REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
GUARDA DE MENOR
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Sumário

I- O critério concreto a ter em conta na decisão de atribuir ou repartir o exercício das responsabilidades parentais é o que garante o desenvolvimento harmonioso da criança ou jovem, tendo em conta as suas necessidades bem como a capacidades dos pais para as satisfazer e ainda os valores dominantes no meio comunitário que os envolve.
II- Deve ser atribuída à mãe a guarda de menor de 8 anos de idade, que com aquela sempre viveu, em cujo meio familiar, social e escolar se encontra inserida e integrada, mesmo que o agregado familiar da mãe apresente algumas carências económicas.
III- A circunstância de o pai ter um melhor nível de vida económica do que a mãe não é critério relevante na opção pela confiança da guarda a tal progenitor, quando o mesmo não contribui com a pensão de alimentos fixada em decisão provisória e reside num outro país, integrado no seu próprio agregado familiar com o qual a menor não tem relação.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO
A, solteiro, veio instaurar a presente providência tutelar cível para regulação do exercício do poder paternal a favor da menor X, sendo requerida: -
- B, solteira,
Para o efeito alegou que a menor é filha dos requeridos, os quais se encontram separados, estando a menor a residir com a mãe.
Juntou certidão de assento de nascimento da menor.
*
Realizada conferência de pais, não houve acordo, tendo sido fixado regime provisório e determinada a realização de inquéritos sobre a situação dos requeridos e da menor.
*
A final foi proferida sentença que decidiu regular o exercício do poder paternal relativo à menor X da forma seguinte:
1.º - A menor X ficará entregue à guarda e aos cuidados do pai A, zelando esta pela sua saúde, segurança, alimentação e educação, ficando o exercício do poder paternal atribuído ao progenitor;
2.º - A requerida B poderá ver e ter a filha consigo durante os períodos de férias escolares da filha, incumbindo ao progenitor assegurar a vinda e o regresso da filha de Portugal para o país onde reside;
3.º - Não é fixada qualquer obrigação de alimentos a cargo da requerida, sem prejuízo de ulterior fixação do montante da mesma logo que a sua situação patrimonial o possibilite.
*
Inconformada com o teor da sentença, a recorrida veio interpor recurso concluindo as suas alegações da forma seguinte:
I) Vem o presente recurso de Apelação interposto da douta sentença proferida pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal, no âmbito do processo de regulação do poder paternal referenciado;
II) Ao contrário do decidido, entende a Recorrente que a guarda da menor deveria ter-lhe sido conferida a si, em termos definitivos e, consequentemente, discorda do regime de visitas e dos termos em que foi determinada a obrigação de prestação de alimentos;
III) Considera que os factos dados como provados nos autos, devidamente ponderados e valorados, impunham que a guarda e o poder paternal da menor fossem confiados à mãe, sendo estabelecido um regime de visitas ao pai e uma pensão de alimentos a favor da X
IV) Só esta solução acautelaria o superior interesse desta criança, pelo que decidindo de forma contrária, violou a douta decisão recorrida o Art. 180º, nº 1 da OTM.
V) Tal superior interesse e direitos ficarão grave e seriamente prejudicados se a menor for agora, e em face das circunstâncias concretas da sua vida e da de ambos os progenitores, retirada do meio familiar, social e escolar em que se encontra inserida, uma vez que inexistem quaisquer razões que o imponham.
VI) As circunstâncias relevantes para a boa decisão da causa, e que impõem que a menor seja entregue à mãe, encontram-se no elenco dos factos provados, a saber;
VII) Pontos 2º e 3º- o Recorrido e a Recorrente viveram juntos no estrangeiro durante cerca de onze anos, sendo que após a separação a Requerida veio viver para Portugal, tendo fixado residência…..
VIII) Daqui decorre que a menor X, actualmente com 8 anos de idade (cfr. ponto 1º) viveu toda a sua vida, desde o nascimento até ao presente, na companhia da sua mãe, junto de quem tem todas as suas referências familiares, e em torno de quem alicerçou as suas relações sociais, e é junto à residência desta que frequenta a escola;
IX) Do agregado familiar da Recorrente faz parte, para além da menor, também o respectivo companheiro, cfr. ponto 4º e habitam uma casa arrendada e - à data do encerramento da discussão da matéria de facto -, possuíam ambos rendimentos sociais, além de que a Recorrente também processa prestações familiares – ponto 6º.
