DOAÇÃO
QUOTA DISPONÍVEL
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
INVENTÁRIO
LICITAÇÃO
INOFICIOSIDADE
REDUÇÃO
Sumário

I - Tanto vale o doador ter dito que fez a doação dispensando o donatário de conferência ou ter dito que fez a doação por conta da quota disponível para se entender que o bem doado está dispensado de colação.
II - No contrato de doação não se pode equacionar, apenas, a vontade do doador expressa na doação – a de que a doação é feita por conta da quota disponível -, mas terá de se equacionar, também, a vontade do donatário resultante da aceitação da doação.
III - Tendo o donatário aceite a doação, naqueles precisos termos, duvidoso se torna que possa, no inventário, vir restituir os bens doados, contrariando a vontade expressa (e acordada) na doação, mas a entender-se que o pode fazer, sempre se terá de exigir que o faça de forma expressa e inequívoca.
IV - A declaração de licitação prevista no artigo 1365º, nº 1 do CPC é um mecanismo para determinação do valor dos bens doados, e, prevendo a lei as posições que o donatário pode tomar perante tal declaração e respectivas consequências, nenhum outro significado se pode tirar da posição que o donatário concretamente tome, nomeadamente não se pode concluir que o donatário pretende restituir à herança os bens doados.
V - Nos termos do art. 2171º do CC perante a inoficiosidade das liberalidades (da doação e da deixa testamentária), em primeiro lugar haverá de proceder-se à redução (total) do testamento e, de seguida, à redução da doação, na medida em que ofender a quota legitimária.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

            ESCLARECIMENTO PRÉVIO.
Durante o processado foram interpostos 10 agravos [1].
Um [2] subiu em separado e foi objecto de acórdão proferido por esta Relação, transitado em julgado.
Quanto aos restantes, e como já consignado em despacho liminar, apenas se irá conhecer de 3, atenta a declaração feita pelos apelantes (agravantes) nos termos do art. 748º, nº 1 do CPC, a fls. 1294 [3].

RELATÓRIO.
Nos presentes autos procede-se a inventário facultativo por óbito de A… , sendo cabeça-de-casal sua esposa B… e interessados C. D., E. F (filhos do 1º matrimónio).

Apresentada relação de bens, reclamaram da mesma as interessadas C... F... e o interessado E…, tendo, oportunamente, sido proferido despacho que, no que ora importa (eliminação das verbas 1 e 2 nas quais se relaciona numerário), remeteu os interessados para os meios comuns, nos termos do art. 1350, nº 1 do CPC.
De acordo com o decidido, a cabeça-de-casal juntou nova relação de bens que consta de fls. 489 a 495.
Não tendo havido acordo quanto à adjudicação dos bens, fizeram-se licitações, tendo as verbas 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13 sido licitadas, e as verbas 10, 15, 16 e 18 adjudicadas, em comum e na proporção dos quinhões a todos os herdeiros, por não terem sido licitadas. Quanto à verba nº 14, porque por todos os herdeiros foi declarado não desejarem licitar sobre a mesma, foi a mesma atribuída ao donatário E…, pelo valor constante da relação de bens. Quanto à verba nº 17, por todos os herdeiros terem declarado desejar licitar, a tal não se tendo oposto o donatário E… foi a mesma licitada pelo interessado E… pelo valor de € 190.000,00 (fls. 979 a 981).

Após a conferência de interessados, o tribunal proferiu despacho no qual deu forma à partilha nos seguintes termos: “Uma vez que o inventariado faleceu no estado de casado em regime imperativo de separação de bens, não existem bens comuns do casal e porquanto não havendo lugar à meação, somam-se os valores das verbas constantes da relação de bens, com os aumentos provenientes das licitações. A massa patrimonial da herança corresponderá a este valor. Este total será dividido em três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e a restante o valor da disponível. No que respeita à quota indisponível, a partilha far-se-á por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros. Contudo, há que atender ao estabelecido no art. 1239º, nº 1 do CC não podendo a quota do cônjuge sobrevivo ser inferior a uma quarta parte da herança. Assim, deverá dividir-se a quota indisponível em quatro partes iguais. Uma dessas partes será adjudicada à interessada B… , cônjuge sobreviva. As restantes três partes deverão ser divididas em quatro partes iguais; sendo cada uma delas adjudicada a cada um dos filhos, C…D….E…F….. Já quanto à quota disponível, em primeiro lugar anote-se que aquando da doação, o inventariado dispensou a mesma de colação, ao mencionar que se tratava por conta da quota disponível. Não obstante, E… restituiu à herança os bens doados. Motivo pelo qual os mesmos não lhe foram desde logo imputados no seu quinhão hereditário e se efectuaram licitações sobre as referidas verbas. Pelo que, não deverão ser imputadas na quota disponível tais doações. Assim a quota disponível será adjudicada à interessada B…, por força do testamento constante de fls. 12 a 13 verso. O preenchimento dos quinhões far-se-á de acordo com o estipulado na conferência de interessados.” (fls. 1006 a 1009).

