente, quer-nos parecer que a presunção de culpa ali contida no art.º 12.º é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude (à semelhança, portanto, da presunção legal estabelecida no art.º 799.º do C. Civil).
Dito de outro modo, basta ao lesado (utente), para responsabilizar a concessionária, demonstrar a ocorrência do acidente, com origem numa das situações elencadas (67)[5], a produção do dano e o nexo de causalidade entre a causa invocada e o dano.
Por sua vez, a concessionária para se eximir à sua responsabilidade, terá de provar que cumpriu as suas obrigações com o zelo devido, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, ou demonstrar a existência de caso de força maior ou outra causa de escusa.
5.1.1 As alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 12º - objectos arremessados ou existentes na via, atravessamento de animais e líquidos na via.
O artigo 12º, nº1, prevê as situações cobertas pelo regime aí previsto.
Na alínea a), prevê-se que a causa do acidente rodoviário respeite a objectos arremessados para a via ou existente nas faixas de rodagem.
Na alínea b), prevê-se que a causa do acidente respeite ao atravessamento de animais.
E na alínea c), prevê-se que a causa do acidente diga respeito a líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
Relativamente à alínea a), a jurisprudência tem entendido que para afastar a presunção, a concessionária deve demonstrar que a existência e interferência do objecto na faixa de rodagem, com colisão no veículo, “não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem ou a caso de força maior, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento”.
Deve ser a concessionária a provar a proveniência do objecto existente na via, uma vez que só ela dispõe dos meios técnicos que possibilitam responder a tal situação, através de adequada monitorização, “por ser a concessionária da via, com as inerentes obrigações, designadamente, as de permanentemente garantir uma via desobstruída e em adequadas condições, de molde a permitir a circulação rápida (dada a natureza da via) dos veículos em total segurança e comodidade, a qualquer hora do dia e/ou da noite” (68)[6].
O mesmo se passa com o arremesso de pedras, entendendo-se que a concessionária não se pode limitar a remeter a responsabilidade para quem atirou tais pedras, por ser alheia a esse acto, pois no caso de serem desconhecidas as circunstâncias concretas em que a situação ocorreu, deverá a concessionária provar que a sua actuação preventiva e as medidas de segurança tomadas eram adequadas a impedir essas ocorrências.(69)[7]
Quanto à alínea b), que faz aplicar a presunção legal aos acidentes derivados do atravessamento de animais, são vastíssimos os casos relatados na jurisprudência. Desde cães, raposas, texugos, javalis, porcos e até aves (patos) têm estado na origem de acidentes rodoviários ocorridos em auto-estrada, suscitando dúvidas sobre a extensão dos deveres das concessionárias em assegurar as condições de segurança na circulação, no que respeita a impedir a entrada de animais nas vias de trânsito.
A jurisprudência tem entendido que a culpa presumida que recai sobre a concessionária não se limita apenas ao atravessamento de animais na faixa de rodagem, mas também ao facto de aí permanecerem, continuarem ou transitarem, desde que tal, em si mesmo, constitua uma forte de perigo para a circulação (70)[8].
Portanto, o dever da concessionária de assegurar a circulação em «boas condições de segurança e comodidade», aliado ao dever de colocar vedações em toda a extensão da auto-estrada e assegurar a sua manutenção, legitima que perante a presença de um animal da via se possa presumir o incumprimento desses deveres por parte da concessionária.
E é pacífica a jurisprudência de que não basta a prova genérica do cumprimento dos deveres de segurança para afastar a aludida presunção do artigo 12º.
Com efeito, a jurisprudência tem entendido que a responsabilidade da concessionária só é de afastar quando se demonstre que a presença do animal não lhe é imputável, sendo atribuível a outrem, ainda que em termos de probabilidade. Isto é, só é de afastar a responsabilidade da concessionária quando se determina que o evento que ocasionou a falha de segurança objectiva é alheio à esfera da actuação da concessionária, ainda que em termos de probabilidade.(71)[9]
O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se várias vezes sobre a constitucionalidade de tal norma da alínea b), do n.º1, do art.º 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, defendendo a não inconstitucionalidade da norma na acepção segundo a qual «em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento».(72)[10]
No tocante à alínea c) que faz aplicar a presunção legal aos acidentes ligados à existência de líquidos na via (lençóis de água, gelo, gordura, óleo, combustível), o legislador optou, desde logo, por afastar os casos que resultem de condições climatéricas anormais.
