ARBITRAGEM
CONTRATO DE EMPREITADA
Sumário

I - No caso dos autos, deverão aplicar-se as regras constantes do contrato de empreitada, e na sua falta, o previsto na Lei de Arbitragem Voluntária e, subsidiaria­mente, o Código de Processo Civil.
II - Estas penalidades revestem a natureza de cláusula penal moratória com finalidade compulsória e, não se tendo verificado a rescisão do contrato, a sua aplicação está sujeita ao final dos trabalhos, ou seja, a sua finalidade compulsória leva a que se não justifique a sua aplicação depois de findos os trabalhos;
III - A aplicação destas pena­lidades tem como objectivo levar o empreiteiro a cumprir e a terminar os trabalhos den­tro dos prazos; concluídos os trabalhos, não há qualquer justificação para aplicação destas penalidades;
IV - O auto de recepção provisó­ria corresponde ao fim dos trabalhos uma vez que, em caso de necessidade de repara­ções a efectuar pelo empreiteiro, se marca nova vistoria, após a qual de elabora o auto de recepção provisória. E o prazo de garantia, que se conta a partir do fim dos trabalhos, começa a contar da assinatura do auto de recepção provisória quer este seja assinado no fim da primeira vistoria, quer após a segunda vistoria;
V - Só se pode con­siderar a recorrida interpelada para pagar os trabalhos a mais, quer na parte em que pre­tenderam exercer a compensação, quer na parte restante, na data da citação para esta acção. Só, a partir dessa data, serão devidos juros sobre o montante total dos trabalhos.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A… S.A. pediu a constituição de tribunais arbitrais para diri­mir os litígios com B… S.A. relativos a dois contratos de empreitada celebrados entre as partes. O litígio relativo às empreitadas 601/606 decorre do incum­primento dum “contrato de Empreitada de um Edifício para Supermercado e Construção dum Parque de Estacionamento”, sitos na … n.º .., no concelho da … e é caracterizado pela Autora como “cumprimento das obrigações pecu­niárias, por parte do dono da obra, relativas ao contrato de empreitada, no que inclui o pagamento de facturas em dívida, juros vencidos e vincendos, quer relativamente às mesmas, quer quanto à mora verificada em pagamentos anteriores e indemnizações aplicáveis. O litígio relativo às empreitadas 602/603 decorre do incumprimento do “Contrato de Empreitada de Construção de um Edifício para Supermercado, acessos, parques, e rede viária em …” tendo sido definido pela Autora como cumprimento das obrigações pecuniárias, por parte do dono da obra, relativas ao con­trato de empreitada no que se inclui o pagamento de facturas em dívida, juros vencidos e vincendos, quer relativamente às mesmas quer quanto à mora verificada em paga­mentos anteriores e indemnizações aplicáveis. No processo das empreitadas 602/603, a Autora pede a condenação da Ré, que se passou a designar como C…, S.A., a pagar-lhe € 1 562 228,10, sendo € 251 044,61 de juros relativos aos atra­sos no pagamento das facturas da obra 802 desde as respectivas datas de vencimento até 1 de Outubro de 2004, € 1 098 309,04 + IVA de trabalhos a mais em débito, € 11 804,33 de juros relativos aos atrasos nos pagamentos das facturas da obra 603, desde as respectivas datas de vencimento até 29 de Março de 2005, e € 201 070,12 a título de indemnização correspondente aos juros vencidos sobre o valor da garantia e ainda juros vincendos. Pede ainda a sua condenação a promover a liberação/cancelamento da garantia bancária n.º … e, subsidiariamente, o pagamento dos referidos valores a título de enriquecimento sem causa. Alega ter sido contratado a construção dum edifício para supermercado, acessos, parques e rede viária em … e a execução dum edifício na Vila de … sendo o preço global de € 7 135 064,00 e o prazo de construção terminava em 5 de Fevereiro de 2004 para o supermer­cado e 5 de Julho de 2004 para o edifício em Vila da …. A obra do supermercado foi entregue com dois meses de atraso por razões não imputáveis ao empreiteiro (falta de disponibilização de terrenos, obras a mais) e, na data de conclusão da obra, a Ré devia € 5 000 000,00 e havia trabalhos a mais por facturar. No que se refere às emprei­tadas 601/606, a Autora pede a condenação da Ré a pagar-lhe € 210 005,28, sendo € 50 000,00 de factura vencida e não paga, € 16 707,81 de juros de mora vencidos sobre esta quantia, € 143 297,47 de juros de mora pelo atraso no pagamento das 13 facturas e uma nota de débito vencida e já pagas, e ainda juros vincendos. Pede ainda a condenação da Ré nestes montantes a título subsidiário por enriquecimento sem causa. Alega que se tratava de contrato de empreitada para remodelação de edifício para instalação de um supermercado e de construção dum parque de estacionamento na Estrada … n.º …. O preço era o resultante da aplicação dos preços unitários da empreitada de constru­ção do supermercado e preços novos a negociar e a conclusão das obras seria em 31 de Março de 2003para o parque de estacionamento e 15 de Setembro de 2003 para a remo­delação do edifício. O valor global dos trabalhos facturados e realizados elevou-se a € 1 985 138,02 acrescido de IVA.
