INTERVENÇÃO PROVOCADA
Sumário

I - A intervenção principal provocada passiva permitida pelo n.º2, do art.º 325.º, do CPC, isto é, nos “Nos casos previstos no artigo 31º-B”, depende sempre, e necessariamente, da verificação dos requisitos de aplicação deste normativo, para o qual remete, sendo que neste estão contempladas situações de litisconsórcio (subsidiário e alternativo), sem excluir também, segundo Miguel Teixeira de Sousa, situações de coligação “(..) porque ambos cabem na previsão do art.º 31.º-B”.
II - Em face do disposto no n.º3, do art.º 325º do CPC, sobre o chamante recai o ónus de indicar a causa do chamamento e de explicar o interesse que, através dele, se pretende acautelar, como forma de clarificar liminarmente as situações a que o incidente se reporta e de permitir ajuizar com segurança a legitimidade e o interesse em agir, quer de quem suscita a intervenção quer do chamado a intervir.
III - Tendo a A. proposto acção sustentando que a R. é sua entidade empregadora, mas contestando esta em termos que lhe suscitou a dúvida quanto a saber quem afinal detinha os poderes de autoridade, direcção e disciplina sobre si - se a R. que demandou ou a sociedade em cujas instalações e em benefício de quem prestava a sua actividade, de quem até recebeu ordens directa sobre os procedimentos de serviço - é de considerar fundada essa dúvida, bem assim que tal não lhe é imputável, por resultar de factos que desconhecia.
IV - Tendo a A., com esse fundamento, cumprido o ónus de alegação do n.º3, do art.º 325.º do CPC, é de admitir a intervenção principal provocada passiva requerida.
(Elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, AA, patrocinada pelo Ministério Público, intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, pedindo o seguinte:
- Ser declarado que a Autora foi ilicitamente despedida por extinção do seu posto de trabalho.
- Consequentemente ser a Ré condenada a pagar a Autora a quantia global de 12.188,20€, com juros de mora vincendos, a taxa legal, ate integral pagamento.
Para sustentar os pedidos, no essencial, alegou o seguinte
A Ré dedica-se à actividade de prestação de serviços de construção civil, movimento de cargas, vigilantes, estafetas, assistência a escritórios, limpezas e outros afins, incluindo a cedência temporária de mão-de-obra a terceiros.
A Ré celebrou com a A um contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de 180 dias e com o limite de duas renovações, com início a 25 de Janeiro de 1999, comprometendo-se a exercer para aquela, sob a respectiva autoridade, direcção e fiscalização, funções inerentes à categoria profissional de 2.ª oficial praticante.
No âmbito desse contrato e no desempenho da sua categoria profissional a A., predominantemente, efectuava o processamento das facturas em sistema, tendo como local de trabalho os escritórios da CC, Lda, mais tarde denominada DD, sita em Odivelas e desde Agosto de 2009 em Lagoas Park, Edifício ..., Oeiras.
Com o horário de trabalho de Segunda a Sexta-Feira, das 9 horas às 17 horas e uma hora para almoço, das 13 horas às 14 horas e sob as ordens direcção e fiscalização da Ré.
O contrato de trabalho cessou em 1 de Junho de 2010 por efeito da comunicação, na qual a Ré, sem qualquer outra formalidade informou-a Autora que, por não dispor de qualquer posto de trabalho compatível com as suas funções, o seu posto de trabalho se extinguiria a partir daquela data.
I.2Foi realizada audiência de partes, mas sem que tenha sido alcançada a conciliação das mesmas.
I.3 A ré apresentou contestação, contrapondo, em síntese, que a A. nunca esteve sujeita a qualquer ordem sua, sujeitando-se ao invés à autoridade, direcção e disciplina da DD, SA, de quem recebia ordens.
A R. apenas lhe processava mensalmente o salário e enviava a factura para pagamento à DD.
