No que toca a acidentes de trabalho ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº 100/97, de 13/9, para o apuramento da verificação do requisito da al. b) do nº 2 do artº 56º do Dec.-Lei nº 143/99, e para o respectivo cálculo, há que atender às fórmulas previstas no artº 17º da referida Lei.
Nestes autos de acidente de trabalho que correm termos no Tribunal do Trabalho do Barreiro, e em que é sinistrado V… e entidades responsáveis -COMPANHIA DE SEGUROS IMPÉRIO BONANÇA, SA e COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE-MUNDIAL, SA, veio o sinistrado requerer a remição parcial da sua pensão.
Por despacho de fls. 419, foi deferida essa requerida remição parcial, na medida permitida em tal despacho.
Foi, em conformidade, efectuado o cálculo do capital de remição, conforme fls. 427.
Por requerimento de fls. 433, veio a Império- Bonança requerer a rectificação desse cálculo.
Que mereceu o seguinte despacho:
”Fls. 433:
Veio a seguradora que o capital de remição a entregar ao sinistrado não é calculado pelo Tribunal mas sim outro valor.
Foi dada vista ao Ministério Publico que pugnou pelo indeferimento.
Apreciando e decidindo.
Conforme resulta dos cálculos elaborados pela seguradora esta teve em conta o SMN à data da alta.
Ora, salvo devido respeito, o SMN a ter em consideração é o da data da fixação da pensão, pelo que se indefere o requerido pela seguradora”.
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A seguradora Império - Bonança, inconformada com esta decisão, interpôs o presente recurso de agravo, formulando as seguintes conclusões:
1- A lei aplicável ao caso concreto é a Lei nº 2127 dado que o sinistro ocorreu em 1997 e a Lei nº100/97 apenas entrou em vigor em 1 de Outubro de 1999, sendo esta última apenas aplicável aos acidentes de trabalho que ocorrerem após aquela entrada em vigor (artº41nº1 a) da Lei nº100/97.
2 – De acordo com a Base XVI da Lei nº2127 a pensão a remir é calculada da seguinte forma – (Salário anual - SMN à data da alta) x 70% + SMN à data da alta x2/3xIPP 30%.
3 – Pelo que a pensão anual a remir é de €1539,05 euros;
4 - E não conforme consta da Lei 100/97 - artº17 - Salário anual x70% x30% = 2003,12 euros;
5 – O capital de remição é de 18.113,08 euros (1539,05x11769);
6 - A douta sentença violou a Base XVI da Lei nº2127 e artº 41º da Lei nº100/97;
O MºPº apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Como factos relevantes temos, para além dos já descritos no relatório deste acórdão:
O sinistrado sofreu, no dia 16 de Julho de 1997, um acidente.
De que resultou uma IPA para a profissão habitual, com uma IPP residual de 34,736%.
Foi-lhe atribuída a pensão anual e vitalícia de Esc. 929.420$00, da responsabilidade das seguradoras.
Em 20/7/2005, o sinistrado requereu exame de revisão.
Por decisão de fls. 359, rectificada a fls. 366, foi alterada a IPP residual para 44,11%, e atribuída a pensão de € 4.765,30.
Por requerimento de fls. 416, veio a Império-Bonança comunicar que havia actualizado a pensão para o montante de €6.091,83, a partir de 1 de Janeiro de 2008.
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O direito:
A questão a resolver é a de saber se, para o aferimento dos limites e do cálculo a que se refere o nº 2 do artº 56º do DL. 143/99, de 30/4, se deve ter em conta a fórmula de cálculo da pensão previsto na lei 100/97, de13/9, ou, antes, na anterior legislação- Lei nº 2172, de 3/8/65 e Dec. 360/,71, de 21/8.
No cálculo do capital de remição de fls. 427 teve-se em conta uma pensão calculada com base no artº 17º da Lei nº 100/97. O despacho sob recurso, ao decidir da forma como o fez, face ao que havia sido requerido pela seguradora a fls. 433, acabou por adoptar, implicitamente, aquele critério de determinação da pensão.
