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REGISTO
CONSERVADOR DO REGISTO PREDIAL
OBRIGATORIEDADE DO REGISTO PREDIAL
REGISTO PREDIAL
EMOLUMENTOS
ACTO DO REGISTO PREDIAL
Sumário
I. A superveniência do DL nº 116/2008, de 4 de Julho trouxe consigo o princípio da obrigatoriedade do registo, que vincula, segundo uma ordem de prioridade, uma pluralidade de sujeitos. II. A ordem ou prioridade do cumprimento da obrigação de promover o registo não prejudica, em definitivo, o direito de qualquer outro legitimado em requerer esse mesmo registo. III. A regra da prioridade na requisição do registo cessa quando o obrigado de primeiro grau não cumpra, no prazo que a lei lhe assina, essa obrigação. IV. A lei não associa à violação daquela regra de prioridade qualquer consequência jurídica. V. A sanção representada pelo agravamento do emolumento devido pelo acto de registo apenas é aplicável ao vinculado ao dever de promover o acto de registo que não tenha cumprido, no prazo legal, a obrigação correspondente e não a qualquer outro legitimado registralmente.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório.
“A” requereu à Sra. Conservadora do Registo Predial da ..., através da apresentação nº ..., o registo da aquisição do prédio urbano, destinado a habitação, localizado em R..., freguesia da ..., ..., matricialmente inscrito sob o artº ... e descrito, naquela conservatória, sob o nº ....
Porém, a Sra. Conservadora - com fundamento no facto de não terem sido pagas as quantias devidas, dado que se trata de aquisição de prédio urbano requerida fora de prazo, pelo que deverá ser entregue o emolumento em dobro, € 500,00, nos termos dos artºs 8-D nº 1, 151 nº 3 e 21 nº 1, 2.3. do REN (Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado) – rejeitou a apresentação.
A requerente impugnou judicialmente este acto de rejeição, e a Sra. Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta do Sol, julgando o recurso procedente, determinou que a decisão de rejeição da apresentação nº ... fosse revogada, admitindo-se a referida apresentação a registo nos moldes em que foi requerida pela ora recorrente.
É esta decisão que o Sr. Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado I.P. impugna por via do recurso ordinário de apelação, no qual pede a revogação dela.
Para inculcar a falta de bondade da decisão recorrida, o recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões:
1ª. A aquisição do direito de propriedade de imóvel tendo por causa a artilha subsequente a divórcio titulada por escritura pública outorgada em 29.01.2009 é facto sujeito a registo obrigatório;
2ª. De acordo com as alíneas b) e f) do nº 1 do art. 8º-B do C.R.P., seriam sujeitos possíveis da obrigação de registar a Senhora Notária que celebrou a escritura pública e a ora recorrida (sujeito activo do facto);
3ª. De acordo com o nº 2 do citado art.º 8º-B do C.R.P., a obrigação e registar competia apenas à Senhora Notária, sendo de 10 dias a contar da ata da titulação do facto o respectivo prazo de cumprimento fixado no art. 8-C, n° 6, do mesmo Código;
4ª. O "agravamento emolumentar" - ou seja, a quantia correspondente ao emolumento do acto de registo que constitui a "sanção" pelo cumprimento tardio da obrigação de registar - é da responsabilidade do sujeito da obrigação, e não do sujeito activo do facto;
5ª. O sujeito activo do facto é responsável pelo pagamento do emolumento do acto de registo;
6ª. Não obstante, o «apresentante» - ou seja, quem formula perante o serviço de registo o pedido de registo com entrega dos documentos instrutórios -, quer assuma a qualidade de sujeito activo do facto, quer assuma a qualidade de sujeito da obrigação de registar, quer assuma a qualidade de entidade portadora de interesse que lhe atribua legitimidade para pedir o registo, deve entregar no serviço de registo o emolumento devido pelo acto de registo e o "agravamento emolumentar" devido pelo cumprimento tardio da obrigação de registar;
7º. Não se encontrando pagas no acto da apresentação as quantias devidas, incluindo portanto o "agravamento emolumentar" devido pelo cumprimento tardio da obrigação de registar, a apresentação deve ser rejeitada;
8ª. Foram expressamente violadas as normas dos artºs 8°-B, nº 1, b), e n° 2, e 8°-C, nº 6, devendo ser observadas, para além destas normas, as do art. 8°-D, nºs 1 e 3, do art. 66°, nº 1, e), e do artº 151°, nºs 1,2 e 3, todos do C.R.P.
A apelada concluiu, na resposta, pela improcedência do recurso.
2. Factos provados.
O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes:
2.1. Em 02 de Março de 2009, a ora recorrente, mediante apresentação nº 2780, requereu o registo da aquisição do prédio urbano descrito sob o nº ... da freguesia da ....
2.2. Tal prédio veio à sua posse por partilha celebrada por escritura pública data de 29 de Janeiro de 2009.
2.3. Procedeu ao pagamento do preparo no valor de € 250,00.
2.4. Por despacho datado de 6 de Março de 2009, o pedido de registo referido em 2.1. foi rejeitado.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].
Na espécie sujeita, tendo em conta os parâmetros de vinculação temática representados pelo conteúdo da decisão impugnada e da alegação do recorrente e da recorrida, o problema que importa resolver é de saber se a aquela decisão deve ser revogada.
A resolução deste problema vincula ao exame, ainda que breve, de dois princípios estruturantes do registo predial: o da instância e o da obrigatoriedade.
Previamente, porém, há um ponto que logo deve ser desembargado: o relativo ao notório erro, por lapso manifesto, do julgamento de facto de facto do Tribunal de que provém o recurso.