A A. sempre trabalhou nas instalações da DD, utilizando materiais e utensílios de trabalho a este pertencentes, sendo aos superiores hierárquicos desta que comunicava as suas ausências e perante quem marcava férias.
O controlo de assiduidade era efectuado por superiores hierárquicos da DD.
Em 5 de janeiro de 2011, 1 DD dirigiu à R. uma carta anunciando a denúncia unilateral do contrato de prestação de serviços a partir de 31 de Maio de 2011, o que comportaria o despedimento da A.
A DD sempre assumiu o pagamento das indemnizações aos trabalhadores recrutados pela A., pelo que a R. diligenciou junto daquela pelo pagamento da indemnização à A.
Da parte da R. não havia que colocar qualquer indemnização à disposição da A., por entender que a real entidade patronal do A. sempre foi a DD, entidade que sempre exerceu sobre o A. o competente poder de direcção, fiscalização e disciplina.
Com base nesses nos factos, sustentando entender “(..) que para que exista uma sentença com efeito útil se torna necessária a intervenção da empresa destinatária do trabalho da A”, requereu “(..) nos termos do art.º 325.º e 31.º B, ambos do Cód. Proc. Civil, o chamamento à presente demanda por intervenção principal provocada, da empresa DD, SA”.
Notificada, a A., em 16 de Fevereiro de 2012, veio responder à contestação da R..
Começa por reiterar que, em 25 de Janeiro de 1999, celebrou a R. BB, ldª,o contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de 180 dias, no âmbito do qual desempenhava predominantemente o processamento de facturas, tendo como local de trabalho os escritórios da CC, lda, mais tarde denominada DD, SA.
Desconhece que relações existiam entre a R. BB, Lda e a DD, designadamente a existência de um contrato de prestação de serviços para operação nas instalações da última, bem como se os pagamentos dos serviços da R. por parte da CCl eram feitos por trabalhador, em função da factura enviada pela primeira facturando o vencimento e subsídios do trabalhador, sendo o respectivo pagamento enviado por aquela última à R, que depois pagava ao trabalhador.
O vencimento sempre lhe foi pago pela R., mediante a entrega do respectivo recibo, no qual aquela consta identificada como entidade patronal.
Reiterou, ainda, que o contrato cessou em 1 de Junho de 2010, por efeito da comunicação efectuada pela R. BB.
Prossegue, alegando o seguinte:
-[art.º 9.º] “Todavia, face ao ora alegado pela R. BB, Ldª, a A. tem sérias e fundamentadas dúvidas sobre os sujeitos da relação jurídica controvertida, isto é, desconhece quem era efectivamente a sua entidade empregadora, designadamente se os poderes de autoridade e direcção e disciplina eram tão só exercidos pela DD, SA, ou também pela R. BB”
- [art.º 10.º] “E, embora tenha recebido ordens directas dos procedimentos e sobre o serviço de escritório e do processamento das facturas, directamente de superiores da DD, desconhece se o seu horário de trabalho foi fixado de acordo com a conveniência de serviço desta última, assim como o demais que vem alegado nos art.ºs 18.º a 29.º da contestação”.
Para concluir, mostra-se necessário chamar aos autos a DD, SA, e requerer o seguinte:
- “(..) o chamamento aos autos, por intervenção principal provocada, nos termos do disposto nos art.ºs 325.º e 31.º n.ºs 1 e 2 B do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 1.º n.º1 do CPT, da DD, SA.
- que seja declarada a ilicitude do despedimento promovido pela R. BB, ldª e que ambas sejam, solidariamente condenadas a reintegrá-la nos seu posto de trabalho, com efeitos reportados à data do despedimento, sem prejuízo da antiguidade e categoria, ou, em alternativa, a pagar-lhe indemnização de € 11 562,50, em razão da sua antiguidade; as retribuições já vencidas e as que se vierem a vencer até decisão final, deduzidas as importâncias auferidas após o despedimento com juros de mora vincendos à taxa legal, até integral pagamento”.
