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SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
CADUCIDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
I - Proferida decisão de absolvição da instância, pode o autor, em nova acção intentada, beneficiar da manutenção dos efeitos civis derivados da primeira causa, quando seja possível, desde que essa nova acção seja proposta no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado daquela decisão. II - A ressalva prevista no nº 2 do artigo 289º do CPC, no tangente ao disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade, não afasta a possibilidade de ocorrer a caducidade do direito que o autor pretende ver reconhecido, pois que a absolvição da instância não resulta de motivo processual não imputável ao titular do direito (cfr. artigos 327º, nº 3, e 332º nº 2, do Código Civil). III - Os procedimentos cautelares revestirem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso. IV - Em matéria de direito, designadamente processual, a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA V, S.A. instaurou procedimento cautelar de suspensão de deliberações de assembleia de condóminos contra Caixa e outros, representados pelos administradores do respectivo condomínio, pedindo a suspensão da deliberação da assembleia de condomínio do prédio sito no Largo do casal Vistoso, em Lisboa, tomada a 8 de Março de 2007 e que se prende com a suspensão do serviço de elevadores do prédio a todo o 18° andar, propriedade da requerente.
A Requerente alegou em suma que naquela assembleia de condomínio a proposta de suspensão do serviço de elevadores foi feita quando a mesma não constava da ordem de trabalhos e que a mesma foi votada favoravelmente apesar da votação desfavorável da Requerente, deliberação que entende ilegal. Diz que a decisão judicial que se encontra por detrás de tal deliberação, em que foram condenados os então Réus (que na pendência da acção venderam o andar à Requerida, de que são sócios/administradores) na restituição ao condomínio do vestíbulo central do 18° andar do prédio e a remoção das portas blindadas que os mesmos demandados em tal acção ali haviam colocado, nem sequer foi dada à execução. Refere que a deliberação de condomínio em causa constituiu uma ameaça ilícita até porque não houve inspecção camarária a comunicar que era essencial o livre acesso ao patamar do 18° andar como condição de licenciamento dos elevadores. Mais alega a Requerente que propôs anteriormente duas outras providências cautelares com o mesmo fim e que nos procedimentos cautelares em causa os Requeridos foram absolvidos da instância por ilegitimidade passiva, face à preterição de litisconsórcio necessário passivo e que na sequência quer de um quer de outro procedimento cautelar veio intentar, por um lado, o segundo procedimento e o ora presente, ao abrigo do disposto no art. 289, n° 2 do C. P. Civil. Por último alega que, situando-se o escritório da requerente no aludido 18° piso do prédio em causa e ali vivendo também o administrador da mesma, não pode o mesmo subir as escadas entre o 17° piso e o 18° piso, por ser pessoa de idade avançada e sofrer de doença pulmonar obstrutiva crónica.
Citados os Requeridos vieram estes dizer que a Requerente não podia voltar a fazer uso daquela norma já que a mesma só permite a propositura de uma nova acção nas circunstâncias ali referidas e não a propositura sucessiva de mais acções ou procedimentos cautelares até se lograr obter a perfeição e que, face a isso, inclusivamente decorreu já o prazo de caducidade para a propositura do procedimento cautelar de suspensão da deliberação uma vez que os requeridos foram citados em 18.9.2008 e a assembleia de condomínio teve lugar em 8 de Março de 2007 – art° 396 do C. P. Civil.
Mais vieram os Requeridos impugnar os factos alegados pela Requerente, concluindo no sentido da procedência da referida excepção de caducidade ou pela improcedência do procedimento cautelar.
Foi proferida decisão que julgou verificada, nos termos dos arts. 289º nºs. 1 e 2, 288º, n° 1, al. d), 493º e 494º do CPCivil, a existência de uma excepção dilatória inominada face à propositura, pela terceira vez, de novo procedimento cautelar em tudo idêntico aos demais e, consequentemente, absolveu os Requeridos da instância.
Mais condenou a Requerente, como litigante de má-fé, na multa de 20 UCs, nos termos do art. 456º do C. P. Civil.
