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EXECUÇÃO
REMIÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Sumário
I- Estando fundamentada a decisão da matéria de facto, na parte impugnada, no depoimento da própria agravante que não se mostra registado, fica inviabilizado o cumprimento do disposto no nº 2 do referido art. 712 do C.P.C.. Pelo que, não tendo sido também observado o disposto no art. 690-A do C.P.C., não há lugar à apreciação do recurso nessa matéria, implicando mesmo a sua rejeição nessa parte; II- O direito de remição tem por finalidade a protecção do património familiar, evitando, quando exercido, a saída do bem penhorado do âmbito da família do executado; III- Tendo apenas sido dado como provado que a agravante é mãe do executado e que a mesma não tem capacidade económica que lhe permita pagar o valor de venda do bem penhorado, tal não permite concluir, por si só, que esta não será a beneficiária da remição e, muito menos, que com a apresentação do requerimento para exercício do direito de remição se visou apenas contornar ou defraudar as regras da venda em processo de execução.
(Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- Relatório:
A veio agravar do despacho proferido no âmbito de execução sumária instaurada por C, Lda, contra B e L, que indeferiu o requerimento por si apresentado para exercício do direito de remição.
Formulara a agravante a sua pretensão à luz do art. 912 do C.P.C., a propósito da venda de um imóvel penhorado nos autos, invocando ser mãe do executado B e juntando certidão de nascimento deste como prova da qualidade alegada.
A tal se opôs a reclamante “M, Lda”, após efectuado o depósito do preço por aquela no montante de € 302.400,00, argumentando que a mesma não tem capacidade patrimonial que lhe permita dispor de tal quantia, a qual só obteve como contrapartida de ceder depois a terceiros, através de procuração irrevogável, o imóvel vendido. Sustenta, por isso, que foi desvirtuado o instituto da remição, sendo o negócio respectivo nulo por contrário à lei e ofensivo dos bons costumes. Requereu a realização de várias diligências e arrolou testemunhas.
Notificada, a remidora/agravante manteve a pretensão, defendendo que a circunstância de ter pedido emprestada a quantia em apreço apenas teve como objectivo manter o imóvel objecto de venda no seio da família, inexistindo a procuração referida pela reclamante/agravada.
Decidiu-se no despacho recorrido, após audição das testemunhas indicadas e da própria remidora, julgar procedente a oposição deduzida pela reclamante “M Lda” e indeferir, em consequência, o requerimento apresentado por aquela A para exercício do direito de remição, considerando-se, para tanto, que: “... tendo-se provado que a requerente A não tem capacidade económica para adquirir o bem penhorado, não pode concluir-se que seja esta a beneficiária da remição. Tendo-se, deste modo, concluído que o objectivo da apresentação do requerimento para exercício do direito de remição não coincide com o objectivo visado pelo instituto em causa, antes querendo-se, através do exercício aparente do direito de remição, contornar ou defraudar as regras da venda em processo de execução, conseguindo-se o bem penhorado para terceiro sem que este tenha apresentado na venda executiva a melhor proposta aquisitiva, não pode o tribunal autorizar ou sancionar tal comportamento.”