I.4 Pela Senhora Juíza, em 23 Fevereiro de 2012, foi proferido despacho (fls. 117), onde se lê o seguinte:
- «Ao abrigo do disposto nos art.ºs 325.º n.º2 e 326.º, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art.º 1.º n.º 2 al.a) do Código de Processo do Trabalho, admito a intervenção provocada da “DD, SA, melhor identificada a fls. 112.
Cite a “DD, SA” com cópia da petição inicial, da contestação e da resposta à contestação (art.º 327.º n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil)».
Citada naqueles termos, a DD veio apresentar contestação.
Nesse articulado, aceita alguns dos factos alegados pela A. e pela R , e impugna os demais. Quanto a estes, numa parte invoca o desconhecimento, não sendo os mesmos pessoais; e, noutra contrapõe a sua versão através da alegação de outros factos.
Numa segunda parte do articulado, sob o título ”Direito” e subtítulo “Da inadmissibilidade do chamamento da Ré”, referindo-se à intervenção requerida pela “Ré BB”, invocando os artigos 325.º e 31.º B, do CPC, defende não se encontrarem preenchidos os necessários requisitos, em razão desse chamamento só poder “ser efectuado pelo autor” (artigos 9 a 10), para concluir “que a intervenção provocada pela Ré não é admissível no caso em apreço” (art.º11).
Em seguida, agora sob o subtítulo “DA ILEGITIMIDADE DA RÉ”, sustenta que atentos o pedido e a causa de pedir indicados pela A., ter-se-á que concluir que apenas a BB tem legitimidade para assumir a posição de ré no processo, concluindo ser parte ilegítima, pelo que deve ser absolvida da instância (artigos 12 a 13.1).
Conclui, pugnando por “ser julgado inadmissível o chamamento da Ré DD”, e “procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da ré, sendo esta absolvida da instância”.
Foi proferido despacho saneador (fls.155 e sgts), no qual, na sequência da fundamentação, concluiu-se o seguinte “Estamos, pois, em sede do disposto no art.º 31.º -B do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 1.º n.º2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, devendo, atentos os fundamentos da acção e a posição das partes relativamente aos mesmos, ser a interveniente considerada parte legítima e válida a intervenção, requerida que foi pela A. (cfr. Fls 111) e verificados que estão os pressupostos enunciados nos arts. 325.º n.º2 e 326.º, ambos do Código de Processo Civil.
Por tudo o exposto, julgo admissível a intervenção e improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela interveniente”.
I.5 Inconformada com essa decisão, a R. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios.
Com as alegações a recorrente apresentou as respectivas alegações, delas constando o seguinte:
(…)
I.6 A R. contra alegou, sintetizando as suas alegações nas conclusões seguintes:
(…)
I.5. Foram colhidos os vistos legais.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca para apreciação é a de saber se estão verificados os requisitos legais para se considerar admissível a intervenção principal provocada da DD, SA, requerida pela A.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão são os constantes do relatório.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
II.2.1 O art.º 268.º do CPC, consagra princípio da estabilidade da instância, dele decorrendo que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Assim, como regra, a pluralidade das partes é inicial, constituída no momento da propositura da acção.
Porém, como se sabe, essa regra comporta várias excepções, entre elas, no que aqui interessa, pela intervenção de terceiros [art.º 270.º al. b), do CPC], efectuada através dos incidentes processuais regulados no art.º 320.º e ss do CPC.
No que respeita à intervenção principal provocada, que é o que está aqui em causa, dispõe o art.º 325.º o seguinte:
[1] Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
[2] Nos casos previstos no artigo 31º-B, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
[3] O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar.