Inconformada, bvem a Requerente recorrer da deicão, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. Não existe limitação na lei quanto ao número de vezes para que a parte possa usar da possibilidade conferida pelo art. 289° n°s 1 e 2 do CPC, sendo, como são, diferentes nos três procedimentos instaurados os respectivos sujeitos passivos e os fundamentos invocados para as decididas absolvições das instâncias;
2. Ao entender que já não era possível à recorrente usar daquela possibilidade no âmbito deste procedimento cautelar e considerando verificar-se uma excepção dilatória inominada, a decisão recorrida fez errada interpretação nomeadamente do art. 289º do CPC;
3. Não se verifica o fundamento para a condenação da recorrente como litigante de má fè, apenas pelo facto de, alegadamente, não ignorar a pendência da execução para prestação de facto referida na decisão recorrida;
4. Tal execução e o presente procedimento são autónomos e os respectivos procedimentos totalmente independentes;
5. Fez, pois, a decisão recorrida, nesta parte, errada interpretação e aplicação do disposto no art° 456° do CPC, pelo que, se impõe a sua revogação.
Contra-alegaram os Requeridos/Recorrentes, para, no essencial, concluir que a sentença recorrida fez a correcta aplicação do direito, não podendo o Recorrente beneficiar de novo do disposto no art. 289, nº 2 do CPCivil, quando o fizera em momento imediatamente anterior. Ademais, o Recorrente também deixou precludir o prazo de 30 dias previsto no nº 2 do art. 289 do CPCivil, o que levaria à caducidade do direito, conforme os Recorridos invocaram na sua contestação.
Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, a questão a dirimir consiste, no essencial, em saber se:
- atento o disposto no art. 289º, nº 2 do CPC, em caso de absolvição da instância por verificação de qualquer excepção dilatória, o demandante apenas pode instaurar uma outra acção sobre o mesmo objecto.
- existe fundamento para a condenação da Recorrente como litigante de má-fé
II – FUNDAMENTAÇÃO A) Fundamentação de Facto
Com interesse para a decisão foram considerados indiciariamente assentes os seguintes factos: 1 - A requerente instaurou contra M e outros, no dia 19 de Março de 2007, um procedimento cautelar de suspensão de deliberação de assembleia de condomínio do prédio sito no Largo do Casal Vistoso, em Lisboa, pedindo a suspensão da deliberação tomada pela mesma assembleia de condóminos no dia 8 de Março de 2007 e que deliberou pela suspensão do serviço dos elevadores no prédio em causa ao 18° andar, propriedade da requerente, pelas mesmas razões e factos referidos no presente procedimento cautelar - ora sob decisão -, procedimento cautelar que correu seus termos por esta Vara e Secção sob o n° 1872-A/07 e, citados os requeridos, que deduziram oposição, procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes e foi proferida decisão em que os requeridos foram absolvidos da instância por ilegitimidade passiva, decisão de que a requerente interpôs o competente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão proferida na la instância, por decisão de 31.1.2008 esclarecida por acórdão de 13 de Março de 2008, notificado às partes por carta de 17 de Março de 2008 ( por análise do referido apenso ). 2 - Na sequência da decisão referida no processo aludido em 1 - a requerente instaurou, em 2 de Maio de 2008, ao abrigo do disposto no art° 289, n°s. 1 e 2 do C. P. Civil, novo procedimento cautelar de suspensão de assembleia de condóminos em que pedia a suspensão da mesma deliberação referida em 1 -, pelos mesmos factos e razões, procedimento cautelar esse que correu os seus termos nesta Vara e Secção sob o n° 1872-E/07 e em que a requerente demandava parte dos ora requeridos, condóminos do prédio sito no Largo do Casal Vistoso, em Lisboa e em que, após a citação dos requeridos, que deduziram oposição, foi proferida decisão em 21.7.2008, que absolveu os requeridos da instância por ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, decisão notificada às partes em 21.7.2008, por fax e por carta registada e que transitou em julgado ( por análise do apenso respectivo ). 