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EXECUÇÃO
INEXISTÊNCIA DE BENS
REMESSA A CONTA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
Sumário
Numa execução deparada com a falta ou insuficiência de bens susceptíveis de prosseguir a realização coactiva da prestação, deverá ser extinta por impossibilidade superveniente da lide, com custas a cargo do executado. (ISM)
Texto Integral
Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
Banco …, S.A., com sede na Rua …, em Lisboa, propôs acção declarativa sob a forma de processo sumário, contra M…, divorciada, nascida em 16/03/1960, residente em …,
Na qual pediu que fosse condenado a pagar-lhe a importância de 4.353,55 Euros, acrescida de 926,02 de juros vencidos até 11 de Janeiro de 2002, mais 37,04 de imposto de selo sobre estes juros, mais os juros que, à taxa anual de 31,56% se vencessem sobre a dita quantia de 4.353,55 Euros, desde 12 de Janeiro de 2002, até integral pagamento, mais o imposto de selo à taxa de 4% - sobre eles incidente.
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A acção foi julgada procedente e provada e a requerida nada pagou, razão porque foi instaurada a presente execução de sentença, em 10 de Maio de 2002.
No requerimento inicial foi nomeado à penhora:
-todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio e existência que guarnecem a residência da executada, sita em P…;
-o saldo de todas e quaisquer contas de depósito bancário, quer à ordem, quer a prazo, que a executada possua em quaisquer Bancos ou Instituições Financeiras e,
-o veículo automóvel, marca Renault, modelo CLIO 1.2, com a matrícula …, que pode ser encontrado junto à executada, a que, pertence.
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Após diligências várias, nada foi possível penhorar, sendo que
- em relação ao veículo automóvel, a executada informou a GNR, nos moldes do ofício de fls.27, que o veículo se encontrava na posse de C…, residente em …, razão porque não foi apreendido.
O veículo não foi localizado, razão porque não veio a ser apreendido.
-não houve informação positiva sobre saldos bancários, à excepção da quantia de seis euros e quarenta e nove cêntimos, depositada no Banco BPI, S.A., a qual foi depositada à ordem dos autos. (Fls.50)
-não foi efectuada a penhora do recheio da residência indicada no requerimento inicial, por a exequente já não residir no local há cerca de um ano, sendo os bens pertencentes a terceiro.
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Notificada a exequente de que os autos ficavam a aguardar nos termos do art.51º, nº2, al.b), do CCJ, veio informar que não conhecia outros bens penhoráveis e solicitar que o Tribunal ordenasse outras diligências destinadas à localização de bens, sugerindo entidades a notificar com tal finalidade.
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Notificada das diligências entretanto realizadas e das informações obtidas, veio então o exequente a fls.79, nomear à penhora:
-todo o mobiliário, telefonia, televisão, aparelhos electrodomésticos e demais recheio e existência que guarnecem a residência da executada, sita no …;
-o terço do vencimento que a executada aufere, ao serviço da firma “A… – … Ldª, sita na … (cfm. informação de fls.75/76 - com data de inicio a 1/10/2005 e ainda pendente a 01/2008)
-Ordenada a penhora, veio a A…, Ldª, informar que a executada auferia o vencimento ilíquido de 506,63 Euros, e que já tinha o vencimento penhorado à ordem de outros autos, no valor de 165,23 Euros. (fls.88)
-Não se realizou a penhora do recheio por se entender que os bens estavam em mau estado de conservação, não possuindo valor venal. (fls.117)
-Por requerimento datado de 16/6/2008, veio o exequente requerer que se oficiasse a entidade patronal no sentido de informar quando terminavam os descontos no vencimento da executada, para requerer o que tivesse por conveniente, sendo indicada a previsão do termo para Abril de 2009.
-O exequente veio então solicitar que fosse penhorado um terço do vencimento da executada, logo que cessasse a penhora à ordem do outro processo, o que foi ordenado.
-Por ofício de fls.137 a entidade patronal veio informar que não poderia proceder aos descontos, por ter cessado o vínculo laboral em 07/10/2008.
-O Banco … veio requerer que se solicitasse ao Instituto de Segurança Social informação sobre se a executada já estava empregada e qual o seu vencimento/pensão.