É sabido que a reforma ao Código de Processo Civil, operada pelo Decreto- Lei n.º 329-A/95 de 12-12, diploma que logo depois foi complementado pelo Decreto-lei n.º 180/96, de 25-9, procedeu à reformulação da secção atinente à intervenção de terceiros, introduzindo uma profunda reestruturação, quer a nível sistemático, quer em termos substanciais, procurando assim corresponder, como o próprio preâmbulo assinala, à “(..) necessidade de proceder a uma racionalização das diversas formas de intervenção de terceiros em processo pendente, de modo a evitar a sobreposição dos campos de aplicação dos diferentes tipos de intervenção previstos na lei, articulando-os em função do interesse em intervir que os legitima, dos poderes e do estatuto processual conferidos ao interveniente e da qualidade (terceiro ou parte primitiva) de quem suscita a intervenção (espontânea ou provocada) na lide”.
Atendendo precisamente à extensão das alterações introduzidas, o legislador cuidou de deixar expressas nesse mesmo preâmbulo as linhas mestras da nova arquitectura dos incidentes de intervenção, aí se lendo, no que respeita à intervenção principal provocada, apontada como tendo sido objecto das “alterações mais significativas” o seguinte:
- «Assim, o âmbito deste incidente resulta, desde logo, alargado, como reflexo da ampliação do campo de aplicação das figuras do litisconsórcio e coligação iniciais, tornando-se nomeadamente possível o chamamento destinado à formulação de pedido subsidiário contra o interveniente, o que possibilitará, em muitos casos, em termos inovatórios no nosso ordenamento jurídico processual, o suprimento da própria «ilegitimidade» singular, trazendo à causa e direccionando-a contra, afinal, o verdadeiro interessado directo em contradizer.
Impõe-se, por outro lado, ao chamante o ónus de indicar a causa do chamamento e alegar o interesse que, através dele, se pretende acautelar, como forma de clarificar liminarmente as situações a que o incidente se reporta e ajuizar com segurança a legitimidade e o interesse em agir de quem suscita a intervenção e é chamado a intervir.(..)»
Logo daqui se retira que a intervenção provocada apenas é admissível em relação ao chamado que seja parte legítima, isto é, que seja titular de um interesse em agir na causa, seja como associado do chamante, seja como associado da parte contrária [Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 5-03-2008, proc.º 321/2008-4, José Feteira, disponível em http://www.dgsi].
E, também logo daqui se extrai a razão de ser do n.º3, do art.º 325.º, impondo ao autor do chamamento o ónus de alegar a causa do chamamento e de justificar o interesse que, através dele, pretende acautelar.
Por outro lado, como decorre do n.º2, do art.º 325.º, a intervenção principal provocada passiva é possível “Nos casos previstos no artigo 31º-B”, admitindo-se que o autor possa “chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido”.
Importa, pois, atentar na norma contida no referido art.º 31.º-B, com a epígrafe “Pluralidade subjectiva subsidiária”, onde se dispõe que «É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida».
Numa outra leitura, nos casos em que determinado autor, haja ou não pluralidade de autores, tenha uma dúvida fundada sobre o sujeito titular da relação material controvertida, é-lhe permitido deduzir um pedido contra réu diverso do que aquele que demanda ou é demandado a título principal. Significa isto, que as situações abrangidas pela norma são aquelas em que, “por um lado, (1) o credor da prestação ignora, sem culpa, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no acto ou no facto que serve de causa de pedir; e, por outro, de eventualidade em que (2) o credor da pretensão ignora se é titular activo dela ou se é o único titular activo. Assim, na primeira situação, o autor pode demandar (inicialmente) um réu e formular subsidiariamente contra ele um pedido no caso de dúvida fundamentada sobre quem é o verdadeiro sujeito no caso de dúvida fundamentada sobre quem é o verdadeiro sujeito passivo da relação material controvertida. O autor, ainda no âmbito daquela primeira hipótese, terá que afirmar quais as razões que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que configura ou apresenta (pluralidade subjectiva subsidiária [J.P. Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, pp.398].