3 - A requerente instaurou, em 8 de Setembro de 2008, o presente procedimento cautelar de suspensão da deliberação do condomínio de 8 de Março de 2007 do prédio sito no largo do casal Vistoso, em Lisboa, que deliberou suspender o serviço dos elevadores ao 18° piso do mesmo prédio, pelas razões e factos já aludidos em 1 - e 2 - contra todos os condóminos do mesmo prédio, representados pelos respectivos administradores do condomínio, o que faz invocando o disposto no art° 289, n°s. 1 e 2 do C. P. Civil ( por análise dos autos ). 4 - A requerente alega nestes autos e nos referidos em 1 - e 2 - que a decisão proferida no Proc° n° 49/00, desta Vara e Secção ainda não foi, pelo condomínio do prédio em causa, executada ( por análise dos três processos ). 5 - No processo n° 49/00, em que era Autor o condomínio do prédio sito no Largo do Casal Vistoso, e Av. Afonso Costa, em Lisboa e Réus A e I, processo em que tais Réus foram condenados, por sentença proferida em 19 de Janeiro de 2004, transitada em julgado em 1 de Julho de 2004, a repôr o vestíbulo do 18° piso do mesmo prédio no estado anterior às obras pelos mesmos ali levadas a cabo e que vedaram e a dele retirarem tudo o que lá tivessem colocado ( por análise do processo em causa e certidão de fls. 121 dos autos principais e de conhecimento oficioso ). 6 - Em 27 de Maio de 2007 foi distribuída ao 2° Juízo de Execuções, lª Secção, o Proc° n° 15541/07, acção executiva para prestação de facto em que é exequente o condomínio do prédio ora em causa e executados A e I e a ora requerente, tendo a citação sido solicitada ao solicitador de execução em Setembro de 2007, como decorre da informação de fls. 306 a 308 sem que, até ao presente, tenha sido efectuada por razões que manifestamente se ignoram ( por informação obtida pela secretaria ). 7 - A propriedade das fracções autónomas designadas pelas letras BB e BC do prédio sito no Largo do Casal Vistoso, e Av. Afonso Costa, em Lisboa, encontra-se inscrita a favor da requerente através da ap. 18 de 9 de Janeiro de 2004, por aquisição a A e I, tendo tal aquisição ocorrido na pendência da acção referida em 5 - ( por documento constante de fls. 10 a 19 dos autos ). 8 – A e I são, respectivamente, o Presidente do Conselho de Administração e vogal da requerente ( por documento de fls. 19 a 20 do apenso A, referido em 1 - ). 9 – A e I vivem no 18° piso do prédio em causa nestes autos há vários anos, com a sua família.
B) Fundamentação de Direito 1. Da legitimidade
Como ponto prévio cabe referir que, segundo doutrina e jurisprudência que se julgam maioritárias, resulta do art. 1343º, nº 6 do CCivil que a acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, quer se trate de acção de anulação, quer se trate de acção de declaração de nulidade, deve ser proposta contra todos os condóminos que aprovaram as deliberações, que devem ser individulamente citados sob pena de preterição de litisconsórcio necessário[1].
Este o sentido da decisão recorrida, confirmada pelo referido acórdão desta Relação e Secção, de 31.1.2008, relatado pelo Des. Granja da Fonseca, no qual se decidiu que o “procedimento cautelar de suspensão de deliberações da assembleia de condomínio deve ser proposto contra todos os condóminos do prédio em causa, mesmo contra os que não tenham estado presentes e que não tenham manifestado a sua discordância relativamente às deliberações adoptadas – com excepção evidente do(s) que impugna(m) a deliberação e pretende(m) a sua suspensão -, condóminos esses representados pelo administrador do condomínio ou pela pessoa pela assembleia designada para o efeito. Limitando-se a Requerente a propor o procedimento cautelar contra os administradores do condomínio que presidiram à assembleia em que foi adoptada a deliberação em causa, é manifesta a ilegitimidade passiva dos Requeridos, daí decorrendo a necessária absolvição dos mesmos da instância”.[2]
2. Da absolvição da instância
Nos presentes autos está em causa matéria que se consubstancia na suspensão da deliberação de assembleia de condóminos que suspendeu o serviço dos elevadores ao 18° piso do prédio identificado nos autos.
