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PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
REQUISITOS
ÓNUS DA PROVA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário
1. O deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, pelo benefício que comporta para o devedor/insolvente e, eventual prejuízo dos credores, está dependente da comprovação de uma conduta não censurável do devedor/insolvente no que se refere ao processo de endividamento que culminou na insolvência e ao seu relacionamento com os seus credores. 2. Estando o devedor em situação de incumprimento generalizado das suas obrigações para com os credores em meados de 2008, para poder usufruir dos benefícios decorrentes da exoneração do passivo restante, deveria ter-se apresentado à insolvência no prazo de seis meses sobre a data em que verificou a impossibilidade, por carência de recursos económicos, de solver os seus compromissos; 3. Auferindo o devedor de um rendimento mensal de cerca de mil euros com o qual deveria satisfazer as suas necessidades básicas, suportar o pagamento de uma renda relativa a um arrendamento para habitação e os encargos com sete créditos pessoais ao consumo, um contrato de leasing e as prestações relativas a um contrato de crédito para habitação, é de concluir que o devedor/insolvente não podia ignorar que não tinha qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica. 4. Cabe ao devedor/insolvente a alegação e prova de que não sabia que a sua situação económica não lhe permitiria satisfazer os compromissos entretanto assumidos e que havia séria perspectiva de melhoria da sua situação económica. 5. A não apresentação tempestiva do devedor à insolvência implicando o retardamento e agravamento da probabilidade de cobrança dos créditos, representa, em princípio, um prejuízo para os credores. Pode, no entanto, suceder que, apesar disso, não haja um prejuízo patrimonial efectivo dos credores, pelo que no momento da apreciação do requerimento de exoneração do passivo restante, deve ser comparada a situação que existia à data da verificação da situação de insolvência e a que existia no posterior momento da apresentação à insolvência. 6. Para o deferimento do pedido de exoneração do passivo restante cabe ao devedor/insolvente alegar e provar que da apresentação tardia à insolvência não resultou qualquer prejuízo para os credores. ( Da responsabilidade do Relator )
Texto Integral
EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, ACORDAM OS JUÍZES DESEMBARGADORES DA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I – RELATÓRIO
1. A requereu, juntamente com a sua apresentação à insolvência em 27 de Setembro de 2010, a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artigo 235° e ss do C.I.R.E. (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Por sentença proferida a 2 de Novembro de 2010, transitada em julgado, foi declarada a insolvência do requerente.
2. O Administrador da Insolvência pronunciou-se em sentido favorável à concessão ao insolvente da exoneração do passivo restante, considerando que ele requereu voluntariamente o pedido de declaração da sua insolvência, sem que para tal estivesse legalmente obrigado e que não se indicia a existência de comportamento doloso por parte do insolvente que tenham contribuido para tal resultado nem intençao de prejudicar os credores. Mais salienta que o insolvente realizou várias tentativas para a obtenção de recursos financeiros que lhe permitissem liquidar o passivo existente e que cumpriu estritamente com os seus deveres de colaboração e informação com o Tribunal e com o Administrador da Insolvência.
3. O credor Barclays Bank Plc opôs-se à concessão da exoneração do passivo restante, alegando que o insolvente não se apresentou à insolvência dentro dos seis meses seguintes à sua verificação, e que tal omissão gerou um prejuízo para os credores, porquanto implicou um acréscimo do seu passivo, tendo entrado em incumprimento generalizado em meados de 2008, sendo já então os seus rendimentos manifestamente insuficientes para fazer face às suas despesas e para honrar os compromissos assumidos com os credores.
Para o caso de assim não se entender, considera o Barclays Bank Plc que o valor do rendimento indisponível deve ser fixado em montante não superior a um salário mínimo nacional.
4. A credora Caixa Geral de Depósitos, S.A. opôs-se à concessão da exoneração do passivo restante invocando que do teor do relatório se constata que já no ano de 2003 se verificaram os incumprimentos generalizados por parte do insolvente quanto às suas obrigações, sendo certo que não existem dúvidas em que a situação de insolvência se verificou, pelo menos, em 2008.
5. O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, declarou opor-se à exoneração do passivo restante, face à indisponibilidade dos créditos fiscais e face à circunstância de o insolvente já ter em 2008 dívidas relativas a execuções: hipoteca e injunções que representavam mais de metade dos créditos reclamados e nessa altura já sabia ou devia saber que vivia numa situação de crise económica e que a sua situação financeira não tinha perspectivas de melhorar.
6. O insolvente respondeu alegando que, contrariamente ao que sustentam os credores Barclays Bank Plc e Caixa Geral de Depósitos, SA., nenhum elemento dos autos legitima a conclusão de que o Insolvente se encontra nessa situação desde 2003 ou 2004.