Realmente, aquele Tribunal declarou provado que por despacho datado de 6 de Março de 2009, o pedido de registo referido em 2.1. foi rejeitado.
Todavia, é patente que a decisão do conservador, objecto da impugnação judicial, não teve por objecto a recusa da prática do acto de registo requerido pela apelada – mas a rejeição da apresentação, i.e., do pedido do registo formulado por aquela (artº 41 nº 1 Código de Registo Predial – CR Predial[2]).
Na verdade, a lei distingue com clareza, material e formalmente, a rejeição da apresentação e a recusa da prática do acto de registo, embora mande aplicar à decisão de rejeição da apresentação, para os efeitos de impugnação, o sistema disposto na lei para a decisão de recusa do registo (artºs 66 nºs 1 e 3, 69 e 140 e ss. do CRP).
Nestas condições, dado que a prova disponibilizada pelo processo impõe, irrecusavelmente, decisão diversa daquela que para o referido ponto de facto foi encontrada pela decisão recorrida, importa modificá-lo de modo a que fique a constar que por despacho de 6 de Março de 2009, a apresentação referida em 2.1. foi rejeitada.
3.2. O princípio da instância.
A função do registo predial é enunciada pela própria lei: o registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (artº 1 do CR Predial).
Este enunciado da função assinalada ao registo predial deixa antever o programa do respectivo sistema, os seus fundamentos finais e os princípios que lhe são estruturantes.
O registo publico – categoria de que o registo predial indubitavelmente partilha – bem pode definir-se como o assento, efectuado por um oficial público, e constante de livros públicos, de livre conhecimento, directo ou indirecto, por todos os interessados, no qual se atestam factos jurídicos conformes com a lei e respeitantes a uma pessoa ou coisa, factos entre si conectados pela referência a um assento considerado principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respectiva situação jurídica, e da qual a lei faz derivar, como efeitos mínimos, a presunção do seu conhecimento e a capacidade probatória[3].
O registo predial constitui, portanto, um registo público, que tem for finalidade a segurança do tráfico jurídico sobre imóveis, que é assegurada através da publicidade registral imobiliária relativamente a uma série de factos especificamente enumerados na lei – os factos e as acções sujeitas a registo (artº 2 e 3 do CR Predial).
O registo predial prossegue, a um tempo, fins de natureza privada e fins de natureza caracteristicamente pública.
Prossegue fins de natureza privada, dado que garante a segurança no domínio dos direitos privados, especificamente no plano dos direitos com eficácia real – segurança do comércio jurídico imobiliário, globalmente considerado – facilita o tráfico e o intercâmbio de bens, e assegura o cumprimento da função social dos direitos reais[4]; prossegue finalidades de interesse público, enquanto instrumento da certeza do direito, da tutela de terceiros e da segurança do comércio jurídico, e de garante da actualização do registo face ao facto publicitado[5].
O registo predial tem essencialmente por escopo dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis: pretende-se patentear a história da situação jurídica da coisa, desde a data da descrição até á actualidade (artº 1 CR Predial)[6]. Exige-se, por isso, um nexo ininterrupto entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre o prédio.
Trata-se do princípio do trato sucessivo que, a par dos princípios da instância, da legalidade, da obrigatoriedade e da prioridade, constitui uma dos elementos estruturantes do instituto (artºs 4, 67 nº 1, 34 nº 1 e 6 nº 1 do CR Predial)[7].
O registo predial, assegurado por serviços públicos, transcende, em muito, os meros interesses particulares. Apesar disso, o seu funcionamento é, por regra, deixado na dependência de uma iniciativa particular. A prática de actos de registo apenas ocorre quando as conservatórias – repartições do serviço do serviço público registo predial, actualmente sem competência territorial específica – são instadas a fazê-lo: é justamente esta realidade ou característica que se visa por em relevo com o princípio da instância.
Este princípio situa-se, precisamente, no cruzamento entre os interesses públicos e os interesses públicos que se devem assinalar ao instituto e autoriza mesmo a que se possa falar em administração privada de interesses públicos. O registo predial prossegue, indubitavelmente, interesses públicos eminentes. Todavia, ressalvados os casos especialmente previstos na lei, o registo não se efectua oficiosamente – mas a pedido dos interessados. A iniciativa de harmonizar a realidade registral ou tabular com a realidade material subjacente está subtraída aos órgãos públicos do registo: a iniciativa dos particulares interessados fia, no ver do legislador, na generalidade dos casos, a realização ou a promoção das finalidades do instituto.
Apesar das sucessivas alterações sistemáticas e de redacção que o princípio sofreu nos Códigos do Registo Predial de 1967, 1983 e 1984, do esforço de simplificação e normalização do pedido de registo e do alargamento das situações em que, por oposição à instância, o registo é feito oficiosamente, o núcleo constante daquele princípio, é o mesmo: a iniciativa da prática dos actos registais pertence aos interessados; o conservador não lavra registos oficiosamente.
Embora o funcionamento do sistema da publicidade registral - apesar dos fins de interesse público que indubitavelmente também prossegue - seja deixado à iniciativa dos particulares, salvo quando a lei preveja uma excepção, os actos praticados nos serviços de registo são onerosos, dado que estão sujeitos a taxas e emolumentos – cujo valor, ao menos no ver do legislador, se rege por um princípio de proporcionalidade - que são pagos em simultâneo com o pedido de registo ou antes dele (artº 151 nº 1 do CRP e 21 do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo DL nº 322-A/2001, de 14 de Dezembro[8]).