Pelos mesmos fundamentos a aqui Requerente intentou inicialmente providência cautelar contra os administradores do condomínio que presidiram à assembleia em que foi adoptada a deliberação em causa, vindo a ser proferida decisão em que os Requeridos foram absolvidos da instância por ilegitimidade passiva, confirmada, em sede de recurso, por decisão de 31.1.2008 esclarecida por acórdão de 13 de Março de 2008, notificado às partes por carta de 17 de Março de 2008.
Na sequência, a Requerente instaurou, em 2 de Maio de 2008, ao abrigo do disposto no art. 289º, n°s. 1 e 2 do C. P. Civil, novo procedimento cautelar de suspensão de assembleia de condóminos, pelos mesmos factos e razões, em que a Requerente demandava parte dos ora Requeridos, vindo a ser proferida decisão em 21.7.2008, que absolveu os Requeridos da instância por ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, decisão notificada às partes em 21.7.2008 e que transitou em julgado.
Invocando o disposto no art. 289º, n°s. 1 e 2 do CPCivil, foi instaurado, em 8 de Setembro de 2008, novo procedimento cautelar de suspensão da deliberação, agora contra todos os condóminos do mesmo prédio.
Desta feita, porém, o tribunal a quo considerou, além do mais, que, ao abrigo do disposto no art. 289º do CPC, admite-se que “em caso de absolvição da instância por verificação de qualquer excepção dilatória, o demandante instaure uma outra acção sobre o mesmo objecto mas, como é evidente, apenas uma e não sucessivas até que acerte finalmente nalguma delas (…). Assim tendo presente que a propositura de terceira acção não é admitida pela norma processual em causa, é evidente que a requerente pretendeu pretendeu utilizar uma faculdade que a lei lhe não concede e que lhe não assiste e, consequentemente, crê-se verificar-se, in casu, a ocorrência de uma excepção dilatória inominada que tem de levar necessariamente à absolvição da instância (…)”
Discorda a Recorrente, defendendo que nada há na lei que limite o número de vezes para uso do direito conferido pelo mencionado art. 289° n°s 1 e 2 do CPC, sendo, como são, diferentes as partes passivas e os fundamentos invocados para as absolvições da instância e que ao entender haver tal limitação a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei.
Em resumo, notificado, por carta de 17 de Março de 2008, o acórdão desta Relação que confirmou a decisão que absolveu os Requeridos da instância, foi proposto novo procedimento cautelar em 2 de Maio de 2008, ao abrigo do disposto no art. 289º, n°s. 1 e 2 do C. P. Civil, também votado ao insucesso, mais uma vez por ilegitimidade passiva, por ter sido proposto apenas contra parte dos condóminos, conforme decisão notificada às partes em 21.7.2008 e que transitou em julgado.
Invocando, pela 2ª vez, o disposto no art. 289º, n°s. 1 e 2 do CPCivil, foi instaurado, em 8 de Setembro de 2008, um terceiro procedimento cautelar de suspensão da mesma deliberação, no âmbito do qual foi proferida a decisão de que se recorre.
Fundamentalmente a questão a dilucidar prende-se com a aplicabilidade e o alcance a dar ao disposto no nº 2 do artigo 289º do CPC, a fim de se saber se em caso de absolvição da instância por verificação de qualquer excepção dilatória, o demandante apenas pode instaurar uma outra acção sobre o mesmo objecto. 3. Do art. 289º do CPC
Efectivamente, a absolvição da instância não determina a imediata extinção do procedimento ou a caducidade da providência. Interposta uma acção resultam automaticamente determinados efeitos: impede a caducidade do direito substantivo e, quando subsequente ao decretamento de uma providência cautelar, obsta à caducidade desta medida. Proferida uma decisão de conteúdo puramente formal, pode ainda o requerente continuar a beneficiar da tutela cautelar, desde que proponha uma nova acção dentro de 30 dias a contra do trânsito em julgado nos termos do art.º 289, n.º 2 do CPCivil[3].
De acordo com o nº 1 do citado artigo 289º, a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto.
Acrescenta o nº2 do mesmo preceito: “Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância".
Contudo, o citado preceito não diz clara e expressamente se se trata de benefício susceptível de ser utilizado uma ou mais vezes em cada processo.
