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PROCESSO DISCIPLINAR
AUDIÊNCIA DO ARGUIDO
ADVOGADO
COMUNICAÇÃO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário
I - No procedimento disciplinar com vista ao despedimento de um trabalhador com fundamento em justa causa, a falta de comunicação a este e/ou ao mandatário pelo mesmo constituído nesse procedimento da data em que se procedeu à inquirição das testemunhas de defesa por si arroladas na resposta à nota de culpa, só pode conduzir à invalidade do próprio procedimento se se puder concluir que dessa omissão tenha resultado grave comprometimento da defesa apresentada pelo trabalhador no mencionado procedimento; II - Compete ao trabalhador alegar e demonstrar factos donde se possa extrair esta conclusão. III - Independentemente do respectivo valor, a tentativa de furto de objectos expostos para venda no estabelecimento da R./Apelada por parte da A./Apelante em conluio com uma sua outra colega de trabalho, constitui, por si só, justa causa para despedimento imediato, já que implica uma definitiva quebra da confiança subjacente à relação laboral entre elas existente, tendo em consideração as funções de “operadora de supermercado” por esta desempenhadas. (sumário elaborado pelo Relator)
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
A... instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a R. “B..., S.A.”, alegando, em síntese e com interesse, que era operadora de supermercado, exercendo funções na secção de peixaria do supermercado A..., ao abrigo de um contrato de trabalho existente com a R..
Na sequência de um processo disciplinar instaurado por esta, foi despedida com justa causa no dia 17.01.2008. No entanto, esse processo está ferido de diversas nulidades e insuficiências. Com efeito, após a notificação da nota de culpa, apresentou a sua contestação, arrolou testemunhas e constituiu mandatário.
As testemunhas por si arroladas foram ouvidas sem que a A. ou o seu mandatário fossem notificados e estivessem presentes, coarctando-se assim a defesa da A. e dificultando-se o princípio do contraditório.
Nem a A. nem o advogado desta estiveram presentes nas diligências probatórias que requereu, o que impediu que a defesa fosse cabalmente efectuada, violando-se, desse modo, o princípio do contraditório.
Todo o procedimento disciplinar é nulo.
Foi despedida pelos fundamentos constantes da nota de culpa que lhe imputavam uma tentativa de furto. No entanto, todos os factos constantes da nota de culpa são falsos.
A decisão final não está devidamente fundamentada. Com efeito, não descreve os factos provados e não provados, não alega os elementos de prova que levaram às conclusões tiradas, não faz qualquer referência aos factos alegados pela A. nem ás provas por si requeridas, não sabendo, sequer, a A. se as mesmas foram produzidas.
Não existiu qualquer justa causa de despedimento, mas, ainda que a A. tivesse tentado furtar os bonecos, o seu comportamento, embora grave, não tem consequências danosas, não tendo existido qualquer lesão para a R.. Os bonecos têm baixo valor patrimonial.
Nunca cometeu qualquer ilícito disciplinar em 12 anos de serviço.
Aufere a quantia ilíquida de € 598,50 mensais.
Deixou de auferir quaisquer salários desde Fevereiro de 2008.
Conclui que a R. deve ser condenada a pagar-lhe os salários já vencidos no valor de € 5.386,50, bem como os salários que se vencerem na pendência da presente acção.
Caso opte pela indemnização pela ilicitude do despedimento em vez da sua reintegração no posto de trabalho, deve a R. ser condenada no pagamento à A. no pagamento de uma indemnização que totaliza a quantia de € 10.773,00, correspondente a 45 dias da retribuição multiplicados por 12 anos.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes e notificada a R. para contestar, fê-lo, alegando, em síntese e com interesse, que o presente processo foi precedido de uma providência cautelar que foi julgada improcedente por decisão transitada em julgado.
Melhor defesa não poderia fazer a R. do que louvar-se na decisão lavrada nessa providência, na qual a Mmª Juíza, de forma detalhada, se referiu e decidiu a questão da nulidade do processo disciplinar, não dando razão à A..
Em nada foi violado o princípio do contraditório.
Quanto à materialidade do despedimento, a R. repete ponto por ponto tudo quanto foi proferido na nota de culpa, no parecer e decisão do processo disciplinar junto à providência cautelar.