A Ré contestou dizendo que, na empreitada 602/603 não foi fixado qualquer prazo de vencimento pelo que não são devidos juros. Refere só ter aprovado trabalhos a mais no valor de € 966 390,04 tendo rejeitado trabalhos no valor de € 395 263,91. Além disso reclamou multas por atraso no cumprimento no valor de € 3 974 400,00 as quais veio a reduzir para o valor de € 615 373,46 permitindo apenas a facturação da diferença - €351 016,56. Isto quanto à obra 602 pois que, para a obra 603 estava tudo pago con­forme carta da Autora. Quanto às empreitadas 606/601, reafirma não serem devidos juros por não ter sido prazo de vencimento das facturas.
A Autora apresentou resposta à contestação alegando terem sido deduzidas excepções.
Realizou-se tentativa de conciliação, foi elaborado projecto de guião de prova e procedeu-se ao julgamento vindo a ser proferido o acórdão de fls. 800 a 896, conde­nando a Ré a pagar € 770 946,43 de trabalhos a mais, a abrir mão da garantia bancária …, a restituir a quantia de € 50 000,00, a pagar juros moratórios à taxa em vigor para as obrigações comerciais sobre € 615 373,46 desde 2 de Julho de 2004 e sobre € 155 572,97 desde a citação – 21 de Abril de 2009 – e ainda a pagar juros às mesmas taxas legais sobre € 50 000,00 desde 1 de Outubro de 2006, absolvendo-a dos restantes pedidos. Deste acórdão vem o presente recurso de apelação interposto pela Ré.

A Ré alega, em resumo:
- O momento do fim dos trabalhos não pode coincidir com uma data indetermi­nada anterior ao auto de recepção provisória da obra pois terá de ser o momento do auto de recepção definitiva;
- Se após o auto de recepção provisória foram levados a cabo reparações mas subsistiram problemas de infiltração de águas pluviais e fissuração, os tra­balhos não estavam acabados e continua a justificar-se o recurso a multas;
- Não se pode reportar à data de 6 de Maio de 2004 qualquer caducidade de qual­quer direito da Autora porque havia defeitos por reparar e teria de se efectuar nova vistoria para efeitos de recepção a partir da qual se começa a contar o prazo de garantia;
- Mesmo que tenha havido recepção definitiva da obra, esta pode continuar a exibir deficiências e o caderno de encargos previa que, volvidos 5 anos sobre a data da segunda recepção provisória, pudesse haver deficiências em relação às quais se justifica o mesmo procedimento aplicado antes;
- Ou seja, existindo reclamações contra patologias da obra, o fim dos trabalhos pode nem surgir no momento do auto de recepção definitiva;
- Não foram alegados factos que permitam fixar a data em que se chegou ao fim dos trabalhos e não é possível fixar o momento da dita e pretensa cadu­cidade do direito da demandada a aplicar as multas contratuais;
- A existir uma caducidade do direito de aplicar multa, o respectivo prazo não poderá começar a correr antes da apresentação das contas finais da emprei­tada;
- Não foi tomado em consideração o que consta no parágrafo 3.4 do caderno de encargos donde resulta que o empreiteiro tem o ónus de apresentar as contas finais da empreitada apresentando a lista completa das reclamações não satisfeitas que pretendia manter;
- O direito de aplicar multas tem toda a razão de ser até ao momento da discus­são da conta final;
- Com as contas finais, é que as partes têm de apresentar a relação das importân­cias facturadas que não foram pagas e considerar o que é devido;
- A existir caducidade do direito a aplicar multa, o tribunal não pode suprir, de officio, a prescrição ou a caducidade que nem sequer foi invocada pela Autora;
- A Autora nunca alegou ter criado a expectativa das multas serem postas de parte;
- O prazo de 5 anos da garantia só se verificou depois de proposta esta acção, pelo que a obrigação da sua devolução só se constituiu depois de proposta a acção e só se tornaria efectiva após o trânsito em julgado da decisão;
- Aceita-se a obrigação de devolver os € 50 000,00 mas não há qualquer mora por que a contagem do prazo de 5 anos só se inicia com a realização do auto de recepção provisória após a rectificação dos defeitos das patologias da obra;
- A Autora não alegou ter requerido a nova vistoria e a existência de novo auto de recepção provisória que jamais requereu.