A propósito da possibilidade de apresentação de nova petição ao abrigo do disposto no art. 476º do CPC, na redacção anterior à reforma do DL 329-A/95, de 12/12, o acórdão desta Relação de 29 de Abril de 2004[4], refere o seguinte:
“Em termos lógicos apenas duas hipóteses poderão ser consideradas: ou aquele benefício poderia ser usado somente uma vez em cada processo, ou poderia ser usado um número infinito de vezes, tantas quantos os sucessivos indeferimentos o proporcionassem, no mesmo processo. Por outras palavras: se defendermos que tal benefício poderá ter lugar mais do que uma vez, não poderemos limitá-lo a uma ocorrência de duas ou três vezes. Ora, assim sendo, nesta última hipótese o princípio da economia processual subjacente ao preceito perde relevância, além de que deixa de ter justificação que o A. continue a gozar das acima aludidas vantagens - aproveitando-lhe a proposição tempestiva da acção, a distribuição efectuada e o pagamento já realizado do preparo inicial - por tempo indefinido, sucedendo-se as várias petições”.
Ora, estas reflexões valem também quanto à possibilidade de utilização do mecanismo previsto no art. 289º, nº 2 do CPC, pois que se em caso de absolvição da instância por verificação de qualquer excepção dilatória, o demandante pudesse instaurar sucessivas acções sobre o mesmo objecto até acertar, o princípio da economia processual também subjacente ao preceito perde relevância, além de que deixa de ter justificação que o demandante continue a gozar das vantagens que lhe sã concedidas pelo citado preceito legal. Tanto mais que estamos perante um processo de cariz urgente.
4. Da caducidade
A análise articulada e conjugada, do art. 289º do CPC com os arts 327º e 328º do CCivil, conduz ao mesmo resultado de insucesso da providência, desta feita por força da caducidade da requerida providência, sendo certo que os Requeridos/Recorridos vieram arguir a referida excepção no articulado de oposição à providência.
Com efeito, de harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 327º do Código Civil, se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Por seu lado, o art. 328º, nº 1 do CCivil refere que quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327º do CCivil.
Quando se verifique a absolvição da instância, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo, conforme prescreve o nº 2 do artigo 327 do Código Civil. Mas prescreve também o nº 3 daquele artigo que se a absolvição da instância não for imputável ao titular do direito e o prazo de prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos não se considera completada a prescrição antes de dois meses
Assim, se a caducidade se referir ao direito de propor uma acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é-lhe igualmente aplicável a regra do n. 3 do artigo 327, se a absolvição da instância não for imputável ao titular do direito, mas se o prazo fixado à caducidade for inferior a dois meses é substituído por ele o designado nesse preceito. Mantém-se, no caso de não imputabilidade da absolvição da instância ao titular do direito, o impedimento da caducidade resultante da proposição da primeira acção.
Estão os casos de prescrição e de caducidade submetidos ao regime especial do artigo 327 n.3 do Código Civil, se a absolvição da instância não se der por motivo imputável ao titular do direito.
Porém, se o motivo de absolvição da instância lhe for imputável, a norma aplicável é já não a do n. 3 mas antes a do n. 2 daquele artigo 327[5].
Neste caso o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interventivo.
E aplicando estes princípios ao caso vertente, temos que a absolvição da instância decretada na primeira e na segunda providências propostas teve por fundamento a ilegitimidade passiva. Tinha a Requerente obrigação de ter proposto a providência de suspensão da deliberação contra todos condóminos que aprovaram a deliberação em causa. Tal facto é imputável à Requerente pois deve-se (uma vez mais) a culpa sua. Se o não fez, tal falta traduz um motivo processual que lhe é inteiramente imputável, pelo que não pode beneficiar do disposto no citado artigo 327º, nº 3 do CCivil[6].
Com efeito, na condução de um processo judicial, o paradigma será um tipo normal de advogado. E advogado normal será o que, além de outros requisitos, possua bom conhecimento das normas jurídicas e seja zeloso na elaboração das diversas peças processuais.