O recurso interposto da decisão indicada foi admitido como agravo, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações apresentadas, formula a agravante as seguintes conclusões que se transcrevem:
“
I- Vem o presente agravo interposto da douta decisão de fls. e seguintes que julgou procedente a oposição deduzida e, em consequência, indeferiu o requerimento apresentado por A para exercício do direito de remição;
II- Não se conformando a ora Agravante interpôs tempestivamente o competente recurso que foi admitido como sendo de agravo, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo;
III- O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito. Sobre a matéria de facto, na medida em que a matéria de facto dada indiciariamente como provada foi incorrectamente julgada (artigo 690º- A, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil) e sobre a matéria de direito porque as normas que constituem fundamento jurídico da decisão foram mal interpretadas e aplicadas e também foram violadas normas jurídicas (artigo 690º, n.º 2, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil);
IV- A ora Agravante, mãe do Executado, em 10 de Maio de 2005, veio exercer o direito de remição relativamente ao prédio rústico identificado nos autos, nos termos do artigo 912º do Código de Processo Civil, tendo para o efeito junto certidão de nascimento do Executado (fls. 295 dos autos);
V- O douto Tribunal, por despacho de 12 de Maio de 2005, notificou a remidora, ora Agravante, para comprovar o depósito do preço, nos termos do artigo 912º, n.º 2 do Código de Processo Civil (fls. 296 dos autos);
VI- A Agravante juntou aos autos comprovativo do depósito do preço, no montante de 302.400,00 Euros, e requereu a emissão da certidão judicial a identificar o prédio objecto de remição, com vista a proceder ao pagamento do Imposto Municipal de Transacção (fls. 300 dos autos);
VII- A Reclamante M, Lda., em 13 de Junho de 2005, veio deduzir impugnação ao exercício do direito de remição (fls. dos autos);
VIII- A Reclamante M, Lda. alegou a falta de capacidade patrimonial da Remidora, ora Agravante, e que esta outorgou uma procuração irrevogável a favor de desconhecidos;
IX- A Agravante respondeu à impugnação deduzida pela Reclamante M, Lda., alegando que exerceu o direito de remição precisamente para evitar a perda do imóvel da esfera do património familiar (fls. dos autos);
X- A Agravante na resposta à impugnação alegou que recorreu a pessoas amigas para conseguir a verba necessária para proceder ao depósito do preço. A Agravante no seu depoimento no Tribunal afirmou que o Senhor S velho amigo do marido, tinha emprestado a verba para remir e explicou como tudo se processou;
XI- A Reclamante M, Lda. não produziu qualquer prova, nomeadamente que a ora Agravante tivesse emitido qualquer procuração, irrevogável ou não, ou que tivesse prometido vender o imóvel objecto de remição. Foi junto aos autos cópia do cheque que serviu para efectuar o depósito do preço, o que confirma a posição da Agravante;
XII- A Meritíssima Juíza deu como provada que a Agravante não tem capacidade económica que lhe permita pagar o valor da venda do bem penhorado;
XIII- Na óptica da Agravante, a Meritíssima Juíza a quo ao dar como provado este facto, apreciou mal a prova. Com efeito, a Agravante pagou em 2005 o valor da venda do bem penhorado, ou seja, há mais de três anos, pelo que parece óbvio que tem capacidade económica. A Agravante já pagou, pelo que não tem lógica dar como provada a falta de capacidade económica;
XIV- Assim, deve ser dado como provado que a Agravante tem capacidade económica que lhe permita pagar o valor da venda do bem penhorado;
XV- A Meritíssima Juíza a quo deu também como não provado:
- a remidora tenha obtido o valor necessário à compra através de um empréstimo concedido por pessoas amigas;
- que a remidora pretenda manter o bem no património familiar, salvo o devido respeito, a prova foi mal aplicada;
XVI- Com efeito, todos os elementos nos autos dizem precisamente o contrário, ou seja, que a agravante pediu um empréstimo a um velho amigo do marido e que jamais pretendia que o bem saísse do património familiar. A Agravante identificou a pessoa que conceder o empréstimo. Ninguém conseguiu carrear elementos para os autos que provassem o contrário;
XVII- Salvo o devido respeito, a Meritíssima Juíza a quo demonstrou ter uma posição formada, não julgando com objectividade a matéria de facto, pelo que apreciou mal a prova;
XVIII- Deve ser dado como provado:
- A remidora obteve o valor necessário à compra através de um empréstimo concedido pelo Senhor S;
- A remidora pretende manter o bom património familiar;
XIX- A Reclamante M, Lda. ao deduzir a impugnação competia-lhe fazer prova dos factos por si alegados, o que efectivamente não fez. Com efeito, o ónus da prova, nos termos do artigo 352º, n.º 1 do Código de Processo Civil cabia à Reclamante M, Lda., e não à Agravante. A decisão objecto do presente recurso enferma de inversão do ónus da prova;
XX- A este respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28-09-2005: “o direito de remissão que a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha recta do executado apresenta-se como um especial direito de preferência e tem por finalidade a protecção do património familiar, evitando, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado”;
XXI- A decisão objecto do presente recurso apreciou e julgou incorrectamente a matéria de facto face aos elementos existentes nos autos;
XXII- A decisão objecto do presente recurso interpretou e aplicou mal o disposto no artigo 912º do Código de Processo Civil e como tal violou esta disposição legal;
XXIII- Deve assim, julgar-se procedente o presente recurso de agravo in totum, revogando-se a decisão objecto do presente recurso e, em consequência, julgar improcedente a oposição deduzida e deferido o requerimento da Agravante para o exercício do direito de remição.”