A responsabilidade pelo pagamento dos emolumentos e taxas devidas pela prestação do serviço de registo recai, em regra, sobre o sujeito activo dos factos (artº 151 nº 2 do CR Predial). Sem prejuízo da responsabilidade do sujeito activo, o pagamento deve ser feito por quem apresenta o registo ou pede a prática do acto; se quem apresenta o pedido do registo ou a prática do acto não for o sujeito activo, deve, previamente, obter deste o valor dos emolumentos e das taxas devidas pelo registo (artº 151 nºs 3 e 5 do CR Predial).
E a falta de pagamento da taxa e do emolumento devido é sancionada de forma particularmente enérgica e severa: a rejeição da apresentação (artº 66 nº 1 e) do CR Predial).
3.3. A obrigatoriedade do registo.
Um sistema tabular organizado sob o signo do princípio da instância pode, porém, construir-se como um sistema de registo obrigatório ou de registo simplesmente facultativo: o impulso que promove o funcionamento do mecanismo do registo, sendo embora privado, pode ser deixado ao critério dos interessados ou ser tornado obrigatório por lei.
O Código do Registo Predial de 1967 consagrava o princípio da obrigatoriedade do registo (artº 14).
O sistema era, nos seus traços mais largos, o seguinte: considerava obrigatório submeter a registo todos os factos a ele sujeitos e requerer os respectivos cancelamentos, sempre que respeitassem a prédios situados em concelhos onde estivesse em vigor o cadastro geométrico da propriedade rústica: essa obrigatoriedade só se tornava efectiva, em cada concelho, a partir da data fixada por despacho do Ministro da Justiça, publicado no jornal oficial. Deste sistema deriva esta consequência: havia concelhos nos quais o registo era obrigatório, outros nos quais o registo era facultativo, dependendo apenas da vontade dos interessados.
Nos casos em que o registo era obrigatório, a não realização do registo, fazia incorrer os responsáveis em várias sanções: deviam pagar uma multa e requerer o registo; se não o fizessem eram instaurado procedimento criminal, fixando o juiz um prazo para que o registo fosse efectuado; se o registo não se mostrasse efectivado dentro desse prazo, o responsável ficava incurso nas penas correspondentes ao crime de desobediência qualificada (artºs 15 e 16 do CRP de 1967). Em qualquer caso, a validade e a subsistência dos actos jurídicos não registados ficavam assegurados.
O sistema da obrigatoriedade do registo, tal como o Código do Registo Predial de 1967 o configurava, era notoriamente desadequado. Por estar dependente – numa conexão desnecessária - do cadastro geométrico da propriedade rústica, a obrigatoriedade do registo não vigorava em mais de metade do território nacional, facto de que decorria, nos espaços de registo não obrigatório, o desfasamento total entre o registo e as situações jurídicas prediais, o que, evidentemente, punha em causa o prestigio da instituição tabular e, sobretudo, a sua utilidade; nas zonas de registo obrigatório era também frequente o desacatamento do dever de registar: as sanções não eram automáticas e a sua actuação partilhava dos problemas que têm dificultado o desenvolvimento da função jurisdicional.
Para estimular a realização do registo, o Código de Registo Predial de 1983, encontrou uma outra fórmula que, com alterações, transitou para o Código de Registo Predial de 1984: a proibição de titulação de factos de que resulte a transmissão de direitos ou a constituição de encargos sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire ou contra a qual se constitui o encargo (artº 9 nº 1). Solução que, devidamente reconformada, é depois estendida ao registo das acções (artº 3 nº 2).
Eliminou-se, assim, uma referência expressa à obrigatoriedade do registo e, em sua substituição, adoptou-se um esquema indirecto, através da introdução do ónus ou do encargo do registo. Na prática, sem o registo, os bens ficam numa situação de inalienabilidade, forçando todos os titulares a ter o maior interesse na sua realização.
Este esquema – que corporiza um verdadeiro princípio de legitimação registral – levanta o problema delicado da validade do negócio titulado em violação dele, sustentando alguma doutrina a invalidade, por vício de forma[9], desse negócio e outra – que se tem por preferível – a sua validade, dado que no caso se trata de uma legitimação formal, não estando em causa a legitimação substantiva, restringindo, assim, o valor do princípio da legitimação ao domínio específico do registo[10].
Neste contexto, perguntava-se se, realmente, ainda podia falar-se de um princípio da obrigatoriedade do registo e de um consequente dever de registar. A resposta exacta parecia ser a da caracterização do sistema como de obrigatoriedade indirecta, concretizada, segundo alguma doutrina, através de um ónus em sentido técnico[11], e segundo outra, através figura do encargo[12]. Não haveria, portanto, um dever, em sentido estrito e próprio, de registar: a adstrição serve um conjunto de interesses que transcende largamente os do onerado – com o ónus ou com o encargo – mas o registo não podia ser exigido por terceiros ou pelo Estado. Na sua falta, porém, os interessados ficavam sujeitos a desvantagens: a restrição ao exercício do poder ou da faculdade de disposição do seu direito.
Este estado de coisas sofreu uma alteração profunda com a superveniência do DL nº 116/2008, de 4 de Julho que trouxe consigo o princípio da obrigatoriedade do registo: apesar de o registo, na lógica do princípio da instância, continuar a depender de pedido dos interessados, esse pedido é agora de dedução vinculada (artºs 8-A a 8-D do CR Predial).
Assim, é obrigatório submeter a registo, os factos a que o registo visa dar publicidade, as acções e as providências, e as alterações aos elementos da descrição que devam ser comunicadas por entidades públicas (artºs 2, 3 e 8-A nº 1 do CR Predial).