Destarte a nova providência (e a anterior) foi intentada em data muito posterior ao termo do prazo de 10 dias a que alude o disposto no artigo 396º do CPCivil, sendo pacífico o entendimento de que se trata de um prazo de caducidade, que é de direito substantivo[7].
Caducou o direito de propor a providência cautelar de suspensão da deliberação de condóminos em causa.
5. Da natureza urgente do procedimento cautelar
O art. 382º do CPC assinala a natureza urgente dos procedimentos cautelares, reportando-se ao facto de os respectivos actos deverem preceder qualquer outro serviço judicial não urgente e de deverem os procedimentos ser decididos, em 1.ª instância, no prazo máximo de 2 meses, encurtado para 15 dias quando for dispensada a audição prévia do requerido.
A jurisprudência vem divergindo sobre o alcance do carácter urgente dos procedimentos cautelares, uns confinando-o à decisão que decrete a providência, outros alargando-o a todo o processo.
Ainda assim, considerando que o art. 382º, nº 1, alude, sem quaisquer outras referências, aos “procedimentos cautelares”, a maioria da doutrina vem entendendo que a natureza urgente acompanha toda a instância procedimental[8].
Igualmente a jurisprudência vem expressamente assumindo a natureza urgente dos procedimentos cautelares e a contagem do prazo para alegações e contra-alegações em períodos de férias judiciais, como forma de obviar às consequências negativas emergentes da demora na obtenção da decisão definitiva[9].
De todo o modo, o Acórdão Uniformizador de 31-3-2009, (Proc. Nº 4716/07) fixou jurisprudência no sentido de os procedimentos cautelares revestirem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso.
Não restam dúvidas, portanto de que, a admitir-se que a Requerente podia ter intentado novo procedimento cautelar, porque estamos no âmbito de processo com natureza urgente, este deveria ter sido intentado no prazo de 30 dias a que alude o art. 289º, nº 2 do CPC, prazo esse que é continuo, correndo em férias judiciais.
Tendo presentes as regras previstas nos artigos 382°/1 e 144°/1 do CPC, o prazo de caducidade previsto no artigo 389°/2 não se interrompe nas férias judiciais, dada a natureza urgente dos procedimentos cautelares e assim, tal como os Recorridos invocam, o prazo de caducidade já se mostrava decorrido quando a acção foi proposta após férias judiciais, em 8.09.2008, sendo certo que .
Ou seja, não só tinha caducado o direito de intentar nova acção porque caducara o direito de propositura da providência cautelar, pois que há muito decorrera o prazo de 10 dias para requerer a suspensão da deliberação, como igualmente e dada a natureza urgente de que se reveste o procedimento cautelar
Igualmente tinha decorrido mais de 30 dias a que alude o art. 289º, nº 2 do CPC, prazo que não se interrompe em férias judiciais, quando esta providência deu entrada em juízo, em 8.9.2008, já que a decisão anterior que absolveu os Requeridos da instância por ilegitimidade passiva, foi notificada à Requerente em 21.07.2008, como defendem os requerentes, pelo que o despacho recorrido merece confirmação.
Improcedem, nesta parte, as conclusões da alegação dos agravantes, na totalidade. 6.Da litigância de má fé
Por último importa apreciar a pretensão do Recorrido no sentido da condenação da recorrente como litigante de má fé.
A Recorrente entende que não se justifica a sua condenação como litigante de má fé, pelo que a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no art° 456° do CPC.
Segundo a decisão recorrida, a Recorrente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, ao intentar pela terceira vez, providência cautelar invocando indevidamente o art. 289º do CPC, além de que tinha conhecimento de já ter sido intentada execução da decisão referida 6 dos factos provados, apesar de ainda não ter sido citada, devido ao conhecido estado dos juízos de execução. Por isso condenou a Requerente/Apelante, como litigante de má-fé, na multa de 20 UCs de multa.
Vejamos.
Nos termos do art. 456º, nº 1 quem litigar de má fé será condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. Por seu turno, o nº 2 do mesmo preceito qualifica como litigante de má fé aquele que, com dolo ou culpa grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Trata-se aqui da sanção contra a violação dos deveres processuais de verdade, de probidade, de lealdade, e de lisura de procedimentos que, nomeadamente, os artigos 266º e segs., prevêem.