Não se conformando com tal despacho, agravou (1º) o interessado E…, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
a) No presente inventário procede-se à partilha por óbito de A…, falecido em 25.09.2005, no estado de casado em segundas núpcias com a interessada B…, no regime imperativo da separação de bens;
     b) O inventariado deixou testamento público através do qual institui único herdeiro da sua quota disponível do seu acervo hereditário B…;
     c) O inventariado havia doado por escritura pública de 15.02.2001 o prédio relacionado sob a verba 17 e o recheio que constitui a verba 14, ao interessado E…, por conta da sua quota disponível que é co-herdeiro com os demais herdeiros identificados no processo e no despacho ora posto em crise;
     d) O acervo hereditário a partilhar é constituído apenas pelas verbas que se mantiveram relacionadas depois de decididas as diversas reclamações, nos termos legais, com exclusão das verbas 14 e 17;
     e) A licitação sobre as verbas doadas constitui e constituiu apenas um mecanismo de determinação do valor dos bens doados para efeitos de cálculo da legítima;
     f) A soma do valor de todos os bens - doados e não doados - deve ser feita nos termos do artigo 2162º do CC para efeitos do cálculo da legítima e da quota disponível.
     g)Os bens devem ser atribuídos a quem neles licitou com exclusão dos que haviam sido doados que não tendo sido licitados por outrém que não o donatário, se mantêm na propriedade deste devendo pois, os bens doados (ou o respectivo valor) ser imputados na quota disponível a favor do interessado ora recorrente E…;
     i) A massa patrimonial da herança, para efeitos de determinação da quota disponível, deve ser dividida em 3 partes iguais, constituindo uma delas a quota disponível, que deve ser atribuída ao herdeiro donatário ora recorrente E…, e o restante constitui (2/3) da quota indisponível que deve ser partilhada nos termos da forma à partilha conforme despacho da Mma Juíza que nesta parte não se põe em crise.
     j) Ultrapassando o valor dos bens doados o valor da quota disponível, o donatário reporá à massa da herança, a título de tornas, o excesso que ultrapasse o valor da quota disponível, que assim, o excesso, integrará a massa a partilhar entre os vários herdeiros, assegurando-se assim a redução das doações até manter intacta a quota indisponível.
     l) Assim sendo, estando esgotada a quota disponível por força das doações, e tendo o inventariado feito testamento em que instituiu como herdeira da sua quota disponível a interessada B…, deve proceder-se à redução, em primeiro lugar da disposição testamentária, na totalidade se necessário, como é o caso, e de seguida, reduzindo-o no valor da doação até ao necessário para que seja assegurada na partilha pelos vários herdeiros, da quota indisponível correspondente a 2/3 da massa da herança determinada nos termos do artigo 2162 do C.C.
     j) Ao decidir como decidiu, o Mmº Juiz violou os artigos 1362º, nº 1 e 1365º, nº 1 ambos do CPC e ainda os artigos 2162º e 2171º do Código Civil.
            Termina requerendo que seja revogado o despacho recorrido, “na parte em que considerou que o interessado E… restituiu os bens à herança, e que tais bens doados não devem ser imputados na sua quota disponível, e que determinou que a quota disponível seja atribuída à interessada B…, ordenando-se que, quanto a essa parte, se profira despacho que determine que na forma à partilha a quota disponível é atribuída ao donatário E…, sendo os bens doados (ou o respectivo valor) imputados na quota disponível e atribuídos ao referido donatário, e retornando este à herança apenas o excesso de valor que ultrapasse tal quota disponível, para aí tal excesso em conjunto com os bens da herança (que não os doados) procedendo-se à elaboração do mapa de partilha de acordo com a forma que aqui se explana”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, mantendo o decidido.

Foi elaborado Mapa Informativo, no âmbito do disposto no art. 1376º do CPC, nos seguintes termos:
“Informo V. Ex.ª que o valor dos bens da herança, com o aumento da licitação passou a ser de: 302.464,20.
O interessado licitante E…
licitou em bens no valor de ……………  211.979,03
Como o seu quinhão é de apenas ……...    37.808,03
Excede: …………………….........……..   174.171,00.
Que dará de tornas aos interessados:
B… ……………………… 100.244,00
C….. ……………………... 25.061,00
D …….. ………….……… 23.805,00
F………………..………..  25.061,00   174.171,00” (fls. 1015).
Notificado aos interessados, veio o interessado E… reclamar requerendo que o mesmo seja anulado e se ordene a elaboração de novo mapa que dê satisfação à reclamação.
Foi proferido despacho a indeferir a reclamação apresentada por falta de fundamento legal.
Foi proferido despacho a ordenar a notificação dos responsáveis pelo pagamento de tornas para procederem ao seu depósito.
Não se conformando com tal despacho, agravou (2º) o interessado E…, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
A)O despacho recorrido não é de todo em todo um despacho de mero expediente porquanto contende, e de modo grave com os direitos das partes.
     B)Não sendo um despacho de mero expediente, deve o Juiz ao proferi-lo verificar se a indicação do montante de tornas a depositar pela secretaria, está correcto ou não.
     C)Na verdade, os bens da herança são os relacionados que se mantiveram após decisão das reclamações, mas excluindo os doados (que por sinal até foram doados por força da quota disponível do então doador e aqui inventariado).
     D)Daqui se extrai forçosamente que a herança, ao contrário do que se diz no Mapa que serviu de base ao despacho ora recorrido, é constituída apenas pelos bens não doados, a cujo valor se soma o dos bens doados, mas apenas para se verificar ou não da ofensa da quota legitimária dos herdeiros.
     E)Assim, o valor de 302.464,20€ é o valor global para efeitos de verificação ou não de ofensa da quota legitimária.
     F)Ora significa isto que a quota disponível de que o doador poderia dispor validamente é de 1/3, logo de 100.821€.
     G)Logo tal valor, tem de ser imputado como doação válida ao donatário ora interessado e aqui recorrente, sendo sempre um crédito deste, ou resolvido já por confusão (o licitante e o donatário são uma e mesma pessoa) ou pelo correspondente direito de crédito do donatário sobre o interessado ora agravante que foi quem licitou no imóvel que lhe fora doado.
     H)Sendo que a quota indisponível de 2/3 é pois, (agora que foi determinado o valor global dos bens da herança e dos bens doados) de 201.643€ que tem de ser distribuída pelos 5 herdeiros (o aqui agravante incluído natural e forçosamente).