Com o que não concorda a seguradora, argumentando que, tendo o acidente ocorrido antes da entrada em vigor da referida Lei 100/97, a pensão tem de ser calculada de acordo com os critérios da Lei nº 2127, de 3/8/65, designadamente da sua Base XVI , sendo esta última “a lei aplicável também ao calculo do capital de remição”.
Não lhe assite, contudo, razão
Com efeito, importa distinguir duas realidades distintas: uma coisa são as regras de cálculo da pensão devida ao sinistrado em virtude do acidente de trabalho que sofreu, que serão as correspondentes à legislação em vigor à data desse acidente- e no caso dos autos, ela é a da Lei nº 2127 e do DL 360/71; outra, completamente diversa, é forma de cálculo da pensão para efeitos de determinação do limite imposto, pela al. b) do nº 2 do artº 56º da Dec-Lei nº 143/99, de 30/4, para a remição parcial.
Senão, vejamos:
A entrada em vigor da Lei 100/97 ocorreu em de 1 de Janeiro de 2000, e tendo o acidente ocorrido antes desta última data, é-lhe, por isso e em princípio, aplicável a referida Lei nº 2127, bem como o Dec 360/71, de 21/8.
A partir de 1 de Janeiro de 2000, começou a produzir os seus efeitos um novo regime infortunístico, consubstanciado nessa Lei nº 100/97, o qual, por inovador, determinou o legislador a, simultaneamente, criar um regime transitório de compromisso, com vista a conciliar os aspectos jurídicos que previsivelmente conflituariam entre os dois regimes nas hipóteses de fronteira entre a vigência de uma e outra lei.
Assim, no artº 41º da Lei 100/97 estabelece-se, no seu nº 2:
“O diploma regulamentar referido no número anterior estabelecerá o regime transitório a aplicar:
a) À remição de pensões em pagamento à data da sua entrada em vigor, e que digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no artigo 33.º, n.º 2.”.
Dizendo-se, nesse artº 33º, nº 2:
“2 – Podem ser parcialmente remidas as pensões vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30 %, nos termos a regulamentar, desde que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50 % do valor da remuneração mínima mensal garantida mais elevada”.
Por sua, vez o diploma regulamentar- o Dec.-Lei 143/99, de 30/4, dispôs, no seu artº 56º, nº 1, que:
“São obrigatoriamente remidas as pensões anuais:
a) Devidas a sinistrados e a beneficiários legais e pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão;
Estipulando-se, no nº 2 do mesmo artº 56º, quanto à remição parcial, que:
“Podem ser parcialmente remidas, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis e com autorização do Tribunal competente, as pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30% ou as pensões anuais vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que cumulativamente respeitem os seguintes limites:
a) A pensão sobrante não pode ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada;
b) O capital de remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.”
A Lei 100/97 seguiu nesta matéria uma filosofia que tende a romper com a filosofia dos regimes anteriores. A partir da mesma, se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este terá sempre, e desde logo, na incapacidade permanente parcial inferior a 30%, direito a um “capital de remição" correspondente ( ver artº 17º nº 1 al. d) daquela Lei ) - do mesmo modo que serão "obrigatoriamente remidas” as pensões de "reduzido montante", considerando-se como tais as devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada "à data da fixação da pensão" ( v. artº 33º, nº 1, daquela Lei e artº 56º, nº 1 do D.L. n.º 143/99 ). Assim, pode dizer-se, a remição das pensões do nosso regime legal infortunístico tende a ser a regra, certo como é, e a experiência demonstra, que a esmagadora maioria das situações de sinistrados do trabalho corresponde a incapacidades permanentes e parciais inferiores a 30% - ou, de todo o modo, as pensões anuais de valores não superiores a seis vezes o s.m.n. (cfr. artºs 17º, nº 1, al. d), e 33º, nº 1, da Lei 100/97, e artº 56º, nº 1 do D.L. 143/99).
