INSOLVÊNCIA
TESTEMUNHAS
ADITAMENTO
Sumário

I - Se as testemunhas têm de ser oferecidas com o requerimento inicial, não é possível o aditamento de novas testemunhas. E, havendo norma expressa a obrigar a parte a apresentar as testemunhas, o juiz a quo só podia indeferir o requerimento de notificação das testemunhas para comparecer
II - As regras do CIRE que regula­mentam o arrolamento e a apresentação de testemunhas fazem parte da conformação legal do princípio do livre acesso ao direito e que não o violam.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

            No processo de insolvência de “M… S.A.”, veio J… requerer, após ser proferido o despacho sanea­dor, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória, o aditamento de duas tes­temunhas e a notificação das mesmas. Estes dois pedidos foram indeferidos por falta de fundamento legal. Deste despacho, vem o pre­sente recurso de apelação interposto pelo Reque­rente.

            O apelante alega, em resumo:
- O CIRE prevê que a prova seja oferecida aquando da oposição, o que o ape­lante fez;
- Perante a matéria controvertida, entendeu requerer o aditamento de 2 testemu­nhas porque o CIRE é omisso quanto a essa possibilidade de adita­mento;
- A lacuna do CIRE tem de ser preenchida por recurso ao processo civil e, apli­cando o disposto no artigo 512º do Código de Processo Civil, será admis­sível o aditamento;
- Mesmo que se entenda que o CIRE proíbe a apresentação deste aditamento, ele sempre seria de admitir no caso dos autos porque os factos levados à base instrutória foram alegados em data posterior à da apresentação da oposição do requerente;
- Desconhecendo a matéria sobre que iria ser feita prova, o requerente não pode­ria oferecer testemunhas quanto a esses factos;
- E o juiz nunca poderá indeferir o aditamento duma testemunha sem previa­mente aquilatar da razão de ciência da mesma pois tem o dever de ordenar a sua notificação para depor nos termos do artigo 645º do Código de Processo Civil;
- Este indeferimento viola os princípios da descoberta da verdade material e do inquisitório bem como o princípio de igualdade das partes possibilitando a uns a prova que não é facultada a outros;
- E, ao não permitir que o requerente se defenda de forma adequada no pro­cesso, está a violar o princípio constitucional de livre acesso ao direito e tutela jurisdicional;
- O CIRE prevê que a parte fica obrigada a apresentar as testemunhas arrola­das mas, não tendo o requerente meios para as apresentar em audiência por estas não se disponibilizarem a comparecer no dia designado para a audiên­cia, o requerente requereu a sua notificação;
- E a sua apresentação em tribunal é difícil porque as testemunhas residem no Norte e o julgamento será em Sintra;
- O requerente considera indispensável que o tribunal, com o seu “jus impe­rii”, notifique as testemunhas a estar presentes, assim assegurando que a parte possa ver defendidos os seus interesses em juízo;
- Não o fazendo, o tribunal viola o princípio constitucional de livre acesso ao direito e tutela jurisdicional previsto no artigo 20º da Constituição da Repú­blica;
- O requerente nada pode fazer para obrigar as testemunhas a comparecer e não pode, por isso, ser privado de aproveitar os meios de prova indispensá­veis à defesa dos seus legítimos interesses e direitos;
- A visão formal do tribunal constitui violação expressa dos princípios ínsitos do Estado de Direito, consubstanciados na proibição do excesso ou da pro­porcionalidade, da adequação e da juridicidade consignados nos artigos 2º e 20º da Constituição da República;
- O acesso ao direito e aos tribunais é ofendido quando se impede, de forma irre­gular o uso de meios processuais lícitos ou se veda, sem motivo, a intro­dução desses meios em juízo, violando assim o tribunal o dever de adminis­trar justiça.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

            Consideram-se relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos:
            - O apelante deduziu oposição no processo de insolvência de “M… S.A. e apresentou as suas testemunhas no requerimento de oposi­ção;
- Após elaboração da base instrutória, o apelante pediu o aditamento de 2 teste­munhas por considerar serem necessárias para prova de factos levados à base instrutória e alegados em articulado apresentado depois do seu requerimento de oposição;
- Requereu ainda o apelante a notificação das testemunhas para comparecer em audiência de julgamento.