Por conseguinte, vale isto por dizer que a intervenção principal provocada passiva permitida pelo n.º2, do art.º 325.º, isto é, nos “Nos casos previstos no artigo 31º-B”, depende sempre, e necessariamente, da verificação dos requisitos de aplicação deste normativo, para o qual remete, sendo que neste estão contempladas situações de litisconsórcio (subsidiário e alternativo), sem excluir também, segundo Miguel Teixeira de Sousa, situações de coligação “(..) porque ambos cabem na previsão do art.º 31.º-B” [Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 182].
II.2.2 Revertendo ao caso, verifica-se que a A. inicialmente propôs a acção contra a R. BB, Lda, imputando-lhe a qualidade de sua empregadora, justificando tal com o facto de com ela ter inicialmente celebrado um contrato de trabalho a termo, em 25 de Janeiro de 1995, facto que determinou o início da prestação da actividade para a qual foi contratada, mais precisamente, para exercer funções inerentes à categoria profissional de 2.ª oficial praticante, sob a autoridade, direcção e fiscalização daquela, cumprindo um determinado horário de trabalho.
Considerados esses factos alegados, bem assim que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por comunicação da R. e, ainda, que a retribuição da A. era paga pela R., aparentemente esta seria efectivamente a sua entidade empregadora. Na verdade, estão aqui reunidos indícios aparentemente suficientes para sustentar essa conclusão.
Todavia, sabe-se que essa aparência resultante da conjugação de certos indícios nem sempre coincide com realidade, antes podendo existir, à luz do direito laboral, encoberta uma relação de trabalho subordinado com outra entidade. É o que acontece, por exemplo, nos casos em que seja ilícita a cedência ocasional de trabalhador ou a prestação de trabalho temporário.
De resto, é justamente essa a tese sustentada pela R. na sua contestação, ao alegar que apenas processava a retribuição à A., e que o trabalho por esta sempre foi prestado sob a autoridade, direcção e disciplina da DD, SA, de quem recebia ordens, nas instalações e utilizando materiais e utensílios de trabalho àquela pertencentes, comunicando-lhes as ausências e perante quem marcava férias. Para além disso, alegando ainda que a sempre assumiu o pagamento das indemnizações aos trabalhadores recrutados pela A..
É com essa base de argumentação que a R. pretende sustentar a afirmação de que a verdadeira entidade empregadora da A. é a DD, invocando, inclusive, que num determinado caso, em que ambas foram RR., esta Relação, em acórdão de 19 de Novembro de 2008, [Apelação n.º 4815/08-04], veio a considerar “(..) que a contratação em causa, em tudo semelhante à da A., não poder ser enquadrável no âmbito do trabalho temporário, nem na cedência ocasional de trabalhadores, quer do ponto de vista substancial, quer formal, podendo antes concluir-se pela vinculação do trabalhador à R. DD SA, a quem efectivamente prestava trabalho permanente e em exclusivo desde o início do contrato” [cfr. art.º 37.º].
Voltando de novo ao alegado inicialmente pela A., importa assinalar que para além daqueles factos que referimos, logo foram também alegados outros que permitem estabelecer uma conexão com a chamada DD, SA., ainda que esse não tenha sido o propósito da sua alegação. Com efeito, ali consta já que a A. sempre prestou a sua actividade de processamento das facturas em sistema, entenda-se, da DD e não da R., tendo como local de trabalho os escritórios daquela, inicialmente CC, Lda, e mais tarde denominada DD.
Para além disso, embora com menor relevo, consta também na indicação da actividade da R, que esta, para além do mais, inclui a cedência temporária de mão-de-obra a terceiros.
Neste contexto, isto é, considerados os factos inicialmente alegados pela A., bem assim o que decorre do alegado pela R, cremos ser de aceitar que aquela, confrontada com a posição assumida por esta, tenha ficado na dúvida fundada sobre quem afinal será a sua entidade empregadora e, logo, o sujeito da relação material controvertida.