Como se evidencia no relatório, é apenas em 2008 que o insolvente acaba por entrar em incumprimento; o vencimento da generalidade das suas obrigações ocorreu a partir de meados de 2008; Mais alega que. enquanto pessoa singular, não está obrigado a apresentar-se à insolvência (art. 18°, n° 2 do CIRE) e que o eventual retardamento da apresentação à insolvência por parte de pessoa singular apenas poderá constituir fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante nos casos em que tal retardamento tenha causado prejuízo aos credores.
Alega ainda, no que diz respeito à fixação do rendimento disponível, que a cessão de créditos no âmbito da exoneração do passivo restante não tem cariz sancionatório nem visa impor sacrifícios ao exonerando ou condená-lo a cinco anos de "travessia do deserto" e que peticionou a exoneração do passivo restante e a fixação, como rendimento disponível a ceder, do valor dos seus rendimentos que excedesse 1.000.00€ (mil euros) por ser esta quantia a necessária ao seu sustento condigno.
7. Foi então proferida decisão que, considerando que já em Fevereiro de 2002 o requerente tinha dívidas para com a Fazenda Nacional e com outro credor – dívida esta que deu origem a processo de execução em 2004 – e que, apesar disso, contraiu novos empréstimos, nomeadamente de crédito ao consumo e de crédito à habitação, acrescendo ainda que não mencionou no seu requerimento a existência de um crédito da Segurança Social no valor de cinco mil euros, indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo formulado pelo insolvente A.
8. Inconformado com tal decisão dela interpôs recurso o insolvente, o qual foi admitido como de apelação com subida imediata e em separado e efeito devolutivo.
São do seguinte teor as conclusões das suas alegações: “a) O despacho recorrido fundamenta o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante na verificação da previsão da alínea d), «senão mesmo da alínea e)» (sic) do art. 238º, nº 1 do CIRE; b) Quanto ao preenchimento da previsão da alínea d) do nº 1 do art. 238º do CIRE, cumpre dizer, em primeiro lugar, que o insolvente, enquanto pessoa singular, não está obrigado a apresentar-se à insolvência (art. 18º, nº 2 do CIRE); c) Em segundo lugar, como consta da redacção da citada alínea d), o eventual retardamento da apresentação à insolvência por parte de pessoa singular apenas poderá constituir fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante nos casos em que tal retardamento tenha causado prejuízo aos credores, sabendo o insolvente que não existe perspectiva séria de melhoria da sua situação económica; d) Dos autos não resulta que do retardamento haja resultado qualquer prejuízo acrescido para os credores; e) Por outro lado, como consta do requerimento inicial e do relatório elaborado pelo Senhor Administrador de Insolvência, o recorrente, previamente à apresentação da sua petição, diligenciou no sentido de alienar o bem imóvel que possui, venda essa que, caso pudesse ter sido concretizada, constituiria evidente melhoria da sua situação económica; f) Por último, sublinhe-se que as dívidas reportadas a 2002 eram originariamente da sociedade K..., Lda. (sendo que a dívida à Fazenda Nacional só mais tarde foi revertida contra o recorrente), e que a afirmação segundo a qual o recorrente «sabia não ter dinheiro para pagar» os empréstimos que contraiu é completamente desmentida pelos elementos dos autos, como desde logo se extrai do facto de apenas em 2008, anos depois da contracção daquelas dívidas, o recorrente ter entrado em incumprimento das suas obrigações; g) Assim, inexistindo elementos que preencham o disposto no artigo 238º, nº 1, d) e e) do CIRE, mal andou o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente, por esse motivo, o pedido de exoneração; h) Decidindo dessa forma, o despacho recorrido violou o referido artigo 238º, nº 1, d) e e) do CIRE, e ainda o artigo 239º, nº 1 do mesmo código; i) O indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante pelo despacho recorrido escora-se ainda na previsão do artigo 238º, nº 1, g) do CIRE, segundo o qual o pedido de exoneração deve ser liminarmente indeferido quando «O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência»; j) Ora, percorrendo o elenco de factos provados constante da decisão a quo, verifica-se que não existe rigorosamente nenhum elemento do qual possa retirar-se que a não indicação da dívida à Segurança Social na petição inicial resulte de actuação dolosa ou gravemente negligente por parte do recorrente; k) O crédito cuja indicação se omitiu provém de contribuições em dívida pela sociedade K..., Lda., de que o recorrente foi sócio-gerente, que por este motivo contra ele foram revertidas, e que só por desconhecimento não indicou na sua petição; l) Aliás, não se vislumbra qualquer motivo para que o recorrente, assumindo na sua petição um passivo total na ordem dos 200.000,00 €, pretendesse ocultar, dolosamente ou com culpa grave, uma dívida de cerca de 5.000,00 €; m) Inexistindo substrato factual que preencha o disposto no artigo 238º, nº 1, g) do CIRE, mal andou o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente, por esse motivo, o pedido de exoneração; n) Decidindo dessa forma, o despacho recorrido violou o referido artigo 238º, nº 1, g) do CIRE, e ainda o artigo 239º, nº 1 do mesmo código”.