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões das apelantes (artigo 684º do Código de Processo Civil). No presente recurso há que decidir se:
- deve ser autorizado o aditamento de testemunhas;
- o tribunal deve notificar as testemunhas para comparecer na audiência.
Dispõe o artigo 25º n.º 2 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas:
“O requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, cujo número não pode exce­der os limites previstos no artigo 789.º do Código de Processo Civil”.
E o artigo 134º do CIRE prevê:
“Às impugnações e às respostas é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º”
Por fim, dispõe o n.º 7 do artigo 188º do mesmo CIRE:
“É aplicável às oposições e às respostas, bem como à tramitação ulterior do incidente da qualificação da insolvência, o disposto nos artigos 132.º a 139.º, com as devidas adaptações”.
A leitura destes preceitos não nos deixa dúvidas sobre a justeza do despacho sob recurso. A lei é expressa em dizer que as testemunhas devem ser arroladas com o reque­rimento de oposição e que têm de ser apresentadas pela parte na audiência de julga­mento. Perante lei expressa neste sentido, o juiz a quo não podia deixar de indeferir o requerido. Se as testemunhas têm de ser oferecidas com o requerimento inicial, não é possível o aditamento de novas testemunhas. E, havendo norma expressa a obrigar a parte a apresentar as testemunhas, o juiz a quo só podia indeferir o requerimento de notificação das testemunhas para comparecer. Com o devido respeito, não vemos outra interpretação para a lei. Refira-se que, quanto ao aditamento de testemunhas, não há necessidade de recurso às normas do processo civil. As normas processuais ínsitas no CIRE são especiais em relação às que estão contidas no CPC e resulta expressamente das mesmas que não há possibilidade de aditamentos. Isso ressalta do facto de se obri­gar a apresentar as testemunhas com o requerimento inicial e de nada se dizer sobre prova na fase posterior. É claro que o legislador pretendeu que toda a prova fosse ofere­cida com o requerimento inicial e a falta de previsão da possibilidade de aditar testemu­nhas não é uma lacuna mas uma consequência daquela intenção do legislador.
O apelante invoca a violação de inúmeros princípios – processuais e constitucio­nais – com esta interpretação da lei. Passaremos a referir-nos, sumariamente a esses princípios e ao valor que o apelante deles pretende tirar.
O dever de administrar justiça – entende o apelante que o despacho recorrido viola o dever do tribunal em administrar justiça. Não compreendemos onde vislumbra o apelante tal violação pois o tribunal funcionou normalmente e, ao proferir o despacho em causa, está a cumprir o dever de administrar justiça. Se, em vez de proferir este des­pacho, tomasse atitude diversa, protelando o andamento do processo, é que não estaria a cumprir aquele dever.
O princípio do livre acesso ao direito e à tutela jurisdicional – este princípio vem inscrito no artigo 20º da Constituição da República e impõe que se assegure o acesso ao direito e aos tribunais não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Em anotação a este preceito constitucional, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira[1]: “…é um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito. É certo que carece de conformação através da lei, ao mesmo que lhe é congénita uma incontornável dimensão prestacional a cargo do estado, no sentido de colocar à disposi­ção dos indivíduos uma organização judiciária e um leque de processos garantidores da tutela judicial efectiva”. E acrescentam, mais adiante[2], que este princípio não exclui, por exemplo, o estabelecimento de prazos de caducidade nem a obrigatoriedade de meios preventivos de resolução extrajudicial. É evidente que as regras do CIRE que regula­mentam o arrolamento e a apresentação de testemunhas fazem parte da conformação legal do princípio e que não o violam como se conclui facilmente comparando-as com os exem­plos citados. A interpretação do apelante não admitiria a fixação de prazos de caduci­dade e, no entanto, estes não violam o princípio em causa. Como acontece com as nor­mas do CIRE questionadas pelo apelante.
O princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República sob a fórmula “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”
Em anotação a este preceito, dizem os autores atrás citados[3] que “o princípio da igualdade é estruturante do Estado de direito democrático e social dado que impõe a igualdade na aplicação do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial univer­salidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos com base em condições meramente subjectivas…”. Torna-se claro que os preceitos em causa nos autos não violam de forma alguma o princípio da igualdade na medida em que não cria situações de desigualdade na aplicação do direito. À partida, o apelante sabia que tinha de arrolar as testemunhas no seu requerimento inicial para prova dos factos que alegou e que havia a possibilidade de outras partes intervirem no processo aportando novos factos. Se a situação fosse a inversa - o apelante a apresentar articulado com novos factos após de requerimento doutra parte -, esta última estaria sujeita ao mesmo tratamento. Se o ape­lante não soube prevenir a possibilidade de ter de provar outros factos para além dos que alegou, sofre as consequências dessa falta de previsão. De qualquer forma, a maté­ria a que pretende arrolar novas testemunhas ou foi alegada pelo apelante e podia ter arrolado as testemunhas de imediato ou foi alegada por outra parte e, quanto a esta matéria, o apelante só poderia fazer contraprova.

            Termos em que acordam julgar improcedente a apelação confirmando na íntegra a decisão recorrida.

            Custas pela Apelante.

Lisboa, 03 de Março de 2011

José Albino Caetano Duarte
António Pedro Ferreira de Almeida
Fernando António Silva Santos 
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[1] in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª edição revista, fls. 408.
[2] O.c., fls. 409
[3] O.c. a fls. 337