-É obtida a informação em 23/07/2010, que a executada está a receber o subsídio de desemprego desde 16/01/2009, no valor de 419,10 Euros. (Fls.147)
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-Na sequência deste requerimento, por desconhecer a existência de outros bens ou valores penhoráveis ao executado, veio o exequente apresentar, em 13.09.2010, o requerimento de fls.149 onde refere, “tendo sido notificado do oficio de fls.147, vem, atento o que do mesmo consta e o mais que dos autos consta, uma vez que não tem conhecimento da existência de bens ou valores penhoráveis pertencentes ao executado, requerer a V.Exa, se digne ordenar a remessa dos autos à conta, por impossibilidade e inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo do executado, uma vez que foi o mesmo quem deu causa à presente execução, (…).”
Sobre o referido requerimento veio a recair o despacho ora em recurso em que se indeferiu a remessa dos autos à conta, com o conteúdo seguinte:
Na presente execução sumária que Banco … de não ter conhecimento da existência de bens ou valores penhoráveis pertencentes à executada, a remessa dos autos à conta, por impossibilidade e inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da executada, uma vez que foi a mesma que deu causa à execução.
Cumpre apreciar e decidir:
Não se vislumbra que haja qualquer inutilidade superveniente da lide em virtude da inexistência de bens porquanto a exequente não alega nem demonstra que antes de intentar a acção tinha conhecimento de bens penhoráveis do executado e que tenha sido no decurso da mesma que o executado ou outrem os tenha dissipado (situação actualmente prevista no art. 450.º do CPC, na redacção introduzida pelo DL 34/2008, de 26/02, com aplicação aos processos pendentes por força do disposto no art. 27.º do mesmo diploma).
Contudo, uma vez que a exequente alega que inexistem bens penhoráveis e que estão esgotadas todas as vias utilizáveis para a respectiva detecção existe uma impossibilidade da lide que consubstancia uma "outra causa de extinção da instância executiva", nos termos e para os efeitos do art. 919.º do CPC.
Quanto às custas do processo porque a exequente não demonstrou que a impossibilidade se deve a qualquer comportamento do executado, são devidas pela exequente que as suporta a título de risco, nos termos do disposto no referido art. 450.º, n.º 3, do CPC.
Como se refere no douto acórdão da Relação de Lisboa - de 19-05-2005, publicado na íntegra in www.dgsi.pt, com o qual concordamos inteiramente: “III - Numa execução, para que a lide se torne inútil em momento superveniente, o património que serve de garantia aos credores, teria de ter deixado de existir, por razões estranhas ou não imputáveis ao exequente, depois de instaurada a acção executiva. IV – Não se tendo provado que os executados à data em que a acção foi instaurada tinha bens susceptíveis de penhora e que entretanto os dissiparam, mas antes que à data em que a execução foi intentada, os executados já não possuíam bens susceptíveis de penhora, a lide mostra-se inútil, mas esse facto não foi superveniente.
Tal situação, não impede a desistência. Que é livre, ao abrigo do disposto na al. d) do art.º 287.º do CPC, mas não por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo da alínea e) do mesmo preceito legal.
V- As custas devidas a juízo consequentes da execução, são da responsabilidade da exequente e não dos executados, uma vez que estes, para além de serem devedores, nada fizeram para dar causa à acção executiva. A não se entender deste modo, surgiria mais uma forma de apoio judiciário, desta vez aos credores eventualmente abastados deste país, passando o Estado a pagar por eles com o dinheiro dos contribuintes as custas das execuções intentadas sem prévia indagação da existência ou não do património dos executados. (sublinhado nosso). Também neste sentido o recente acórdão da Relação de Lisboa de 07-05-2009 onde se decidiu que: (...) à luz do actual art. 919º CPC, as custas da execução, quando se mostre mal sucedida por não serem encontrados bens penhoráveis ao executado, deverão ser pagas pelo exequente, por ser ele quem deve suportar o risco de uma actividade jurisdicional que decorreu por sua iniciativa e prioritariamente no seu interesse, a menos que se venha a concluir, supervenientemente, que o executado agiu nos termos previstos no nº 7 do art. 833º-B ( na actual redacção).
Em sentido contrário, Acórdão de 16-07-2009, in www.dgsi.pt, proferido no processo
n.º 580-B/1998L-1-1..
A posição aqui tomada vai ao encontro dos princípios do dispositivo e da economia processual, porquanto evita-se que o exequente aguarde o período de interrupção e deserção para ver o seu processo terminar, mas sem contornar o art. 51/2 do CCJ.
Por todo o exposto, ao abrigo do preceituado no art. 919.º do CPC, julgo extinta a instância executiva.