São os termos da contestação da R. que suscitam a dúvida na A. e determinam a necessidade de fazer intervir a DD, a fim de garantir a possibilidade de obter um efeito útil com a acção.
Justamente por isso, a A. veio requerer a intervenção provocada principal da DD, SA, dizendo desconhecer que relações existiam entre a R. BB, Lda e a CC, designadamente a existência de um contrato de prestação de serviços para operação nas instalações da última, bem como se os pagamentos dos serviços da R. por parte da CC eram feitos por trabalhador, em função da factura enviada pela primeira facturando o vencimento e subsídios do trabalhador, sendo o respectivo pagamento enviado por aquela última à R, que depois pagava ao trabalhador, para a partir daí afirmar que [art.º 9.º] “Todavia, face ao ora alegado pela R. BB, Ldª, a A. tem sérias e fundamentadas dúvidas sobre os sujeitos da relação jurídica controvertida, isto é, desconhece quem era efectivamente a sua entidade empregadora, designadamente se os poderes de autoridade e direcção e disciplina eram tão só exercidos pela DD, SA, ou também pela R. BB”; [art.º 10.º] “E, embora tenha recebido ordens directas dos procedimentos e sobre o serviço de escritório e do processamento das facturas, directamente de superiores da DD, desconhece se o seu horário de trabalho foi fixado de acordo com a conveniência de serviço desta última, assim como o demais que vem alegado nos art.ºs 18.º a 29.º da contestação”.
Em suma, reafirmado o essencial dos factos alegados na PI, vem também alegar factos para fundamentar a dúvida que lhe surgiu e demonstrar que a mesma não lhe é imputável.
A dúvida consiste em saber em saber quem afinal detinha os poderes de autoridade, direcção e disciplina sobre a A. e surge-lhe face ao alegado pela R. na contestação, onde se incluem factos que aquela desconhece, nomeadamente relativos à relação contratual entre ela e a DD no que respeita aos trabalhadores, como é o caso da A,, que celebraram um contrato de trabalho com a R., mas para prestar a sua actividade à DD, em instalações desta e com os meios desta.
E, a dúvida é fundada, se considerarmos o que a R. alega, bem assim que A. sempre terá prestado trabalho nas instalações da DD e em benefício da actividade desta, acrescendo, como foi alegado no incidente, que recebeu “ordens directas dos procedimentos e sobre o serviço de escritório e do processamento das facturas, directamente de superiores da DD” e, que desconhece “(..) se o seu horário de trabalho foi fixado de acordo com a conveniência de serviço desta última”.
Não assiste, pois, razão à recorrente DD quando argumenta que a A. não fundamentou a dúvida ao deduzir o requerimento, limitando-se a remeter para a contestação. É certo que a A. remete para o que “ demais que vem alegado nos art.ºs 18.º a 29.º da contestação”, mas como se vê, também não o é menos que usou argumentos próprios, bem assim que os mesmos são suficientes para justificar porque lhe surge a dúvida, que a mesma é fundada e que não lhe é imputável.
Isto é, o alegado pela A. no requerimento de intervenção provocada concretiza quais as causas justificativas do chamamento, nomeadamente, as razões ou fundamentos donde resulta o invocado interesse em agir e a legitimidade determinantes da pretendida intervenção provocada, condição necessária para que o mesmo seja admissível.
Tendo-se aqui presente, como é entendimento pacífico desde a reforma do Código de Processo Civil de 1996, quer da doutrina quer da jurisprudência, que a legitimidade processual é apreciada pela relação controvertida, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, aferindo-se pelo interesse directo daquele em demandar e pelo interesse directo do réu em contradizer. Visando a A. através do chamamento trazer à acção aquela que afinal pode ser a sua entidade empregadora, a chamada é parte legitima, na medida em que tem interesse em contradizer aquela posição (art.º 26.º do CPC).