X) Pelo que a Recorrente possui meios de subsistência, o que lhe permitirá continuar a satisfazer integral, e exclusivamente - como vem fazendo – todas as necessidades da filha menor.
XI) A menor X frequenta a Escola Básica (ponto 10º) e apresenta um desenvolvimento adequando para a idade, estabelecendo um relacionamento fácil com os adultos, falando das suas rotinas e gostos e dos adultos que dela cuidam (ponto 12º).
XII) Do ponto 11º do elenco dos factos assentes consta que a menor tem dificuldades de concentração nas tarefas escolares, sendo vista pela mãe a possibilidade de frequência de um ATL, donde decorre que a Recorrente está atenta às dificuldades e necessidades da filha e equaciona soluções para essas dificuldades;
XIII) Sob o ponto 13º consta que o Requerente, ora Recorrido, vive na L, pelo que a atribuição ao mesmo da guarda implicaria que a criança fosse repentinamente retirada do ambiente familiar onde sempre viveu junto da mãe, o que abalaria irremediavelmente toda a estrutura emocional e a vida da X, retirando-a do convívio de todo os que conhece, para a confrontar com um progenitor com quem há muito não priva, com outros familiares ou terceiros que não conhece e ambientes sociais e escolares que lhe são estranhos.
XIV) A menor passaria a viver num país com uma língua diferente da sua, que não resulta provado ser dominada pela mesma, o que em muito agravará as dificuldades escolares que sente – vide ponto 11 dos factos assentes.
XV) Todos os referidos factos militam em favor da pretensão da recorrente;
XVI) E considera que não lhe são desfavoráveis os dados como assentes sob os pontos 6º, 7º, 9º e 11º;
XVII) O estar desempregada (ponto 6º) e auferir rendimentos sociais não poderá militar em seu desabono, atentas as características depressivas que a economia mundial atravessa, e em que um número significativa da população se vê obrigada a recorrer a tais apoios, atenta a escassez de empregos disponíveis.
XVIII) A Recorrente demonstrou possuir meios de subsistência e condições para sustentar a filha, circunstância que melhorará com o pagamento de uma pensão pelo Recorrido, o que presentemente não faz;
XIX) Não resulta dos autos que a menor X houvesse alguma vez visto o seu bem-estar e conforto em risco pela eventual carência económica da mãe.
XX) Do facto assente sob o ponto 7º - a Recorrente sofre de tendinite nos ombros – nada se retira a propósito de uma eventual perda de capacidade de ganho nem ficou provada qualquer tipo de incapacidade para o trabalho ou para o exercício de determinadas profissões;
XXI) Quanto ao ponto 9º (que a Requerida manifesta incapacidade de controlo comportamental assumindo atitudes repressivas com a filha, particularmente na gestão das actividades escolares, recorrendo a violência física e verbal), teve como base o conteúdo dos relatórios sociais, realizados com base em entrevista individual a cada um dos progenitores e à menor.
XXII) Tal facto resulta de uma diligência isolada, e não num acompanhamento mais duradoiro e numa análise mais profunda às condições de vida e psicológicas da menor e da sua mãe;
XXIII) E, a par dele, não resulta provado qualquer outro facto de onde se retire qual a gravidade de tais comportamentos da mãe, nomeadamente quais as consequências que os mesmos já tiveram sobre a menor.
XXIV) Pelo que tal facto deverá ser contextualizado e valorado nos exactos termos do seu significado, não podendo assumir um papel preponderante para a decisão da causa.
XXV) Por outro lado, o referido facto tem de ser valorado conjuntamente com os demais assentes, nomeadamente com o constante dos pontos 12º e 17º, pois só assim se conseguirá uma perspectiva global do modo e condições de vida da menor, e da relação que mantém com a progenitora.
XXVI) Ou seja, tais comportamentos atribuídos à mãe não assumem proporções tais que afectem o regular desenvolvimento da menor para a respectiva idade e a sua capacidade de se relacionar com os outros – cfr. pontos 12 e 17º.