8. Não consta que tenham sido apresentadas contra alegações.
9. Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
É a seguinte a matéria de facto considerada relevante na douta decisão impugnada, seleccionada a partir dos elementos constantes dos autos e não impugnada em sede de recurso:
1. O requerente A nasceu a 16 de Junho de 1976 e é solteiro.
2. Desde Abril de 2005 é funcionário do C……,desempenhando as funções de Técnico Superior de Formação.
3. Como remuneração por essa actividade, aufere um vencimento mensal ilíquido de € 1.383.32, a que acresce subsídio de refeição no valor diário de € 4,91.
4. O seu vencimento líquido tem o valor de € 1.009.82.
5. São as seguintes as dívidas contraídas pelo requerente que se mostram vencidas:
5.1. Crédito do Banco BPN Paribas Personal Finance. S.A. emergente de um contrato de crédito pessoal ao consumo, no valor total de € 1.775,06. vencido em 05.08.2010.
5.2. Crédito do Banco Cetelem, SA emergente de um contrato de crédito pessoal ao consumo, no valor total de € 5.532,51. vencido em 09.12.2008.
5.3. Crédito do Banco Comercial Português, S.A. emergente de um contrato de crédito pessoal ao consumo, no valor total de € 1.623,26, vencido em 13.10.2008.
5.4. Crédito do Barclays Bank emergente de um contrato de crédito pessoal ao consumo, no valor total de € 4.812,22, vencido em 30.07.2008.
5.5. Crédito da Caixa Geral de Depósitos emergente de empréstimos para aquisição de habitação própria e financiamento de investimentos diversos em bem imobiliário e também para crédito pessoal ao consumo no valor total de € 117.815,51.
5.6. Crédito do Citibank International PLC - Sucursal em Portugal, emergente de um contrato de crédito pessoal ao consumo, no valor total de € 4.281,35, vencido em 17-12-2008.
5.7. Crédito do Credifin - Banco de Crédito ao Consumo, S.A.. emergente de um contrato de crédito pessoal ao consumo, no valor total de € 906,19, vencido em 1-09-2008.
5.8. Crédito da EDP - Serviço Universal, emergente do consumo de energia eléctrica, no valor total de € 392,00, vencido em 6-08-2008.
5.9. Crédito da Fazenda Nacional, emergente de IMI e IVA, coimas e custas, no valor total de € 4.570,49, vencido em 15-02-2002.
5.10. Crédito do GE Consumer Finance- Instituição Financeira de Crédito, S.A.. emergente de um contrato de crédito pessoal ao consumo, no valor total de € 2.174,61, vencido em 10-04-2008.
5.11. Crédito do Instituto de Segurança Social, I.P.- Centro Distrital de Santarém, proveniente de contribuições sociais, no valor total de € 5.096,67.
5.12. Crédito do M... - Aluguer e Comércio de Automóveis. S.A., emergente de aluguer de automóveis, no valor total de € 4.848,20, vencido em 5-08-2002.
5.13. Crédito da PT.com-Comunicações Interactivas, S. A, emergente da prestação de serviços, no valor total de € 171,12, vencido em 9-07-2008.
5.14. Crédito da Sofinloc-Instituição Financeira de Crédito. S.A., emergente de leasing de viatura, no valor total de € 28.706,00. vencido em 6-06-2008.
5.15. Crédito da Tagusgás - Empresa de Gás do Vale do Tejo, S.A. emergente da prestação de serviços, no valor total de € 72,02, vencido em 20-08-2008.
5.16. Crédito da Unicre - Instituição Financeira de Crédito, S.A., emergente do fornecimento de serviços, no valor total de € 1.011,76, vencido em 19-07-2008.