Em suma, em conformidade com o exigido pelo n.º3, do art.º 325º do CPC, a A. cumpriu o ónus de indicar a causa do chamamento e de explicar o interesse que, através dele, se pretende acautelar, como forma de clarificar liminarmente as situações a que o incidente se reporta e de permitir ajuizar com segurança a legitimidade e o interesse em agir, quer sua quer do chamado a intervir.
Por último, coloca-se, a questão do pedido deduzido no requerimento de intervenção principal provocada, opondo a recorrente que a causa de pedir invocada pela Autora não permite a sua condenação e a da Ré, e que que “a pluralidade subjectiva subsidiária prevista no artigo 31.°.-B do CPC, para a qual remete o artigo 325.°/2 do mesmo diploma, pressupõe o chamamento de terceiro para contra ele ser formulado pedido subsidiário”.
Refere-se a recorrente ao facto de a A. na formulação do pedido, ter utilizado a expressão “ambas sejam, solidariamente condenadas”, inculcando a ideia de que existirá uma obrigação solidária por parte da R. e da chamada, relativamente à A., isto é, respondendo cada uma delas pela prestação integral (art.º 512.º n.º 1 do CC).
Porém, salvo devido respeito, se atentarmos na causa de pedir, isto é, nos factos alegados pela A. na petição inicial e, também, os que alicerçam o requerimento de intervenção, para sustentar o efeito jurídico que pretende fazer valer através da acção, conclui-se com segurança deles não resultar de todo que esteja subjacente a ideia de que a R. e a chamada sejam seus devedores solidários, crendo aquela que, procedendo a acção, por ser julgado ilícito o despedimento, qualquer deles deva “reintegrá-la nos seu posto de trabalho” ou, em alternativa, “pagar-lhe indemnização”, bem como “as retribuições já vencidas e as que se vierem a vencer até decisão final”.
Na verdade, veja-se que a A. reafirma o que alegou na petição inicial. Vai é para além disso, para justificar o chamamento afirmando a dúvida “sobre os sujeitos da relação jurídica controvertida, isto é, desconhece quem era efectivamente a sua entidade empregadora”, para concluir que por isso, é “necessário chamar aos autos a DD, SA”.
Por conseguinte, a leitura mais consentânea com o alegado, nomeadamente pela reafirmação de factos essências da PI tendentes à demonstração de uma relação de trabalho subordinado com a R., leva a interpretar que a A., em primeira mão, entende que aquela é a sua empregadora e, logo, contra quem quer fazer valer os efeitos jurídicos decorrentes da ilicitude do despedimento. Mas, perante a dúvida colocada pela contestação desta, se esta não o for, então pugna para que seja a chamada DD e, logo, essa quem deverá ser condenada nos pedidos.
Precisamente por isso, o uso da expressão solidária foi desadequado, mas não compromete o incidente. De resto, não pode a recorrente esquecer que se trata de uma expressão jurídica (e conclusiva), não estando o julgador vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 664.º do CPC).
Diz-se pedido subsidiário aquele que é apresentado ao tribunal para ser considerado somente no caso de não proceder o anterior [art.º 469.º 1 do CPC]. Para que haja pedido subsidiário, um dos pressupostos é que haja um pedido principal. O pedido subsidiário apenas poderá ser apreciado e julgado no caso do pedido principal ser considerado improcedente.
É justamente o que ocorre no caso concreto. O que a A, pretende é provocar a intervenção de um réu subsidiário, contra ele deduzindo um pedido subsidiário para ser apreciado no caso de não lograr vencimento contra o R. primitivamente demandado, contra quem é deduzido o pedido principal, isto é, caso este pedido improceda.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura.
***
Considerando o disposto no art.º 446.º n.º1 e 2, do CPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrente que, atento o decaimento, a elas deu causa.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Outubro de 2012

Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Celina Nóbrega