Ora, como se pode constatar, o objecto do recurso cinge-se essencialmente a questões de direito. Em matéria de direito, designadamente processual, a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta[10].
Com efeito, o que se pode apontar à Recorrente tem a ver com o exercício do direito de defesa através de uma interpretação da lei que não foi acolhida, mas que não se pode ter como reprovável, já que corresponde ao exercício do direito de defesa que constitucionalmente está garantido aos cidadãos – arts. 20º da Constituição da República -, sem que desse exercício se possa concluir haver a dedução de uma pretensão com falta de fundamento não ignorada ou apenas ignorada por negligência grave, ou pela utilização dos meios processuais, nomeadamente, do direito de recorrer, de forma manifestamente reprovável.
Já quanto à circunstância de estar provado que foi distribuída execução da referida decisão, não pode relevar para efeitos da condenação como litigante de má fé, ademais, na ausência de citação da aqui Recorrente (executada na dita acção).
Impõe-se, por isso, a conclusão de que se não manifesta, por parte da Recorrente, a temerária ou a dolosa litigância a que se reporta o nº 2 do art. 456º CPCivil.
A este respeito pode ler-se no Ac. STJ de 11 de Dezembro de 2003 o seguinte: “O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do artº456º, CPC, nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a e b, do nº2. Não é, por exemplo, por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má fé. A verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do juiz, que sendo muito, não atinge, porém, a certeza das verdades reveladas. Com efeito, a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico. Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual”[11]].
Procedem, por conseguinte, nesta parte, as conclusões da Apelante.
Por isso, não estão preenchidos os fundamentos previstos na lei para a condenação da Recorrente como litigante de má fé.
Concluindo:
I - Proferida decisão de absolvição da instância, pode o autor, em nova acção intentada, beneficiar da manutenção dos efeitos civis derivados da primeira causa, quando seja possível, desde que essa nova acção seja proposta no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado daquela decisão.
II - A ressalva prevista no nº 2 do artigo 289º do CPC, no tangente ao disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade, não afasta a possibilidade de ocorrer a caducidade do direito que o autor pretende ver reconhecido, pois que a absolvição da instância não resulta de motivo processual não imputável ao titular do direito (cfr. artigos 327º, nº 3, e 332º nº 2, do Código Civil).
III - Os procedimentos cautelares revestirem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso.
IV - Em matéria de direito, designadamente processual, a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta.
III – DECISÃO Termos em que se acorda em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e em consequência - revoga-se a decisão recorrida, ficando sem efeito a condenação, do Réu/Agravante, em multa. - mantém-se a decisão recorrida, no que tange à absolvição dos RR. da instância.
Custas em ambas as instâncias na proporção de 1/3 para os Requeridos e 2/3 para a Requerente.
Lisboa, 25 de Junho de 2009.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)
_______________________ [1] Abílio Neto, Manuel de Propriedade Horizontal, 3ª ed., 1996, pags. 348/349. [2] Disponível em www.dgsi.pt/jtrl. [3]António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, Almedina, 2.ª edição, pág. 279. [4] Ac. RL de 29 de Abril de 2004 (Maria José Mouro), www.dgsi.pt/jtrl. [5] Pires Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 3 edição, pág 213. [6] Neste sentido Acs. do STJ de 6 de Maio de 2003 (Moreira Camilo) e de 24 de Junho de 2003 (Afonso Correia), www.dgsi.pt/jstj. [7] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pág. 92 e Ac. RL de 28-10-04 (Fernanda Isabel Pereira), www.dgsi.pt/jtrl [8] Lebre de Freitas, CPC anot., vol. II, pág. 14, Lopes do Rego, Comentáriosao CPC, pág. 277, e Célia S. Pereira, Arbitramento de Reparação Provisória, pág. 46 [9] Ac. RL de 4-8-04 (António Santos Abrantes Geraldes), www.dgsi.pt/jtrl [10] Neste sentido o Ac. do STJ de 26.2.2009 (Salvador da Costa), www.dgai.pt/jstj [11] Ac. STJ de 11 de Dezembro de 2003 (Quirino Soares), www.dgsi.pt/jstj