A A. praticou os factos que constam da nota de culpa, os quais constituem uma tentativa de furto de artigos expostos no seu local de trabalho e que pertencem à R..
Com a sua acção delituosa, a A. lesou interesses patrimoniais da R., revela desobediência às ordens legitimas, falta de lealdade e de honestidade, o que levou a R. a perder totalmente a confiança na A., circunstância que tornou imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho e redundou no seu despedimento com justa causa.
Não é verdade que a A. trabalhe há 12 anos para a R. já que foi admitida ao serviço desta em 18 de Fevereiro de 1999. Por isso, nem oito anos de trabalho tinha ao serviço da R. quando foi despedida.
Conclui que a acção deve ser julgada improcedente e, em consequência, a R. deve ser absolvida do pedido formulado pela A., com todas as consequências legais.
Foi dispensada a realização de audiência preliminar.
Foi proferido despacho saneador do processo.
Foi dispensada a selecção da matéria de facto.
Realizada esta audiência, foi proferida a decisão sobre matéria de facto provada e não provada que consta de fls. 201 a 205.
Não houve reclamações.
Seguidamente foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo a R. do pedido formulado pela A.
Inconformada com esta sentença, dela veio a A. interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
(...)
Termos em que, invocando-se o Douto suprimento do Venerando Tribunal, deverá ser dado provimento ao recurso e em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue esta acção procedente e, por conseguinte condene a Apelada no pagamento dos salários vencidos e nos vincendos até decisão final, bem como no seu direito à reintegração ao seu posto de trabalho.
Contra-alegou a R., pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Admitido o recurso e subindo os autos a este Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao disposto no art. 87.º n.º 3 do CPT, tendo o Exmo. P.G.A. emitido parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.
II – APRECIAÇÃO
Face às conclusões de recurso que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto, colocam-se à apreciação deste Tribunal as seguintes;
Questões:
· Invalidade do procedimento disciplinar e consequente ilicitude do despedimento;
· Apreciação e correcta valoração da prova produzida em audiência;
· Correcta valoração da matéria de facto dada como provada, inexistência de justa causa para o despedimento da A./Apelante e consequências daí decorrentes face ao pedido formulado pela A./Apelante nos presentes autos.
O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. A Autora foi admitida em 18/02/99 para exercer funções de operadora de supermercado, por conta e sob autoridade e direcção da Ré, na secção de peixaria, integrada na loja do A..., mediante a retribuição ilíquida de € 598,50 mensais;
2. No dia 14 de Novembro de 2007, a Ré notificou a Autora, por carta registada com aviso de recepção, da intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, com base nos factos constantes da nota de culpa e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
3. A Autora respondeu à nota de culpa, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, juntando, ainda, procuração a favor de advogado;
4. As testemunhas arroladas pela Autora, na resposta à nota de culpa, foram ouvidas sem que a Autora ou o seu mandatário fossem notificados e estivessem presentes;
5. Por carta que foi expedida por correio registado, com o correspondente código de barras RO ..., a Autora foi, em 17/01/08, notificada da decisão de despedimento com justa causa;
6. No dia 18 de Outubro de 2007, em hora não apurada a Autora colocou no chão da recepção, a fim de ser levantado pela sua colega de trabalho LF..., nos termos entre ambas combinado, um saco com brinquedos que se encontravam à venda na Loja de... do ...;
7. Cerca das 11h:00m desse mesmo dia, a Autora foi ao café acompanhada da LF..., que havia terminado o seu turno;
8. A LF...regressou com a Autora ao Supermercado e enquanto aquela foi efectuar compras esta regressou ao seu posto de trabalho;
9. Após, a LF... solicitou à funcionária da recepção que lhe entregasse um saco branco;
10. Na altura em que a LF.., combinada com a Autora, levantou o saco, surgiu o subgerente, CC..., que pediu justificações;
11. Tal deveu-se à circunstância de este, pela manhã, ao proceder a uma revista à loja deparou-se com dois sacos no chão da recepção, contendo um deles um boneco Srek e uma boneca Bratz;
12. Desse facto deu conhecimento ao segurança de serviço, OC..., dando-lhe indicação para estar atento à pessoa que procedesse ao levantamento dos sacos;
13. Suspeitando dos movimentos da funcionária LF... junto à recepção, nomeadamente, o seu pouco à vontade e o seu olhar inquieto para o que a rodeava, ficou a observá-la;
14. No interior do saco levantado pela LF... encontrava-se um boneco Srek e uma boneca Bratz;
15. Este tipo de artigos estão expostos e à venda na Loja do ..., onde a A. trabalhava;
16. Os brinquedos referidos em 10. não tinham passado na caixa registadora de saída e não tinham sido pagos;
17. A LF... disse ao subgerente que desconhecia o conteúdo do saco e que este não lhe pertencia, tendo sido a Autora que lhe pediu para levantar o saco;
18. Nem a Autora nem a LF... tinham talão de compra dos brinquedos;
19. A Autora foi chamada e após ter sido confrontada com a afirmação da LF..., referiu que pediu à colega para levantar um saco que a sua irmã teria deixado na recepção com roupas de bebé.