6. Correm contra o requerente as seguintes acções e execuções:
6.1. Proc. n° 00000/04.4YYLSB (acção executiva) do 1º Juízo de Execução de Lisboa, 3ª Secção em que é exequente a M... - Aluguer e Comércio de Automóveis, SA;
6.2. Proc. n° 0000/08.0TBSTR (acção executiva) do 1° Juízo Cível de Santarém em que é exequente a Sofinloc - Instituição Financeira de Crédito, SA;
6.3. Proc. n° 0000/09.9TBSTR (acção executiva) do 3° Juízo Cível de Santarém em que é exequente o Barclays Bank, Plc - Sucursal em Portugal;
6.4. Proc. n° 0000/09.TBSTR (acção executiva) do 3º Juízo Cível de Santarém em que é exequente o Banco Cetelem, SA;
6.5. Proc. n° 0000/09.8TBSTR (acção executiva) do 3° Juízo Cível de Santarém em que é exequente o Banco Cetelem, SA;
6.6. Proc. n° 0000/10.4TBSTR (acção executiva) do 1° Juízo Cível de Santarém em que é exequente o Banco BNP – Paribas Personal Finance, SA;
6.7. Injunção nº 000000/2007 da Secretaria de Injunção de Lisboa em que é requerente a PT.com - Comunicações Interactivas, SA;
6.8. Injunção nº 000000/09.3 YIPRT do Balcão Nacional de Injunções em que é requerente a Tagusgás - Empresa de Gás do Vale do Tejo, SA;
6.9. Injunção nº 000000/09.3YIPR1 do Balcão Nacional de Injunções em que é requerente a Credifin - Banco de Crédito ao Consumo, S A;
6.10. Injunção nº 000000/08.8Y1PRT do Balcão Nacional de Injunções em que é requerente a Unicre – Instituição Financeira de Crédito, S A;
6.11. Proc. n° 0000000000000000 (execução fiscal - reversão de dívidas societárias) do Serviço de Finanças de Santarém em que é exequente a Fazenda Nacional.
7. O requerente é proprietário de um imóvel sito na Urbanização de ..., lote ……, em Santarém.
8. O requerente é arrendatário de um imóvel sito na Calçada de Santo Amaro, nº……., em Lisboa.
9. O requerente não tem antecedentes criminais.
O DIREITO
Importa agora apreciar do mérito da apelação, tendo em atenção o teor das conclusões atrás descritas que, como é sabido, limitam o objecto do recurso, sem embargo, sendo caso disso, do conhecimento de questões de que o Tribunal deva apreciar oficiosamente.
A questão colocada no presente recurso é a de saber se o pedido de exoneração do passivo restante devia ou não ter sido liminarmente indeferido ao abrigo do disposto no artigo 238º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).
Recorde-se que a douta decisão impugnada se fundou no artigo 238º nº 1 alínea d) do CIRE para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, tendo, no entanto, também mencionado como passível de conduzir à mesma decisão a previsão da alínea g) do mesmo artigo.
A verificação de qualquer das situações previstas nas várias alíneas do número 1 do artigo 238º do CIRE é suficiente para que seja indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante; por essa razão chegando-se à conclusão de que, no caso concreto, se verifica a previsão da alínea d) do nº 1 tornar-se-á inútil a apreciação de outras causas de indeferimento liminar incidentalmente mencionadas na douta decisão impugnada.
1. A presente apelação reporta-se a uma decisão inserida num processo de insolvência, cujo objectivo primeiro é, como logo se extrai do preâmbulo do Decreto-Lei 53/2004 de 18 de Março (ponto 3), a satisfação dos direitos dos credores por força do património do devedor.
O diploma em causa introduziu, porém, no direito português, um regime diferenciado para as pessoas singulares declaradas em estado de insolvência, permitindo que, em determinadas circunstâncias, necessariamente excepcionais, as suas responsabilidades ante os credores sejam atenuadas, ou mesmo anuladas, de modo a permitir que, volvido algum tempo, os insolventes possam retomar a sua actividade económica sem o constrangimento decorrente da situação pretensamente anómala que os conduziu à impossibilidade de cumprimento das suas obrigações e à insolvência.
2. É nesse contexto que surge a figura da exoneração do passivo restante, que mais não é do que a concessão ao insolvente da liberação do pagamento dos créditos que não sejam pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento.
Significa isso que durante algum tempo, no designado período de cessão, o insolvente continua ainda vinculado ao pagamento de créditos existentes à data da declaração da insolvência que não tenham sido pagos com recurso ao seu património.
Só no “termo desse período (…) é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento” (do preâmbulo do diploma já citado).
Ocorre então, como consequência do cumprimento das condições impostas do insolvente, a restrição ou eliminação excepcional dos direitos dos credores, que é a outra faceta da reabilitação económica do insolvente.