O Autor contralegou defendendo em resumo:
- O douto Acórdão recorrido decidiu correctamente (ver a fls.95 a 97, ponto V da douta sentença), estando tal decisão devidamente fundamentada, quer em termos de matéria de facto (atendendo à prova produzida), quer em termos da sua integração de Direito, não merecendo, por isso, qualquer censura e ou reparo;
- A possibilidade de aplicação de multas depende do exercício de tal faculdade até ao “…fim dos trabalhos…”;
- A interpretação de que seria necessário diligenciar pela “segunda recepção provisória” não se mostra aplicável, desde logo face ao teor da própria Recepção Provi­sória de 06.05;
- Acresce que, o ponto 2.8.3 do Caderno de Encargos estabelece que se a obra não estiver em condições de recepção levantar-se-á um auto, que especificará as faltas e os defeitos. Ou seja, em tal hipótese não se elabora um Auto de Recepção Provisória (como o realizado no caso), mas sim e tão só, um auto de desconformidades;
- Nem se diga que o ponto 8.2.4 prevê (ainda assim) uma segunda vistoria provi­sória no caso de haver defeitos. Desde logo porque, tal previsão destina-se, apenas e tão só, a fixar os prazos de garantia (não da conclusão da obra);
- De todo o modo, qualquer eventual dúvida interpretativa (que não existe…) ficaria esclarecida com o teor do ponto 2.8.1. do Caderno de Encargos, resultando do mesmo que quer a recepção provisória, quer a definitiva, pressupõem que a obra esteja concluída;
- Quando se fala de “trabalhos” fala-se dos trabalhos inerentes à realização da Empreitada, não de “afinamentos” ou “pequenas reparações”, que sempre existem após o “fim dos trabalhos”;
- A conclusão (ou fim…) dos trabalhos ocorreu antes da abertura ao público do aludido estabelecimento comercial (19.04.2004), a qual se verificou (por sua vez) em data anterior à aludida Recepção Provisória (06.05.2004);
- A resposta dada ao quesito 1 em nada contraria a resposta dada aos quesitos 3 e 4 e não existe qualquer contradição na resposta dada aos aludidos quesitos;
- A Empreiteira só poderia interpretar a expressão constante do caderno de Encar­gos (“fim dos trabalhos”), como reportada a data anterior à realização do Autor de Recepção Provisória;
- O entendimento (e interpretação) defendido pela Recorrente ofenderia manifesta­mente a boa fé e bons costumes excedendo (manifestamente) os limites impostos pelo fim social ou económico que lhe está subjacente, criando uma despropor­ção de direitos e deveres injustificável na óptica do contrato aqui em causa;
- E consubstanciaria (sempre e de qualquer forma) o conceito de abuso de direito (art.334 do CC);
- A aplicação de qualquer multa só poderia ocorrer até ao “final dos trabalhos”;
- Os trabalhos concluíram-se antes da Recepção Provisória;
- Assim, qualquer eventual aplicação de multas por parte da Recorrente teria de ser realizada antes de tal data;
- Em articulado apresentado após a tentativa de conciliação, no seu ponto 4, a Recorrida, pronuncia-se sobre a “Alegada Aplicação de Multas e Compensação: Inaplicabilidade e Caducidade”, tendo expressamente alegado (em sede subsidiária) tal caducidade;
- Donde resulta que o conhecimento oficioso alegado pela Recorrente não corresponde à realidade processual;
- As partes estipularam a data limite para o exercício do direito de aplicação de multas, limitando-se o tribunal a constatar tal facto;
- O prazo a que refere o art.1225 do CC (cinco anos) não tem qualquer relevância e ou aplicação para o caso concreto pois se refere apenas ao período de tempo durante o qual o empreiteiro é responsável por erros, vícios ou defeitos em imóveis destinados a longa duração;
- O prazo de garantia é um, o de aplicação de multas outro;
- A Recorrente refere não aceitar que o Tribunal considere que esteja em dívida a quantia de 615.373,46 euros, correspondente ao valor de multas contratuais alegadamente aplicadas, invocando ser devida por trabalhos a mais não pagos, apenas a quantia de 52.576,06 euros;
- Acredita-se que tal não passa de um lapso material porque a Recorrente não pôs em causa a matéria de facto dada por assente quanto a esta questão (trabalhos a mais);
- Se retirarmos da quantia em que a Ré foi condenada (770.946,43 euros) o montante alegado de multas (615.373,46 euros) resulta um diferencial de 155.572,97 euros e não os mencionados 52.576,06 euros alegados pela Recorrente;
- Se a Recorrente aceitou tal condenação, não se percebe como defende o entendimento de que a mesma só produz efeitos com o trânsito em julgado da presente acção pois, se aceitou tal condenação, a sentença transitou em Julgado (no que concerne a esta questão específica…);
- A Recorrente está obrigada a cumprir de imediato tal condenação, sob pena de ser executada para tanto e responsabilizada por todos os danos causados na mora a si imputável;
- .A Apelada pretende lançar mão da faculdade prevista no art.684-A do CPC, por dis­cordar de parte da “subsunção dos factos ao direito” feita pela douta sentença (em con­creto na parte que considera que a Demandada aplicou à Demandante uma multa de 615.373,46 através da missiva de 25 de Outubro de 2004);
- O Tribunal “a quo” considera que as multas foram aplicadas pela Recorrente através da missiva de 25.10.2004 mas essa missiva não pode ser entendida como a apli­cação formal de uma multa;
- Os termos da missiva não cumprem minimamente o formalismo de dar qual­quer explicação e proporcionar ao empreiteiro a hipótese de defesa;
- Nunca poderia deixar de ser relevante que em nenhum local da referida missiva se refere que se aplica a multa de € 615 373,46;
- Por uma questão de rigor jurídico, deverá a sentença ser alterada no sentido referido mantendo-se a decisão proferida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

Foram considerados provados os seguintes factos:
- A demandante é uma empresa de construção civil e obras públicas que exerce a sua actividade em todo o país (continental e insular);
- A demandada é uma sociedade comercial cujo objecto consiste na gestão de participações noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades eco­nómicas e ainda a prestação de serviços de administração e gestão;
- A demandada tem um capital social de € 10 000 000,00, tendo resultado da fusão por incorporação da sociedade comercial com a denominação de “D.. S.A.” naquela, então com a denominação social de “E… S.A.” (a qual anteriormente tinha a denominação “C… S.A.” com o objecto social de “comércio de produ­tos alimentares e de grande variedade de mercadorias”);
- Após a promoção do respectivo concurso, a demandada adjudicou à deman­dante a “Empreitada de um edifício para supermercado, acessos, parques e rede viária em .., situado em …, concelho de …”, tendo sido realizado o competente auto de consignação em 5/5/2003;
- Posteriormente ao referido auto de consignação, foi formalizado, entre deman­dante e demandada, o contrato de empreitada tendo por objecto, a título principal, a rea­lização de trabalhos de construção de um edifício para supermercado, acessos, parques e rede viária em … pelo preço de € 6 400 000,00, acrescido de IVA;
- Nos termos da cláusula 5ª do aludido contrato de empreitada, foi acordado incluir no mesmo, regendo-se pelas mesmas regras e nos mesmos termos, os seguintes trabalhos:
a) Execução dum edifício na Vila …, na Av. … pelo valor de € 528 628,00, acrescido de IVA;
b) Execução dum edifício na freguesia de …, na Rua …, pelo valor de € 206 436,00, acrescido de IVA;
- Integram o contrato de empreitada referido o programa de concurso e o caderno de encargos;
- O preço da empreitada foi ajustado em regime de preço global;
- De harmonia com o contrato de empreitada, foram fixados os seguintes prazos de execução/conclusão das obras seguintes:
a) do edifício do supermercado, bem como acessos, parques e rede viária em … (obra com o código 602) – 5 de Fevereiro de 2004 (9 meses após a data da consignação);
b) do edifício sito na Vila … (obra com o código 603) – 5 de Julho de 2004 (14 meses após a data da consignação);
c)do edifício na freguesia de …s – 12 meses a contar da entrega do pro­jecto de execução;
- Por mútuo acordo, a demandante e a demandada rescindiram o contrato de empreitada quanto às obras na Vila … e …, não tendo sequer chegado a arrancar os trabalhos quanto ao futuro edifício na freguesia das …;
- A demandante prestou a favor da demandada a garantia bancária n.º …, emitida pelo então denominado Banco .… até ao valor de € 640 000,00, destinada a caucionar o bom cumprimento das obrigações decor­rentes da “Conservação dum edifício para supermercado, acessos, parques e rede viária em …o” e correspondente a 10% do preço;
- Tal garantia bancária deveria ser restituída “após a recepção da obra, a ter lugar 2 anos após a recepção provisória” (cláusula 4ª n.º 1 do contrato de empreitada);
- Em 6 de Maio de 2004 foi formalizado o auto de recepção provisória da emprei­tada de construção dum edifício para supermercado, acessos, parques e rede viá­ria em …;
- Desse auto de recepção provisória consta que se tinha verificado, após o respec­tivo exame, que os trabalhos da empreitada “(…) foram executados e estão de acordo com as condições do contrato com as excepções que constam da lista anexa e que deverão ser reparados e completados até 30 de Agosto de 2004. Pelo que atrás se disse, a empreitada está em condições de ser recebida provisoriamente com as excep­ções atrás enunciadas (…)”;
- A demandada aceitou os valores constantes das 11 primeiras facturas indicadas pela demandante no art. 40 da p.i. com referência aos trabalhos previstos no contrato de empreitada para a construção dum edifício para supermercado, acessos, parques e rede viária em …, tendo procedido ao pagamento das mesmas nas datas aí referidas;
- A demandada pagou à demandante € 351 643,02, acrescido de IVA por referên­cia a “trabalhos a mais” por aquela solicitados e executados por esta;
- O pagamento do preço ajustado da empreitada (obra 602) de € 6 400 000,00, bem como o preço dos trabalhos a mais referidos na alínea anterior, acrescidos de IVA, deram origem à emissão pela demandante de 13 facturas num total de € 7 629 356,62, sendo 11 referentes a trabalhos previstos no contrato de empreitada e 2 referentes a tra­balhos a mais as quais foram pagas nas datas descriminadas no art. 40 da p.i.;
- O valor total facturado pela demandante, com IVA incluído, atingiu o valor de € 7 629 356,62, com a seguinte descriminação:
a) € 6 400 010 + IVA (€ 831 990,00) = € 7 232 000,00 (preço contratualizado – obra 602);
b) € 351 643,02 + IVA (€ 45 713,60) = € 397 356,62 (trabalhos a mais);
- Não obstante a rescisão operada por mútuo acordo quanto às obras na …e nas …, foram executados e facturados pela demandante trabalhos no que respeita ao edifício na Vila … (obra 603), tendo as seguintes facturas sido aceites e pagas em diversas datas pela demandada:
i. n.º 200914, com o valor de € 56 500,00, paga em 25 de Agosto de 2004;
ii. n.º 200989, com o valor de € 22 600,00, paga em 28 de Setembro de 2004;
iii. n.º 400007, com o valor de € 16 950,00, paga em 24 de Outubro de 2004;
iv. n.º 400097, com o valor de € 41 654,22, paga em 19 de Novembro de 2004;
v. n.º 400150, com o valor de € 17 293,79, paga em 29 de Março de 2005;
vi. n.º 400250, com o valor de € 18 719,18, paga em 29 de Março de 2005;
vii. n.º 400297, no valor de € 9 565,99, paga em 30 de Julho de 2004;
viii. n.º 500114, no valor de € 615,57, paga em 30 de Maio de 2005;
- A abertura ao público do Supermercado … em … ocorreu em 19 de Abril de 2004;