Sucede que nestes casos de existência de líquidos na via, torna-se difícil para o utente (lesado) provar o nexo causal entre essa circunstância e o dano, além de que perante determinadas condições meteorológicas propícias à existência de lençóis de água ou à existência de neve ou gelo, também se exige um especial cuidado aos condutores, pelo que, raramente se verifica nos nossos tribunais a responsabilização das concessionárias por danos cuja causa do respectivo acidente rodoviário seja a existência de líquidos na via.(73)[11]
As obrigações das concessionárias continuam aqui as ser as mesmas das alíneas anteriores, isto é, devem assegurar a circulação na auto-estrada em condições de segurança e comodidade.
Portanto, a responsabilidade da concessionária ocorre quando a presença do líquido na via resulta de deficiência no pavimento ou no sistema de drenagem, de falta de manutenção do sistema de escoamento, de falta de sinalização, iluminação ou, até, de defeitos de concepção.(74)[12]
A ressalva das «condições climatéricas anormais» compreende-se, como é bom de ver, pois não está no domínio da concessionária essas condições climatéricas, não podendo razoavelmente exigir-lhe que assegure o imediato e instantâneo escoamento das águas pluviais ou gelo, por forma a manter a via seca.(75)[13]
De todo o modo, parece-nos desnecessária tal ressalva das «condições climatéricas anormais», uma vez que no nº 3 do referido artigo 12º se exclui a responsabilidade da concessionária nos casos de força maior, designadamente os resultantes de «condições climatéricas manifestamente excepcionais».
Daqui se infere que a concessionária afastará a presunção legal se provar que a presença de líquido na via se deveu à existência de condições climatéricas excepcionais.
Este estudo traz alguma luz sobre o problema, nomeadamente sobre o circunstancialismo em que o concessionário afasta a presunção do art. 12.º da Lei 24/2007, o que não conseguirá com a prova de um mero dever genérico de vigilância, pois que, (…), tem de provar em que circunstâncias isso aconteceu, para se poder extrair que, não obstante, agiu conformemente às exigências do contrato de concessão e da lei.
Num acórdão em que foi relator o 2.º adjunto deste[14], escreveu-se:
Saber que ónus faz recair sobre as concessionárias o citado art. 12º n.º 1 da Lei 24/2007.
A Ré defende que o citado normativo não onera as concessionárias com uma presunção de culpa.
No referido art. 12º, nº 1, b), da Lei 24/2007, de 18/07, consignou-se que nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a atravessamento de animais.
Apesar da redação adotada não ter sido a mais conseguida, é indiscutível que estabeleceu uma regra de inversão do ónus da prova.
Ora, mesmo considerando, como defende a Apelante, que a responsabilidade das concessionárias por acidente ocorridas nas auto-estradas cai no âmbito da responsabilidade extracontratual (o que está longe de ser pacífico) era sobre o lesado, nos termos do art. 342º n.º 1 do CC, que recaía o ónus de alegar e provar os respectivos pressupostos, designadamente a ilicitude e a culpa.
Assim sendo, o art. 12º n.º1 da Lei n.º 24/2007, ao estipular que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, dispensou o lesado de provar, pelo menos, a culpa da concessionária.
Essa inversão do ónus da prova, implica a consagração de uma presunção de culpa do concessionário (…).
Esta é a posição largamente maioritária da jurisprudência.