A reclamante “M, Lda” apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões que também se transcrevem:
“
1) A recorrida vem manifestar a sua total concordância com os termos em que foi proferida a douta decisão ora recorrida.
2) A recorrente, nas suas doutas alegações, refere que o recurso versa matéria de facto e de direito.
3) Contudo, a prova produzida no âmbito da oposição apresentada não foi objecto de gravação, impossibilitando assim o recurso quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 690.º-A do C.P.C..
4) Pelo que não deve o recurso da matéria de facto ser apreciado.
5) Ainda assim, a ora recorrida entende que os depoimentos prestados foram correctamente valorizados pelo Tribunal “a quo”, devendo manter-se a resposta dada à matéria de facto.
6) O Tribunal não podia ter deixado de dar como provado o artigo 4 dos factos provados, porque efectivamente a recorrente confessou que apenas recebe uma pequena pensão de reforma, o que demonstra a sua incapacidade económica.
7) O mesmo se dirá quanto aos factos não provados.
8) Através da audição das testemunhas e da própria recorrente, provou-se a tese da recorrida, que sempre alegou que o bem remido se destinava à venda a terceiros.
9) O Tribunal “a quo” não violou qualquer disposição legal.
10) Pelo que, não assiste razão à recorrente, não merecendo a decisão recorrida qualquer reparo.”
Foi sustentada a decisão sob recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação de facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:
1. Para pagamento da quantia exequenda foi efectuada a penhora do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial com registo de aquisição a favor do executado pela inscrição ;
2. Ordenada a venda por negociação particular do mesmo prédio, foi autorizada a venda deste às sociedades L, Lda, F, Lda, M, Lda, e E, Lda, pelo preço de 302.400,00 euros;
3. A é mãe do executado C;
4. A referida A não tem capacidade económica que lhe permita pagar o valor de venda do bem penhorado.
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III- Fundamentação de Direito:
Cumpre apreciar do objecto do recurso.
Os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida.
O tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Para além disso, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente (cfr. arts. 684, nº 3, e 690, nº 1, do C.P.C.), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.).
Compulsadas as conclusões da motivação do presente recurso, verifica-se que a primeira questão se prende com o invocado erro na fixação e apreciação da matéria de facto.
Cumpre, pois, analisar as circunstâncias em que pode ser reapreciada pelo tribunal de recurso tal matéria, salientando-se que, naturalmente, todas as referências aqui feitas ao Código do Processo Civil se reportam à redacção aplicável ao caso e que é a anterior à aprovada pelo DL nº 303/07, de 24.8, que alterou o regime dos recursos.
Consagra o art. 655 do C.P.C. o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada (são as situações da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais). Segundo este princípio, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.
Os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, e ocorre, nos termos do art. 712, nº 1, al. a), do C.P.C., se, designadamente, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida (art. 690º-A do C.P.C.). Nos termos do indicado art. 690-A do C.P.C. deve o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida com base em depoimentos gravados indicar os pontos que considera incorrectamente julgados e discriminar os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que no seu critério implicariam uma resposta diversa.
Por outro lado, sobre o recurso da matéria de facto disse-se no preâmbulo do DL 39/95, de 15.02, que veio a prever e a regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida que “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” e, ainda, que “... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova ...).
Por conseguinte, no recurso sobre a decisão da matéria de facto, apenas se sindica a actividade do tribunal de 1ª instância em face dos elementos que são apresentados.
Seguimos, por isso, e uma vez mais aqui, o que se deixou dito a tal propósito no Ac. RC de 22.1.08 (in www.dgsi.pt). “... a existência de um sistemático novo julgamento no âmbito factual, sempre circunscrito aos elementos - audíveis e documentais - disponíveis para a instância de recurso, acabaria por implicar, para os próprios recorrentes, uma inevitável diminuição de base qualitativa nas decisões assim proferidas. Com efeito, toda a indescritível panóplia de elementos visualizáveis que necessariamente rodeia imediação da apreciação da prova na 1ª instância estaria então absolutamente ausente na instância de recurso. Permitir um segundo julgamento sem a riqueza de um tal cenário de análise seria o mesmo que deliberadamente retirar ao novo julgador um considerável número de instrumentos para uma conscienciosa formação da respectiva convicção, porventura tão ou mais determinantes do que os facultados pelo mero registo magnético, amputando-se o processo decisório da possibilidade de crítica dos elementos genéticos globalmentenele influentes, com um natural e acrescido risco de erro para o resultado final. De forma que, sem prejuízo do indispensável cotejo com todo o sustentáculofundamentador da decisão impugnada, só limitando a intervenção do tribunal de recurso à detecção de flagrantes e excepcionais situações de inadequação ou irrazoabilidade do juízo e convicção que integram aquele sustentáculo, sindicados no confronto com o peso de certos e discriminados elementos probatórios (a que o recorrente atribui uma relevância desprezada pela instância recorrida) se consegue o desiderato de um melhor julgamento do ponto ou pontos em questão.”