     I)Significa isto que imputados os 100.821€ (valor correspondente ao que podia ser doado livremente) ao interessado ora agravante como crédito deste, mais a sua quota parte na herança (1/4 da quota indisponível depois de retirado 1/4 de 201.643€ para a cabeça de casal) que é de 37.808€, significa que, tendo licitado bens no valor de 211.979,03€ recebeu em excesso apenas 73.350€ (setenta e três mil trezentos e cinquenta euros) que é isso que torna aos demais herdeiros distribuindo-se as tornas pelos mesmos de acordo com as contas aqui explanadas e os bens com que já se tenham preenchido na sequência da licitação.
     J)Ora, neste caso de conflito, e havendo que se proceder à redução das liberalidades, em caso de conflito, o artigo (e o citado autor) são muito claros ao referirem que as reduções são feitas nos termos do artigo 2171º do Código Civil.
     L)Ora, forçoso é concluir-se que O MAPA INFORMATIVO elaborado pela Secretaria viola clara, grave e ostensivamente os dispositivos legais supra referidos, e por isso, tem de ser anulado elaborando a Secretaria novo Mapa Informativo que dê satisfação ao cumprimento da Lei, tal qual supra expendido.
     M)Assim como forçoso é concluir-se que o Mmº Juiz a quo não poderia, por ser tal despacho ilegal, ordenar à Secretaria para notificar os ora agravantes para procederem ao depósito daquelas tornas em concreto, determinadas em violação das disposições legais aplicáveis e supra referidas.
     N)Teria, o que se impunha e impõe ao Mmº Juiz que fazendo a verificação da legalidade e correcção de tal mapa informativo, apenas ordene à Secretaria que notifique os devedores de tornas se e no montante que efectivamente forem devidas. Ordenando se necessário, que a Secretaria reformule o mapa de modo a que o mesmo indique os montantes que efectivamente forem devidos.
     O)Ao decidir com decidiu o Mmº Juiz a quo violou os artigos 2º, 1376º do Código do Processo Civil e artigos 969º, 2171º, 2175º e 2156º  do Código Civil.
            Termina requerendo a revogação do despacho recorrido, ordenando-se ao Tribunal a quo que ordene à secretaria que reformule o Mapa Informativo de acordo com o expendido supra, proferindo-se então despacho que ordene o depósito das tornas que forem devidas, mas conforme supra referido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho de sustentação, mantendo o despacho recorrido.

Elaborado Mapa da Partilha (fls. 1203 e ss.), e notificado aos interessados, veio o interessado E... reclamar.
Foi proferido despacho que indeferiu a reclamação apresentada.
Não se conformando com tal despacho, agravou (3º) o interessado E…, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
a)Tendo os interessados solicitado a exclusão de verbas da relação de bens, a decisão de remessa para os meios comuns tem o efeito imperativo de não afastar, pelo menos, enquanto não for proferida decisão consentânea nesse sentido, a sua relacionação no inventário, onde permanecerão, nomeadamente, até à aludida decisão, na acção declarativa apropriada, se esta foi instaurada na pendência do inventário.
b)Tratando-se de uma discussão entre interessados, tendo estes sido remetidos para os meios comuns, os bens respeitantes às verbas cuja exclusão se reclama devem considerar-se como litigiosas, com o esclarecimento, na descrição e no Mapa de Partilha, dessa sua natureza.
c)Devem ficar a constar da relação de bens e do mapa da partilha que os bens a que se reportam as verbas nºs 1 e 2 têm carácter litigioso.
d)Ao decidir como decidiu o Mmo Juiz a quo violou o artigo 1350º, nº 2 do CPC, colidindo, por erro de interpretação, com o disposto nos artigos 672º e 1350º, nºs 1 e 2 ambos do CPC e artigo 9º do CC.
Termina requerendo a procedência do agravo e, por essa via, que seja determinado ao tribunal a quo que proceda à rectificação da descrição de bens assim como mapa da partilha, de modo a que dos mesmos conste que as verbas 1 e 2 têm carácter litigioso anulando-se pois todo o processado que não seja compatível com tal omissão.
Não foram apresentadas contra-alegações.
           
            Por fim, foi proferida sentença nos seguintes termos: “Nestes autos de inventário por óbito de A..., homologo a partilha constante de Fls.1203 a 1206, adjudicando a cada um dos interessados os respectivos quinhões, nos termos do Artigo 1382º do Código de Processo Civil. Custas pelos interessados na proporção do que receberam, atento o estabelecido no Artigo 1383º do Código de Processo Civil e sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam alguns dos interessados”.
Não se conformando com a decisão, apelou o interessado E…, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
a)No presente inventário procede-se à partilha por óbito de A..., falecido em 25.09.2005, no estado de casado em segundas núpcias com a interessada B…, no regime imperativo da separação de bens;
     b)O inventariado deixou testamento público através do qual institui único herdeiro da sua quota disponível do seu acervo hereditário B…;
     c)O inventariado havia doado por escritura pública de 15.02.2001 o prédio relacionado sob a verba 17 e o recheio que constitui a verba 14, ao interessado E…, por conta da sua quota disponível que é co-herdeiro com os demais herdeiros identificados no processo e no despacho ora posto em crise;
     d)O acervo hereditário a partilhar é constituído apenas pelas verbas que se mantiveram relacionadas depois de decididas as diversas reclamações, nos termos legais, com exclusão das verbas 14 e 17;
     e)A licitação sobre as verbas doadas constitui e constituiu apenas um mecanismo de determinação do valor dos bens doados para efeitos de cálculo da legítima;
     f)A soma do valor de todos os bens - doados e não doados - deve ser feita nos termos do artigo 2162º do CC para efeitos do cálculo da legítima e da quota disponível.
