CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ACORDO DE REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ACEITAÇÃO TÁCITA
SALÁRIOS INTERCALARES
NOVA PETIÇÃO
Sumário

I- Não basta para se ter como verificada a caducidade do contrato de trabalho, o parecer do médico do trabalho da empresa que considera o trabalhador inapto absoluta e definitivamente para o desempenho de quaisquer funções na empresa, se existem nos autos outros elementos médicos contraditórios com aquele parecer.
II - O facto de o A. não ter devolvido a compensação pela cessação do contrato que a R. lhe pagou e de ter solicitado por escrito emissão da declaração para acesso ao subsídio de desemprego não vale como aceitação da cessação por acordo, mas, ainda que se entendesse o contrário, sempre tal acordo seria, nos termos do art. 220º do CC, nulo por violação do disposto no art. 394º nºs 1 e 2 do CT de 2003.
III - A circunstância de ter sido apresentada nova petição, na sequência de despacho de aperfeiçoamento não altera a data da propositura da acção, para os efeitos do início da contagem dos salários intercalares devidos, em caso de despedimento ilícito (art. 437º nº 4 CT).
(Elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA intentou a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho contra “BB – Sistemas de Informação, SA”[1] pedindo que seja declarado ilícito o despedimento e, em consequência seja a ré condenada a reintegrar o autor na respectiva categoria profissional e com a mesma antiguidade e/ou indemnizá-lo, se por esta vier a optar; a pagar todas as prestações vencidas e vincendas, desde o despedimento até à decisão final, designadamente o vencimento base, subsídios de almoço e todas as prestações contratualmente exigíveis, computando as vencidas em € 2.042,05; juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos até ao respectivo pagamento e a pagar a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Fundamentou a sua pretensão alegando que foi admitido ao serviço da ré para trabalhar sob a sua autoridade e direcção desde 01.02.1994, exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de Técnico de Grau III / Programador de Informática auferindo a quantia mensal de € 2.042,05. É filiado no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. Desde 26 de Setembro de 2005, o autor encontrava-se na situação de baixa médica atribuída pelos serviços da Segurança Social, situação que cessou em 25 de Setembro de 2007, apresentando-se ao serviço da ré. Por carta de 13 de Fevereiro de 2008 a ré comunicou ao autor que este se encontra incapacitado absoluta e definitivamente, para exercer as funções profissionais habituais, como para desempenhar outras funções em que eventualmente pudesse ser recolocado, concluindo pela impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva para a actividade profissional. Mas o autor não está incapacitado para o trabalho, pelo que a declaração feita pela ré configura um despedimento que, por não ter sido precedido do respectivo procedimento disciplinar, é ilícito.
Após a realização da audiência de partes veio a ré contestar reafirmando a incapacidade do A. para todo o trabalho, definitiva e irreversível, estando-se assim perante uma caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente. Mas ainda que assim não se entenda, a ré pagou ao autor uma compensação pela cessação do contrato, significando este comportamento que existiu a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo. Por isso, a interposição da presente acção configura um abuso de direito.
Em reconvenção alegou a ré que partiu do princípio que o contrato de trabalho se extinguiu, concedendo por esse facto ao A. uma indemnização de antiguidade no valor de € 20.714,12 pelo que, em caso de procedência da acção, deve o autor ser condenado a devolver à ré esta quantia - € 20.714,12 – como os respectivos juros de mora à taxa comercial a contar de 01 de Março de 2008.
O autor respondeu às excepções e à reconvenção.
Foi proferido despacho saneador e realizou-se audiência de discussão e julgamento,  culminando com a prolação da sentença de fls. que 432/453, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência decidiu:
- Declarar ilícito o despedimento do autor.
- Condenar a ré “BB – Serviços de Informática, SA” a reintegrar o autor no seu posto de trabalho com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido.
- Condenar a ré “BB – Serviços de Informática, SA” a pagar ao autor AA, as retribuições, férias, subsídios de férias e de Natal, desde 13 de Fevereiro de 2008, até ao trânsito em julgado da sentença – deduzido o montante de subsídio de desemprego auferido pelo autor, devendo a ré entregar essa quantia à segurança social -, acrescidas de juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma delas até efectivo e integral pagamento.
- Absolver a ré do demais peticionado,
- Julgar a acção reconvencional procedente e, em consequência condenar o autor AA a pagar à ré a quantia de € 20.714,12 (vinte mil setecentos e catorze euros e doze cêntimos).

            A R., não conformada, apelou, deduzindo a final as seguintes conclusões:
(…)
O A. contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.
No mesmo sentido se pronunciou o M.P. neste tribunal

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente, verifica-se, no caso, que as questões suscitadas são, por um lado, a qualificação jurídica da forma de cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes e, por outro, subsidiariamente, apenas para o caso de se corroborar a qualificação efectuada na sentença recorrida, saber desde que data são devidas as retribuições intercalares.

Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. O autor foi admitido ao serviço da ré para trabalhar sob a autoridade e direcção desta, mediante retribuição, com efeitos e antiguidade desde 01.02.1994 – (art. 1º p.i.)
2. A anterior denominação da ré foi “CC – Serviços de Informática, SA”, sendo a respectiva sede na Rua (…) ..., incorporando a ré o “Grupo Financeiro DD” – (2º p.i.)
3. O autor é sócio do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas com o n.º 60.492 – (4º p.i.)
4. O autor exercia desde a data de admissão até à cessação do contrato as funções correspondentes à categoria profissional de Técnico de Grau 3 – Programador de Informática na sede da ré – (6º p.i.)
5. O autor encontrava-se ultimamente colocado no nível 11 (onze) de retribuição, do Anexo II do AE, sendo o valor da “retribuição” mensal no total de € 2.042,05 e a seguinte composição respectiva:
. “retribuição base” - € 1.402,00;
. Diuturnidades (duas) - € 77,58;
. Complemento - € 70,06;
. Valor compensatório - € 303,43;
. Subsídio de refeição (8,59 por dia) - € 188,98 – (7º p.i.)
6. O autor é beneficiário da Segurança Social com o n.º ... – (8º p.i.)
7. Desde 26 de Setembro de 2005, o autor encontrava-se na situação de baixa médica atribuída pelos serviços da Segurança Social – (9º p.i.)
8. Esta situação de doença e impedimento prolongado sempre foram do atempado e total conhecimento da ré – (11º p.i.)
9. Durante o referido período, o autor foi submetido ao exame de Juntas Médicas da Segurança Social para aferir da respectiva invalidez – (12º p.i.)
10. No dia 25 de Setembro de 2007, por a baixa não ter sido prorrogada, o autor apresentou-se ao serviço da ré – (14º p.i.)
11. No dia 13 de Fevereiro de 2008, o autor recebeu uma carta registada e com aviso de recepção que está junta por cópia a fls. 14 a 16 destes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzida, nomeadamente o seguinte:
1. Nos termos e para os efeitos consignados no artigo 387º do Código do Trabalho vem a BB invocar a cessação do contrato de trabalho que celebrou com V. Exa. em 01/02/1994, passando, como fundamento, a identificar o histórico que tem caracterizado a sua relação laboral:
a) (…)
b) A seu pedido foram consideradas faltas justificadas ao abrigo do artigo 225º, n.º 2, alínea i) do Código do Trabalho e clª 62ª, n.º 2, i) do ACT do Crédito Agrícola, em virtude de alegar não reunir as condições necessárias para o exercício das suas funções:
(…).
Em presença do exposto em a) e b) constata-se que já não exerce quaisquer funções nesta empresa desde 26 de Setembro de 2005, por não possuir as condições necessárias para o exercício das mesmas.
Para além do exposto e na sequência:
c) os exames médicos requeridos pela Médica do Trabalho, após o período de baixa indicado tiveram como resultado a sua inaptidão para o exercício das suas funções profissionais de Técnico de Grau III/Programador;
d) após o que e em conformidade com a lei, foram identificadas à referida médica, os demais postos de trabalho que integram a estrutura produtiva da instituição e em que V. Exa. poderia ser recolocado, tendo a mesma elaborado ficha de aptidão, cuja cópia nos foi remetida e onde consta que a sua inaptidão abrange também esses postos de trabalho, concluindo pela inaptidão definitiva para o desempenho de qualquer função na empresa;
Pelo que se conclui que,
2. Tendo em consideração o resultado exarado na ficha de aptidão com fundamento no parecer médico que consta do relatório clínico que lhe está anexo, conclui-se que V. Exª. se encontra incapacitado absoluta e definitivamente, para exercer as suas funções profissionais habituais, bem como para desempenhar quaisquer outras em que porventura pudesse ser recolocado nesta instituição. Por conseguinte, tal facto conduz a uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de V. Exª. prestar a sua actividade profissional por não preencher os critérios médicos necessários para o exercício dessas funções, pelo que, pela presente e nos termos do disposto no, já invocado, art. 387º do Código do Trabalho, comunica-se a caducidade do contrato que mantém com esta instituição, com efeitos produzidos a partir da data de recepção desta comunicação.
Para mais se comunica que não obstante a lei não prever o pagamento de qualquer indemnização pela cessação do contrato de trabalho pelos motivos aqui indicados, a par da conduta que esta instituição tem mantido com V. Exª tentando sempre, ainda que com elevado esforço (como se afere pelo elevado número de faltas que lhe foram justificadas e retribuídas), compensá-lo na situação de incapacidade que se encontra, o Conselho de Administração Executivo da BB deliberou ainda atribuir-lhe pela cessação do contrato de trabalho em virtude da inadaptação ao posto de trabalho e que se cifra em € 20.714,12 (vinte mil, setecentos e catorze euros e doze cêntimos).” - (16º p.i.)
12. Submetido o autor a junta médica, esta concluiu não estar aquele incapacitado para o trabalho – (19º parcialmente p.i.)
13. A médica psiquiatra Sra. Dra. EE emitiu em 10.10.2007 a “declaração” junta a fls. 20 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente, que o autor “está frequentemente de baixa laboral por uma depressão grave de fundo e tem períodos em que não consegue trabalhar. Tem também no seu local de trabalho alguns conflitos emocionais. Para voltar seria bom que pudesse mudar de local”. – (19º p.i.)
14. O psicólogo clínico Sr. Dr. FF que tem acompanhado o autor, emitiu a declaração junta a fls. 21 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – (20º p.i.)
15. A ré não submeteu a situação do autor a qualquer peritagem médica independente, designadamente Junta Médica – (23º p.i.)
16. Coberto por baixa médica passada pelos serviços competentes da Segurança Social, o autor, esteve incapaz para o trabalho nos seguintes períodos:
. 21.10.2005 a 28.09.2006
. 08.11.2006 a 04.06.2007
. 27.06.2007 a 24.09.2007 – (art. 11º contest.)
 17. Por se considerar incapaz de prestar a sua actividade, ter para o efeito pedido autorização para estar ausente do serviço e ter sido a isso autorizado, sendo as correspondentes ausências consideradas como faltas justificadas, o autor esteve ausente do trabalho nos seguintes períodos:
. de 26.09.2005 a 20.10.2005
. de 29.09.2006 a 07.11.2006
. de 05.06.2007 a 26.06.2007
. de 25.09.2007 a 06.02.2008 – (12º contest.)
18. Em 25.09.2007 o autor apresentou-se na empresa e, face às condições em que dizia sentir-se, a ré aconselhou-o a procurar um médico e a pedir baixa a seguir – (arts. 14º, 15º e 16º contest.)
19. Admitido em 01.02.1994 o autor foi integrado no Departamento de Desenvolvimento, numa primeira fase sob a chefia do Sr. GG e da Dra. HH e depois numa segunda fase posteriormente a 31 de Janeiro de 1997, dos Srs. Eng. II e JJ – (20º contest.)
20. Demonstrando muitas dificuldades na execução do trabalho, o autor em Outubro/Novembro de 1997 foi colocado nos Serviços Centrais, sob a chefia de KK aí se mantendo até Abril de 2001, onde apresentou as mesmas dificuldades – (arts. 21º a 23º contest.)
21. Em 02.04.2001, na sequência do referido no número anterior o autor foi colocado no Departamento de Contabilidade e Controlo sob a responsabilidade de LL e JJ – (24º contest.)
22. E, mais concretamente, a trabalhar no FMS que é a parte da programação que providencia que os movimentos gerados na actividade comercial de cada uma das instituições que fazem parte do SICAM sejam registados nas contas contabilísticas apropriadas – (25º e 26º contest.)
23. O autor chegava para trabalhar e, em número de dias não concretamente apurados, sentava-se na cadeira e ali ficava o dia todo alheado – (art. 27º, 28º e 29º contest.)
24. O trabalho entregue ao autor por vezes não era realizado ou era realizado com muitas deficiências – (30º contest.)
25. Qualquer trabalho tinha que ser verificado e, constatando-se que o mesmo estava mal feito tinha que ser entregue a outra pessoa – (31º contest)
26. Perante a atitude do autor referida no número anterior, em 2005 a Directora de Pessoal da ré, MM, chamou o autor para tentar perceber o que se passava com ele perguntando-lhe o que precisava para começar a fazer alguma coisa – (34º contest.)
27. O autor respondeu que “precisava que lhe dessem uma nova cadeira e precisava de mais espaço entre a cadeira e a parede, pois, dizia, não se podia movimentar convenientemente” – (35º contest.)
28. Em Setembro de 2005 foi contratado para fazer o trabalho que o autor fazia uma pessoa de nome NN – (37º contest.)
29. No âmbito das consultas ocasionais dos serviços de medicina no trabalho, ao autor foi marcado um exame neuropsicológico para o dia 11 de Outubro de 2007, na Clínica ..., em ... – (art. 39º contest.)
30. Na sequência de exame na Medicina no Trabalho a médica desta entregou no Departamento dos Recursos Humanos da ré a “ficha de aptidão” do autor em que considerada o autor “inapto definitivamente” – (41º contest.)
31. Com aquela ficha, a mesma médica entregou nos serviços de pessoal da ré, com data de 28.12.2007 o relatório clínico junto a fls. 96 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
“(…),Médica Especialista em Medicina do Trabalho, com a cédula nº (…) e após observação médica e exame objectivo do vosso trabalhador AA no âmbito da medicina do trabalho, e após colaboração de colega especialista em Neuropsiocologia, com a realização de exame especifico para as funções atribuídas e eventualmente desempenhadas, de Técnico de Grau III / Programador, venho por este meio referir que o mesmo, por condições de saúde, para as funções atribuídas, é considerado inapto. Considero ainda que, auscultada a empresa sobre as demais funções existentes e que consistem em Técnico de Gestão de Activos de SI/TI e Administrativo, a inaptidão do trabalhador abrange também o exercício das mesmas, na medida em que as exigências aptidionais que assistem ao exercício destas funções são idênticas às que caracterizam a sua função, pelo que se conclui pela inaptidão total e absoluta do trabalhador para o desempenho de qualquer função na empresa” – (42º contest.)
32. A Directora de Recursos Humanos da ré, em 16.01.2008 deu conhecimento daquele relatório ao Conselho de Administração Executivo – (43º contest.)
33. O Conselho de Administração Executivo da ré decidiu ordenar que se comunicasse ao autor a cessação do contrato de trabalho por caducidade, o que foi feito pela carta datada de 06.02.2008 que o autor recebeu em 13.02.2008 junta a fls. 14 a 16 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – (45º, 46º, 47º e 48º contest.)
34. Na sequência da recepção da carta referida no número anterior, o autor, por carta datada de 03 de Março de 2008, junta a fls. 98 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, solicita à ré: “No seguimento dessa carta venho deste modo rogar o preenchimento do modelo RP 5044 – DGSS- versão de www.seg-social.pt devidamente carimbado e assinado, acompanhado de um certificado de trabalho em que conste o início e o fim”. – (art. 49º e 50º p.i.)
35. A ré emitiu a declaração solicitada pelo autor junta por cópia a fls. 99 e s. e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – (50º p.i.)
36. A ré pagou ao autor a quantia de € 20.714,12 a título de compensação com o esclarecimento que esta quantia não foi devolvida – (art. 64º contest).
            Apreciação
            A R. comunicou ao A. a cessação do respectivo contrato de trabalho, por caducidade, por, na sequência de ausência prolongada daquele, a Médica do Trabalho da empresa ter emitido sobre o A., no âmbito do exame de saúde ocasional, realizado em conformidade com o previsto na parte final do art. 245º nº 3 al. c) do RCT (regresso ao trabalho depois de uma ausência superior a 30 dias, por motivo de doença) e escudada em exame neuropsicológico, ficha de aptidão que considerava o A. inapto definitivamente, tendo a referida ficha sido acompanhada de relatório clínico no qual reafirmava a inaptidão do A. para as funções de Técnico de Grau III/ Programador, que lhe estavam atribuídas, mas também para as demais funções existentes na empresa, de Técnico de Gestão de Activos de SI /TI e Administrativo, dado que o tipo de exigências “aptidionais” para o exercício de tais funções são idênticas, concluindo, a final, pela inaptidão total e absoluta do trabalhador para o desempenho de quaisquer funções na empresa.
            A Srª Juíza, tendo em conta que a perícia colegial a que o A. foi submetido nos presentes autos emitiu parecer contrário ao da Médica do Trabalho da R., cujo relatório se mostra conclusivo e genérico, sem fazer de forma conveniente a relacionação entre a conclusão e os meios de diagnóstico que serviram essa conclusão e porque competia à R. provar os fundamentos da declaração de caducidade, concluiu que a comunicação da R. ao A. não pode deixar de configurar uma declaração de despedimento, ilícito, porque não precedido de procedimento.
            A R. vem suscitar a reapreciação desta questão, sustentando que o contrato de trabalho do A. cessou por caducidade nos termos do art. 387º al. b) do CT e não por despedimento.
            Mas, salvo o devido respeito, não cremos que lhe assista razão, afigurando-se-nos correcta a apreciação efectuada pela Sr.ª Juíza.
A caducidade é de uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, que se verifica, designadamente, quando ocorra supervenientemente uma impossibilidade absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber (art. 387º al. b) CT de 2003). Ainda que seja necessária a comunicação de uma parte à outra, o que dá causa à cessação é a situação objectiva de impossibilidade de prestação do trabalho ou de recepção do mesmo, impossibilidade que tem de ser superveniente - ou seja, não pode tratar-se de vício originário do contrato, que, a existir, determinaria a respectiva nulidade - tem também (a impossibilidade) de ser absoluta, não bastando portanto que se traduza numa maior dificuldade ou onerosidade na prestação laboral ou no respectivo recebimento, e tem de ser definitiva, isto é, não meramente temporária. 
Ora, embora o parecer da Médica do Trabalho da empresa fosse no sentido de que se verificava uma inaptidão definitiva e absoluta do A. para o exercício das funções profissionais contratadas ou para quaisquer outras correspondentes aos postos de trabalho existentes na estrutura da empresa, não podemos ignorar que se trata apenas de um parecer, nada na lei nos indiciando que tal parecer tenha carácter vinculativo.
Se bem que tenhamos de reconhecer também que a lei, designadamente o RCT, na subsecção relativa ao funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, não preveja que, nos casos em que o médico do trabalho conclua pela inaptidão definitiva do trabalhador para o desempenho de quaisquer funções na empresa, essa questão possa ser reapreciada por um órgão colegial, uma junta médica, face às gravosas consequências que para o trabalhador podem decorrer de tal parecer, atento o princípio constitucional de segurança no emprego, impõe-se um cuidado redobrado na avaliação dos pressupostos da caducidade do contrato de trabalho, mormente quanto à verificação da inaptidão absoluta e definitiva do trabalhador para qualquer posto de trabalho.
No caso, não obstante as dificuldades demonstradas pelo A. na execução do trabalho se manifestarem desde 1997 (cf. nºs 20 a 28), a circunstância de a baixa médica em que o A. se encontrava desde 21/10/2005 (é certo que com algumas intermitências, durante as quais o A., por não se considerar capaz de prestar a sua actividade, não comparecia ao serviço, com autorização da R.) ter sido feita cessar em 24/9/2007 pelos serviços competentes, indicia que a incapacidade temporária que a determinara se encontraria ultrapassada. É verdade que, quando se apresentou ao serviço em 25/9/2007, o A. continuou a dizer não se sentir em condições de trabalhar, o que levou a R. a aconselhá-lo a procurar o médico e a pedir baixa (nº 18), continuando o mesmo sem exercer actividade (nº 12 in fine) até que a R. lhe enviou a carta de 6/2, recebida em 13/2/2008. Não se mostra, porém, que ao A. tivesse voltado a ser dada baixa médica, o que de algum modo revela que o respectivo médico assistente não o considerava portador de incapacidade. E isso veio a final a ser corroborado pela junta médica que no âmbito destes autos procedeu ao exame do A. (cujo laudo consta de fls. 339/343), que, por unanimidade e após a sujeição do mesmo a exame psicológico, concluiu “não existir, em rigor, incapacidade laboral”. No mesmo sentido se havia pronunciado o psicólogo clínico que tem acompanhado o A. no doc. referido no ponto 14 onde declara “O sujeito tem sido acompanhado de forma regular em consulta de psicologia por depressão ansiosa reactiva a situação laboral. Dentro de um registo específico a que corresponde a sua personalidade considero o Sr. AA apto para trabalhar”.
Ora, em face destes elementos não podemos deixar de concluir que não foi feita prova – que no caso incidia sobre a R., cf. art. 342º nº 2 do CC, dado tratar-se de factos impeditivos do direito invocado pelo A. - de que, subsequentemente à admissão do A. ao serviço da R., aquele tivesse ficado absoluta e definitivamente incapaz para exercer a actividade contratada e, por conseguinte não pode ter-se por verificada a invocada caducidade do contrato de trabalho.
Assim sendo, a carta de 6/2 e recebida  pelo A. em 13/2/2008, na medida em que invoca a cessação do contrato por uma alegada caducidade que na realidade se não verifica, configura inequivocamente uma manifestação de vontade de fazer cessar o contrato, portanto um despedimento que, por não precedido do competente procedimento disciplinar, por extinção do posto de trabalho ou colectivo, é ilícito (art. 429º al. a) do CT).

Mas a recorrente, subsidiariamente para o caso de não se considerar procedente a caducidade do contrato de trabalho, vem sustentar que, na medida em que o A. aceitou e não devolveu a compensação pela cessação do contrato que lhe pagou, no valor de € 20.714,12, limitando-se o A. a pedir-lhe que emitisse declaração para acesso ao subsídio de desemprego e certificado de trabalho, deve ter-se como cessado o contrato por revogação, por mútuo acordo.
Também quanto a esta questão a razão não se encontra do lado da recorrente.
A modalidade de cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, ou revogação, tem natureza formal – deve constar de documento assinado por ambas as partes, mencionar expressamente a data da celebração do acordo e a do início de produção dos respectivos efeitos, ficando cada uma com um exemplar, – art. 394º nºs 1 e 2 do CT, o que se justifica pelo princípio laboral da protecção do trabalhador. Como refere a Prof. M. do Rosário Palma Ramalho[2] “O desrespeito pelas regras de forma do acordo revogatório constantes do art. 394º nºs 1 e 2 do CT, determina a nulidade deste acordo, nos termos gerais do art. 220º do CC, até porque a forma escrita é, no caso, uma forma ad substantiam.”
No caso vertente, não existe um documento assinado por ambas as partes em que conste a vontade mútua de fazer cessar o contrato de trabalho, a data do acordo e do início de produção de efeitos, pelo que, ainda que eventualmente fosse de considerar – o que não temos como seguro - que a não devolução da compensação paga e o pedido da declaração para instruir o pedido de subsídio de desemprego e do certificado de trabalho significava a aceitação da proposta de cessação que porventura estivesse subjacente à carta de 6/2, o vício de forma importava a nulidade do mesmo. Improcede, assim, também este fundamento do recurso.

Por último, suscita a recorrente a questão do início dos salários intercalares devidos, sustentando que apenas sejam devidos desde 3/5/2008, 30º dia anterior à apresentação da p.i. aperfeiçoada.
Também quanto a esta questão, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a  recorrente não tem razão, não tendo a pretensão da mesma suporte na lei. Com a norma constante do nº 4 do art. 437º do CT[3] pretendeu o legislador “evitar que recaia sobre o empregador a consequência de o trabalhador impugnar o despedimento muito tardiamente”[4]. Dá relevância à data da propositura da acção, não ignorando que, por vezes há despacho de aperfeiçoamento e, na sequência, a apresentação de nova petição, sem que a data da propositura da acção sofra alteração. E é apenas esta que releva para o efeito.  
No caso a petição inicial foi apresentada em 13/3/2008, portanto menos de 30 dias após a recepção da carta em que a R. comunicava a cessação do contrato (13/2/2008). A fls. 25 foi proferido despacho a convidar a aperfeiçoar o valor da acção (dado o indicado não ser consentâneo com os pedidos formulados) e a reforçar a taxa de justiça inicial em conformidade.
Em 11/4/2008 foi junta nova petição, tendo, pelo despacho de fls. 36, sido convidado o A., a juntar nova p.i. visto verificar-se, até pela numeração dos artigos, que a última folha não correspondia ao resto. A terceira petição foi junta em 2/5/2008, só então se procedendo à citação da R. para a audiência de partes.
A existência na petição inicial primeiramente apresentada de pequenos lapsos, sanáveis, que deram causa aos despachos de aperfeiçoamento e à apresentação de nova petição não é fundamento para penalizar o trabalhador como pretende a recorrente considerando como data da propositura (para efeitos da dedução nos salários intercalares) a da apresentação da petição corrigida.
Improcede, assim, o recurso na totalidade.

            Decisão
            Pelo exposto se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
            Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Maio de 2012         

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Féteira
----------------------------------------------------------------------------------------
[1] Denominação social corrigida pela R. na contestação (e provada através do doc. de fls.83/91), sendo que o A. a identificara na p.i. como  “BB – Serviços de Informática, S.A.”
[2] Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 1ª ed. pag. 795
[3] Que determina que se deduzam às retribuições intercalares, as do período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção.
[4] Maria do Rosário Palma Ramalho, obra citada, pag.859.