Feitas estas considerações indispensáveis, vejamos o caso concreto.
A agravante defende que o tribunal ao dar como provado, no ponto 4 supra, que a mesma não tem capacidade económica que lhe permita pagar o valor de venda do bem penhorado, apreciou mal a prova, pois se a mesma pagou em 2005 o valor da venda é óbvio que tem capacidade económica. Pretende, ainda, que o tribunal, contrariamente ao que teve em conta, julgue ainda como provado que “a remidora obteve o valor necessário à compra através de um empréstimo concedido pelo Senhor S” e que “a remidora pretende manter o bom património familiar”.
Sustentou o tribunal a quo a resposta à matéria de facto dizendo: “A convicção do Tribunal sobre os factos provados baseou-se no teor da acção declarativa e executiva em referência onde se encontram documentados os factos provados 1, 2 e 3. A convicção quanto aos restantes factos provados e não provados resultou do teor das declarações prestadas pela referida A, conjugadas com as regras da experiência comum, tendo aquela declarado viver duma pensão de reforma no valor de 223,00euros mensais e ter de património “uma casinha na terra”, afirmando ainda que...............”. Depois de se referir ainda às declarações em questão, conclui-se na decisão em apreço que as ditas declarações são “no que concerne à origem do dinheiro necessário para o exercício do direito de remição... à luz das regras de experiência comum inverosímeis e não merecem, por isso, qualquer credibilidade.”
Nos termos do art. 712, nº 1, do C.P.C., a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada: “a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.”
Ora, o que fundamentou a decisão da matéria de facto na parte impugnada terá sido o depoimento da própria agravante que, em face dos autos, não se mostra registado, o que logo inviabilizaria o cumprimento do disposto no nº 2 do referido art. 712 do C.P.C.[1]. Por outro lado, é também evidente que a agravante não observou o disposto no art. 690-A do C.P.C..
Mas se tais circunstâncias obstam, por si só, à apreciação do recurso nessa matéria (implicando mesmo a sua rejeição nessa parte, tendo em conta o nº 2 do referido art. 690-A do C.P.C.), sempre se mostraria inviável, como acima dissemos, alterar a resposta dada aos factos em questão (provados e não provados), justamente por resultarem da estrita convicção do tribunal. Pelo que, ainda de acordo com o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, não caberia a esta instância interferir nessa livre apreciação das provas e convicção do juiz a quo, excluído excepcional erro de julgamento.
Cumpre, por isso, manter inalterada a matéria assente pela 1ª instância.
Fixada, assim, a factualidade provada, cumpre ainda apreciar se foi feita errada interpretação e aplicação do art. 912 do C.P.C., como sustenta a agravante.
Dispõe este normativo que: “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”
É, assim, inquestionável que o direito de remição, com raízes profundas no nosso sistema jurídico, tem por finalidade a protecção do património familiar, evitando, quando exercido, a saída do bem penhorado do âmbito da família do executado (cfr. J. Alberto dos Reis, “Processo de Execução, vol. 2º, págs. 476 e ss., e Lebre de Freitas, “A Acção Executiva”, 2ª ed., 1997, pág. 272).
O tribunal a quo, concluindo pelo indeferimento da pretensão da remidora, considerou para o efeito, como acima referimos, que “... tendo-se provado que a requerente Albina Rosa Oliveira não tem capacidade económica para adquirir o bem penhorado, não pode concluir-se que seja esta a beneficiária da remição. Tendo-se, deste modo, concluído que o objectivo da apresentação do requerimento para exercício do direito de remição não coincide com o objectivo visado pelo instituto em causa, antes querendo-se, através do exercício aparente do direito de remição, contornar ou defraudar as regras da venda em processo de execução, conseguindo-se o bem penhorado para terceiro sem que este tenha apresentado na venda executiva a melhor proposta aquisitiva, não pode o tribunal autorizar ou sancionar tal comportamento.”