Custas a cargo da exequente - artigo 450.º, n.º 3, do CPC, na redacção dada pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro
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Inconformado com o teor da decisão, dele interpôs recurso o recorrente, formulando as conclusões seguintes:
1. Com o disposto no artigo 51º, n.º 2, alínea b), do Código das Custas Judiciais, pretende-se prevenir a inércia da parte motivada por negligência ou desleixo, ou seja, pela falta de exigível diligência.
2. A prática de acto processual adequado e oportuno interrompe o prazo consignado naquelas disposições legais.
3. Com o disposto no artigo 51º, n.º 2, alínea b), do Código das Custas Judiciais, pretende-se prevenir a inércia da parte motivada por negligência ou desleixo, ou seja, pela falta de exigível diligência.
4. A prática de acto processual adequado e oportuno interrompe o prazo consignado naquelas disposições legais.
5. Não se conhecendo outros bens ou valores à executada, para além dos logo indicados no requerimento executivo, o único comportamento processual útil da exequente é, como o fez, requerer a remessa dos autos à conta, para liquidação, assim o ora recorrente requereu que se ordenasse a remessa dos autos à conta, por impossibilidade e inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo do executado uma vez que foi o mesmo quem deu causa á presente execução.
6. Como bem salientou recentemente o Supremo Tribunal de Justiça no recurso n.º 43-A/1999.L1.S1, da 6ª Secção, Acórdão de 17.06.2010: "(…) Perante a demonstração da inexistência de bens penhoráveis (ou a impossibilidade da sua detecção), deixa de fazer sentido a acção executiva, que tem como objecto o cumprimento de uma obrigação pecuniária, através da execução do património do executado. Consequentemente, não existindo bens para ser penhorados, deverá a instância ser julgada extinta por impossibilidade da lide, porque se tornou impossível a obtenção de mais bens para a cobrança do crédito. (…) Quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará – art. 447 do C.P.C. No caso concreto, não podem restar dúvidas que foram os executados que deram acusa à execução, na medida em que não procederam ao pagamento da quantia exequenda. Por isso, também é imputável aos executados a remessa dos autos à conta, por não lhe serem encontrados bens penhoráveis, quando a exequente procura obter a satisfação coerciva do seu crédito. Daí que as custas devam ser pagas pelos executados. De outro modo, a exequente seria duplamente penalizada, por não ver satisfeito o seu crédito e por ter de suportar os encargos para tentar obter a sua satisfação. O que não é razoável". (sublinhados nossos)
7. Deveria, pois, o Senhor Juiz a quo ter deferido o pedido formulado pelo exequente, da remessa dos autos à conta, para liquidação condenando a R. nas custas.
8. Ao indeferir o requerido, o Senhor Juiz a quo violou, por erro de interpretação e de aplicação, os artigos 287º e 919º do Código de Processo Civil.
9. Consequentemente, deve ser concedido provimento ao presente recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se ao Senhor Juiz a quo que, deferindo o requerido, ordene a remessa dos autos à conta, para liquidação.
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Foi proferido despacho de sustentação do agravo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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QUESTÕES A DECIDIR:
A única questão a decidir consiste em saber quem deve suportar as custas pela extinção da execução.
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A factualidade a atender para apreciação do recurso é aquela que indicamos supra, ao proceder à narração fáctica do historial do processo.
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DE DIREITO:
O cerne da questão a decidir nestes autos está em saber se será a inexistência de bens susceptíveis de penhora motivo para se considerar que existe uma inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, nos termos do art. 287.º e), do CPC.
E em caso afirmativo, ainda com mais enfoque nos autos, há que questionar quem pagará as custas do processo.
Será o credor que irá arcar com as custas do processo executivo que intentou, mas no qual nenhuma utilidade tirou, antes foi desde logo onerado com o pagamento da taxa de justiça inicial e a necessária provisão ao Solicitador de Execução, e que apenas intentou como último reduto na tentativa de ver solvido o seu crédito? Ou será o devedor, que apesar de contrair obrigações nunca se mostrou na disponibilidade de as cumprir, como manda o princípio da boa-fé contratual, nem mesmo garantindo um património mínimo que assegure, pelo menos o cumprimento coercivo?
Vejamos
O CPC apresenta nos art. 916.º a 919.º do CPC formas de extinção da instância executiva, tais como o pagamento coercivo da quantia exequenda, a desistência do exequente, quitação, perdão, renúncia.