Essa obrigação de promover o registo vincula um conjunto vasto de sujeitos. Assim, estão adstritas ao dever de promover o registo (artº 8-B nºs 1 e 3 do CR Predial):
a) As entidades públicas, quer intervenham como sujeitos activos, quer como sujeitos passivos, ou que pratiquem actos que impliquem alterações aos elementos da descrição, para os efeitos de actualização oficiosa;
b) As entidades que celebrem a escritura pública, autentiquem os documentos particulares ou reconheçam as assinaturas neles apostas;
c) As instituições de crédito e as sociedades financeiras, quando intervenham como sujeitos activos ou como sujeitos passivos;
d) As demais entidades que sejam sujeitos activos do facto sujeito a registo;
e) Os tribunais, relativamente às acções, decisões e outros procedimentos e providências judiciais;
f) O Ministério Público quando, em processo de inventário, for adjudicado a incapaz ou ausente em parte incerta qualquer direito sobre imóveis;
g) Os agentes da execução quanto ao registo de penhoras e os administradores da insolvência relativamente ao registo da respectiva declaração.
A adopção do princípio da obrigatoriedade do registo repercutiu-se, inevitável e necessariamente, na legitimidade para registar. Originariamente, a legitimação registral radicava apenas nos sujeitos, activos e passivos da respectiva relação jurídica e, em geral, em todas as pessoas que nele tivessem interesse (artº 36 do CR Predial).
A legitimidade para registar pertencia, em primeiro lugar, às partes do negócio jurídico. Assim, numa compra e venda, tinham legitimidade para promover o registo tanto o comprador como o vendedor, o mesmo ocorrendo com os herdeiros de qualquer deles. A legitimidade para registar não se confinava, porém, às partes a que respeita o facto a registar, antes se estendia também aos interessados, devendo entender-se como tal, não toda e qualquer pessoa – mas apenas aquelas cuja posição jurídica pode ser afectada pela falta do registo. Estão nessas condições, por exemplo, os credores do adquirente, na medida em que o direito a que se reporta o facto registado integra o património afectado à satisfação do crédito ou qualquer pessoa que, para registar o facto que a ela diga respeito, tenha de fazer uma inscrição prévia de um facto de que depende o seu registo.
Os únicos legitimados registralmente eram, portanto, apenas as partes no negócio jurídico – ou os seus herdeiros – ou a pessoa cuja situação jurídica pudesse ser afectada pela omissão do registo. Com a introdução do princípio da obrigatoriedade do registo, a legitimação registral estendeu-se às pessoas que estejam obrigadas à sua promoção (artº 36 do CR Predial).
Hoje são, portanto, dotados de legitimidade registral pessoas que não são partes no negócio jurídicos nem interessados – no sentido juridicamente relevante apontado – na realização do registo, mas apenas sujeitos da obrigação de registar.
O caso mais evidente é o das entidades que celebrem escrituras públicas, autentiquem documentos particulares ou reconheçam as assinaturas nele apostas: qualquer dessas entidades não é parte – nem sucessor da parte – do negócio jurídico nem terceiro interessado na realização do registo, mas simplesmente sujeito da obrigação de registar (artº 8-B nº 1 do CR Predial).
O prazo para pedir o registo é, em princípio, de 30 dias, contado da data em que foram titulados os factos ou da data em que foram satisfeitas as obrigações fiscais, quando o pagamento destas obrigações deva ser feito depois da titulação (artº 8-C nº 1 do CR Predial). Nos demais casos esse prazo é, por regra, de apenas de 10 dias (artºs 8-C nºs 2 a 6 do CR Predial).
A violação da obrigação de registar, rectior, o seu cumprimento retardado, i.e., a dedução do pedido do registo depois do terminus ad quem do prazo assinado na lei para cumprimento da obrigação correspondente, por entidades diversas dos Tribunais ou do Ministério Público, é sancionado com o pagamento em dobro do emolumento devido (artº 8-D nºs 1 e 2 do CR Predial).
Todavia, a responsabilidade pelo agravamento do emolumento recai sobre a entidade que está obrigada a promover o registo e não sobre aquela que é responsável pelo pagamento do emolumento (artº 8-D nº 3 do CR Predial).
Face ao âmbito subjectivo da obrigação de registar, são frequentes s casos em que a esse dever vincula mais que uma entidade. A obrigação de registar é, nesses casos, uma obrigação subjectivamente complexa.
Para o caso de concurso ou de pluralidade de vinculados à obrigação de registar, a lei disponibiliza uma regra de prioridade: a adstrição atinge apenas aquela que, na ordem legal, figure em primeiro lugar (artº 8-B nº 2 do CR Predial). Dado que não é, evidentemente, possível registar mais que uma vez um mesmo facto – ocorrência que se for aparente no momento da apresentação, constitui fundamento de rejeição dela – o propósito é, naturalmente, evitar os incómodos, os embaraços e as despesas da promoção, por mais que uma entidade, da realização do registo (artº 66 nº 1 f) do CR Predial).
Com o estabelecimento da complexidade subjectiva do dever de registar, a finalidade conspícua da lei é assegurar a efectivação do registo. Isto explica que, no caso de o registo ter sido promovido por uma qualquer das entidades vinculadas à obrigação correspondente, todas as demais fiquem exoneradas do cumprimento dessa mesma obrigação (artº 8-B nº 5 do CR Predial). Usando uma linguagem própria do direito das obrigações, bem pode dizer-se que a obrigação de registar é uma obrigação solidária, dado que o seu cumprimento por um dos obrigados - libera-os a todos.
Vistas as coisas de perto, a regra de que a obrigação de pedir o registo cessa no caso de este mostrar promovido por qualquer uma outra entidade é bem desnecessária. Realmente, seria de todo absurdo manter a vinculação a um dever de promover o registo quando tal dever já se mostre cumprido ainda que por outro obrigado: se o registo do facto já foi pedido e, maxime, se esse mesmo facto já se mostra registado, seria bem inútil manter a vinculação à obrigação de registar, relativamente a qualquer outro obrigado diverso do apresentante. Portanto, mesmo que a lei o não dissesse, sempre seria evidente que o cumprimento por um dos sujeitos adstritos à obrigação do registo desvincularia todos os demais da realização da prestação compreendida nessa mesma obrigação.