É verdade que o artº 41º, nº 1, alínea a), da Lei 100/97 dispõe que a mesma só produzirá efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a regulamentar e que só será aplicável aos acidentes de trabalho que ocorressem após aquela entrada em vigor. Trata-se, porém, como se diz no acórdão de uniformização de jurisprudência de 6.11.2002, publicado no D.R., I-A Série, de 18.12.2002, «de mera regra geral, pois na alínea a) do subsequente n.º 2 logo se previu que o diploma regulamentar referido no número anterior estabeleceria o regime transitório a aplicar “à remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no artigo 33.º, n.º 2”. Ora, como é óbvio, as pensões em pagamento na data da entrada em vigor da Lei n.º 100/97 respeitam forçosamente a acidentes ocorridos antes desta data, resultando deste preceito que o legislador estendeu a esses acidentes as disposições inovatórias relativas a remição de pensões, embora submetendo essa aplicação a um regime transitório» (o sublinhado é nosso).
A questão que nos ocupa é a de saber em que termos se calcula essa pensão “com base numa incapacidade de 30%”.
Com a previsão legal do nº 2 do artº 56º da Lei 100/97 autorizou-se a remição parcial de pensões correspondentes a incapacidades iguais ou superiores a 30%. Todavia, as mesmas nunca podem ser completamente remidas, tendo-se imposto os limites das alíneas a) e b) desse nº 2.
O significado dessa imposição de limites tem que ver com a preocupação do legislador em, apesar de permitir a remição parcial, privilegiar o pagamento de uma pensão ao longo da vida do sinistrado por razões que se prendem com a protecção do sinistrado contra si próprio. Com efeito, assim ficará afastada a tentação, que poderá emergir na mente de alguns sinistrados, de utilizar de uma vez só o capital de remição correspondente à totalidade da pensão, garantindo-se que o mesmo terá, ao longo da sua vida, um meio de subsistência correspondente à pensão sobrante.
E, tratando-se de uma remição facultativa, a pedido dos interessados, os requisitos da remição têm de verificar-se em relação ao momento em que o pedido é formulado, devendo por isso ser considerado o valor da remuneração mínima mensal garantida mais elevada que nesse momento estiver em vigor e o montante anual da pensão que estiver a ser paga. É este o entendimento de Carlos Alegre, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, pág. 160, e que foi seguido pelos Ac. da Rel de Évora de 26/10/2004 e desta Relação de 21/03/2007, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Dizendo-se, neste último aresto, que “nas situações de grandes incapacidades, iguais ou superiores a 30%, só a consideração dos valores actualizados, quer da pensão, quer da RMMG, pode garantir, mesmo havendo remição parcial, um desejado equilíbrio entre a faculdade de remição e a legítima necessidade de garantir o pagamento de uma pensão ao longo da vida do sinistrado.
Mas este entendimento é também o que resulta do art. 56º, pois que nas condições que estabelece para a remição obrigatória, previstas na a) do n.º 1, estatui expressamente que a remuneração mínima mensal garantida a atender é o da data fixação da pensão, mas para a remição parcial, no seu n.º2 a), apenas estatui que a pensão sobrante não pode ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, sem fazer referência à data da fixação da pensão”.
Assim, os valores a atender, na apreciação da remição parcial da pensão, têm se ser os valores actuais, quer o da pensão actualizada, quer o da remuneração mínima mensal garantida em vigor na altura do requerimento da remição parcial.
Pela mesma ordem de razões, ligadas à especificidade e objectivos, supra-referidos, do regime transitório, à filosofia inerente à Lei 100/97, no que toca à remição da pensão, e à necessidade de se atender ao momento em que a remição parcial é requerida, e também pela circunstância, não despicienda, de a Lei nº 2172 não conter qualquer disposição que permitisse a remição parcial, para o apuramento da verificação do requisito da al. b) do nº 2 do citado artº 56º, e para o respectivo cálculo, há que atender às fórmulas previstas no artº 17º da Lei nº 100/97. Não faria qualquer sentido, para efeitos de verificação dos requisitos e limites do artº 56º, nº 2, fazer apelo a uma legislação revogada. Seria uma injustificável mistura de regime legais, que o legislador da Lei nº 100/97 certamente não pretendeu
Assim improcedendo as conclusões do recurso.
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Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se, embora por diferentes fundamentos, o despacho recorrido.
Custas pela agravante.
Lisboa, 24/06/2009
Ramalho Pinto
Hermínia Marques
Isabel Tapadinhas