Assim, o Ac. do STJ de 02.11.2010, processo n.º 7366/03.9TBSTB.E1.S1, relatado pelo Cons. Fonseca Ramos, que decidiu: “I) - A Lei n.º24/2007, de 18.7, veio definir os direitos dos utentes das vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, focando, além do mais, a questão do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança [em acidentes ocorridos em auto-estradas em caso de acidente rodoviário causado pelos factos constantes das als. a), b) e c) do nº1 do art. 12º], tomando posição ante uma questão que era pomo de discórdia na jurisprudência e na doutrina. II) – Tal lei é, pois, interpretativa e de aplicação retroactiva, pese embora definir as regras e o regime do ónus da prova – que coloca a cargo da concessionária ocorrendo os factos que prevê no seu art. 12º, nº1, sendo essa questão de crucial importância para abrir caminho por um dos termos da equação da responsabilidade civil contratual, por contraponto à responsabilidade civil extracontratual, faz opção pelo instituto da responsabilidade contratual. III) – Seria incongruente que a lei, colocando a cargo da concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, considerar que o diploma não permite afirmar que a opção do legislador foi pela aplicação das regras da responsabilidade contratual, por essa solução não resultar daquela lei interpretativa. IV) – Trata-se de um ónus posto a cargo de alguém que é devedor de uma prestação inerente à concessão das auto-estradas o que permite afirmar que a lei consagrou a regra do art. 799º, nº1, do Código Civil – cabendo à concessionária ilidir a presunção de culpa quando for possível afirmar que, por violação de “obrigações de segurança”, ocorreu acidente rodoviário respeitando (diríamos despoletado) por –“ a) objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) atravessamento de animais; c) líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Posição mais gravosa para a concessionária, foi adotada pelo acórdão do STJ de 15.11.2011, proferido no processo n.º 633/05.4TBALQ.L1.S1, relatado pelo Cons. Nuno Cameira, que decidiu: “I - Em caso de acidente de viação em auto-estrada concessionada causado pela existência de líquidos na via, perante o disposto no art. 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18-07, cabe à concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai, e não ao lesado demonstrar que tais obrigações não foram observadas.
II - A referida presunção de culpa funciona também como presunção de ilicitude, uma vez que, nas situações previstas no preceito legal citado, estão cometidos à concessionária deveres de agir para evitar danos a terceiros (os utentes da auto-estrada), deveres esses cuja inobservância representa, em termos práticos, o cometimento (por acção ou por omissão) dum facto ilícito.”
De qualquer forma, o que é indiscutível é que do citado art. 12º n.º 1 da Lei 24/2007, resulta que (…), recai sobre a concessionária da auto-estrada o ónus de provar o cumprimento das obrigações de segurança para se eximir da sua responsabilidade civil.
Neste sentido, o acórdão do STJ de 14.03.2013, proferido no processo n.º 201/06.8TBFAL.E1.S1, relatado pelo Cons. Abrantes Geraldes, decidiu: “1. O art. 12º da Lei nº 24/07, ao definir os direitos dos utentes de auto-estradas, itinerários principais ou itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais. 2. Provado que o despiste de um veículo automóvel foi determinado pelo facto de na faixa de rodagem se encontrar um pato de que o condutor se pretendeu desviar, a concessionária da auto-estrada é responsável pelos danos decorrentes do acidente, salvo se elidir a presunção de incumprimento de obrigações de segurança.”
Assim, como é entendimento dominante na jurisprudência, a concessionária não cumpre o ónus da prova que o citado art. 12º n.º 1 da Lei n.º 24/2007 lhe impõe se se limita a provar a adoção de medidas gerais de segurança, isto é, medidas que não tiveram como fim específico detectar a presença na auto-estrada dos objectos perigosos para a circulação e a sua remoção imediata.
Entre a largada dos pedaços de pneu e a sua detecção decorreu 1,22h, entre a largada e o acidente com o carro da A., 1,39h, entre a sinalização, que não se sabe se em condições de ser vista pelo condutor da A., e o acidente, 17m, entre a largada e a intervenção da Apelante, 2,04h.
Cabia à apelante alegar e provar as medidas de segurança que tomou adequadas a detectar a presença na via dos destroços do pneu e a removê-los, o que não logrou fazer.
Não basta, pois, a prova de que a Apelante fez patrulhamentos regulares e accionou o painel, com desconhecimento da sua eficácia face ao condutor do veículo da A., para se considerar cumprido o ónus de prova que impendia sobre si.
No sumário do acórdão da RC de 19.02.2013[15], afirma-se que “não basta a genérica alegação e prova de que os funcionários da ré efectuaram diversos patrulhamentos em toda a extensão da concessão, e que passaram por diversas vezes no local onde veio a eclodir o sinistro e, ainda, que os patrulhamentos são efectuados 24 horas por dia todos os dias do ano.”