Àquela disposição deve, pois, atribuir-se um outro alcance ou significado: o de que a vinculação de uma entidade à promoção do registo não constitui obstáculo, definitivo e intransponível, a que esse mesmo registo seja promovido por um qualquer outro legitimado para registar.
Este entendimento do problema justifica-se, sobretudo, nos casos em que a uma obrigação de promover o registo não corresponde qualquer interesse na realização desse registo, como sucede, de forma mais evidente, no tocante às entidades que exerçam funções notariais: estas estão vinculadas à obrigação de registar, mas não são portadoras do interesse na efectivação do registo: esse interesse radica nos sujeitos activos ou passivos do facto a registar ou naqueles cuja situação jurídica possa ser afectada pela falta do registo.
Dito doutro modo: aquelas entidades apenas estão formalmente legitimadas para registar; a legitimidade material para a realização do registo radica nos sujeitos do acto ou facto que deve ser levado ao registo ou naqueles que são afectados pela falta desse mesmo registo. Nestas condições, a obrigação daquelas entidades à obrigação de registar não constitui impedimento à promoção desse mesmo registo pelos sujeitos que tenham também o direito ou simplesmente o interesse de promover o registo.
A publicidade assegurada pelo registo predial não tem uma simples finalidade de assegurar o conhecimento, pelo conjunto da comunidade jurídica, das vicissitudes dos direitos inerentes a coisas imóveis: essa publicidade repercute-se mesmo no plano substantivo das situações jurídicas publicitadas. O registo produz, portanto, efeitos materiais ou substantivos, o que exige, evidentemente, a definição prévia das situações dotadas, efectivamente, de publicidade tabular, problema que – como é evidente – se coloca com acuidade quando situações jurídicas incompatíveis apresentem publicidades tabulares incompatíveis. A resposta a este problema é dada pelo princípio da prioridade: o registo inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações (artº 6 nº 1 do CR Predial).
Em face deste princípio, bem pode suceder que um qualquer legitimado para o registo tenha um interesse na realização dele logo no terminus a quo do prazo que a lei assinala para o cumprimento da obrigação correspondente por outro vinculado.
Assim, por exemplo, um qualquer sujeito, activo ou passivo da respectiva relação jurídica de que emerge o facto que deve ser submetido a registo e, em geral, todas as pessoas que nesse registo se mostrem interessados, pode ter um interesse juridicamente atendível na promoção do registo, antes da exaustão total do prazo de 10 dias que a lei assina ao notário para dar cumprimento à obrigação de registar: neste caso, como não é possível a esse interessado exigir o cumprimento pelo notário da obrigação do registo em qualquer dia específico do respectivo prazo, há-de, decerto, reconhecer-se-lhe o direito de, sob pena de desamparo tabular da sua situação jurídica, promover ele mesmo esse acto de registo.
Direito que indubitavelmente lhe deve ser reconhecido nos casos em que o vinculado à obrigação do registo a não cumpra no tempo devido: se, por exemplo, o notário não promove o registo do facto titulado pela escritura pública que celebrou, no prazo de 10 dias que a lei lhe fixa, é evidente que, v.g., ao sujeito activo desse facto, deve ser facultada a promoção do registo desse mesmo facto. Doutro modo, dar-se-ia esta consequência absurda: o não cumprimento por um vinculado à obrigação do registo impediria, ad aeternum, o exercício, pelo portador do interesse nesse registo, do direito de registar. Quer dizer: obrigatoriedade do registo e a consequente vinculação a uma obrigação de registar mesmo de pessoas que não têm um interesse material na realização do registo – com a qual se procurou potenciar a coincidência entre a realidade física, a substantiva e a registral, com vista a aumentar a segurança no comercio jurídico de bens imóveis – redundariam, afinal, em prejuízo definitivo, tanto das finalidades que devem assinalar a um sistema de registo obrigatório, como dos titulares das situações jurídicas substantivas que devem ser publicitadas.
Portanto, ao menos nas situações apontadas, o registo pode ser promovido por qualquer dos vinculados à obrigação correspondente, mesmo que, de harmonia com a regra de prioridade estabelecida na lei, essa obrigação competisse, em primeiro lugar a outra. Ao menos em tais casos, deve ter-se por irrelevante a violação daquela regra de prioridade: desde que o objectivo que levou a lei constituir a obrigação legal de registar se mostre cumprido, é-lhe indiferente que essa obrigação tenha sido cumprida pelo obrigado de primeiro grau ou por qualquer outra: o único efeito do cumprimento dessa obrigação por obrigado de grau subsequente é a desvinculação do onerado de grau antecedente dessa mesma obrigação.
De resto, é bem em vão que o intérprete ou aplicador podem procurar no Código do Registo Predial a consequência para a violação da regra de preferência ou de prioridade do cumprimento da obrigação do registo: essa consequência jurídica é, portanto, nenhuma.
Assim, por exemplo, se um obrigado de segundo se apresentar a pedir o registo, ao conservador não é lícito – em face do numerus clausus de fundamentos da recusa da apresentação - rejeitar aquela apresentação com fundamento no facto de a obrigação de registar caber, em primeira linha, a um outro obrigado (artº 66 nº 1 do CR Predial). E se o obrigado de segundo grau se apresentar a requerer o registo dentro do prazo que lei lhe assina a ele ou ao outro vinculado, nem sequer é lícito exigir a sanção do emolumento agravado, dado que essa consequência jurídica está disposta na lei apenas para o cumprimento tardio da obrigação de registar (artº 8-D nº 1 do CR Predial).