- Com data de 30 de Abril de 2006, a demandante emitiu uma nota de débito à demandada no valor de € 434 353,06 para pagamento de juros de mora liquidados no âmbito das diversas empreitadas adjudicadas pela demandante;
- Demandante e demandada acordaram que os “trabalhos a menos” reclamados pela primeira eram de € 79 343,30, sendo € 71 838,75 referentes a trabalhos de constru­ção civil e € 7 504,52 referentes a trabalhos de electricidade;
- O valor de € 79 343,30 foi considerado por demandante e demandada para aba­ter nos valores de “trabalhos a mais”, sendo estes facturados até esse limite como se fossem trabalhos contratuais;
- A demandada aprovou e aceitou “trabalhos a mais realizados pela demandante no valor de € 966 390,04;
- Foram levadas a cabo reparações pela demandada ou subempreiteiros relativa­mente aos defeitos excepcionados no auto de recepção provisória mas subsistiram pro­blemas de infiltração de águas pluviais e de fissuração apesar de terem sido objecto de intervenção da … a pedido da demandante;
- A ocupação do edifício do supermercado … pela demandada ocorreu em data anterior a 19 de Abril de 2004;
- Na data da recepção provisória já estavam concluídos todos os trabalhos da empreitada;
- Na segunda semana de Abril de 2004 tinham sido praticamente terminados todos os trabalhos da empreitada, com excepção de obras nos arruamentos exteriores e alguns acabamentos;
- A não disponibilização na data fixada no auto de consignação da obra dos terre­nos ocupados e necessários à implantação do edifício e do muro de suporte e o volume de trabalhos a mais pedidos pelo dono da obra contribuíram para os atrasos na conclusão da empreitada;
- A demandada, após a recepção provisória, considerou justificado o atraso do empreiteiro por um período de 41 dias, tendo admitido como prorrogado o prazo da empreitada por esse período;
- Houve trabalhos pedidos antes e durante o mês de Abril de 2004 pela deman­dada à demandante, mas que após a recepção provisória só houve trabalhos de reparação de defeitos;
- Tais trabalhos não foram objecto de qualquer contrato adicional escrito, aten­dendo à boa relação existente entre demandante e demandada e à urgente realização dos mesmos com vista à inauguração do edifício;
- A demandante reclamou à demandada € 1 529 295,36 de trabalhos a mais, que aquela estava disposta a aceitar o recebimento da quantia de € 966 390,00, sem descon­tos, para manter a relação comercial, e que a não aprovação pela demandada dos traba­lhos de alteração das dimensões da caixa do elevador n.º 2 no valor de € 12 633,6, da clarabóia da caixa do elevador n.º 2 no montante de € 713,16, do não reembolso das despesas com o piquete do pessoal nas vésperas da abertura que se elevaram a € 2 108,82 e do montante de € 98 159,32 de trabalhos de electricidade a mais não se baseou em tais trabalhos serem trabalhos contratuais, incluídos no preço ajustado, antes decor­reu duma atitude unilateral da fiscalização da demandada;
- Em Abril de 2004, ainda não estavam pagas facturas de trabalhos contratuais no montante de € 4 426 221,08 (incluindo IVA), havendo ainda valores reclamados de trabalhos a mais em montante de cerca de € 1 000 000,00;
- No mês de Abril de 2004, faltava facturar os restantes trabalhos previstos no contrato de empreitada e ainda os trabalhos a mais que a demandante computou em € 1 529 295,36;
- A demandada só pagou quatro das treze facturas emitidas no prazo de 60 dias a contar da data da sua emissão;
- A demandante exigiu à demandada juros moratórios à taxa legal convencional desde o termo do prazo de 60 dias após a data de emissão das facturas até 30 de Abril de 2006, elevando-se tais juros ao valor de € 251 044,61;
- Tais juros não foram pagos até hoje pela demandada;
- A demandada foi interpelada, verbalmente e por escrito, pela demandante para pagar juros de mora;
- Houve trabalhos a mais indicados pela demandante à fiscalização da obra e que não foram aceites por esta, só tendo sido aceite a emissão duma factura no valor de € 351 016,59, sem IVA;
- Os trabalhos a mais indicados pela demandante à fiscalização são os indicados na relação constante do artigo 55º da petição inicial;
- O valor de € 79 343,30, aceite por acordo entre a demandante e a demandada, correspondeu a “trabalhos a menos” (sendo € 71 838,78 de trabalhos a menos de cons­trução civil e € 7 504,52 de trabalhos a menos de electricidade), em virtude de ter havido trabalhos contratuais que não foram realizados por terem sido suprimidos ou cuja medição ficou aquém das quantidades do projecto;
- O valor de trabalhos a mais de € 1 098 309,04 resulta da dedução ao valor recla­mado de € 1 529 295,36 dos valores das duas facturas referidas atrás e do valor de € 79 343,30 de “trabalhos a menos”;
- A demandante celebrou com uma empresa de factoring um contrato de facto­ring tendo por objecto parte das facturas por si emitidas sobre a demandada de forma a obter um adiantamento do respectivo valor;
- As facturas eram enviadas em triplicado pela demandante à demandada com os autos de medição, eram devolvidos dois duplicados após a conferência pelos serviços da demandada, ficando o original na posse desta, após o que um exemplar era enviado pela demandante à empresa de factoring;
- As facturas acabaram por ser pagas pela demandada ao então existente Banco … (hoje incorporado no …);
- O Banco …cobrou à demandada 9 das 13 facturas emitidas pela demandante e aceites pela demandada em datas que indicou como sendo de venci­mento das mesmas;
- A demandada pagou as facturas ao Banco … nas datas indica­das por esta instituição de crédito;
- As 4 facturas não cedidas pela demandante à empresa de factoring foram liquida­das directamente pela demandada num prazo de tempo curto, entre 9 e 17 dias a contar da recepção das mesmas;
- Houve trabalhos a mais que foram recusados pela demandada;
- O valor dos trabalhos a mais que foram recusados pela demandada elevou-se a € 395 263,91;