XXVII) Acresce, com a maior relevância, que a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo encerrou processo que ali pendeu referente à menor, por concluir que inexistia, em relação à mesma, qualquer situação de perigo, o que não teria ocorrido caso o facto provado em 9º assumisse proporções relevantes.
XXVIII) Donde decorre que os referidos comportamentos da Recorrente, além de todo o supra exposto, não puseram de forma alguma em perigo a menor.
XXIX) Mas ainda que se entendesse que tais factos pudessem afectar negativamente a menor – o que, repete-se, não ficou provado - a gravidade dos mesmos, a existir, será mínima e seguramente insignificante em face das consequências da entrega da X ao pai;
XXX) Entende, assim, a Recorrente que não resultou provada qualquer circunstância que, alegadamente, militasse em desabono da Recorrente, com gravidade ou significado tal que justifique a quebra abrupta da estabilidade emocional e psicológica da menor;
XXXI) Pelo que nada indica - e tudo desaconselha - que se entregue a X ao pai, quando não se verifica qualquer circunstância de tal modo grave que o imponha.
XXXII) Discorda a Recorrente de que o incumprimento dos regimes de visitas e da pensão de alimentos provisoriamente fixados nos autos milita em desabono de ambos os progenitores;
XXXIII) E não aceita que a sentença recorrida repute o incumprimento por parte da mãe do regime de visitas de mais grave do que a omissão do pagamento da pensão de alimentos por banda do Recorrido;
XXXIV) Pois ao decidir desse modo, a douta sentença recorrida faz uma incorrecta aplicação dos critérios legais que regulam a atribuição da guarda dos menores.
XXXV) Primeiramente porque do elenco dos factos provados não resulta a qual dos progenitores se deve imputar a responsabilidade pelo incumprimento do regime de visitas fixado, pelo que não concorda em considerar essa como uma circunstância que relevará negativamente para si, Recorrente.
XXXVI) Pese embora a ausência de factos assentes atinentes a esta matéria, há que ter conta que o Requerido vive na L, pelo que os contactos deste com a filha terão sido, eventualmente entre outras razões não apuradas, naturalmente dificultados pela distância e pelo dispêndio das viagens, pelo que tal facto não poderá militar em desabono da mãe.
XXXVII) Em segundo lugar, não há dúvidas que a responsabilidade pelo incumprimento do pagamento da pensão de alimentos à filha deverá ser imputada exclusivamente ao pai.
XXXVIII) Este incumprimento é sintomático de um reiterado alheamento e desinteresse pela vida e bem-estar da filha, pois revela que o Recorrido não despendeu de qualquer sacrifício em benefício da X, deixando que diferendos com a mãe dela, a que a menor é alheia, se sobrepusessem ao bem-estar da criança.
XXXIX) Acresce que a violação de tal dever por parte do Recorrido assume particular gravidade se atentarmos em que o mesmo possui um rendimento mensal de €3.500,00 e que apenas não contribui para a subsistência da filha com €150,00/mês porque não quer;
XL) Por fim, ainda que a culpa pelo incumprimento do regime de visitas fosse, por remota hipótese, sem conceder - imputado à Recorrente, ainda assim tal não poderia relevar para a decisão de conferir a guarda da menor ao pai.
XLI) Pois, como é entendimento jurisprudencial, Uma criança não pode ser penalizada por uma conduta a si alheia. 4- Não se pode dizer que um pai que dificulte o regime de visitas da mãe, não seja um bom progenitor ao ponto de se lhe alterar, por essa razão, a guarda da menor.
XLII) Pelo que tais factos, e ao contrário do que decidiu a sentença recorrida, deverão militar em desabono da pretensão do Recorrido.
XLIII) Entende, assim, a Recorrente que todos os factos assentes nos autos, devidamente valorados e ponderados, imporiam que a guarda e o poder paternal da menor fossem conferidos à mãe.
XLIV) Quanto às demais vertentes do exercício do poder paternal desta menor, entende a Recorrente que os autos também oferecem todos os elementos para que este douto Tribunal da Relação os defina.
XLV) Deverá ser fixado um regime de visitas ao pai, que poderá ver a menor sempre que este venha a Portugal e, nomeadamente, nas férias escolares dela, custeando o pai as viagens de ida e volta da menor à L, atentas as possibilidades económicas que o mesmo demonstrou possuir.