Mas, a parte final do art. 919.º do CPC, faz referência a outras formas de extinção da execução, não elencadas nos art. 916.º a 919.º - “ou ainda quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva”. É crucial então saber o que se entende por outras causas de extinção da acção executiva. E neste ponto, a lei não quer dizer outra coisa senão que, deverão ser aplicadas à acção executiva as causas de extinção do processo declarativo. Há na parte final do art. 919.º do CPC, uma remissão implícita para as disposições do processo declarativo.
Dever-se-ão, assim, inserir na parte final do art. 919.º do CPC as causas de extinção da instância do processo declarativo, que é aplicável à execução supletivamente, conforme o art. 466.º n.º1 do CPC, e admissíveis face à natureza da acção.
Sendo estas as elencadas no art. 287.º: a) o julgamento; b) o compromisso arbitral; c) a deserção; d) a desistência, confissão ou transacção; e) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Posto isto, será necessário averiguar quais delas serão aplicáveis à execução tendo em conta a sua natureza e finalidade, conforme o art. 466º do CPC.
Em posição defendida pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/02/2006, em doutrina a que aderimos, “são indubitavelmente aplicáveis ao processo de execução a deserção e a desistência previstas nas als. c) e d) daquele normativo, respectivamente (esta última também especificamente prevista para o processo executivo no artº 918º, como acima se disse).
As previstas nas als. a) e b) e a confissão prevista na al. d) não têm cabimento no processo executivo: não há julgamento, o compromisso arbitral é inadmissível e a confissão é inoperante.)”. Quanto à aplicação da alínea e) (inutilidade superveniente da lide) do art. 287.º do CPC, à instância executiva, esta contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação.
Eles são:
A inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente.
Ora, tendo a acção executiva como escopo a cobrança coerciva de um crédito, através da busca e apreensão de bens, para posterior venda, se no decurso de tal processo executivo se concluir pela inexistência ou insuficiência de património do executado não se podendo, assim, proceder ao cumprimento coercivo do crédito em dívida ou da totalidade do mesmo, a instância executiva fica desprovida de qualquer objecto, ficando inutilizada porque não é capaz de prosseguir com o seu fim primordial, que é a realização coactiva da prestação. Fica assim o processo executivo despido do seu objecto e do seu fim.
Que sentido fará manter um processo sem objecto? O processo torna-se manifestamente inútil, ficando assim preenchido o requisito da inutilidade da lide. Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/12/2007, que por sua vez remete ainda para o acórdão datado de 15-11-2004, in www.dgsi.pt.
E quanto ao requisito da superveniência do facto que dá causa á inutilidade da lide, tal sucede precisamente quando o exequente vê frustradas as suas reiteradas diligências com vista à penhora de bens do executado, uma vez que só depois de intentada a execução, o exequente tem a possibilidade de saber se o devedor possui património ou não.
Até porque actualmente, é virtualmente impossível a qualquer particular ter acesso e investigar, a informação patrimonial de um terceiro, face às, cada vez mais, rígidas normas de protecção da privacidade e dos dados pessoais.
Como tal, ao credor/exequente não resta senão recorrer ao processo executivo como forma, antes de mais, de busca de património, em algumas das suas modalidades e só depois, em caso de verificação da sua existência, diligenciar pela sua venda. No mesmo sentido segue o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2005, “as diligências levadas a cabo nos autos por impulso da Exequente só poderiam ter lugar em acção judicial, porquanto a Exequente, por outra via, nunca poderia obter a requisição de informações na DGCI, (…).
Assim, torna-se inevitável, afirmar que a insuficiência de bens susceptíveis de penhora, é um facto que preenche o pressuposto da superveniência, ou seja, é um facto superveniente, que só ocorre durante a instância, depois de instaurada a acção executiva, uma vez que como se disse, actualmente é impossível a averiguação da total situação patrimonial do devedor antes de instaurar a acção executiva.
E, face aos artigos 806 e 807 n.º 3 b) do CPC, mesmo sendo todas as execuções alvo de um registo informático, e facultando-se ao exequente a possibilidade de apurar, com algum grau de certeza, a situação patrimonial do devedor, tal faculdade não afasta o que se disse até agora quanto á superveniência da inutilidade da lide por inexistência de bens penhoráveis.