Como referimos, a primeira questão colocada à nossa apreciação, é a que se prende com a alegada invalidade do procedimento disciplinar instaurado pela R./Apelada contra a A./Apelante tendo por objectivo o despedimento desta.
No entender da Apelante, essa invalidade decorre da circunstância das testemunhas por si arroladas na resposta à nota de culpa terem sido ouvidas na sua ausência e na ausência do mandatário por si constituído naquele procedimento e ainda pela circunstância de, após a conclusão da fase instrutória desse procedimento, não lhes ter sido dado conhecimento prévio sobre essa fase processual nem quanto ao conteúdo do procedimento disciplinar.
Ora, com interesse para esta questão, verifica-se que depois de se haver demonstrado que em 18 de Fevereiro de 1999 a A. foi admitida por conta e sob a autoridade e direcção da R. para exercer funções de operadora de supermercado na secção de peixaria integrada na loja de..., também se provou que, no dia 14 de Novembro de 2007, a R. notificou a A., por carta registada com aviso de recepção, da intenção de proceder ao seu despedimento com base nos factos constantes de nota de culpa junta ao presente processo e cujo teor se deu por inteiramente reproduzido, tendo a A. respondido a essa nota de culpa e junto procuração a favor de advogado.
Para além disto, resultou efectivamente demonstrado que as testemunhas arroladas pela A. na resposta à nota de culpa, foram ouvidas sem que esta e o seu mandatário tivessem sido notificados e estivessem presentes e que, por carta expedida por correio registado em 17 de Janeiro de 2008, a A. foi notificada da decisão de despedimento com justa causa.
Importará, pois, a nulidade ou a invalidade do próprio procedimento disciplinar a audição das testemunhas arroladas pela A. em sua defesa, sem que a esta e/ou ao seu mandatário se tivesse dado prévio conhecimento da realização dessa diligência?
Afigura-se-nos que não! Com efeito, estabelecendo o n.º 1 do art. 430.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08([1]) que «O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito… se o respectivo procedimento for inválido», estipula, por seu turno, n.º 2 do mesmo normativo que «O procedimento só pode ser declarado inválido se: a) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada nos termos previstos no artigo 411.º; b) Não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413.º, 414.º e no n.º 2 do artigo 418.º; c) A decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do artigo 415.º ou do n.º 3 do artigo 418.º» (realce nosso).
Ora, no caso em apreço e em bom rigor, não se verifica qualquer destas omissões, já que, como se referiu, a R./Apelada comunicou à A./Apelante a sua intenção de despedimento em carta registada com aviso de recepção que lhe dirigiu em 14 de Novembro de 2007 e através da qual lhe enviou a nota de culpa, nota de culpa que contém a descrição circunstanciada dos factos que lhe imputa.
Por outro lado, foi dada a oportunidade à A./Apelante de responder à aludida nota de culpa nos termos previstos no art. 413º do mesmo Código, tendo sido ouvidas pela R./Apelada as testemunhas por aquela indicadas em sua defesa, dando-se, desse modo, cumprimento ao disposto no art. 414.º do mesmo diploma e, finalmente, resulta do processo disciplinar apenso que a decisão de despedimento da A./Apelante por parte da R./Apelada consta de documento escrito nos termos do disposto no art. 415.º n.º 3 também do mesmo Código.