- A demandada foi manifestando a intenção de aplicação de multas pelo atraso da empreitada, conforme actas de reunião de obra n.º 16/03, 18/04, 19/04 e 20/04, e, depois da recepção provisória da obra, remeteu a carta de 25 de Outubro de 2010 a reclamar € 615 373,46 a título de multas pelo atraso na entrega da obra;
- A demandada exigiu somente uma multa com o valor correspondente a cerca de 19 dias de atraso, tendo implicitamente considerado prorrogado o prazo por 41 dias;
- A demandada pretendeu abater ao montante de trabalhos a mais por si aceites a multa aplicada, dispondo-se a autorizar a emissão duma factura no montante de € 351 016,58, a qual de resto, já tinha sido emitida e aceite antes;
- A factura apresentada pela demandante foi emitida na sequência de conversa­ções havidas entre o fiscal da obra e o representante daquela;
- A nota de débito de 30/4/2006 foi devolvida à demandante pela demandada através de carta expedida em 26 de Julho de 2006 a qual foi posteriormente reenviada à demandada que não a devolveu;
- Não foi até hoje elaborado o auto de recepção definitiva previsto na cláusula 4ª n.º 1 do contrato de empreitada;
- A demandada apenas pagou 2 das 8 facturas referentes à obra 603 no prazo de 60 dias após a emissão;
- A demandante debitou juros de mora no valor de € 11 804,33 com referência às outras 6 facturas;
- A demandante interpelou a demandada para proceder a tal pagamento;
- A demandada não procedeu ao pagamento de juros até ao presente;
- A demandada enviou à demandante a carta que constitui doc. 6 à contestação;
- À data da apresentação da contestação, mantinha-se em vigor a garantia bancá­ria atrás referida;
- A demandante incorreu em custos pelo não cancelamento desta garantia bancá­ria até ao presente;
- Houve defeitos e patologias que, apesar de tentativas de reparação, persistiram, tendo sido objecto de reclamações entre 2004 e 2006.

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões do apelante (artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do Código de Processo Civil). No presente recurso há que decidir as seguintes questões:
- eficácia das multas aplicadas pela demandada à demandante;
- pagamento de trabalhos a mais no valor de € 770 946,43;
- contagem dos juros.

Antes de entrar na análise das várias questões suscitadas pela recorrente, importa tecer algumas considerações prévias sobre as normas processuais aplicáveis nos proces­sos de arbitragem e sobre os limites dos recursos das respectivas decisões.
Em primeiro lugar, aplicam-se aos processos de arbitragem as normas que forem escolhidas pelas partes que submetem o dirimir do litígio a este tribunal arbitral. Tal sucede, normalmente, quando a atribuição da decisão do litígio a um tribunal arbitral é feita através convenção de arbitragem. Neste caso, perante um litígio concreto, as partes decidem criar um tribunal arbitral para dirimir o litígio e, atenta a natureza convencional de tal decisão, não só dão poderes ao tribunal arbitral para decidir a questão como podem estabelecer as regras a seguir por este. É o caso dos presentes autos.
Depois das normas escolhidas pelas partes, aplicar-se-ão as normas constantes da Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei 31/86 de 29 de Agosto. Finalmente, para os casos em que não exista norma aplicável quer nas regras definidas pelas partes, quer na Lei de Arbitragem Voluntária, aplicar-se-ão subsi­diariamente as regras do Código de Processo Civil.
No caso dos autos, deverão aplicar-se as regras constantes do contrato de empreitada, e na sua falta, o previsto na Lei de Arbitragem Voluntária e, subsidiaria­mente, o Código de Processo Civil.
No que respeita aos limites do recurso do tribunal arbitral para os tribunais comuns, começaremos por citar a opinião de Demóstenes: “Se as partes têm divergên­cia concernente às suas obrigações privadas e desejam escolher árbitros, é lícito que designem quem entenderem, mas quando escolherem o árbitro de comum acordo é de rigor que se submetam rigorosamente ao que ele decidiu, não apelando da sentença a outro tribunal, pois a decisão deve ser definitiva e suprema.” O recurso à arbitragem voluntária é normalmente justificado por factores como a atraso nas decisões judiciais, o modelo burocrático do processo civil, a publicidade do processo e a possibilidade de, através da interposição de recursos, se poderem atrasar ainda mais as decisões. Não se percebe, por isso, que, após recorrer a um tribunal arbitral que foi escolhido pelas partes em litígio e decidiu de acordo com as regras que estes estabeleceram, seja possível recorrer para os tribunais comuns com a consequente demora na obtenção uma decisão.
Nesta matéria regulam os artigos 27º n.º 2 e 3 do Regulamento do CASA e o artigo 29º da Lei de Arbitragem Voluntária. Este último artigo dispõe:
“1 – Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem para o tribunal da relação os mesmos recursos que caberiam da sentença profe­rida pelo tribunal de comarca.
2 – A autorização dada aos árbitros para julgarem segundo a equidade envolve a renúncia dos recursos.”
Assim, a decisão proferida é recorrível como o seria uma qualquer decisão dum tribunal de comarca.

O contrato de empreitada, quanto às condições de execução dos trabalhos que constituem seu objecto e à prestação de serviços e actos nele incluídos, remete para documentos que se consideram parte integrante do contrato: processo de concurso (pro­grama de concurso, caderno de encargos e projecto de execução), proposta do emprei­teiro e documentos anexos, a convenção. Em caso de omissão, prevê o ponto 4.1 do caderno de encargos:
“4.1.1 – A lei portuguesa – Código Civil – regulará a fase pré-contratual (da formação do consenso das partes), a do contrato e a respectiva execução.