XLVI) Quanto à pensão de alimentos, cumprirá ter em conta, por um lado, as necessidades desta menor de 8 anos, estudante, que são comuns às demais da sua idade, e por outro as possibilidades do pai, fixadas nos autos, e que são favoráveis a uma mensalidade que permita à filha viver confortavelmente, e seguramente superior aos €150,00 antes fixados.
XLVII) Ao decidir em contrário, ou seja, retirando a guarda da menor à Mãe, ora Recorrente, entende esta que o douto Tribunal a quo não acautelou devidamente os interesses da criança, tendo assim violado o Art. 180º, nº 1 da OTM, cfr. supra alegado.
XLVIII) O interesse superior da menor estará, sim, devidamente acautelado se a mesma se mantiver confiada à guarda e cuidados da mãe, nos termos e pelos fundamentos supra referidos, e será deste ponto de vista que a referida norma deverá ser aplicada nos autos.
XLIX) Pese embora o elenco dos factos provados conduzam, por si só, a uma decisão em sentido diferente da que foi proferida, apenas por mera cautela de patrocínio a Recorrente vem juntar aos autos dois documentos novos, que reputa de supervenientes nos termos e para os efeitos do citado Art. 712º, nº 1, al. c) do C.P.C..
L) Que não pode juntar até ao encerramento da discussão em primeira instância, porque não existiam;
LI) Um deles consistem numa “Declaração” – doc. nº 3, comprovativa de que a Recorrente se encontra a trabalhar, datado de 30/05/2010, emitido pela entidade patronal da mesma, onde se atesta que exerce, desde o dia 1/05/2010, actividade profissional no seu estabelecimento de pronto-a-comer denominado “….”, e que aufere uma remuneração mensal de €600,00.
LII) Entende a Recorrente que tal documento abala a prova em que assentou a resposta ao quesito 6º, que deverá merecer resposta consonante com este.
LIII) O segundo é um “Relatório de Observação/Avaliação Psicológica” – doc. nº 4, elaborado por psicóloga clínica em 11/06/2010, na sequência de acompanhamento a que a menor foi submetida, atenta a sintomatologia que apresentou quando confrontada com a eminência do cumprimento da decisão sob recurso e dificuldades escolares, e que ora se dá por reproduzido..
LIV) Entende-se que o mesmo altera a prova em que se baseou a resposta, nomeadamente, ao ponto 9º e à fundamentação da sentença.
LV) Pelo que, caso não bastassem os elementos antes oferecidos pelos autos, os que são fornecidos pelos presentes documentos permitem uma reapreciação da decisão, pois incidem precisamente nos aspectos que o douto Tribunal a quo considerou militarem em desabono da Recorrente.
LVI) Tal reapreciação conduzirá, em face da realidade que se constituiu após o encerramento da discussão em primeira instância, aliada aos demais argumentos aduzidos, a que a douta sentença recorrida seja substituída por outra, que mantenha a guarda da menor conferida à mãe, estabelecendo-se os supra referidos regime de visitas ao pai e pensão de alimentos, como requer.
Nestes termos, deve o presente recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado, e por via dele ser a douta decisão proferida em 1ª Instância revogada e substituída por outra, que atribua à Recorrente a guarda e o poder paternal da sua filha menor, fixe um regime de vistas ao pai e uma obrigação alimentar a favor da criança.
Caso assim se não entenda, requer subsidiariamente que a douta decisão seja reexaminada à luz dos documentos novos superviventes ora juntos aos autos, regulando-se o poder paternal da menor nos termos referidos, por assim ser no decisivo interesse da menor X.
*
FUNDAMENTAÇÃO:
Nos termos do art.712º, nºs 1, 2 e 3 do CPC, decide-se alterar a matéria de facto fixada na primeira instância, tendo em consideração o teor do relatório social elaborado pelo ISS junto aos autos a fls.78, o teor da declaração de fls.192 e o teor do relatório de observação/avaliação psicológica, elaborado pela psicóloga clínica – GAS, Junta de Freguesia…, junto aos autos a fls.196 e sgs, que passará a ter o conteúdo seguinte:

FACTOS PROVADOS
1) - A menor X nasceu em 20 de Outubro de 2001, e é filha de B e de A (documento de fls. 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2) - O requerente e a requerida viveram juntos no estrangeiro durante cerca de onze anos.