É certo que para a inquirição das testemunhas arroladas pela aqui A./Apelante na sua resposta à nota de culpa durante a fase de instrução do procedimento disciplinar que contra si foi instaurado pela aqui R./Apelada, aquela não foi convocada, o mesmo sucedendo com o mandatário por si constituído nesse procedimento. Tal circunstância, porém, não importa, sem mais, a invalidade do próprio procedimento disciplinar, não só porque essa omissão não integra qualquer das situações taxativamente estabelecidas como determinantes da invalidade do procedimento disciplinar, mas também porque a A./Apelante nada alegou no sentido de uma tal omissão ter redundado em grave comprometimento da defesa por si apresentada no mencionado procedimento, sendo certo que só neste caso se poderia ainda concluir estar-se perante a invocada violação do princípio do contraditório susceptível de configurar nulidade insuprível do referido procedimento([2]).
Quanto à circunstância de, após a conclusão da fase instrutória do procedimento, não lhes ter sido dado conhecimento sobre essa fase processual nem quanto ao conteúdo do procedimento disciplinar, para além de não integrar qualquer das referidas situações legalmente determinantes da invalidade do procedimento, poderia ser almejada pela simples consulta do processo disciplinar, sendo certo que a Apelante não alega nem demonstra que a R./apelada alguma vez tivesse levantado qualquer obstáculo a essa consulta.
Não assiste, pois, razão à Apelante quanto à invocada invalidade do procedimento disciplinar conta si instaurado pela ora Apelada.
Uma outra questão suscitada pela Apelante em sede de recurso é a que se prende com a necessidade de apreciação e correcta valoração da prova produzida em audiência, porquanto, alega que não se realizou qualquer prova de que foi ela uma das autoras da tentativa de furto, nem tão pouco se provou o conluio a que se refere na sentença recorrida.
Refere, por outro lado, que não obstante o Tribunal a quo ter dado como provado que “No dia 18 de Outubro de 2007, em hora não apurada a Autora colocou no chão da recepção, a fim de ser levantado pela sua colega de trabalho LF..., nos termos entre ambas combinado, um saco com brinquedos que se encontravam à venda na Loja de... do ...”, da prova produzida em sede de julgamento não se afere tal conclusão já que de nenhum testemunho se referiu tal facto, como facilmente se comprova da fixação da matéria de facto e, para além disso, da prova testemunhal resultou que a Apelante, como noutros dias, nunca foi vista junto do balcão da recepção e que se tivesse tido qualquer comportamento descrito na nota de culpa não passaria impune perante os seus colegas de trabalho.
Impugna, portanto, a Apelante parte da matéria de facto considerada como assente pelo Tribunal a quo.
Acontece, porém, que este Tribunal da Relação não dispõe dos diversos elementos de prova produzidos em audiência e com base nos quais a Mmª Juíza da 1ª instância fixou a matéria de facto que considerou demonstrada. Com efeito, não dispõe este Tribunal de recurso do registo da prova testemunhal que serviu de suporte a essa fixação, sendo certo que dos autos não resulta que essa prova tenha sido objecto de registo informático.
Não está, pois, este Tribunal em condições de poder apreciar a prova produzida em audiência de julgamento e, consequentemente de verificar se o Tribunal a quo procedeu à sua correcta valoração e fixação, razão pela qual não poderemos deixar de mater aqui, na integra, a matéria de facto considerada como provada em 1ª instância e que anteriormente reproduzimos.
A questão que, por último, nos é suscitada em sede de recurso, prende-se com a correcta valoração da matéria de facto provada e consequente apreciação de existência, ou não, de justa causa para o despedimento da A./Apelante por parte da R./Apelada, bem como as consequências daí decorrentes face ao pedido formulado por aquela nos presentes autos.
Já referimos anteriormente, que o regime jurídico aplicável no caso em apreço é o que resulta do Código do Trabalho de 2003 aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08.
Posto isto, importa ter presente que estabelece o art. 396º n.º 1 deste Código do Trabalho que «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento», enunciando-se, depois, no respectivo n.º 3 e a título meramente exemplificativo (nomeadamente), diversos comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa do despedimento de um trabalhador pela sua entidade patronal.
Não basta, porém, a demonstração de qualquer comportamento imputável ao trabalhador, para que se possa ter por verificada uma situação de justa causa para despedimento. Com efeito e conforme decorre daquele conceito, a justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de três requisitos ou pressupostos:
a) a existência de um comportamento culposo do trabalhador (requisito subjectivo);
b) a verificação da impossibilidade de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (requisito objectivo);
c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
A justa causa de despedimento, pressupõe, portanto, a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador e que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo.