3. O objectivo do instituto da exoneração do passivo restante é “a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, “aprendida a lição“, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica “. (() Catarina Serra in “O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução“, a págs. 73 a 74.)
Tendo a exoneração do passivo restante esse resultado benéfico para o devedor/insolvente e, eventualmente, lesivo para os interesses dos credores, bem se percebe que o seu deferimento esteja dependente da comprovação de uma conduta não censurável do devedor/insolvente no que se refere ao processo de endividamento que culminou na insolvência e ao relacionamento do insolvente com os seus credores.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Dezembro de 2010 (() Apelação 10439/10.8T2SNT-C.L1-7 de que é relator o Sr. Juiz Desembargador Dr. Luís Espírito Santo. Disponível em www.dgsi.pt ) “a atribuição deste benefício pressupõe uma rigorosa análise sobre o comportamento do devedor/insolvente, inclusive anterior ao processo, de forma a poder concluir-se que é dele merecedor.”
4. No caso dos autos foi decidido, após audição dos credores, o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo ao abrigo do disposto no artigo 238º nº 1 alínea d) do CIRE.
A norma em causa tem a seguinte redacção: “1 – O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: (…) d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
São, pois, requisitos para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante ao abrigo da norma em análise:
a) Que o devedor insolvente tenha deixado de cumprir o dever de se apresentar à insolvência, no caso das pessoas singulares não titulares de empresas (cfr artigo 18º nº 2 do CIRE), nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;
b) Que tenha havido prejuízo para os credores;
c) Que o devedor/insolvente soubesse, ou não pudesse ignorar sem culpa grave não haver perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
Vejamos com um pouco mais de detalhe, no caso presente, cada um desses requisitos cumulativos.
5. Face aos factos acima descritos constata-se que os primeiros incumprimentos de obrigações para com os seus credores, por parte do ora apelante, remontam a 2002, sendo que um deles, relativo a aluguer de automóveis no montante de € 4.848,20 motivou a instauração de uma execução em 2004.
O ora apelante não invocou qualquer circunstância que pudesse justificar esta situação de incumprimento entre a data do vencimento da obrigação e, pelo menos, a instauração da execução.
Em meados do ano de 2008 o ora apelante deixou de cumprir as suas obrigações de forma generalizada, tendo-se vencido, entre Abril e Dezembro, sem serem pagos, créditos no valor global de cerca de cinquenta mil euros, sem contabilizar o crédito de que é titular a Caixa Geral de Depósitos relativo a um empréstimo para aquisição de habitação, financiamento de investimentos diversos em bens imobiliários e crédito pessoal ao consumo, no valor de € 117.815,51.
O ora apelante aufere vencimento mensal líquido de € 1.009,82 (mil e nove euros e oitenta e dois cêntimos).
6. A situação descrita não pode deixar de conduzir a duas conclusões muito evidentes.
A primeira é a de que, se não em data anterior, pelo menos em meados de 2008, o ora apelante se encontrava já em situação de não poder cumprir os compromissos que assumira para com os seus credores.
Por isso o ora apelante, para poder usufruir dos benefícios decorrentes da exoneração do passivo restante, deveria ter-se apresentado à insolvência no prazo de seis meses sobre a data em que verificou a impossibilidade, por carência de recursos económicos, de solver os seus compromissos para com os credores, isto é, na hipótese mais favorável, deveria ter-se apresentado à insolvência dentro do primeiro semestre de 2009.
Ao apresentar-se à insolvência apenas em 27 de Setembro de 2010, o ora apelante incumpriu, pois, o dever de se apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência.
7. A segunda conclusão é a de que o único rendimento conhecido ao ora apelante não lhe permitia ter qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, facto que ele não podia ignorar.
Na verdade, tanto quanto resulta dos factos apurados, ao ora apelante, depois de pagar a renda relativa ao arrendamento aludido no ponto 8 dos factos apurados (cujo valor se desconhece) e de providenciar pela satisfação das suas necessidades básicas, restaria menos do que o correspondente ao salário mínimo nacional para suportar os encargos de sete contratos de crédito ao consumo, de valor global superior a vinte e um mil euros e de um contrato de leasing de uma viatura de valor superior a vinte a oito mil euros.
Por outro lado, desconhece-se o valor do imóvel de que o ora apelante é proprietário e não consta dos factos dados como assentes que ele se tenha proposto aliená-lo, quando e em que circunstâncias.
Nesse contexto a enorme desproporção entre o activo e o passivo só pode conduzir à conclusão de que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas e de que esse facto não pode deixar de ser conhecido do ora apelante.