Temos, por isso, de concluir que a Ré não ilidiu a presunção decorrente do art. 12.º da Lei 24/2007, devendo a acção proceder.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença.
Custas pela Apelante.

Porto, 23 de Março de 2017
Teles de Menezes
Mário Fernandes
Leonel Serôdio
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[1] Da autoria de José Carlos Lopes Pinto
[2] 64 «A presunção de incumprimento ora introduzida é desarmónica com toda a lógica de esponsabilidade civil (…). Além disso, ela estabelece um esquema que, na prática, não funciona, uma vez que não se vê como afastar, em situações deste tipo, uma presunção de incumprimento (…) Apontando, de facto, para uma responsabilidade objectiva ou sem culpa(…)» (António Menezes Cordeiro, A lei dos direitos dos utentes das auto-estradas e a constituição, R.O.A., 2007, Vol II)
[3] 65 «Acidentes em Auto-Estradas: Natureza e Regime Jurídico da Responsabilidade das Concessionárias», in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2011, p. 196.
[4] 66 Proc. n.º 981/08, relatado pelo Conselheiro Dr. João Cura Mariano(in:www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
[5] 67 Previstas nas alíneas a), b) e c), do nº1, do referido artigo 12º (objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, de atravessamento de animais e de líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais).
[6] 68 Neste sentido: Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 5-05-2009 e de 18-12-2012, disponíveis in: www.dgsi.pt.
[7] 69 Neste sentido: Acórdãos do STJ de 2-11-2010, disponível in: www.dgsi.pt.
[8] 70 Neste sentido: Acórdãos do STJ de 14-03-2013, disponível in: www.dgsi.pt, onde se refere que apesar da alínea b) apenas se referir expressamente a casos de «atravessamento de animais» esta «não determina a exclusão de situações em que animais que, como o pato em causa, se encontrem na faixa de rodagem. Para além de esta situação estática não excluir a anterior dinâmica de entrada, atravessamento ou circulação, o importante para uma interpretação racional é que se considere preenchida uma situação de perigo que a concessionária deva prevenir ou remediar»
[9] 71 Neste sentido, entre outros: Acórdãos do STJ de 14-03-2013 e 9-09-2008, Ac. TR de Guimarães de 13-09-2012, disponíveis in: www.dgsi.pt.
[10] 72 Cfr., entre outros, Acórdãos n.º 375/2010, relatado pela Cons. Drª Maria Lúcia Amaral, e nº 98/2010, relatado pelo Cons. Dr. Joaquim de Sousa Ribeiro, disponíveis in: www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[11] 73 Neste sentido o acórdão do STJ de 1-10-2009, disponível in: www.dgsi.pt, onde se refere que «O ónus da prova da formação de um lençol de água, em condições de provocar a entrada em hidroplanagem do veículo sinistrado e o consequente despiste para fora da via – matéria cuja objectiva demonstração era, no caso concreto, necessária para que pudesse presumir-se quer a violação, pela D…, do dever de assegurar a circulação em condições de segurança, quer a culpa na violação desse dever – impendia sobre os lesados, os autores. Não provada, por estes, a anomalia, nem, consequentemente, o nexo de causalidade entre esta e o dano, não chega a colocar-se a questão da ilicitude da conduta da ré nem a sua culpa na produção dos danos verificados.»
[12] 74Neste sentido o acórdão do STJ de 8-02-2011, proc. 8091/03.6TBVFR, disponível in: www.dgsi.pt
[13] 75 Neste sentido o acórdão do STJ de 15-11-2011, disponível in: www.dgsi.pt, onde se refere que «não (…) está ao seu alcance, como se torna evidente, impedir que chova, não podendo razoavelmente exigir-se-lhe que, numa situação como a verificada, em que se provou que estava a chover com intensidade na altura do acidente, assegure o escoamento imediato e instantâneo das águas pluviais, por forma a manter a via permanentemente seca, sem nenhum vestígio de água, quaisquer que sejam as condições climatéricas existentes no momento»
[14] Apelação n.º 5255/13.8TBVNG.P1
[15] Processo: 1814/08.9TBAGD.C2