A verdade é que se faculta a possibilidade de o exequente antes de intentar acção executiva averiguar a situação patrimonial do executado, contudo, esta faculdade só é possível nas situações em que o executado já tem um processo executivo anterior ao que o exequente vai intentar pois quando o executado é “primário”, o exequente não tem possibilidade de aceder a nenhum registo informático de execuções.
Para além de que o acesso a esse registo informático é feito com elevadas condicionantes.
Senão vejamos, quanto a alínea a) b) e c) do n.º 3 do art. 807.º do CPC, o acesso aquele registo fica sujeito ao pagamento de despesas. Na alínea a) o credor/exequente fica obrigado a dar inicio a um processo, já na nas alíneas b) e c) o credor/exequente terá de pagar honorários a advogados e solicitadores. Ora, ao obrigarmos todos os credores a consultar o registo informático e a pagar aquelas quantias, antes de intentar a acção executiva, estaríamos a reduzir, coarctar e restringir um dos mais elementares direitos constitucionais – o livre acesso aos Direito e a Justiça.
Quanto à alínea e) do mesmo artigo será duvidoso que algum dia um devedor consinta um credor no acesso ao seu registo informático de execuções, quando a lei nem sequer obriga o devedor a qualquer justificação na sua decisão.
Assim, a declaração de extinção da instância impõe-se como decorrência de uma situação que passou a inutilizar a lide, uma vez que como se demonstrou a insuficiência de bens não é apreensível, pelo exequente, antes de instaurada a acção executiva e depois de se diligenciar pela busca de bens susceptíveis de penhora. Tendo, assim, cabimento a inserção da inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 287 al. e) do CPC, numa das causas de extinção da execução nos termos da parte final do art. 919.º do CPC, integrando, assim, uma “outra causa de extinção da instância executiva”.
Neste sentido se tem pronunciado variada jurisprudência: Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 3/12/200716/3/2006, 16/02/2006, 27/06/2005, 02/02/2006, 02/06/2005, 15/07/2004, 30/05/2005; e do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2004 e 06/07/2004, in www.dgsi.pt.
Também neste sentido segue a doutrina, nomeadamente com Lebre de Freitas, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios”, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633. No mesmo entendimento segue Lopes do Rego, Comentários, pág. 611. e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381.
Admitida esta forma de cessação da execução, coloca-se então a questão de saber quem é que numa situação processual como esta deve pagar as custas.
Parte da jurisprudência entende que numa situação como esta aqui caracterizada,
“foi o executado que deu causa à execução na medida em que não procedeu ao pagamento da quantia exequenda, sendo-lhe igualmente imputável a impossibilidade superveniente da lide por inexistência de bens penhoráveis, já que, no mínimo, não angariou os meios necessários à satisfação do crédito exequendo, honrando a dívida assumida, como lhe era manifestamente exigível.
E a entender-se de outro modo, cairíamos numa situação de manifesta desproporcionalidade, já que, confrontado com a impossibilidade de obter a cobrança do crédito exequendo, o credor arcaria injustificadamente com os custos processuais resultantes da conduta de devedores relapsos, não sendo também exigível que o credor, portador de título executivo bastante, tenha de desenvolver uma actividade particular no sentido de obter uma informação sobre a existência de património do devedor, quando é certo que só o poder público poderá dispor de meios coercivos bastantes e adequados a obter todas as informações pertinentes à averiguação da existência de tal património”. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/02/2006.
No mesmo sentido segue também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/12/2007, “…O princípio geral, aceite mesmo na normal conveniência social, é de que quem tem dívidas tem de as pagar e se não faz a bem então faz a mal e daí a possibilidade de instauração de acção executiva para cobrança de crédito não pago e a entender-se doutro modo, estaríamos a punir o exequente por uma razão totalmente desculpável e unicamente atribuída ao executado, dado que quando se instaura uma execução e não se consegue cobrar o seu crédito, quem lhe dá então causa é o credor/executado e não, naturalmente, o credor/exequente”.
Conclui-se assim, que a execução deparada com a falta ou insuficiência de bens susceptíveis de prosseguir a realização coactiva da prestação, deverá ser extinta por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo do executado.
(Neste sentido, cfr. A Acção Executiva e a Inutilidade Superveniente da Lide, Vítor Pacheco, compilações doutrinais, Edição Verbo Jurídico)
Não muito longe desta posição, existe aquela outra que vem referida pelo recorrente nas suas alegações de recurso, no sentido de considerar que em casos como o dos autos, a instância se extingue por impossibilidade da lide, com custas a cargo do executado.