Não é crível que, com os elementos que os autos fornecem acerca do montante global das dívidas e do nível de rendimentos auferidos, fosse possível ao ora apelante manter uma perspectiva séria de melhoria, ao menos substancial, da sua situação económica em ordem a poder vir a satisfazer as suas obrigações.
Acresce que cabia ao ora apelante a alegação e prova de que não sabia que a sua situação económica não lhe permitiria satisfazer os compromissos entretanto assumidos e que havia séria perspectiva de melhoria da sua situação económica.
Sobre essa matéria acompanhamos o entendimento expresso, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de Maio de 2010 (() Publicitado in www.jusnet.pt e de que foi relatora a Sr.ª Juíza Desembargadora Dr.ª Isabel Fonseca) segundo o qual “…se o insolvente pretende beneficiar da prerrogativa de exoneração do passivo restante, é sobre o mesmo que recai o ónus de alegação e prova dos respectivos requisitos, que integram factos constitutivos do seu direito - artº 342º, nº 1, do Cód. Civil ( … ) há que não confundir factos constitutivos do direito, sejam eles positivos ou negativos, cuja prova incumbe à parte que invoca o direito, seja por acção seja por reconvenção, com as regras próprias do ónus probatório relativas às acções de simples apreciação negativa ( … ) No caso, seguramente que o insolvente se encontra em melhor posição que os seus credores para explicitar as vicissitudes que conduziram à situação de insolvência e à sua inexorabilidade, por forma a que se possa concluir que sempre agiu com lisura de procedimentos e, portanto, que, pese embora não se tenha apresentado à insolvência, é merecedor de uma nova oportunidade”.
8. A norma em análise menciona ainda um outro requisito: o de que, relacionado com o atraso na apresentação à insolvência, tenha ocorrido prejuízo para os credores. Este segmento da norma tem levantado algumas dúvidas de interpretação.
É um facto que, em princípio, o avolumar do passivo do insolvente, desde logo através da contabilização dos juros que continuam a vencer-se, numa situação de comprovada impossibilidade de pagamento, comporta sempre prejuízo para os credores que tardam em receber os montantes a que têm direito e vêem agravada a possibilidade real de tal acontecer.
A não apresentação tempestiva do devedor à insolvência, com o natural avolumar dos montantes em dívida face ao vencimento dos juros e à não satisfação dos pagamentos programados, representa sempre o retardamento e agravamento da probabilidade de cobrança dos créditos, sendo uma consequência natural da atitude omissiva do devedor que tarda em expor a sua real situação (()“Ao estabelecer-se, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei não visa mais do que os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos (a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer).” Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Outubro de 2010 (relator Juiz Desembargador Dr. Filipe Caroço), in www.dgsi.pt).
Pode, no entanto, suceder que, apesar disso, não haja um prejuízo patrimonial efectivo dos credores, nomeadamente porque, após ter constatado a sua situação de insolvência, o devedor actuou de forma a beneficiar os credores, seja eliminando encargos seja satisfazendo créditos vencidos.
Daí que se afigure pertinente, no momento da apreciação do requerimento de exoneração do passivo restante, analisar globalmente a conduta do devedor que conduziu à insolvência, comparando a situação que existia à data da verificação da situação de insolvência e a que existia no posterior momento da apresentação à insolvência.
9. No caso dos autos importaria que tivesse ficado demonstrado que, não obstante o aumento do valor global das dívidas do ora apelante decorrente, além do mais, do acumular de juros vencidos não houve prejuízo real para os credores.
Ora dos factos provados resulta exactamente o contrário.
Cerca de dois anos depois de o ora apelante se encontrar em situação de insolvência venceu-se, e não foi pago, um crédito de que é titular o Banco BPN – Paribas Personal Finance, S A emergente de mais um contrato de crédito pessoal ao consumo (facto 5.1).
Embora os autos não esclareçam a data em que foi celebrado tal contrato, o facto de o vencimento da obrigação decorrer cerca de dois anos depois da verificação da situação de insolvência só pode significar que o ora apelante continuou a celebrar contratos de crédito pessoal ao consumo, aumentando o seu passivo com os mesmos recursos económicos disponíveis.
O prejuízo dos credores é, nessas circunstâncias, manifesto.
10. Em conclusão, ainda que por razões factuais não inteiramente coincidentes com as que foram invocadas na douta decisão impugnada, está preenchida no caso dos autos a previsão do artigo 238º nº 1 alínea d) do CIRE, justificando-se o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
O ora recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia, não só que se apresentou tempestivamente à insolvência, como também que daí não resultou qualquer prejuízo para os credores e que actuou desconhecendo que para a sua situação económica já não havia séria perspectiva de melhoria desde que, em meados de 2008, entrou em incumprimento generalizado das suas obrigações.