     g)Os bens devem ser atribuídos a quem neles licitou com exclusão dos que haviam sido doados que não tendo sido licitados por outrém que não o donatário, se mantêm na propriedade deste devendo pois, os bens doados (ou o respectivo valor) ser imputados na quota disponível a favor do interessado ora recorrente E…;
     i)A massa patrimonial da herança, para efeitos de determinação da quota disponível, deve ser dividida em 3 partes iguais, constituindo uma delas a quota disponível, que deve ser atribuída ao herdeiro donatário ora recorrente E…, e o restante constitui (2/3) d a quota indisponível que deve ser partilhada nos termos da forma à partilha conforme despacho da Mma Juíza que nesta parte não se põe em crise.
     j)Ultrapassando o valor dos bens doados o valor da quota disponível, o donatário reporá à massa da herança, a título de tornas, o excesso que ultrapasse o valor da quota disponível, que assim, o excesso, integrará a massa a partilhar entre os vários herdeiros, assegurando-se assim a redução das doações até manter intacta a quota indisponível.
     l)Assim sendo, estando esgotada a quota disponível por força das doações, e tendo o inventariado feito testamento em que instituiu como herdeira da sua quota disponível a interessada B…, deve proceder-se à redução, em primeiro lugar da disposição testamentária, na totalidade se necessário, como é o caso, e de seguida, reduzindo-o no valor da doação até ao necessário para seja assegurada na partilha pelos vários herdeiros, da quota indisponível correspondente a 2/3 da massa da herança determinada nos termos do artigo 2162 do C.C.
     j)O despacho que determine a forma à partilha deve ser elaborado consignando que a quota disponível é atribuída ao donatário E…, sendo os bens doados (ou o respectivo valor) imputados na quota disponível e atribuídos ao referido donatário, e retornando este à herança apenas o excesso de valor que ultrapasse tal quota disponível, para aí tal excesso em conjunto com os bens da herança (que não os doados) procedendo-se à elaboração do mapa de partilha de acordo com a forma que aqui se explana;
     l) Ao ser elaborado o Mapa de Partilha tal qual consta dos autos, o mesmo viola os artigos 1362º, nº 1 e 1365º, nº 1 ambos do CPC e ainda os artigos 2162º e 2171º do Código Civil.
     m)A douta Sentença ora recorrida ao homologar a partilha constante de fls. 1203 a 1206, violou pois os artigos 1362º, nº 1 e 1365º, nº 1 ambos do CPC e ainda os artigos 2162º e 2171º do Código Civil.
     n)Nos termos do disposto no artigo 748º, nº 1 do CPC o apelante declara que mantém interesse nos seguintes agravos em cuja apreciação mantêm interesse seja feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa:
     - (1) recurso de agravo do despacho proferido a 6.11.2009 sobre a forma à partilha, cujas alegações se encontram a fls. 1027 a 1046 (taxa de justiça ora junta ref. 702380017124840);
     - (2) recurso de agravo do despacho proferido a 12.01.2010, cujas alegações se encontram a fls. 1208 a 1218 (taxa de justiça ora paga ref., 702380017124921);
     - (3) recurso de agravo do despacho a fls. 1233 a 1234, com alegações a fls. 1240 a 1243 (cuja taxa de justiça ora  paga ref.  702680017124956.
            Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, proferindo-se acórdão que decrete que a quota disponível deve ser atribuída ao apelante, ordenando-se que seja reformulada a forma à partilha em conformidade, anulando-se todo o processado posterior na medida do necessário para que a tramitação tenha em conta tal alteração da forma à partilha e todas as operações dela dependentes, sendo os bens doados (ou o respectivo valor) imputados na quota disponível e atribuídos ao referido donatário, retornando este à herança apenas o excesso de valor que ultrapasse tal quota disponível, para aí tal excesso em conjunto com os bens da herança (que não os doados), procedendo-se à elaboração do mapa de partilha de acordo com a forma explanada na apelação.
            Não foram apresentadas contra-alegações.

            QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), as questões a decidir são:
1º e 2º Agravos
Se os bens doados devem ser imputados na quota disponível a favor do interessado E…, sendo-lhe, pois, aquela atribuída, com redução da disposição testamentária e da doação (em parte), para assegurar a quota indisponível.
3º Agravo
Se da relação de bens e do mapa da partilha tem de ficar a constar que as verbas 1 e 2 têm carácter litigioso.
Apelação
Se os bens doados devem ser imputados na quota disponível a favor do interessado E…, sendo-lhe, pois, aquela atribuída, com redução da disposição testamentária e da doação (em parte), para assegurar a quota indisponível.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade relevante é a supra descrita no relatório, e ainda:
a) A… faleceu no dia 25.09.2005, no estado de casado, em 2ªs núpcias, com B… , no regime imperativo de separação de bens, conforme documentos juntos a fls. 6 e 173, cujos teores aqui se dão por reproduzidos.
b) No dia 6.10.1989, o inventariado outorgou em escritura pública “Testamento”, nos termos do qual declarou instituir única herdeira da quota disponível da sua herança, a esposa, conforme documento junto a fls. 13, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
c) No dia 15.02.2001, o inventariado outorgou em escritura pública “Doação”, nos termos da qual declarou “que, com reserva de usufruto para ele outorgante, e por conta da sua quota disponível, doa ao seu representado seu filho (E…) o seguinte prédio urbano, sito na Rua…, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número…, da dita freguesia, registado a favor do doador pela inscrição G-dois, inscrito na matriz urbana da referida freguesia de …, sob o artigo …º, com o valor patrimonial de 224.414$00. E doa igualmente todo o recheio daquele prédio. Que atribui a esta doação o valor de duzentos mil escudos. …”, conforme documento de fls. 41 e 42, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Os agravos e a apelação serão julgados pela ordem da sua interposição e tendo em atenção o disposto no art. 710º do CPC.
Contudo, sempre se dirá que, analisando as alegações e conclusões dos recursos, a questão principal que se coloca prende-se com a forma à partilha dada pelo tribunal recorrido, mais concretamente no que respeita à quota disponível.