De tudo isto, pode, portanto, retirar-se estas proposições conclusivas: a regra da ordem ou da prioridade dos vinculados à obrigação do registo não deve ser entendida em prejuízo do direito ao registo, quer dizer, do direito à prestação pública de realização do registo e, consequentemente, do direito à obtenção, para as situações jurídicas substantivas, da tutela disponibilizada pela publicidade tabular; a violação daquela ordem é inteiramente asséptica ou falha de consequências.
Este viaticum habilita-nos a resolver a questão controversa objecto do recurso.
3.4. Concretização.
Na espécie do recurso, o facto sujeito a registo foi titulado por escritura pública de partilha do património conjugal comum, outorgada no dia 29 de Janeiro de 2009, pela recorrida e pelo seu ex-cônjuge, em que a notária “B” exerceu as funções de documentador.
A partilha do património conjugal comum constitui um negócio meramente modificativo - dado que converte a posição de mero contitular de um único direito sobre toda a coisa ou universalidade na situação de titular único dum direito da mesma espécie sobre uma fracção determinada da coisa ou sobre algum ou alguns objectos concretos da universalidade[13].
Como porém, esse negócio modificativo teve por objecto mediato um direito referido a uma coisa imóvel – um prédio urbano – é indubitável que constitui um facto obrigatoriamente sujeito a registo (artºs 2 nº 1 a) e 8-A nº 1 a) do CR Predial).
A obrigação de promover o registo desse facto vinculava, em primeiro lugar, a entidade que, no exercício da função notarial, celebrou a escritura pública de documentação da partilha: a notária. Obrigação que deveria ter cumprido no prazo de 10 dias, contado da data da outorga dessa mesma escritura pública. Por razões que o processo não documenta, a notária não cumpriu, nesse prazo, aquela obrigação.
Quem se propôs cumpri-la foi uma das partes do negócio jurídico modificativo em que a partilha se resolve: a recorrida. Fê-lo, porém, depois da extinção por caducidade do referido prazo de 10 dias – mas antes de expirado o prazo geral de 30 dias.
No entanto, a Sra. Conservadora do Registo Predial, com fundamento no facto de a obrigação de registar competir apenas à notária e de esta não ter promovido o registo dentro do referido prazo de 10 dias, exigiu à recorrida, o emolumento em dobro - € 500,00; como a apelada se recusou a pagar o agravamento do emolumento, a Sra. Conservadora rejeitou a apresentação.
No ver do recorrente, não há nenhum reparo a fazer à decisão da Sra. Conservadora. Esta conclusão seria imposta por três razões: a obrigação de registar vincula apenas o titulador ou documentador; o prazo de cumprimento dessa obrigação é de 10 dias; o sujeito activo do facto está adstrito não só à obrigação de pagamento do emolumento devido pelo acto de registo mas igualmente à de satisfazer o agravamento desse emolumento devido pelo cumprimento tardio da obrigação de promover o registo.
A argumentação é sedutora – mas não convence.
Em primeiro lugar, a obrigação de registar não vincula apenas a entidade que titula o facto sujeito a registo mas também o sujeito activo desse facto, no caso do recurso, uma das partes que concluiu o negócio jurídico que se repercutiu no direito inerente a uma coisa imóvel: a recorrida (artº 8 nº 1 b e f) do CR Predial). Neste plano, a única diferença reside no prazo fixado na lei para o cumprimento dessa mesma obrigação: 15 dias, no primeiro caso, 30 no segundo. Simplesmente, a essa diferença acresce uma ou outra dissemelhança notoriamente mais relevante: a de recorrida, a par dessa obrigação de promover o registo, ser também, ao contrário do que sucede com o entidade que celebrou a escritura, titular do direito ao registo, dado que é portadora do interesse para o qual a publicidade registral disponibiliza tutela.
Portanto, ao contrário do que sustenta a recorrida na sua alegação de resposta, ela é também sujeita da obrigação de promover o registo. Quer dizer, a apelada não dispõe apenas de legitimidade para promover o registo: ela é também sujeita, juntamente com outras entidades, da obrigação de registar. Realmente, seria deveras singular, no contexto de um sistema de registo obrigatório, que a obrigação de promover o registo não vinculasse, justamente, a pessoa que praticou o facto sujeito a registo e que, de resto, mais interesse tem na realização dele: o sujeito activo do facto que deve ser publicitado tabularmente.
E verdade que, nos casos de concurso de obrigações de registar, quer dizer de vinculação de mais do que uma pessoa a essa mesma obrigação, a lei declara que essa obrigação vincula apenas a que, na ordem pela qualquer surgem enumeradas na lei, é indicada em primeiro lugar (artº 8-B nº 2 do CR Predial).
Mas – como oportunamente se fez notar – essa regra não deve ser entendida em prejuízo do direito ao registo de que seja titular qualquer outro legitimado e deve ceder logo que o primeiramente vinculado à obrigação de promover o registo a não cumpra no tempo devido.
Como já se sublinhou, a lei sobrepõe a legitimação registral e a obrigação do registo – mas não a obrigação do registo com o direito ao registo. Seria, por isso, incoerente, que um legitimado com direito a pedir o registo, porque é titular de um interesse a que publicidade registral disponibiliza tutela não pudesse satisfazer a obrigação correspondente só porque um outro legitimado está vinculado a essa mesma obrigação, sobretudo nos casos em que esse outro legitimado viola a obrigação de promover, no tempo devido, o registo a que a lei o vincula ou em que o sujeito activo do facto tem interesse – em vista do princípio da prioridade – na realização do registo antes do terminus ad quem do prazo que a lei assinala a outro vinculado
De outro aspecto, é patente, na espécie do recurso, que quem violou a obrigação de promover, no prazo de 10 dias assinado na lei, o registo do facto, foi a notária. Portanto, quem deve suportar a sanção cominada na lei para a infracção daquela obrigação deve ser o infractor – a notária – e não o sujeito activo do facto que deve ser submetido a registo.