Recordando a factualidade assente, verificamos que apenas foi dado como provado, no que toca à agravante, que esta é mãe do executado C e que a mesma não tem capacidade económica que lhe permita pagar o valor de venda do bem penhorado.
Permitirão tais factos, e apenas estes, concluir nos termos da decisão recorrida?
Salvo o devido respeito, julgamos que não.
Na verdade, não é possível, desde logo, retirar do facto da agravante não ter capacidade económica para adquirir o bem penhorado que esta não será a beneficiária da remição e, muito menos, que com a apresentação do requerimento para exercício do direito de remição se visou apenas contornar ou defraudar as regras da venda em processo de execução. Tal não resulta minimamente dos factos apurados.
Na realidade, a circunstância de alguém não dispor de capacidade económica para adquirir um determinado bem (o que só pode interpretar-se no sentido de que não dispõe de meios financeiros de, imediatamente, custear o preço respectivo) não obsta, por si só, a que o adquira, quer através da obtenção de um empréstimo, da realização de uma permuta, da cobrança de um crédito ou mesmo de um favor.
Mas se a referida incapacidade económica suscita, em si mesma, dúvidas quanto ao efectivo exercício de um direito, como o direito de remição, já será ousado e temerário extrapolar-se, sem mais, dessa mera incapacidade económica para a simulação negocial ou para a fraude à lei. É que para concluir nos termos em que o faz a decisão recorrida forçoso seria que tivessem ficado ainda demonstrados outros contornos da conduta da agravante,como o da forma de obtenção por esta do montante do preço por si depositado nos autos, que de todo não se mostram apurados nem foram considerados assentes.
Note-se, de resto, que nada se mostra provado sobre o que fora alegado pela reclamante/agravada, em oposição ao exercício do direito de remição, quanto ao facto da mãe do executado ter obtido a quantia como contrapartida de ceder depois a terceiros, através de procuração irrevogável, o imóvel vendido, ou quanto ao facto do executado ter realizado “diversas propostas a diferentes entidades para que «viessem exercer o direito de remição»... que fraudulentamente permitissem ao Executado fazer exercer o direito de remição através de um familiar – neste caso, a sua mãe – e com esta simulação arrecadar ainda, concerteza, algum dinheiro para si.”
Nada ter ficado provado sobre as efectivas condições de obtenção do valor depositado não permite a conclusão directa de que pretende a agravante “contornar ou defraudar as regras da venda em processo de execução, conseguindo-se o bem penhorado para terceiro sem que este tenha apresentado na venda executiva a melhor proposta aquisitiva”.
O tribunal deu, ainda, como “não provado” “Que a remidora tenha obtido o valor necessário à compra através de um empréstimo concedido por pessoas amigas” e “Que a remidora pretenda manter o bem no património familiar”, mas tal não significa a prova do contrário ou, uma vez mais, o modo como foi, de facto, obtido o valordo depósito realizado, e só isso, em nosso entender, permitiria extrair conclusões seguras sobre a conduta da remidora.
Nem as regras da experiência comum autorizam a conclusão a que se chega na decisão em apreço. Nas presunções parte-se da prova de um facto conhecido (base da presunção) para um facto desconhecido (art. 349 do C.C.). As denominadas presunções judiciais (simples ou de experiência), distintas das presunções legais (estabelecidas na lei), “inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana” (Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 312).
Tal significa que tem de existir uma base da presunção, uma premissa, que permita extrair, com segurança, uma determinada conclusão lógica.
No caso, todavia, as considerações expendidas na decisão recorrida a propósito da conduta e intenções da mãe do executado e ora agravante mais não constituem do que meras suposições que não encontram, em nosso entender, base suficiente nos factos que se encontram apurados.
Resumindo, face à prova realizada nos autos não nos é consentido afirmar que a agravante/remidora tenha agido em violação do disposto no art. 912 do C.P.C..
Não sendo legítimo extrair dos factos assentes as ilações constantes da decisão recorrida, não pode manter-se a mesma.
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IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida a qual deve ser substituída por outra que, julgando improcedente a oposição deduzida pela reclamante/agravada M, Lda, admita o requerimento apresentado pela aqui agravante A para exercício do direito de remição à luz do disposto no art. 912 do C.P.C..
Custas pela reclamante/agravada.
Notifique.
[1] Dispõe o nº 2 do art. 712 do C.P.C. que: “No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.”