Termos em que improcedem as conclusões das alegações de recurso apresentadas sob as alíneas a) a h), ficando prejudicada a apreciação das restantes conclusões.
Improcedendo a apelação confirma-se a decisão recorrida.
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em julgar improcedente a apelação e em confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pela massa insolvente (artigo 304º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresa).
Lisboa, 15 de Dezembro de 2011
Manuel José Aguiar Pereira (relator por vencimento) Maria de Fátima Barata Pinto Galante (vencida conforme declaração que junto) Gilberto Martinho dos Santos Jorge
Declaração de vencida
1. Da alínea d) do art. 238°, nº 1 do ClRE
Resulta da letra da lei e é entendimento maioritário da jurisprudência, apenas será de indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo, ao abrigo da citada norma se cumulativamente se verificar que:
- a) o devedor não cumpriu o dever de apresentação à insolvência ou, se não estando obrigado a tal apresentação, não o tiver feito nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;
- b) existência de prejuízos decorrentes desse incumprimento;
- c) o conhecimento de que não havia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
1.1. Sobre o conceito de prejuízo o acórdão da Relação do Porto de 14.01. 2010 (1) , refere que o prejuízo para os credores de que trata a norma é o que resulta do "capital de dívidas contraídas pelo devedor em período posterior ao momento em que a sua insolvência está consolidada e/ou o que resulta de dissipação de património pelo devedor nesse mesmo período, reduzindo a garantia patrimonial de todos os credores, ou a garantia patrimonial de alguns credores que não está autorizado a preterir nessa dissipação. "
No acórdão do STJ de 21.10.2010 (2), considera-se que, do facto do devedor se atrasar na apresentação à insolvência, não se pode concluir que advieram prejuízos para os credores. Se se entendesse que pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores, então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo. Assim, segundo este aresto só se compreende esta autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor teve uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé e que dessa conduta resultaram prejuízos para os credores.
Aderindo à linha de entendimento proposto nos citados acórdãos, o prejuízo para os credores de que trata o citado normativo, é o que resulta do capital de dívidas contraídas pelo devedor em período posterior ao momento em que a sua insolvência está consolidada. O simples acumular de juros não basta, pois, para se concluir que a apresentação tardia à insolvência causa prejuízo aos credores.
Ademais, é preciso não esquecer que estamos em sede de despacho de indeferimento liminar, ainda que sui generis por ser antecedido da audição de credores e do administrador da insolvência (artigo 238.°, n.º 2, CIRE).
1.2. Ora, no caso presente, resulta dos factos provados que, já em Fevereiro de 2002, o Requerente tinha uma dívida para com a Fazenda Nacional, que não pagou, cujo capital ascendia a € 3.954,12 e em Agosto de 2002, uma dívida para com a M...-Aluguer e Comércio de Automóveis, S.A., no valor de € 4.848,20, a qual deu origem a um processo de execução, instaurado em 2004. É certo que o Requerente afirma que a dívida à Fazenda Nacional era originariamente da K..., Lda. e que só posteriormente reverteram contra o Requerente, ora Recorrente. Mas, a verdade é que em 2003 se verificaram incumprimentos vários por parte do Insolvente quanto às suas obrigações.
No entanto, de acordo com os factos provados, o avolumar dos incumprimentos situa-se em 2008, com a instauração de diversas execuções judiciais. Há um acumular de débitos que vão aumentando, em resultado de financiamentos vários que contraídos ao longo dos anos, financiamentos esses que não sendo pagos, originaram um acumular de dívidas e situações de incumprimento.
Em suma, está provado que, pelo menos, em meados de 2008, o rendimento do Insolventel/Recorrente mostrava-se de todo insuficiente para fazer face às despesas fixas e para honrar o cumprimento das obrigações assumidas perante os vários credores, encontrando-se numa situação de ruptura financeira.
O Insolvente apresentou-se à insolvência já em 2010, ou seja, para além dos referidos 6 meses. Sucede que os autos não fornecem elementos que nos permitam concluir que o Insolvente tenha contraído novos empréstimos a partir de 2008. Não há notícia de que, entre 2008 e 2010, haja assumido novos encargos. O que ficou provado é que os financiamentos foram contraídos, maioritariamente, em 2006/2007 e vencidos em 2008.
Mas se assim é, não se pode dizer que aquela omissão - a não apresentação no prazo de 6 meses - gerou um prejuízo para os credores, na medida em que, como se disse, não está provado que tenha havido um acréscimo do seu passivo com a contracção de novos empréstimos.