A vinculação das entidades como competência para praticar actos relativos a imóveis por escritura pública ou por documento particular autenticado à obrigação de promover o registo do facto titulado justifica-se ou, ao menos, explica-se – segundo a declaração do legislador, ele mesmo – pela finalidade de desonerar os cidadãos e empresas das deslocações inerentes aos serviços do registo (Preâmbulo do DL nº 118/2008, de 4 de Julho).
Seria deveras estranho que uma solução disposta para tutelar os interesses dos utentes do serviço do registo, redundasse, afinal, em seu definitivo prejuízo, como sucederia se a consequência jurídica da violação pela entidade documentadora do facto sujeito a registo afinal viesse a recair sobre esse mesmo utente, designadamente sobre o sujeito activo do facto que deve ser levado ao registo.
Para prevenir uma tal consequência, a lei é terminante em declarar que a responsabilidade pelo agravamento do emolumento, assente na violação do dever de promover o registo no prazo legal, recai sobre a entidade que está obrigada à promoção desse registo e não sobre aquela que é responsável pelo pagamento do emolumento, em regra o sujeito activo dos factos que devem ser submetidos a registo (artº 8-D nº 2 e 151 nº 2 do CR Predial).
Ora, quem na espécie sujeita violou a obrigação de promover o registo no prazo de 10 dias foi a notária e não a recorrida. Ergo, quem deve suportar a consequência jurídica da não promoção do registo no prazo assinado na lei não deverá ser a apelada – mas a notária, que, aliás, em bom cumprimento da lei, terá, decerto, recebido daquela, previamente à celebração da escritura de partilha, a quantia relativa aos emolumentos e às taxas devidas pelo registo (artº 151 nº 5 do CR Predial).
Realmente, quem estava vinculada a promover o registo no prazo de 10 dias, contados da produção do título, era a notária; para a recorrida – sujeita activa do facto que deve ser registado – esse prazo é de 30 dias (artº 8-C, nº 1 do CR Predial).
É verdade que este entendimento do problema permite esta consequência: a subtracção da entidade tituladora à sanção pelo não cumprimento, no prazo que a lei lhe assinala, da obrigação de registar, dado que a aplicação daquela sanção supõe que seja ela a apresentante do pedido de registo. Todavia, o que não é, de todo, razoável é exigir de um sujeito da obrigação da registar a sanção devida pelo não cumprimento por outro da obrigação de promover o registo que também o vinculava. De resto, o cumprimento pela recorrida do dever de promover o registo extingue, ex-vi legis, a obrigação de conteúdo idêntico que vinculava a entidade que exerceu a função notarial.
Alega, enfim, o recorrente que o agravamento do emolumento pela apresentação tardia da requisição do registo é sempre exigível seja qual for a entidade que formule o pedido do registo: o pagamento daquela sanção é exigível tanto no caso de o requisitante ser sujeito da obrigação de registar como no caso de ser também sujeito activo do facto que deve ser submetido a registo. Logo – conclui – a recorrida deve satisfazer o emolumento agravado dado que foi ela que se apresentou a pedir a realização do registo.
É indubitável – como já se apontou – que a responsabilidade pelo pagamento dos emolumentos e das taxas devidas pelos actos prestados pelos serviços do registo recaiu sobre o sujeito activo dos factos e que, sem prejuízo da responsabilidade que deva ser imputada ao sujeito activo, o acto de pagamento daqueles encargos deve ser realizado por quem se apresenta a pedir o registo (artº 151 nºs 1 e 2 do CR Predial).
Mas também é irrecusável que a quem se apresenta a requisitar o registo não devem ser exigidos quaisquer encargos que sejam da responsabilidade de terceiros, designadamente, os decorrentes da violação por esses terceiros da sua obrigação – deles, terceiros – de registar. Consequência que, no caso, seria tanto mais desrazoável quanto é certo que a vinculação da notária ao dever de promover o registo, foi disposta na lei também para satisfazer um interesse da apelada. Além de ter de dar cumprimento a uma obrigação que adstringia, em primeiro lugar, a notária, a apelada seria ainda responsável pelo incumprimento que, de todo, não lhe não é imputável.
É patente que a recorrida, dado que é, simultaneamente, o sujeito activo do facto que dever ser inscrito in tabulas e a apresentante do pedido de registo, deve satisfazer o emolumento e a taxa devida pela realização desse registo; mas também é evidente, que não lhe deve ser exigido o agravamento do emolumento resultante da violação por outrem da obrigação de promover, em prazo certo, fixado na lei, esse mesmo registo.
Estas considerações são suficientes para mostrar que, realmente, o acto de recusa da apresentação da Sra. Conservadora do registo predial é infundado por não estar em conformidade com a lei e que a sentença apelada, ao reconhecer essa desarmonia, é juridicamente conforme.
Nestas condições, a improcedência do recurso é meramente consequencial.
Só duas palavras mais para dar cumprimento ao dever de sumariar o acórdão a que a lei vincula o juiz relator (artº 713 nº 7 do CPC)[14].