Como vem sendo entendimento pacífico ao nível da jurisprudência, quer a culpa, quer a gravidade da infracção disciplinar, hão-de apurar-se, na falta de um critério legal, pelo entendimento de um “bom pai de família” ou de “um empregador normal, médio”, colocado em face do caso concreto, utilizando-se, para o efeito, critérios de mera objectividade e razoabilidade[3].
Por outro lado, quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral e citando, entre outros, o douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2003[4], a mesma verifica-se “quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral”.
Ainda de acordo com o mesmo Aresto, citando, aliás, Monteiro Fernandes[5], “Não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (…). Basicamente preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiam tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Importa, todavia, não esquecer que, sendo o despedimento imediato a sanção disciplinar mais gravosa para o trabalhador, na medida em que é a única que quebra, desde logo, o vínculo laboral até aí existente entre as partes contratantes, a mesma só deve ser aplicada relativamente casos de real gravidade, isto é, quando o comportamento culposo do trabalhador for de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada para o caso a adopção de uma sanção correctiva mas conservatória da relação laboral. Isso verificar-se-á apenas quando a conduta violadora assumida, culposamente, pelo trabalhador ponha, definitivamente, em causa a relação de confiança em que assenta o referido vínculo laboral.
Importa ainda considerar que nos termos do disposto no n.º 2 do mencionado preceito do Código do Trabalho de 2003, «Para a apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes … e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».
Finalmente, cabe referir que, neste tipo de acções judiciais em que um trabalhador alvo de despedimento por parte da sua entidade patronal invoque a inexistência de justa causa e a consequente ilicitude do mesmo, caberá à entidade patronal o ónus de alegação e prova de factos susceptíveis de levarem o julgador a concluir pela verificação, no caso concreto, de uma situação de justa causa para despedimento.
Posto isto e revertendo ao caso em apreço, verificamos que, perante a matéria de facto provada constante dos pontos 6. a 19. e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, não há dúvida que a A./Apelante, em conluio com a sua colega LF..., tentou subtrair – fazendo deles coisa sua – do estabelecimento comercial onde ambas exerciam a sua actividade laboral ao serviço da R./Apelada, dois brinquedos dos que se encontravam à venda nesse estabelecimento, sem proceder ao prévio pagamento dos mesmos nas respectivas caixas registadoras.
Tal comportamento levado a cabo pela A./Apelante em 18 de Outubro de 2007 e ainda que, porventura, assumido pela primeira vez ao serviço da R./Apelada – já que nada se demonstrou no sentido da mesma ter tido outras anteriores práticas do mesmo género – apresenta-se dotado de uma tal gravidade que, por si só e independentemente do valor dos objectos que a mesma tentou subtrair, põe em causa, de uma forma que consideramos irreversível, a base de confiança que se exige na execução das funções de “operadora de supermercado” que à A./Apelante estavam afectas enquanto ao serviço da R./Apelada, não sendo, por isso, exigível que esta, perante um tal comportamento, se tivesse bastado com a aplicação de uma qualquer sanção conservatória da relação laboral até então existente entre as partes.
Daí que não possamos deixar de concluir que o Tribunal a quo procedeu a uma correcta valoração dessa matéria de facto ao concluir pela verificação, no caso vertente, de justa causa para o despedimento da A./Apelante por parte da R./Apelada, com as consequências legais resultantes dessa conclusão face ao pedido formulado por aquela, ou seja, a total improcedência da presente acção e a natural absolvição desta quanto a esse pedido.
Não merece, pois censura a sentença recorrida que, desse modo, aqui se mantém.
III – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.
Registe e notifique.
Lisboa, 20 de Outubro de 2010
José Feteira
Ramalho Pinto
Hermínia Marques
---------------------------------------------------------------------------------------- ([1]) Regime jurídico aplicável ao caso vertente. ([2]) Cfr. douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-1990 publicado no BMJ 401-386. [3] Cfr. entre muitos os Acs. do STJ de 07-03-1986 e de 17-10-1989, em www.dgsi.pt, Procs. n.ºs 001266 e 002519. [4] Cfr. www.dgsi.pt, Proc. n.º 02S568. [5] Direito do Trabalho, Almedina, 11ª Edição, pag. 540-541.