Como referem os apelantes, a questão tem, no essencial, a ver com o saber-se a quem deve ser atribuída a quota disponível. E, no caso de haver inoficiosidade e necessidade de redução, por que ordem se deve proceder à mesma, tendo o de cujus feito testamento e doação de bens concretos.
Antes de entrar na apreciação do objecto do recurso, cumpre reafirmar que, tendo os apelantes/agravantes prescindindo da apreciação de 6 dos agravos interpostos, mostram-se definitivamente assentes as questões relativas à relação de bens (quer quanto aos bens relacionados, quer quanto aos seus valores), e à atribuição da verba nº 14 ao agravado, nos termos em que o foi.
O tribunal recorrido, ao dar a forma à partilha, entendeu que haveria que somar os valores das verbas constantes da relação de bens, com os aumentos provenientes das licitações, e o total obtido dividido em três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e a restante o valor da disponível.
No que respeita à quota indisponível, determinou que a mesma fosse dividida em quatro partes iguais, sendo uma delas adjudicada à interessada cabeça-de-casal, e as restantes três partes divididas em partes iguais e adjudicadas a cada um dos filhos [4].
Quanto à quota disponível, o tribunal recorrido entendeu que, não obstante o inventariado, aquando da doação, ter dispensado a mesma de colação (ao mencionar que se tratava por conta da quota disponível), o interessado E… tinha restituído à herança os bens doados (motivo pelo qual os mesmos não foram desde logo imputados no seu quinhão hereditário e se efectuaram licitações sobre as referidas verbas), pelo que não imputou os bens doados na quota disponível, a qual adjudicou, pois, à cabeça-de-casal, por força do testamento.
Insurgem-se os apelantes contra o decidido, defendendo que, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, o interessado não restituiu os bens doados à herança, pelo que a quota disponível lhe devia ser atribuída, reduzindo-se a disposição testamentária e, depois, a doação, na medida necessária para preservar a quota indisponível.
Apreciemos, então.
Em 15.02.2001, o inventariado, por escritura pública, doou a seu filho, o interessado E…, o prédio urbano descrito sob a verba nº 17, bem como o recheio do mesmo, descrito sob a verba nº 14, declarando, expressamente, que fazia tal doação por conta da sua quota disponível.
E o donatário (no acto representado por seu pai) declarou aceitar a doação.
Nos termos do disposto no art. 940º do CC, a “doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício de outro contraente”.
A doação é um contrato que só se completa com a adesão (aceitação) do donatário - só assim se concluindo o processo constitutivo do negócio jurídico [5].
Ao aceitar a doação, o donatário aceita a liberalidade que lhe é feita, e nos seus precisos termos.
Isto é, o donatário aceita a doação dos mencionados bens móveis e imóveis, e, sendo herdeiro legitimário, que tal doação se faça por conta da quota disponível.
Estando em causa um contrato, não se pode equacionar, apenas, a vontade do doador expressa na doação – a de que a doação é feita por conta da quota disponível -, mas terá de se equacionar, também, a vontade do donatário resultante da aceitação da doação.
E destas considerações resultam duas consequências:
A primeira é a que o tribunal recorrido também retirou, ou seja, que o inventariado dispensou a colação dos bens doados.
O art. 2104º, nº 1 do CC, que dá a noção de colação, dispõe que “os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este: esta restituição tem o nome de colação”.
Como resulta do próprio artigo, o que a lei pretende (embora supletivamente) com a colação é a igualação da partilha entre todos os herdeiros, e isso só poderá acontecer com o “regresso” dos bens doados à massa da herança, para, posteriormente, se proceder à partilha.
Jorge Leite in “Algumas notas sobre a Colação”, 1977, pág. 14, referia que a generalidade dos autores aponta “como seu [6] fundamento a presunção de que não quis o de cuius, ao fazer uma doação a um seu descendente, avantajá-lo em relação aos restantes herdeiros legitimários. Aquela doação não deverá, pois, traduzir-se, à data da sua morte, num benefício para o donatário. Transfere-se, portanto, para o património do descendente um bem que, reportado à data da abertura da sucessão, não vai desigualá-lo em relação aos restantes co-herdeiros. Ora, isto só pode significar ter sido aquela doação mera antecipação do que o descendente viria a receber do ascendente, isto é, antecipação da sua quota hereditária”.
José de Oliveira Ascensão in Direito Civil das Sucessões, pág. 490, refere que o que norteia a lei é “a ideia de que o benefício do donatário terá sido o de ter já disfrutado em vida do autor da sucessão desses bens, mas que não há motivo para criar uma desigualdade sucessória, se ela se pode evitar respeitando a doação”.
Portanto, pretendendo um descendente, a quem foi feita uma doação pelo ascendente, concorrer à herança, tem de restituir à massa falida os bens doados.
Mas não terá de o fazer sempre.
Não terá de o fazer, nomeadamente, quando o ascendente, de forma expressa ou tácita, dispensa os bens doados de colação.
E, no caso, o inventariado, ao fazer a doação, dispensou os bens doados de colação, ao declarar que fazia a doação por conta da quota disponível [7].
A segunda consequência a tirar é a de que, tendo aceite a doação, naqueles precisos termos, duvidoso se torna que o donatário pudesse, no inventário, vir restituir os bens doados, contrariando a vontade expressa (e acordada) na doação [8].
E a entender-se que o podia fazer, sempre se teria de exigir que o fizesse de forma expressa e inequívoca, o que não consta dos autos.
Afigura-se-nos que o tribunal recorrido entendeu que o donatário tinha restituído os bens à herança pelo facto de, quando confrontado, na conferência de interessados, com a declaração dos restantes interessados que pretendiam licitar sobre os bens doados, não se ter oposto.
Contudo, da sua postura não se pode tirar aquela conclusão.
O art. 1365º do CPC, que, repare-se, tem por epígrafe “Avaliação de bens doados no caso de ser arguida inoficiosidade”, prevê a possibilidade dos herdeiros legitimários declararem que pretendem licitar nos bens doados.
Sobre este artigo, escreveu João António Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais (Teoria e Prática), Vol. II, págs. 250 a 252 o seguinte (que, não obstante extenso, iremos reproduzir atenta a clareza da explicação): “Largamente discutida antes da entrada em vigor do Código de 1939, a questão de saber se os bens doados pelo inventariado eram ou não susceptíveis de serem objecto de licitação veio a ter resposta afirmativa no seu art. 1406º (primeiro período), de redacção equivalente à que hoje se contém no art. 1365º, nº 1. Por isso tanto aquele como o actual diploma determinaram que ao inventário fossem chamados os donatários, conferentes ou não conferentes, submetendo os bens doados à relacionação, estimação e possível desapossamento dos beneficiados. Mas, claro está como o chamamento dos donatários e tudo quanto respeita à defesa das doações por sua parte só pode ter interesse na medida em que subsista eventual fundamento de redução ou revogação delas, é com vista a averiguar da inoficiosidade que a licitação vai operar. A licitação constitui meio de correcção de valores, enquanto os aumenta, e a rigorosa avaliação de todos os bens do autor da herança, nestes encorporados os doados, determina a quota disponível e leva a concluir pelo respeito ou pela ofensa das legítimas. Portanto, no rigor dos princípios, parece que a determinação dos valores dos bens doados não deve comportar-se de modo diferente ao estabelecido na lei quanto aos demais bens que constituem o património do inventariado: - avaliação, reclamação contra o excesso da avaliação e licitações. Mas a licitação, dada a estrutura que lhe assinala o art. 1371º, nº 1 do CPC, pode implicar o desapossamento do donatário quanto à coisa que lhe foi doada pelo inventariado, e isto verificar-se-á sempre que ele não possa ou não queira licitar. Daí que a lei, antes de mais, fie do arbítrio do donatário a possibilidade de tal desapossamento vir a ter lugar, outorgando-lhe o direito de opor-se à licitação da coisa doada. Se não se opõe, ela ficará consentida, sujeitando-se os bens doados às mesmíssimas vicissitudes dos demais bens da herança. Mas, se a oposição é deduzida, entram em conflito dois interesses: - o dos interessados que buscam valorar os bens doados com o devido rigor, e o do donatário que pretende impedir que essa valoração se obtenha através do mecanismo da licitação a que não pode ou não quer concorrer. As segundas avaliações actuam nesta emergência como justa medida dela, isto com vista a fixar o exacto valor do bens doados, do mesmo passo que as licitações dos bens que não foram objecto de qualquer liberalidade determinaram o valor destes bens. O somatório de uns e outros valores, abatidos estes das dívidas da herança, nos precisos termos do art. 2162º, nº 1 do CC, define o valor global dela e consequente determinação das quotas legitimária e disponível. Depois, uma de duas: a) ou se conclui que não há lugar a redução da liberalidade; b) ou conclui-se o contrário. No primeiro caso, uma vez que o donatário não é obrigado a repor bens alguns, já não é possível submeter à licitação os bens que o inventariado lhe doou no puríssimo exercício de um seu direito incontestável; tais bens pertencem à pessoa a quem foram doados. Por isso o art. 1365º, nº 2 do CPC diz que “a declaração (da licitação em bens doados) fica sem efeito”, e o art. 1374º, a), manda adjudicá-la ao donatário. No segundo caso, como as doações, seja qual for o donatário, são redutíveis por inoficiosas se envolverem prejuízo da legítima dos herdeiros legitimários do doador (CC, arts. 2168º e 2169º), cumpre proceder a tal redução” (sublinhados nossos), o que se fará nos termos previstos no nº 3 do art. 1365º do CPC.
Também Domingos Silva Carvalho de Sá, in o.c., pág. 117, refere que o art. 1365º regula “a segunda avaliação de bens doados a requerimento dos interessados, que não o próprio donatário. … E não interessa que o donatário esteja ou não obrigado a conferir a doação, isto é, que esta seja ou não sujeita a colação. Os donatários só poderão ser desapossados dos bens doados pelo mecanismo da redução das liberalidades. Por isso, nesta fase do processo, pretende-se que os bens doados e os não doados atinjam o seu justo valor. Os interesses do donatário e dos demais interessados são conflituantes pelo que o legislador procurou estabelecer regras mediante as quais nenhuns deles possam sair prejudicados”.
A declaração de licitação prevista no mencionado artigo é um mecanismo para determinação do valor dos bens doados (como referem os apelantes/agravantes), e, prevendo a lei as posições que o donatário pode tomar perante tal declaração e respectivas consequências, nenhum outro significado se pode tirar da posição que o donatário concretamente tome, como o fez o tribunal recorrido.
Do que se deixa dito conclui-se que, ao contrário do sustentado pelo tribunal recorrido, o donatário não restituiu à herança os bens doados, pelo que o valor dos mesmos [9] deve ser imputado na quota disponível e atribuído ao donatário.
Aqui chegados, cumpre apreciar a outra questão suscitada pelos apelantes que é a do conflito entre a doação, feita por conta da quota disponível, e o testamento feito pelo inventariado que deixou a quota disponível à interessada B…, sua esposa.
Como já referido, o inventariado fez a doação de bens ao interessado E…, por conta da quota disponível.
E outorgou testamento no qual declarou instituir única herdeira da quota disponível da sua herança, a, ora, cabeça-de-casal.
De acordo com o disposto no art. 2179º, nº 1 do CC, o “testamento é o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles”.
Como refere Oliveira Ascensão, na ob. cit., pág. 57, “… o testamento é um acto mortis causa, pois tem a sua causa na morte do testador; e os seus efeitos destinam-se a produzir-se depois da morte”.
O testamento terá de ser ponderado, e respeitado, perante a situação concreta que se verificar à data da morte.
Como se verifica da materialidade dada como provada, o testamento foi feito pelo inventariado em data anterior à doação, e se no testamento instituiu única herdeira da quota disponível a cabeça-de-casal, o que é um facto é que fez a doação de bens ao seu filho E… por conta da quota disponível.
Ou seja, não obstante o inventariado pretender que, à data da sua morte, apenas a cabeça-de-casal fosse herdeira da quota disponível [10], ao fazer a doação, o inventariado pretendeu, também, beneficiar o filho E… na herança ao doar-lhe os bens por conta da quota disponível.
Ou seja, de acordo com a vontade do inventariado, a quota disponível da sua herança  haveria de ser “preenchida” com os bens doados e com a deixa testamentária [11].
O que se verifica no caso sub judice é que os bens doados e a deixa testamentária excedem a quota disponível.
Esclarece o art. 2168º do CC que “dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários” (sublinhado nosso), sendo tais liberalidades inoficiosas redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores [12], em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (art. 2169º do CC).
E o art. 2171º do CC disciplina a ordem dessa redução, estabelecendo que “a redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão”.
Em anotação ao artigo em epígrafe, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, na ob. cit., pág. 276 que “O art. 1271º, que fixa em termos imperativos a ordem segundo a qual as liberalidades inoficiosas devem ser reduzidas, tem como precedente o art. 1493º do Código de 1867. Tendo bem presente a ordem pela qual o art. 2171º manda recorrer à redução das liberalidades que, em conjunto, ofendem a legítima, bem pode dizer-se, com Rodrigues Bastos (ob. cit., pág. 100) que “a legítima é constituída primeiramente pelos bens que o de cuius não dispôs, seguidamente por aqueles de que dispôs em testamento, e finalmente pelas doações feitas em vida”.  “Estas, acrescenta o autor, só são sujeitas a redução, quando os bens deixados livres pelo autor da herança e aqueles de que dispôs por acto de última vontade forem insuficientes para garantir aos herdeiros legitimários a satisfação dos seus direitos” E a prevalência das doações sobre as disposições de última vontade, nesta formação coerciva da legítima facultada por lei, resulta de algum modo do carácter irrevogável que, em princípio, caracteriza as doações e implicitamente resulta do disposto nos arts. 969º e seguintes, por um lado, e da advertência, feita no art. 2156º, de que, ao testar, o autor da herança não pode dispor da quota de bens que, como legítima, é legalmente destinada aos herdeiros legitimários”.
Também Domingos Silva Carvalho de Sá, na ob. cit., pág. 158, refere que “diferente do problema da colação, conforme foi já salientado é o da redução das liberalidades oficiosas, …. Portanto, desde que, por efeitos de doação ou de testamento, o inventariado dispôs de bens cujo valor total seja superior ao da parte disponível da herança, as referidas liberalidades terão de ser reduzidas. Esta redução é feita pela seguinte ordem: Primeiro, reduzem-se as disposições testamentárias a título de herança. Em segundo lugar reduzem-se os legados. Por último as liberalidades feitas em vida do autor da sucessão – art. 2171º do CC”.
Face ao que se deixa consignado, conclui-se que assiste razão aos apelantes quando sustentam que, perante a inoficiosidade das liberalidades (da doação e da deixa testamentária), em primeiro lugar haverá de proceder-se à redução (total) do testamento e, de seguida, à redução da doação, na medida em que ofender a quota legitimária.
E nestas circunstâncias, a quota disponível há-de ser “preenchida” pelo valor dos bens doados e adjudicada (na totalidade) ao interessado E….
Assim, haverá de proceder-se à patilha, pela forma seguinte:
Somam-se os valores das verbas constantes da relação de bens, com os aumentos provenientes das licitações [13], e o total obtido divide-se em três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e a restante o valor da disponível.
Quanto à quota indisponível, divide-se a mesma em quatro partes iguais, sendo uma delas adjudicada à interessada cabeça-de-casal, e as restantes três partes dividem-se em partes iguais que se adjudicam a cada um dos filhos.
Quanto à quota disponível, preenche-se a mesma com o valor dos bens doados, adjudicando-se ao interessado/donatário E…, reduzindo-se a doação (valor) na medida em que exceder tal quota (1/3) e for necessário para “preservar” a quota indisponível (2/3).
O preenchimento dos quinhões será efectuado de acordo com o decidido (e licitado) na conferência de interessados.
Do que se deixa dito resulta que procedem os 1º e 2º agravos, bem como a apelação, devendo revogar-se o despacho que deu forma à partilha, anulando-se todo o processado subsequente.

No que respeita ao 3º agravo, apenas uma questão se suscita: a de saber se, da descrição de bens e do mapa da partilha, deve constar que as verbas nºs 1 e 2 são litigiosas, por terem os interessados sido remetidos para os meios comuns.
Entendeu o tribunal recorrido que nada na lei impõe tal referência, nem se mostra relevante, uma vez que os interessados têm conhecimento desse facto.
Sustentam os agravantes que assim deverá ser, ancorando-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 11.09.2007 e relatado pelo Desembargador Helder Roque [14].
Vejamos.
Como já referido supra, nos presentes autos a cabeça-de-casal ao apresentar a relação de bens, relacionou como verbas 1 e 2 quantias monetárias.
Reclamaram os agravantes, propugnando pela exclusão daquelas verbas da relação de bens.
Não obstante arrolada e produzida prova, o tribunal recorrido remeteu os interessados para os meios comuns.
Dispõe o art. 1350º do CPC que “1. Quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do nº 2 do artigo 1336º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns. 2. No caso previsto no número anterior, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu. …” (sublinhado nosso).
Que os bens em causa devem permanecer relacionados, nenhuma dúvida existe, sendo a lei expressa.
Mas deverá constar da descrição de bens que os mesmos são litigiosos?
No acórdão a que os agravantes fazem referência, escreveu-se, a dado passo [15] que “Porém, tratando-se de uma discussão entre interessados, tendo estes sido remetidos para os meios comuns, os bens respeitantes às aludidas verbas controvertidas devem, então, considerar-se como litigiosos, com o esclarecimento, na descrição, da sua natureza litigiosa, porque isso influenciará o seu valor Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, X, 630, RP, 4-4-1915, JR, 4, 15”.
Como o tribunal recorrido referiu, a lei não faz qualquer referência à “categoria” de bens litigiosos.
Por outro lado, também é verdade que os interessados no inventário têm conhecimento de que aqueles bens têm natureza litigiosa – porque é controvertida a sua inclusão na massa hereditária e, sobre a questão, o tribunal remeteu-os para os meios comuns.
Contudo, por mera cautela e bom senso, afigura-se-nos de todo útil que, efectivamente, da descrição de bens e do mapa da partilha fique a constar a natureza litigiosa dos bens em questão, pois, como se referiu no mencionado acórdão, tal influenciará no seu valor, e, por outro lado, sempre acautelará eventuais interesses de terceiros.
Merece, pois, provimento o agravo.
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DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao 1º agravo, revogando-se o despacho recorrido, que se substitui pelo seguinte: “haverá de proceder-se à patilha, pela forma seguinte: somam-se os valores das verbas constantes da relação de bens, com os aumentos provenientes das licitações, e o total obtido divide-se em três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e a restante o valor da disponível. Quanto à quota indisponível, divide-se a mesma em quatro partes iguais, sendo uma delas adjudicada à interessada cabeça-de-casal, e as restantes três partes dividem-se em partes iguais que se adjudicam a cada um dos filhos. Quanto à quota disponível, preenche-se a mesma com o valor dos bens doados, adjudicando-se ao interessado/donatário E..., reduzindo-se o valor da doação na medida em que exceder tal quota (1/3) e for necessário para “preservar” a quota indisponível (2/3). O preenchimento dos quinhões será efectuado de acordo com o decidido e licitado na conferência de interessados”.
Mais se acorda em dar provimento ao 3º agravo, revogando-se o despacho recorrido que se substitui por outro determinando que da descrição de bens e mapa da partilha conste a referência à natureza litigiosa das verbas 1 e 2.
            Sem custas (art. 2º, nº 1, al. o) do CCJ).
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Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Cristina Coelho
Maria João Areias
Luís Lameiras
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[1] Interpostos: a fls. 444, do despacho que indeferiu a reclamação de falta de relacionação de bens móveis; a fls. 542, do despacho que considerou saneado o processo e designou data para a conferência de interessados; a fls. 604 do despacho que determinou a avaliação das verbas nºs 14 e 17; a fls. 904 do despacho que condenou o interessado em multa por falta de colaboração com o tribunal (rejeitado); a fls. 966 do despacho que indeferiu a reclamação contra a não relacionação de uma roulotte (deserto); a fls. do despacho que atribui ao interessado C… a verba 14 pelo valor constante da relação de bens; a fls. do despacho que deu forma à partilha; a fls. 1061, do despacho que ordenou a notificação do interessado para proceder ao depósito de tornas; a fls. 1079 do despacho que não admitiu a reclamação do mapa informativo (rejeitado); a fls. 1237 do despacho que indeferiu a reclamação do mapa da partilha.
[2] O interposto a fls. 444.
[3] Pelo que nenhum sentido tem a referência feita pelos apelantes nas alegações de que mantêm interesse no recurso da decisão que determinou a avaliação de bens doados, uma vez que, na al. n) das conclusões - onde fazem referência aos agravos cuja apreciação pretendem – não englobaram aquele agravo.
[4] No que à quota indisponível respeita, nada têm os apelantes a objectar ao determinado pelo tribunal recorrido
[5] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. II, pág. 237, que, em anotação ao art. 945º, referem que “Para que se conclua o processo constitutivo do negócio jurídico, é necessário a aceitação do donatário. Antes dela, existe uma simples proposta de doação, e não uma doação, pois o acordo de vontades é sempre elemento essencial, nos termos do art. 232º, da formação de qualquer contrato”.
[6]  Da colação.
[7] Como escreve Domingos Silva Carvalho de Sá in Do Inventário, Descrever, Avaliar e Partir, pág. 156, “Tanto vale o doador ter dito que fez a doação dispensando o donatário de conferência ou ter dito que fez a doação por conta da quota disponível para se entender que o bem doado está dispensado de colação”.
[8] Na doação, o doador quis para além da liberalidade, beneficiar o donatário em relação aos demais herdeiros legitimários, o que este aceitou.
[9] Ponderado o resultante da licitação.
[10] Afastando os filhos da mesma.
[11] Ou seja, os bens doados haveriam de ser imputados na quota disponível e o que restasse desta atribuído à cabeça-de-casal.
[12] Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 274, em anotação ao artigo 2169º sublinham que “embora a instituição da legítima, no direito sucessório, se inspire em razões de acentuado carácter objectivo (de tutela dos vínculos familiares que prendem o falecido aos seus herdeiros mais próximos), a lei entende que, para respeitar a conveniente liberdade de aceitação dessa tutela, só ao interessado cuja legítima seja ofendida importa confiar a iniciativa de reacção contra a liberdade oficiosa, …”.
[13] E tendo em atenção a avaliação quanto aos não licitados.
[14] Disponível na base de dados da dgsi.
[15] Questão que não fora especificamente suscitada no recurso, discorrendo-se a propósito da requerida suspensão da instância, até ao final do processo de utilização dos meios comuns.