4.1.2 – Na integração das lacunas do contrato, recorrer-se-á à legislação em vigor, Código Civil.
O contrato de empreitada é omisso sobre a matéria das penalidades donde se ter concluir que, quanto a esta matéria, se aplica o ponto 3.2 do caderno de encargos:
“3.2.1 – Se o empreiteiro não concluir a obra no prazo contratualmente esta­belecido, acrescido de prorrogações graciosas ou legais, ser-lhe-á aplicada, até ao fim dos trabalhos ou à rescisão do contrato nos termos da alínea a) do ponto 4.2.1, a seguinte multa diária:
a) 5 por mil do valor de adjudicação, no primeiro período correspon­dente a um décimo do referido prazo;
b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um aumento de um por mil até atingir o máximo de 20 por mil;
c) Depois de acordado o programa de trabalhos, serão estabelecidas mul­tas parcelares, para conclusão de eventos parcelares.
3.2.2 – Caso os prejuízos provocados pelo atraso na conclusão da obra sejam superiores aos valores das penalidades aplicáveis, o dono da obra terá direito à indemnização correspondente.”
Como muito bem se refere no acórdão arbitral, estas penalidades revestem a natureza de cláusula penal moratória com finalidade compulsória e a sua aplicação está sujeita a um termo final alternativo: o fim dos trabalhos ou a rescisão do contrato. No caso dos autos, não se verificou a rescisão do contrato pelo que a aplicação das penali­dades está sujeita ao final dos trabalhos, ou seja, a sua finalidade compulsória leva a que se não justifique a sua aplicação depois de findos os trabalhos. A aplicação destas pena­lidades tem como objectivo levar o empreiteiro a cumprir e a terminar os trabalhos den­tro dos prazos; concluídos os trabalhos, não há qualquer justificação para aplicação destas penalidades. Daqui, a importância de se definir quando se devem considerar con­cluídos os trabalhos.
Sobre o fim dos trabalhos, temos e considerar o previsto no ponto 2.8.4 do caderno de encargos:
Quando se verificar, pela vistoria realizada, que a obra está conforme o con­trato, efectuar-se-á o auto de recepção provisória, contando dessa data o prazo de garantia.
Se algum elemento das obras não estiver em condições, o empreiteiro fica obri­gado a proceder aos necessários trabalhos de reparação ou reconstrução em prazo fixado e, só depois se efectuará nova vistoria para o efeito de recepção provisória, a partir de qual, se a obra for aceite, se começará a contar o prazo de garantia.”
De acordo com os factos provados, ao assinar em 6 de Maio de 2004 o auto de recepção provisória, as partes consideraram que a existência de defeitos – elencados como “excepções” – não impedia a recepção provisória bastando o compromisso de proceder à reparação. Na data de assinatura daquele auto, estavam concluídos todos os trabalhos da empreitada. O dono da obra comunicou ao empreiteiro a aplicação de penalidades em 25 de Outubro de 2004. Entendeu o acórdão arbitral que, nessa data, já tinha caducado o direito de aplicar penalidades porque os trabalhos estavam concluídos desde o dia da assinatura do auto de recepção provisória – 6 de Maio. Em contrário, defende o recorrente que, havendo reparações a fazer, os trabalhos ainda não estavam findos pelo que era possível aplicar penalidades.
A tese do recorrente tem por base o facto de a aplicação destas penalidades ter sido anunciada por várias vezes durante a execução dos trabalhos. De facto, em várias actas de reunião de obra, consta a referência à aplicação de penalidades, chegando a referir-se que houve acordo entre os representantes das partes, presentes nessas reu­niões, sobre tal aplicação no momento da recepção provisória da obra.
Se analisarmos o já citado ponto 2.8.4 do caderno de encargos, temos de concluir que os trabalhos foram considerados concluídos no acto de assinatura do auto de recep­ção provisória. Da leitura desta cláusula, pode-se retirar que o auto de recepção provisó­ria corresponde ao fim dos trabalhos uma vez que, em caso de necessidade de repara­ções a efectuar pelo empreiteiro, se marca nova vistoria, após a qual de elabora o auto de recepção provisória. E o prazo de garantia, que se conta a partir do fim dos trabalhos, começa a contar da assinatura do auto de recepção provisória quer este seja assinado no fim da primeira vistoria, quer após a segunda vistoria. Ora, como se refere acima, as partes entenderam que, em 6 de Maio de 2004, os trabalhos estavam concluídos e que a existência dos defeitos elencados não obstava à recepção da obra. Se a obra podia ser aceite mesmo sem a reparação dos defeitos, tem de se entender que os trabalhos foram considerados findos.
O que consta das actas de reunião de obra não pode ser considerado como apli­cação de penalidades uma vez que a aplicação destas depende de comunicação ao empreiteiro e esta comunicação só se concretiza muito mais tarde. Que as referências constantes daquelas actas não podem ser confundidas com a comunicação da aplicação das penalidades resulta claramente da correspondência trocada entre as partes em Junho de 2004. No fax que o empreiteiro remeteu ao dono da obra em 24 de Junho de 2004 pode-se ler “…tendo em consideração a vossa intenção de aplicação de multas…venho por este meio solicitar que reconsiderem a vossa decisão…”. Este fax responde a uma comunicação do dono da obra, de 2 de Junho de 2004, comunicando a intenção Sublinhado nosso. de aplica­ção de multas. Nesta altura, o dono da obra ainda só demonstrava a intenção de aplicar penalidades. Quem tem a intenção de aplicar penalidades, ainda as não aplicou efectivamente.