São exemplo desta posição:
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no recurso n.º 43- A/1999.L1.S1, da 6ª Secção, Acórdão de 17.06.2010: que refere:
"(…) Perante a demonstração da inexistência de bens penhoráveis (ou a impossibilidade da sua detecção), deixa de fazer sentido a acção executiva, que tem como objecto o cumprimento de uma obrigação pecuniária, através da execução do património do executado.
Consequentemente, não existindo bens para ser penhorados, deverá a instância ser julgada extinta por impossibilidade da lide, porque se tornou impossível a obtenção de mais bens para a cobrança do crédito.
Tal impossibilidade com que a exequente se vê confrontada, proveniente da inexistência de bens penhoráveis, só afecta e prejudica a mesma exequente, porque obsta a que a lide atinja o seu fim útil normal, gerando uma impossibilidade superveniente da lide, ou se quisermos, uma inutilidade superveniente.
(…)
Quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará – art. 447º do C.P.C. No caso concreto, não podem restar dúvidas que foram os executados que deram acusa à execução, na medida em que não procederam ao pagamento da quantia exequenda.
Por isso, também é imputável aos executados a remessa dos autos à conta, por não lhe serem encontrados bens penhoráveis, quando a exequente procura obter a satisfação coerciva do seu crédito.
Daí que as custas devam ser pagas pelos executados.
De outro modo, a exequente seria duplamente penalizada, por não ver satisfeito o seu crédito e por ter de suportar os encargos para tentar obter a sua satisfação.
O que não é razoável".
Em sentido idêntico refere o Acórdão da Relação do Porto, processo 0455216 com o nº convencional JTRP00037373, Acórdão de 15.11.2004, que:
“(…)
A extinção da instância por impossibilidade da lide ocorre ou porque se extingue o sujeito, o objecto ou a causa.
Ora, no caso, ocorrer uma impossibilidade por extinção da causa executiva, na medida em que esta se tornou impossível, apesar de todos os esforços do exequente para tentar obter bens do executado passíveis de penhor, uma vez que a sua principal função consistia na cobrança do crédito exequendo.
Não existindo mais bens para poderem ser executados, para além dos que o foram, a instância deverá ser julgada extinta porque se tornou impossível a obtenção de mais bens cobrança para cobrança do crédito
E esta situação ocorre não por causa do exequente mas porque o executado não tem mais bens, donde que a causa de extinção da execução seja deste e não daquele, devendo consequentemente, as custas da execução serem suportadas pelo executado, ocorrendo aqui um facto que lhe deve ser imputado – artigo 447º do CPC -.
A entender-se doutro modo, estaríamos a punir o exequente por uma razão totalmente desculpável e unicamente atribuída ao executado, dado que quando se instaura uma execução e não se consegue cobrar o seu crédito, quem lhe dá causa é o devedor/executado e não o credor/exequente.
Assim, o despacho deverá ser revogado e substituído por outro em que se julgue a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, com custas pelo executado – parte final do nº 1 do art.919 e al. e) do art. 287º, ambos do CPC (…) .”
Aderindo às posições expostas, conclui-se assim, que a execução deparada com a falta ou insuficiência de bens susceptíveis de prosseguir a realização coactiva da prestação, deverá ser extinta por impossibilidade superveniente da lide, com custas a cargo do executado.
No caso dos autos, entendeu o Senhor Juiz ser aplicável ao caso o disposto na primeira parte do nº3 do art.450º do CPC, na versão vigente, e condenar o exequente nas custas.
Mesmo a acolher a posição jurídica defendida no despacho proferido no Tribunal a Quo, dir-se-á que uma leitura atenta do processo, evidenciada nos factos históricos que acima deixamos elencados, permite concluir que desde o ano de 2002 que o exequente vem impulsionando o processo e é a executada que parece “fugir” ao cumprimento da sua obrigação.
Desde logo, o veículo indicado à penhora no requerimento inicial, segundo indicação da exequente, estava nas mãos de terceira pessoa e não foi possível localizar o seu paradeiro.
A executada mudou de residência, em relação à indicada no requerimento inicial e não foi possível penhorar o recheio, porque não tinha valor rentável.
Trabalhava desde 2005 numa empresa sendo-lhe penhorada parte do vencimento, noutros autos, e, poucos meses após, nestes autos, ser localizada a sua entidade patronal, o seu vinculo laboral cessa, impedindo-se que oportunamente fosse penhorado um terço do seu vencimento à ordem destes autos, o que só seria possível a partir de Abril de 2009.