A retórica argumentativa do acórdão, de que se extrai a solução de improcedência do recurso, pode sintetizar-se nestas proposições simples: a ordem ou prioridade do cumprimento da obrigação de promover o registo não prejudica, em definitivo, o direito de qualquer outro legitimado em requerer esse mesmo registo; a regra da prioridade na requisição do registo cessa quando o obrigado de primeiro grau não cumpra, no prazo que a lei lhe assina, essa obrigação; a lei não associa à violação daquela regra de prioridade qualquer consequência jurídica; a sanção representada pelo agravamento do emolumento devido pelo acto de registo apenas é aplicável ao vinculado ao dever de promover o acto de registo que não tenha cumprido, no prazo legal, a obrigação correspondente e não a qualquer outro legitimado registralmente.
O recorrente sucumbe do recurso. Deverá, por essa razão, satisfazer as custas dele (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 24 de Março de 2011
Henrique Antunes
Ondina Carmo Alves
Ana Paula Boularot
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24. [2] Aprovado pelo DL nº 224/84, de 6 de Julho, objecto de modificação pelos seguintes diplomas legais: DL n.º 185/2009, de 12 de Agosto, Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, DL n.º 122/2009, de 21 de Maio, DL n.º 116/2008, de 04 de Julho, DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, DL n.º 263-A/2007, de 23 de Julho, Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, DL n.º 194/2003, de 23 de Agosto, DL n.º 38/2003, de 8 de Março, DL n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, DL n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, DL n.º 273/2001, de 13 de Outubro, DL n.º 533/99, de 11 de Dezembro, DL n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, DL n.º 67/96, de 31 de Maio, DL n.º 267/94, de 25 de Outubro, DL n.º 227/94, de 8 de Setembro, DL n.º 255/93, de 15 de Julho, DL n.º 30/93, de 12 de Fevereiro, DL n.º 80/92, de 07 de Maio, DL n.º 60/90, de 14 de Fevereiro e DL n.º 355/85, de 2 de Setembro. [3] Carlos Ferreira de Almeida, Publicidade e Teoria dos Registos, Coimbra, 1966, pág. 97. [4] José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5ª edição, 1993, pág. 335, e Isabel Pereira Mendes, Enunciação Esquemática dos Fins e Princípios Registais, in, Regesta, Revista de Direito Registral, Ano XII, nº 4, Outubro-Dezembro de 1991, pág. 19 e ss. [5] J. A. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2ª edição, 1994, pág. 73. [6] Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4º ed. refundida, Coimbra Editora, 1983, pág. 337. [7] Cfr., sobre os princípios do registo predial e os seus efeitos substantivos, Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 19.05.00, www.dgsi.pt. Adicionando aos princípios enunciados, também os da especialidade e da legitimação, cfr., Isabel Pereira Mendes, locs. cit. [8] Entretanto alterado pelos seguintes diplomas legais: DL n.º 315/2002, de 27 de Dezembro; Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro; DL nº 194/2003, de 23 de Agosto, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 11-I/2003, de 30 de Setembro; DL nº 53/2004, de 18 de Março; DL nº 199/2004, de 18 de Agosto; DL nº 111/2005, de 8 de Julho; DL nº 178-A/2005, de 28 de Outubro, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 89/2005, de 27 de Dezembro; DL nº 76-A/2006, de 29 de Março; DL nº 85/2006, de 23 de Maio; DL nº 125/2006, de 29 de Junho; DL nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro; DL nº 8/2007, de 17 de Janeiro; DL nº 263-A/2007, de 23 de Julho; Lei nº 40/2007, de 24 de Agosto; DL nº 324/2007, de 28 de Setembro; DL nº 20/2008, de 31 de Janeiro; DL nº 73/2008, 16 de Abril; DL nº 116/2008, de 4 de Julho, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 47/2008, de 25 de Agosto; DL nº 247-B/2008, de 30 de Dezembro; DL nº 122/2009, de 21 de Maio; DL n.º 185/2009, de 12 de Agosto e, por último, DL n.º 99/2010, de 2 de Setembro, que entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 2010. [9] António Menezes Cordeiro, “Evolução juscientífica e direitos reais”, in Estudos de Direito Civil, volume I, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 233 e nota 84. O autor, porém, reponderou, ulteriormente o seu pensamento: cfr. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Introdução. Doutrina Geral. Negócio Jurídico, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 871. A nulidade do negócio concluído nas condições apontadas é, porém, sustentada por Gabriel Órfão Gonçalves, Aquisição Tabular, AAFDL, Lisboa, 2004, pág. 40. [10] Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, cit. pág. 349, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2ª edição, Quid Iuris, Lisboa, 1997, pág. 116, José Alberto Vieira e Cunha, Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 272, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 276. [11] Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Pincipia, Cascais, 2002, pág. 123, José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, cit., pág. 274 e Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, cit. pág. 337. [12] António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Sumários, Lisboa, 2000, pág. 84. [13] Antunes Varela, RLJ ano 120, pág. 158 e Vaz Serra, RLJ ano 105, pág. 204. [14] Cfr., para uma apreciação crítica desta solução da lei, Lopes do Rego, A Reforma dos Recursos em Processo Civil, in As Exigências do Processo Civil, Associação Jurídica do Porto, pág. 248 e António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 300 e 301. De resto, esta exigência pode revelar-se uma fonte de embaraços, como sucederá, por exemplo, no caso de haver contradição entre o sumário e o conteúdo do acórdão. Regra geral, a solução do problema não oferece dificuldades, mas poderá mostrar-se espinhosa, tratando-se de acórdão de uniformização de jurisprudência, tirado no recurso ordinário ampliado de revista ou no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, dado o seu carácter de recurso uniformizador (artºs 732-A, 732-B nº 5 e 770 nº 1 do CPC). Problema de solução difícil é também o saber se o relator se encontra adstrito ao dever se sumariar no caso de julgar sumariamente o recurso e no julgamento da reclamação contra o despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso.