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REGISTO CIVIL
ALTERAÇÃO DO NOME
PADRASTO
APELIDO
DIREITO AO NOME
NORMA IMPERATIVA
PATERNIDADE ESTABELECIDA
Sumário
I-Não pode colher a pretensão da requerente - maior de idade e com a paternidade estabelecida - de alterar o seu apelido, adoptando o do seu padrasto, com o fundamento de que estabeleceu com este último uma relação afectiva semelhante à da filiação, por tal contrariar o disposto nos artigos 1875.º do C. Civil e 103.º, n.º 2, do C. Reg. Civil. II-Embora em regra imutável, o nome de um indivíduo pode sofrer alterações, sendo a estas situações excepcionais que se refere o artigo 104.º do C. Reg. Civil. III-A alteração do nome não decorre simplesmente da manifestação de vontade do respectivo titular. Este tem de justificar a sua pretensão (n.º 2 do artigo 278.º do C. Reg. Civil) e a mesma deve merecer acolhimento registral (n.º 1 do artigo 104.º do mesmo diploma legal). IV-Por outro lado, tal acolhimento não depende do arbítrio do conservador, tendo vindo a entender-se que a alteração só pode ocorrer existindo justa causa e inexistindo prejuízo para terceiros. V-Todavia, mesmo concorrendo essas duas circunstâncias, há limites legais que não podem ser ultrapassados, como é o caso das regras relativas à composição do nome VI-Com efeito, a possibilidade de alterar o nome só se compreende enquanto se harmoniza com o sistema, não constituindo a via para derrogar normas de carácter imperativo. VII-A Lei impõe um conjunto de limitações aquando da escolha do nome do filho, limitações essas que, no que toca aos respectivos apelidos, visam identificar a família a que o mesmo pertence, nela promovendo a sua integração. VIII-Mal se compreenderia, pois, que, por via da alteração do nome, a Lei permitisse o que vedara aquando da sua constituição. IX-A pretensão da requerente não encontra, de igual modo, tutela no disposto no artigo 1876.º do C. Civil, uma vez que é maior e tem a paternidade estabelecida. X-Os referidos normativos e a interpretação feita pelo Conservador do Registo Civil em nada afectam o direito da requerente à sua identidade pessoal, constitucionalmente previsto no artigo 26.º da CRP, tanto mais que os direitos pessoais não são absolutos, admitindo limitações que não afectem o seu núcleo essencial. XI-A requerente tem um nome, que a identifica cabalmente, enquanto ser humano individualmente considerado e enquanto ser social e familiarmente integrado, de acordo com as suas raízes biológicas.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
C. impugnou judicialmente a decisão do Conservador do Registo Civil que indeferiu o pedido de alteração do seu nome para C., por contrário ao disposto nos artigos 1875 nº 1 do Cód. Civ. e 103º nº 2 do Cód. Reg. Civ..
A requerente alegou, em síntese, que: não tem contactos com o pai desde Maio de 1992; desde Dezembro desse ano que estabeleceu com o padrasto, RA, uma relação afectiva de semelhante à da filiação; desde há mais de 15 anos que, sempre que não lhe é pedido o bilhete de identidade, se identifica como C., sendo esse o nome por que é conhecida enquanto atleta federada; o seu desejo de identificação pelo apelido do padrasto foi reforçado com o nascimento das irmãs, filhas daquele e de sua mãe.
Tendo o Conservador do Registo Civil sustentado a sua decisão e o Ministério Público emitido pronúncia no mesmo sentido, o tribunal julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão registral.
De tal decisão, apelou a requerente, formulando as seguintes conclusões:
a) O direito ao nome é um direito de personalidade constitucionalmente consagrado no nº 1 do artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, encontrando-se infraconstitucionalmente consagrado no artigo 72º do Código Civil;
b) Por outro lado, o referido direito encontra-se sujeito ao princípio da imutabilidade, com vista a garantir a segurança e eficácia quer das relações interpessoais, quer das relações entre os cidadãos e o Estado;
c) No entanto, não concorda a recorrente com a posição assumida pelo tribunal na douta sentença, na parte em que entende que as normas dos artigos 1875º do CC e 103º do CRC definem em absoluto as regras de composição do nome, não sendo possível invocar situações de excepção que possam levar à alteração do mesmo;
d) Tal possibilidade de excepção – a alteração da composição do nome fora dos casos expressamente previstos – encontra-se consagrada no artigo 104º nº 1 do Código do registo Civil, que preceitua que “O nome fixado no assento de nascimento só pode ser modificado mediante autorização do conservador dos Registos Centrais”;
e) Se resulta óbvio que a lei permite a alteração do nome, já quanto aos fundamentos que possam levar ao deferimento do pedido ela é totalmente omissa;
f) Citando o douto acórdão da Relação de Lisboa de 12/11/09, “(…) perante este vazio legal, temos que recorrer aos princípios gerais que enformam o nosso sistema e concluir que se aos cidadãos é concedido o direito excepcional a alterar o seu nome, a alteração a efectuar terá, por uma lado, de se basear numa justa causa (podendo esta ser configurada na hipótese, entre outras, de aliviar alguém de um apelido que cause constrangimento de ordem psicológica) e, por outro lado, dela não deverá resultar qualquer prejuízo para terceiro (…)”;
g) Conforme entendimento do STJ no acórdão de 29 de Janeiro de 2004: “Entre os casos que entende configurarem situações de justa causa para os efeitos considerados, arrola Vilhena de Carvalho o «pedido fundado no desejo de perpetuar a memória de uma pessoa à qual o requerente se acha ligado por laços especiais, familiares ou outros, igualmente relevantes»”;
h) A situação de facto invocada pela recorrente enquadra-se totalmente na caracterização de justa causa acima mencionada;
i) O seu padrasto, cujo apelido pretende usar, é o seu verdadeiro Pai, sendo que é este reconhecimento que a recorrente pretende ver consagrado no seu nome, em homenagem a alguém a quem se encontra ligada por uma relação de amor e respeito mútuos;
j) A interpretação feita pelo tribunal a quo, de que os artigos 103º nº 2 do CRC e 1875º do CC definem em absoluto as regras de composição do nome, não sendo possível invocar situações de excepção que possam levar à alteração do nome, para além das expressamente previstas, alarga a restrição imposta ao direito à identidade pessoal para além daquela que se encontra legalmente prevista, sendo, por isso, inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º e 26º da Constituição da República Portuguesa;
l) Violou, pois, a douta sentença os artigos 104º nº 1 do CRC e 18º e 26º da CRP.
O Conservador do Registo Civil apresentou contra-alegações, enunciando as seguintes conclusões:
a) A alteração do nome, ainda que por via do processo especial previsto nos artigos 278º e seguintes do Código do Registo Civil, está condicionada às regras legais aplicáveis à sua composição, contidas nos artigos 1875º e 1876º do Código Civil e no artigo 103º do Código do Registo Civil;
b) Entendimento contrário conduziria à conclusão – inadmissível – de que o processo de alteração do nome constitui uma via possível para a revogação das normas que fixam as regras legais aplicáveis à sua composição;
c) Os apelidos podem ser escolhidos entre os que pertençam a ambos ou só a um dos pais do registando ou a cujo uso qualquer deles tenha direito – artigos 1875º nº 1 do Código Civil e 103º nº 2 do Código do Registo Civil;
d) Apenas quando a paternidade não se encontra estabelecida poderão ser atribuídos ao filho menor apelidos do marido da mãe e se esta e o marido declararem, perante o funcionário do registo civil, ser essa a sua vontade – artigo 1876º nº 1 do Código Civil;
e) Ora, sendo a requerente de maioridade e tendo a respectiva filiação paterna estabelecida, fica prejudicada a possibilidade de lhe serem atribuídos apelidos pertencentes ao marido de sua mãe;
f) A interpretação, defendida por esta Conservatória, das citadas normas legais aplicáveis à composição do nome, em nada ofende o direito à identidade pessoal consagrado no nº 1 do artigo 26º da Constituição da República, sendo, pelo contrário, perfeitamente consentânea com a protecção desse direito.
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Os factos assentes nestes autos, por força da prova documental produzida, são os seguintes:
1. No dia … de 19…, pelas 8 horas e 50 minutos, na freguesia de…., concelho do…., nasceu um indivíduo do sexo feminino, a quem foi posto o nome próprio de C. e os apelidos TO, filha de SO, casado, e de PO, casada, ambos com residência habitual em…, neta paterna de JO a e ML e neta materna de JT e de OS.
2. O assento de nascimento da requerente foi lavrado no dia…., mediante declaração do pai.
3. À margem de tal assento de nascimento, foi averbada a homologação judicial do acordo de regulação do exercício do poder paternal, por sentença de 5.5.92, nos termos da qual a ora requerente ficou confiada à guarda da mãe.
4. No dia…., RA e PT casaram um com o outro civilmente, tendo a nubente adoptado o apelido “A”.
5. BA nasceu no dia …e é filha de RA e de PA, casados e com residência habitual em…..
6. AA nasceu no dia … e é filha de RA e de PA, casados e com residência habitual em…..
7. Em 25.2.09, RA declarou, por escrito, apoiar “veementemente” a pretensão da requerente.
8. No registo criminal nada consta relativamente à requerente.
9. Em 18.12.06, P.R.... emitiu, em nome de C..A.., uma factura relativa a “S...”.
10. Em 4.2.07, a Associação ….emitiu, em nome de CA, um recibo relativo a “Escolas/0,80m/Inic./1,00m”, “Fardos de palha” e “Boxes”.
11. Em 23.4.07, o … emitiu, em nome de CA, um recibo relativo a “Inscrição CSN-C-MAR” e “CSN-B-ABR”.
12. Em 31.1.08, E$..., …, Lda. emitiu, em nome de CA, um recibo relativo a “M..R..O..”.
13. Em 18.3.08, N.......emitiu, em nome de CA, um recibo relativo a fornecimento e montagem de auto-rádio e colunas.
14. Em 24.9.06, E...–…, Lda. emitiu Certificado de Participação de “CA” no estágio de TIREC realizado em Campo de ..., nos dia 23 e 24 desse mês.
15. Relativamente ao período de 2004 a 29.1.09, consta da base de dados da Federação ...P... que ….“CA” participou em diversas provas ocorridas entre 20.3.04 e 18.11.07.
16. Em 26.2.09, o ... declarou, por escrito, que CA é … federada inscrita na Federação ... com o nº…, fazendo treinos regulares nesse centro, com vista à participação em concursos nacionais e internacionais.
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A única questão a resolver é a de saber se o ordenamento jurídico consente que ao nome de uma pessoa registada com dois apelidos, um do pai e outro da mãe, se acrescente o último apelido do padrasto dessa pessoa.
A resposta a tal questão é, avancemos desde já, negativa.
Escusado é tecer considerações de ordem teórica sobre a natureza e objecto do direito ao nome e sobre os interesses – de ordem pública e privada – que através dele se tutelam. Em relação a tais capítulos, bastamo-nos com a remissão para os Acórdãos do STJ de 20.6.02 e de 29.1.04 e da Relação de Lisboa de 12.11.09, in http://www.dgsi.pt, respectivamente, Proc. nº 02B1669, 03B3153 e 3231/08.1TVLSB.L1-2.
Igualmente se não discute que, embora em regra imutável, o nome de um indivíduo pode sofrer alterações, sendo a estas situações excepcionais que se refere o artigo 104º do Cód. Reg. Civ..
Não se subsumindo a pretensão da requerente a qualquer das hipóteses previstas no nº 2 do referido preceito (que corporiza, em várias das suas alíneas, as situações de alteração do nome previstas na lei civil), é no contexto do respectivo nº 1 que cabe perspectivá-la.
É indefensável que, sob pena de se aniquilar na prática o citado princípio da imutabilidade – com as graves consequências de ordem pública que se fariam sentir – a alteração do nome não decorre simplesmente da manifestação de vontade do respectivo titular. Este tem de justificar a sua pretensão (nº 2 do artigo 278º do Cód. Reg. Civ.) e a mesma deve merecer acolhimento registral (nº 1 do artigo 104º do mesmo diploma).
Por outro lado, tal acolhimento não depende do arbítrio do conservador, tendo vindo a entender-se que a alteração só pode ocorrer existindo justa causa e inexistindo prejuízo para terceiros (cfr. acórdãos citados).
Todavia, mesmo concorrendo essas duas circunstâncias, há limites legais que não podem ser ultrapassados. É o caso das regras relativas à composição do nome e essa é a questão que, efectivamente, na situação em apreço se coloca.
Com efeito, a possibilidade de alterar o nome só se compreende enquanto se harmoniza com o sistema, não constituindo a via para derrogar normas de carácter imperativo.
A lei impõe aos pais – ater-nos-emos a esta situação por ser a mais vulgar e aquela em que a requerente se encontra – nos artigos 1875º do Cód. Civ. e 103º do Cód. Reg. Civ., um conjunto de limitações aquando da escolha dos nomes dos seus filhos; limitações que, no que toca aos respectivos apelidos, visam identificar a família a que o registando pertence, nela promovendo a sua integração. Mal se compreenderia, pois, que, por via da alteração do nome, a lei permitisse o que vedara aquando da sua constituição (neste sentido, cfr., ainda a Decisão Singular do Conselheiro Pereira da Silva de 28.6.07, loc. cit., Proc. nº 07B2563).
No caso sub judice, o nome da requerente foi composto por dois nomes próprios portugueses, por um apelido da mãe e por um apelido do pai (artigo 103º nº 2, alíneas a) e e) do Cód. Reg. Civ.). E, conforme resulta do ponto 1. da matéria de facto, o apelido A. não figura entre os apelidos de seus pais ou avós (cfr. referida alínea e)).
A pretensão da requerente não encontra, de igual modo, tutela no disposto no artigo 1876º do Cód. Civ., uma vez que a requerente é maior e tem a paternidade estabelecida.
Por último, resta dizer que não se vê como os referidos normativos ordinários e a interpretação deles feita afecta o direito da requerente à sua identidade pessoal, constitucionalmente previsto no artigo 26º da Constituição. Efectivamente, os direitos pessoais não são absolutos, admitindo limitações que não afectem o seu núcleo essencial.
A requerente tem um nome, que a identifica cabalmente, enquanto ser humano individualmente considerado e enquanto ser social e familiarmente integrado, de acordo com as suas raízes biológicas.
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Por todo o exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmamos a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 16 de Outubro de 2012
Maria da Graça Araújo
José Augusto Ramos
João Ramos de Sousa