A executada fica em situação de desempregada a partir de 7/10/2008, auferindo, a partir de 16/01/2009 o subsídio respectivo, inferior ao salário mínimo nacional, (no valor de 419,10 Euros) o que impossibilita a penhora.
Mas bem vistas as coisas, a executada recebe quantia superior de subsídio de desemprego do que iria auferir se continuasse na mesma empresa a trabalhar, descontado o terço do vencimento que serviria para pagar ao exequente em desconto da quantia exequenda.
Há todo um fluir de factos num desenrolar temporal que vai de 2002 a 2010, que leva a concluir que o exequente tudo fez para conseguir a satisfação do seu crédito, e por razões que lhe são alheias, mas apenas à própria executada que nada pagou e se foi desvinculando dos bens que poderiam ser penhorados, é que a execução não logrou êxito.
Depois de tudo quanto vem exposto, ao fim de cerca de oito anos, vir agora onerar ainda o exequente com o pagamento das custas, seria manifestamente contrário ao princípio que garante ao credor a satisfação do seu crédito e duplamente penalizante, já que não só não recebeu o seu crédito, como ainda teria que suportar o pagamento das custas.
Consequentemente, entende-se dever a instância executiva ser julgada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art. 287º, al.e) do CPC, com custas a cargo da executada que lhe deu causa, nos termos da última parte do nº3 do art.450º do CPC, na redacção atrás indicada.
Consequentemente, impõe-se conceder provimento do recurso de agravo.
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DECISÃO
Nos termos expostos, Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao agravo, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por uma outra que julgando a execução extinta por impossibilidade superveniente da lide, com custas a cargo da executada, ordene a remessa dos autos à conta para liquidação em conformidade.
Custas a cargo da apelada.
Lisboa, 24 de Março de .03.2011
Maria Amélia Ameixoeira
Carlos Marinho
Caetano Duarte
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido porquanto se me afigura justificar-se o seguinte tratamento jurídico da questão:
Em situações como a que se encontra sob avaliação, não são aplicáveis quer o art. 916.º quer o artº 919º do Código de Processo Civil.
Com efeito, o primeiro dos artigos reporta-se à cessação da execução em virtude do pagamento voluntário pelo executado ou terceiro, quadro que não se materializa, sendo que esta exclusão afasta, de forma idêntica, a aplicabilidade do art. 917.º do mesmo Código, face à relação indissociável do seu regime com o do preceito imediatamente anterior.
No que tange à segunda das normas apontadas, a mesma reporta-se à extinção da execução, figura que não se concretiza neste processo, já que não se mostra satisfeita a obrigação exequenda pelo pagamento e não ocorreu desistência do exequente ou outra causa de extinção da instância executiva. A norma apontada constrói-se e desenvolve-se, no que ao pagamento se reporta, por referência à liquidação total ou satisfação integral da pretensão executiva já que só este fenómeno é conducente à supressão da necessidade da prática de novos actos no encadeado orientado para a cobrança coerciva.
Conforme ensinado no âmbito da clássica doutrina sobre a matéria, que ainda não se viu validamente contrariada em termos que apelem à razão e ao convencimento, «Impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, de que é exemplo típico falecer uma das partes em acção de divórcio, não se concebe que possa verificar-se relativamente à execução» – LOPES-CARDOSO, Eurico, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1987, pág. 673.
Como bem se recorda na decisão recorrida, nada há de superveniente aqui (para além do próprio conhecimento da parte), pelo menos em termos racionalmente apreensíveis e patenteados nos autos – se não há bens penhoráveis agora, também não havia no início da acção.
Inutilidade nunca haveria porque, mantendo-se o título e o interesse na cobrança coerciva, nada se tornou inútil, ocioso ou despiciendo.
Quanto à impossibilidade, ainda que esta estivesse cabal e definitivamente demonstrada, o que não ocorre, nunca existiria a superveniência.
A questão merece solução pragmática e justa como a proposta, mas também tecnicamente sustentável em termos que, crê-se, passam por distintas coordenadas técnicas, a saber:
É aplicável à presente acção o regime emergente do Código das Custas Judiciais anterior à aprovação do Regulamento das Custas Processuais pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, por força do disposto no art. 27.º deste diploma legal.
O preceito do aludido Código que regula a remessa à conta é o art. 51.º.
Não nos encontramos, manifestamente, perante contexto processual subsumível ao disposto no n.º 1 deste artigo (sempre articulável com o estabelecido no art. 50.º).
Não menos seguro é não se materializar situação enquadrável nas al.s b) e c) do seu n.º 2, já que tais normas relativas à conta provisória se reportam aos processos «parados por mais de cinco meses por facto imputável às partes» e às «execuções que devam ser remetidas para apensação ao processo de falência».
Impõe-se, pois, avaliar se a al. a) contém resposta para a questão sob análise.
Segundo esta alínea, a Secção remete à conta «os processos suspensos, se o juiz o determinar».
Numa primeira leitura, pareceria de rejeitar liminarmente a aplicabilidade deste regime aos presentes autos e negar razão ao Recorrente (já que não a tem por outra via técnica que se divise), a menos que se optasse pela proscrita integração analógica em sede de Direito adjectivo e de custas. Assim é porque a resposta imediata seria: «estes autos não estão suspensos, pelo que o juiz não poderia determinar que fossem contados».
Será assim?
Neste domínio, convencem as razões já alinhadas a este propósito pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 16.11.2004, Proc. 2667/04, que teve como Relator o Exmo. Juiz Desembargador Garcia Calejo, in http://www.dgsi.pt, do qual se cita, em virtude do acerto do apontado, o seguinte excerto: «o M.º Juiz, tendo indicado o exequente o desconhecimento de bens do executado para o prosseguimento da execução e pedido a remessa à conta, deveria ter suspendido a instância com o fundamento de ocorrência de motivo justificado (art. 279.º nº 1 do C.P.Civil) e depois ordenado a remessa dos autos à conta. É que não se conhecendo mais bens a penhorar e existindo quantias depositadas nos autos a favor do exequente, nada mais haveria que requerer ou ordenar, sob o ponto de vista processual. Não se nos afigura correcto deixar (tacitamente) o processo aguardar que passassem os cinco meses, a que alude o mencionado art. 51º nº 2 a. b), para então ir (forçosamente) à conta, até porque tal seria uma espera ou um acto inútil, o que contraria o princípio de economia processual de que está eivado o processo civil (v.g. art. 137º do C.P.Civil). Note-se que para que o exequente possa satisfazer o seu crédito, será necessário proceder à conta com vista a proceder à liquidação das quantias depositadas a seu favor».
Assim é. Parece aceitável a construção segundo a qual, quando o
exequente, responsável pelo impulso processual, patenteie não conhecer mais bens penhoráveis pertencentes ao executado se está perante um «motivo justificado» de suspensão, para efeitos do disposto no n.º 1 do art. 279.º do Código de Processo Civil.
De «jure condendo», outra solução poderia ser a de se impor a desistência do exequente neste tipo de situações já que, na prática, tal declaração corresponde ao reconhecimento de que não tem mais interesse nos autos. Porém, porque demasiado penalizadora para o impulsionador da execução, já prejudicado pela cobrança imperfeita e incompleta, essa solução acabaria por revelar-se injusta face ao seu relevo «tributário» (a menos que se considere o exequente como culpado pela instauração ligeira e não ponderada da acção executiva) e desprestigiante para o sistema de administração da Justiça.
Pouco sentido teria, também, e não seria menos desprestigiante, aguardar-se cinco meses por por algo que se sabe que nunca surgirá – o impulso processual – face ao anunciado pelo exequente. Estaríamos perante algo mais grave do que a prática de actos inúteis, já que nos encontraríamos a produzir a inutilização do próprio tempo. Sempre acresceria que a norma (al. b) do n.º 2 do art. 51.º) deixaria, a partir desse momento, de desempenhar a sua função nuclear, i.e., a de compelir à actividade das partes vinculadas pelo dever de agir processualmente.
Assim sendo, como parece ser, deve o Tribunal ordenar a suspensão da instância logo que um requerimento desta natureza seja apresentado e, acto contínuo, determinar a sua remessa à conta nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 51.º.
Por assim entender, julgaria procedente a apelação e revogaria o despacho recorrido mas pelos motivos descritos, ordenando que o mesmo fosse substituído por outro que decretasse a suspensão da instância executiva e a subsequente remessa dos autos à conta ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 51.º do Código das Custas
Lisboa, 24 de Março de 2011
Carlos M. G. de Melo Marinho