Não ficou demonstrado que a apresentação tardia causou prejuízo aos credores, no entendimento supra explicitado de que o atraso na apresentação à insolvência, com o avolumar de juros, não constitui o prejuízo autonomizado na alínea d) do citado art. 238°, nº 1 do CIRE.
2. Do ónus da prova
Resta a questão de saber a quem competia alegar e provar os requisitos a que alude o artigo 238.°, n.º 1, CIRE, enquanto factos impeditivos do direito.
Para uma corrente, cabe ao devedor a prova de tais requisitos, pelo que se o insolvente pretende beneficiar da prerrogativa de exoneração do passivo restante, é sobre o mesmo que recai o ónus de alegação e prova dos respectivos requisitos, que integram factos constitutivos do seu direito, de acordo com o art. 342°, nº 1, do Cód. Civil (3) .
Outra corrente defende que a prova destes requisitos compete aos credores e administrador, considerando que estamos perante factos impeditivos do direito.
Pese embora a questão seja polémica e não haja consenso na jurisprudência, afigura-se correcta a argumentação constante do acórdão do STJ, de.21.10.2010 (4). O citado aresto, depois de considerar que o atraso na apresentação à insolvência não permite concluir imediatamente que daí advenham prejuízos para os credores, sustenta que o devedor apenas tem de fazer a declaração a que alude o artigo 236.º, n.º 3, CIRE, declaração de que preenche os requisitos, e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes.
Ou seja, não é ao devedor que cabe fazer prova dos requisitos do artigo 238.º, nº 1, CIRE, pois estes constituem fundamento de indeferimento liminar e não factos constitutivos do seu direito, pelo que a sua prova caberá aos credores e ao administrador da insolvência, que se pretendam prevalecer do indeferimento liminar, nos termos do artigo 342.°, n.º 2, CCiviI.
Acompanha-se, por isso, o entendimento que considera que os requisitos enumerados nas várias alíneas do nº l do artigo 238° não constituem factos constitutivos do direito do devedor requerente da exoneração do passivo, mas sim factos impeditivos desse direito a ser alegados pelos credores e administrador, que deverão também demonstrar a existência de tais requisitos, na medida em que é essa prova que impede o direito do requerente poder ver exonerado o passivo restante.
E esta conclusão vale, portanto, no que tange ao pressuposto constante da al. d), do n.º 1 do artigo 238.° do CIRE, isto é, "que não resultou prejuízo para os credores derivado do incumprimento, por parte do devedor, da sua apresentação no prazo de seis meses após conhecer o estado de insolvência".
A este respeito afirma, ainda, o acórdão da Relação de Coimbra de 23/02/2010 (5) : "Em geral, as causas enumeradas na lei como fundamentos de indeferimento de uma pretensão são sempre causas impeditivas do respectivo pedido. Face a redacção da lei, que comina com indeferimento o pedido de exoneração do passivo, com fundamento na apresentação extemporânea à insolvência por parte do devedor, desde que resulte do atraso um prejuízo para os credores,. afigura-se que esta factualidade constitui um facto impeditivo do direito, pois a lei só exige ao requerente devedor a formulação do pedido de exoneração. Como facto impeditivo do direito que é. a ausência de prova, sobre se há ou não o apontado prejuízo, não pode implicar o indeferimento do pedido. Conclui-se, por conseguinte, que o processo não permite concluir que existiu um prejuízo concreto para algum dos credores pelo facto dos requerentes não se terem apresentado a pedir a sua insolvência no prazo de seis meses após a entrada em vigor do CIRE".
Esta a solução que se tem por mais adequada. isto é que o ónus da prova dos requisitos previstos no art. 238°, nº 1 do CIRE, compete aos credores e não ao devedor.
Termos em que teria julgado a apelação procedente, revogando a sentença recorrida, e determinado o prosseguimento dos termos do incidente de exoneração do passivo.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2011. Fátima Galante
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(1) Ac. RP de 14.01.2010 - Pedro Lima Costa, Relator, in www.dgsi.pt/jtrp
(2) Ac. STJ de 21.10.2010 - Oliveira Vasconcelos, Relator, in www.dgsi.pt/jstj.
(3) Neste sentido os Acs. da RG de II de Maio de 2010, Isabel Fonseca - Relatora, in www.dgsi.pt/jtrg; e da RL de 16 de Junho de 2011, Manuel José Aguiar Pereira – relator , in www.dgsi.pt/jtrl.
(4) Ac. STJ de 21.10.2010, Oliveira Vasconcelos -Relator, www.dgsi.pt.jstj
(5) Ac. RC de 23/02/20 10, Alberto Ruço - Relator. in www.dgsi.pt/jtrc