3) - Foram emigrantes em vários países, sendo que o pai sempre trabalhou noutro país que não aquele em que a família residia.
4) – A menor nasceu na … e cerca de três meses depois, os pais separaram-se, reconciliaram-se e separaram-se definitivamente há cerca de três anos, ainda a residirem na Alemanha, contava a menor com 5 anos de idade.
5) - Após a separação, ocorrida neste momento, há cerca de quatro anos e meio, a requerida veio viver para Portugal com a filha X tendo fixado residência na ….
6) - A requerida vive com a X e com um companheiro, D, solteiro e sem filhos.
7) - Vivem em casa arrendada suportando uma despesa com a habitação de cerca de trezentos euros e setenta euros em consumos domésticos.
8) - A mãe da X trabalhou como auxiliar em Lares de idosos, primeiro em … e depois na ….
9) - Sofre de tendinite em ambos os ombros e face à baixa, a instituição acabou por rescindir o contrato de trabalho de forma amigável.
10) - Ficou desempregada em Agosto de 2009, passando a auferir o RSI, no valor de 322 Euros.
11) - Actualmente é funcionária no Pronto a Comer “ …”, sito na Rua…, com uma remuneração mensal de 600,00 Euros.
12) - O companheiro da requerida encontra-se desempregado, auferindo o RSI no valor de 212 Euros.
13) - Os rendimentos a favor da menor, na modalidade de prestações familiares ascendem ao montante de 52 Euros.
14) - Desde a ruptura familiar, ocorrida há cerca de quatro anos e meio é a requerida quem vem assumindo as responsabilidades sócio-educativas relativas à X.
15) - A atitude educativa da requerida tem-se pautado por assertividade, pese embora alguma incapacidade de controlo comportamental.
16) - A progenitora nem sempre controla as actividades da menor, acabando esta por se furtar a alguns deveres e obrigações escolares, o que para além da falta de resultados a nível escolar, leva a que a mãe tome atitudes muito repressivas, com recurso a alguma violência física e verbal que tem por sua vez, potenciado a falta de desempenho da menor a nível escolar.
17) - A menor frequenta o 1.º ciclo do ensino básico em estabelecimento de ensino público na ….
18) - Apresenta dificuldades de concentração nas tarefas escolares ficando o seu desempenho comprometido sendo visto pela mãe a possibilidade de recurso a um ATL onde a filha possa ter actividades e acompanhamento na feitura dos trabalhos enviados pela professora.
19) - A menor apresenta um desenvolvimento adequado para a idade estabelecendo um relacionamento fácil com os adultos, falando das suas rotinas e gostos e dos adultos que dela cuidam.
20) - Do ponto de vista cognitivo, a X apresenta um funcionamento intelectual global que se situa no nível superior de inteligência.
21) - A organização perceptiva, a velocidade de processamento de informação, a memória visual imediata e diferida encontram-se presentes.
22) - Do ponto de vista emocional, a X revela um comportamento adaptado, bem como aceitação por parte da família, e um nível elevado de auto-estima.
23) - Manifesta um sentimento de bem-estar face às competências académicas, sentindo-se capaz e confiante.
24) - Ao nível da personalidade não se apura psicopatologia.
25) - A menor foi acompanhada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo da ….a qual deliberou encerrar o processo concluindo inexistir qualquer situação de perigo.
26) - O requerente encontra-se a viver na L vivendo actualmente com uma companheira, um filho desta e uma filha comum.
27) - Exerce actividade profissional em regime de contrato de duração indeterminada como soldador industrial por conta da empresa “S.” auferindo cerca de três mil e quinhentos euros.
28) - Vive em casa própria, com cinco quartos, três casas de banho e duas cozinhas.
29) - No âmbito do presente processo, foi fixado regime provisório atribuindo a guarda à mãe, fixando um regime de visitas ao progenitor e uma prestação de alimentos a cargo desta (fls. 21 e 22), ocorrendo incumprimentos relativamente às visitas e à obrigação de alimentos.