Defende ainda a recorrente que os trabalhos só se podem considerar concluídos após a apresentação de contas finais por parte do empreiteiro. Não vemos qualquer suporte legal ou convencional para esta tese da recorrente e, em nosso entender, o que ficou clausulado no caderno de encargos e já atrás citado, não permite que se retira tal conclusão. Os trabalhos foram considerados findos e a falta de apresentação de contas não releva para a fixação do final dos trabalhos.
Estando os trabalhos concluídos em 6 de Maio de 2004 e sendo a aplicação de multas comunicada apenas em 25 de Outubro de 2004, temos de concluir, como fez o acórdão arbitral, que o prazo para aplicação de multas estava caducado pelo que a sua imposição se tem de considerar ineficaz.
O valor dos trabalhos a mais a pagar pela recorrente encontra-se, como refere a recorrida, por mera aritmética. Comecemos por referir que a recorrente não impugna a matéria de facto assente pelo que se tem de considerar como assente o valor total de trabalhos a mais de € 1 247 646,35. Este valor corresponde ao que havia sido pedido pela recorrida - € 1 098 309,04 - acrescido de IVA. A este valor há que abater o mon­tante já pago pela recorrente de € 397 356,62 o que dá um débito de € 850 298,73. Este valor excede o que consta da sentença porque o acórdão arbitral abateu a este valor o montante de trabalhos a menos de € 79 343,30. Mas, este abatimento foi feito indevi­damente porque naquele valor de € 1 098 309,04 já havia sido considerado este valor de trabalhos a menos e já tinha sido retirado do total pedido. Assim, os trabalhos a mais em dívida elevam-se a € 770 946,43, como consta da sentença na medida em que a recor­rida se conformou com este valor e este tribunal não pode condenar em quantia superior ao que vem pedido.
Dispensamo-nos de referir que a quantia de € 615 373,46 que a recorrente pre­tende ver descontada a título de multas aplicadas não pode ser considerada pelas razões atrás expostas. As multas não foram aplicadas em prazo e de modo eficaz pelo que a recorrida não as deve. Não pode, por isso, ao montante de trabalhos em dívida ser sub­traído o referido valor.
Passando aos juros sobre este valor, não concordamos com o decidido no acór­dão arbitral pela simples razão de não entendermos porque esta quantia de trabalhos a mais vença juros parcialmente desde uma data e parcialmente a partir doutra data.
Sobre o montante da constituição em mora, dispõe o artigo 805º do Código Civil:
“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extra­judicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor…”
A recorrente só foi interpelada para pagar os trabalhos a mais com a citação para esta acção. O facto de a recorrida ter pretendido efectuar uma compensação julgada como inválida e ineficaz não pode relevar para efeitos de constituição em mora. Por outro lado, não se verifica qualquer das circunstâncias que constituem o devedor em mora independentemente de interpelação. Por isso, em nosso entender, só se pode con­siderar a recorrida interpelada para pagar os trabalhos a mais, quer na parte em que pre­tenderam exercer a compensação, quer na parte restante, na data da citação para esta acção. Só, a partir dessa data, serão devidos juros sobre o montante total dos trabalhos a mais.
Em resumo:
- No caso dos autos, deverão aplicar-se as regras constantes do contrato de empreitada, e na sua falta, o previsto na Lei de Arbitragem Voluntária e, subsidiaria­mente, o Código de Processo Civil.
- Estas penalidades revestem a natureza de cláusula penal moratória com finalidade compulsória e, não se tendo verificado a rescisão do contrato, a sua aplicação está sujeita ao final dos trabalhos, ou seja, a sua finalidade compulsória leva a que se não justifique a sua aplicação depois de findos os trabalhos;
- A aplicação destas pena­lidades tem como objectivo levar o empreiteiro a cumprir e a terminar os trabalhos den­tro dos prazos; concluídos os trabalhos, não há qualquer justificação para aplicação destas penalidades;
- O auto de recepção provisó­ria corresponde ao fim dos trabalhos uma vez que, em caso de necessidade de repara­ções a efectuar pelo empreiteiro, se marca nova vistoria, após a qual de elabora o auto de recepção provisória. E o prazo de garantia, que se conta a partir do fim dos trabalhos, começa a contar da assinatura do auto de recepção provisória quer este seja assinado no fim da primeira vistoria, quer após a segunda vistoria;
- Só se pode con­siderar a recorrida interpelada para pagar os trabalhos a mais, quer na parte em que pre­tenderam exercer a compensação, quer na parte restante, na data da citação para esta acção. Só, a partir dessa data, serão devidos juros sobre o montante total dos trabalhos.



Termos em que acordam julgar parcialmente procedente a apelação e alteram a decisão arbitral na sua alínea d) que passará a ter a seguinte redacção:
“Condenar a demandante a pagar juros moratórios às taxas supletivas legais sucessiva­mente em vigor para as obrigações comerciais sobre € 770 946,43 desde a data da cita­ção até à data do efectivo pagamento.”. No mais se confirma o acórdão arbitral.

Custas por Apelante e Apelada na proporção do vencimento.

Lisboa, 7 de Abril de 2011

José Albino Caetano Duarte
António Pedro Ferreira de Almeida
Fernando António Silva Santos