*
DE DIREITO:
Quando um ou vários filhos menores têm pais vivos e estes, tendo sido casados se separam de facto, se divorciam ou separam judicialmente de pessoas e bens ou quando os pais não são casados e não estão a viver juntos, é obrigatória a regulação do poder paternal dos filhos menores, ou seja até aos dezoito anos de idade, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer dos progenitores, nos termos dos artºs 1905º, 1909º e 1911º todos do Código Civil e artº 183º da Lei Tutelar de Menores (OTM).
Os pais encontram-se investidos na titularidade do poder paternal por mero efeito do estabelecimento da filiação (biológica ou adoptiva) configurando-se essas responsabilidades parentais como um conjunto de poderes-deveres atribuídos legalmente aos pais no interesse dos filhos (art. 1878º, do CC).
Com efeito, não se trata de um conjunto de faculdades de conteúdo egoístico e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas de um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com o direito, consubstanciadas no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral (Armando Leandro, em Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões da prática judiciária. Separata do Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto, pág. 119)
Estas responsabilidades, destinadas a assegurar o desenvolvimento integral e harmonioso do menor, compreendem vários poderes-deveres.
Assim, e de acordo com art. 1878º, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
Quer a titularidade destas responsabilidades parentais, quer, em princípio, o seu exercício cabem a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade.
Dispõe o art. 1906º, nº 2, ex vi do citado art. 1912º do CC que o poder paternal é exercido pelo progenitor a quem o filho foi confiado por decisão judicial fundamentada e na falta de acordo dos pais.
De salientar que o critério a ter em conta na decisão de atribuir ou repartir o exercício daquelas responsabilidades por ambos os progenitores será sempre o do superior interesse da criança (arts. 1905º, nºs. 1 e 2, do Código Civil, 180º, da OTM e 3º, nº 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, DR, 1ª Série, de 12.09.90) e, ainda que subsidiariamente, o dos progenitores e familiares do menor.
Trata-se de um conceito que, aplicado em concreto, pretende assegurar um desenvolvimento harmonioso da criança ou jovem, tendo em conta as suas necessidades, bem como a capacidade dos pais para as satisfazer e ainda os valores dominantes no meio comunitário que os envolve.
Na falta de acordo dos pais cabe ao tribunal regular esse mesmo exercício, determinando, nomeadamente, a quem vai ser confiada a guarda do menor, o regime de visitas do progenitor não custodial, a fixação de alimentos e a forma de os prestar.
No que concerne à custódia, de acordo com o "interesse do menor", este deve ser confiado ao progenitor que se mostre mais idóneo para satisfazer as suas necessidades, assegurando-lhe as condições materiais, sociais, morais e psicológicas que possibilitem o seu desenvolvimento estável, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente oponham os progenitores e que possibilitem o desenvolvimento de relações afectivas contínuas para ambos, em especial com o progenitor a quem o menor não haja sido confiado (Rui Epifâneo e António Farinha, em O.T.M., 2ª ed. pág. 327), para o que deve ser tido em conta, nomeadamente, o sexo, a idade e o estádio de desenvolvimento da criança, a relação que mantém com ambos os progenitores antes e depois da separação, a existência de irmãos e o seu próprio desejo, a disponibilidade dos pais, incluindo a disponibilidade afectiva por forma a promover as condições necessárias à estabilidade afectiva e ao equilíbrio emocional da criança, a capacidade educativa, as condições de ordem económica, profissional e moral, a motivação para a obtenção da guarda e a atitude face aos direitos do outro progenitor.
Ao progenitor que não fique com a guarda do filho caberá o poder-dever de vigiar a educação e condições de vida do filho (art. 1906º, nº 4, do CC), bem como o direito de ser informado de todas as decisões que afectem os interesses essenciais deste (art. 11º da Recomendação nº R (84) sobre as responsabilidades Parentais).
No que respeita ao regime de visitas do progenitor não custodial, dispõem os arts. 180º, nº 2, da OTM e 1905º, nº 3, do CC, no que são corroborados pelo princípio 8º da Recomendação nº R (84), que será estabelecido um regime de visitas a quem não tenha sido confiada a guarda do filho, a menos que excepcionalmente o interesse do menor o desaconselhe.
Finalmente, no que concerne à obrigação de alimentos, importa referir que o art. 36º, nº 3, da C.R.P. estabelece o princípio de igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção dos filhos.
Com este princípio não pretende a lei que cada progenitor contribua com metade do necessário à manutenção dos filhos, antes se visa que sobre cada um deles impenda a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como à instrução e educação do menor (alimentos civis).
Como se vê, o conceito de sustento ultrapassa a simples necessidade de alimentação, abrangendo a satisfação de todas as necessidades vitais de quem carece de alimentos, nomeadamente as relacionadas com a saúde, os transportes, a segurança, a educação e instrução (art. 2003º do CC).
Por outro lado, a obrigação de sustento dos pais para com os menores é mais vasta do que a existente nos restantes casos de direito a alimentos definidos na lei (art. 2009º, do CC).
Com efeito, a obrigação de sustento dos pais não se afere pelo estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas dos seus filhos, compreendendo o indispensável à promoção adequada do desenvolvimento físico, intelectual e moral dos mesmos, sem embargo de se ter em linha de conta as possibilidades dos pais para a satisfação daquelas necessidades, prescrevendo o art. 2004º, nº 1, do CC que os alimentos devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidades daquele que houver de recebê-los.
Por acordo dos pais ou por decisão judicial, neste caso no interesse do menor e se nenhum dos progenitores se revelar ser idóneo para a respectiva custódia, pode este ser confiado a terceira pessoa ou instituição, cabendo a estes os poderes que forem exigidos para o adequado desempenho dessa guarda e devendo o tribunal decidir a qual dos progenitores atribuir o poder paternal residual, nos termos do artº 1907º Código Civil.
Tendo presentes estes princípios gerais, impõe-se analisar o caso dos autos.
A sentença objecto de recurso atribuiu a guarda da X ao pai, no essencial por este dispor de um quadro de vida económico substancialmente superior ao da requerida, então desempregada e a viver do RSI, valorando de forma negativa ainda o facto de esta sofrer de tendinite nos ombros, factor obstativo à obtenção de emprego e revelar incapacidade de controlo comportamental, assumindo atitudes repressivas com a filha, particularmente na gestão das actividades escolares, recorrendo a violência física e verbal.
No entender deste Tribunal, o quadro factual assente, ponderado à luz dos interesses da X, conduz exactamente a um resultado oposto.
Na verdade, dela flui que a menor X sempre viveu com a mãe, sendo que desde a separação dos pais que vive em Portugal, apenas com esta e seu companheiro, já que o pai reside na L.
É neste país que a menor tem centrada a sua vida familiar, a sua vida escolar e social.
Está integrada na escola, tem um desenvolvimento adequado para a idade estabelecendo um relacionamento fácil com os adultos, falando das suas rotinas e gostos e dos adultos que dela cuidam.
Revela um comportamento adaptado e aceitação por parte da família e um nível elevado de auto-estima.
Está por isso integrada num meio que lhe proporciona um desenvolvimento integrado como pessoa.
O facto de a mãe apresentar alguma incapacidade de controlo comportamental, com recurso a alguma violência física e verbal, reportada ao modo como gere as actividades da menor, especialmente a nível escolar, poderá facilmente ser ultrapassada com a colocação da menor no ATL, possibilidade que a mãe equaciona e que permitirá ultrapassar a dificuldade que surge na gestão dessa área relacional com a menor.
A menor apresenta dificuldades de concentração nas tarefas escolares o que compromete o seu desempenho escolar, mas um adequado acompanhamento por profissionais da área seguramente ultrapassarão tal dificuldade, tanto mais que do ponto de vista cognitivo a menor apresenta um funcionamento intelectual global que se situa no nível superior de inteligência.
E apresenta um sentimento de bem-estar face às competências académicas, sentindo-se capaz e confiante.
No mais, sempre se atentará no facto de a menor ter sido acompanhada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo a qual deliberou encerrar o processo concluindo inexistir qualquer situação de perigo.
O facto de a mãe da X auferir um rendimento baixo e ter estado desempregada ou sofrer de tendinite nos ombros também não apontam no sentido de excluir a guarda da menor, com quem sempre tem vivido.
A tendinite nos ombros pode ser obstativa de realizar trabalhos mais pesados, o que se entende no quadro da profissão que desempenhava como auxiliar em Lares de Idosos, mas já não obstará à realização de trabalhos de outra natureza, desde logo os compatíveis com o trabalho em restauração, que hoje desenvolve.
No mais, mesmo com um rendimento baixo é a mãe da menor quem tem sustentado a filha, já que o pai, mesmo auferindo um rendimento de vulto não pagou qualquer prestação das fixadas no regime provisório.
E não constituí desculpa o facto de a recorrente não ter cumprido o regime de visitas, já que a obrigação de alimentos é devida à menor e não à mãe, não podendo a criança ser onerada ou prejudicada pelas querelas existentes entre os pais.
No presente caso a situação é ainda mais grave, já que a situação da recorrente é de alguma carência económica, o que exigia uma maior obrigação por parte do recorrido em satisfazer a prestação garantindo os alimentos à menor, tanto mais que o facto de residir no estrangeiro torna particularmente difícil a sua cobrança coerciva.
Assim, não é pelo facto de o recorrido ter uma melhor situação económica que melhor poderá garantir o bem estar da menor, nas várias áreas que a mesma necessite, o que é revelado nos autos pela falta de pagamento da prestação de alimentos e não ter acompanhado o seu desenvolvimento ao longo de toda a sua vida.
A menor que agora tem oito anos não vive com o pai desde os quatro anos, nunca viveu com este, nem com a respectiva família na L, nem este revela qualquer especial quadro, para além de uma melhor situação económica, para ficar com a guarda da filha.
Retirar a menor do ambiente familiar e do progenitor com quem sempre viveu para a colocar num outro ambiente familiar, neste caso o do pai, num país diferente, com uma língua e costumes diferentes, a conviver com outros familiares ou terceiros que não conhece e em ambientes sociais e escolares que lhe são estranhos poder-se-ia estar a abalar a estrutura emocional da menor, sem razões justificativas.
A menor está bem inserida no agregado familiar da mãe, não está demonstrado que esteja numa situação de perigo e com muito ou pouco dinheiro é nesse lar que tem sido educada e que se vem estruturando como pessoa.
Em razão do exposto, entende-se que a guarda da menor deverá ser atribuída à mãe, que exercerá o poder paternal sobre a mesma.
*
Quanto ao regime de visitas a fixar em relação ao progenitor que não exerce o poder paternal, neste caso o pai, entende-se que este poderá ver e ter a filha consigo durante os períodos de férias escolares da mesma, incumbindo-lhe assegurar a vinda e o regresso da filha de Portugal para o país onde reside, mediante prévia comunicação à mãe.
*
Quanto aos alimentos e na senda do já decidido no regime provisório, deverá o pai da X contribuir com a quantia mensal de 150 Euros, a titulo de alimentos, quantia esta que deverá enviar mensalmente, até ao dia 8 de cada mês, para uma conta cujo NIB a recorrente deverá enviar ao pai da X.
Nos termos expostos, procede na íntegra o recurso interposto pela recorrente.
*


DECISÃO:
Nos termos expostos, Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, revogando a sentença objecto de recurso e regulando o exercício do poder paternal relativo à X pela forma seguinte:
1.º - A menor X ficará entregue à guarda e aos cuidados da mãe B, que exercerá o poder paternal sobre a mesma.
2.º - O recorrido A poderá ver e ter a filha consigo durante os períodos de férias escolares da mesma, incumbindo ao progenitor assegurar a vinda e o regresso da filha de Portugal para o país onde reside, mediante prévia comunicação à mãe.
3.º - O recorrido A pagará a quantia mensal de 150 Euros a título de alimentos para a menor, quantia essa que deverá ser depositada até ao dia 8 de cada mês, para uma conta da mãe da menor, cujo NIB deverá ser por esta facultado aquele.
Custas a cargo do apelado
*
(Este Acórdão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revisto)

Lisboa, 2 de Dezembro de 2010

Maria Amélia Ameixoeira
Caetano Duarte (vencido, confirmaria a decisão porque entendo que a entrega da menor ao pai era a melhor solução para a menor)
Carlos Marinho