CLÁUSULA PENAL
Sumário

1. A responsabilidade civil contratual tem como pressupostos: a) a prática de um acto ilícito – que, aqui, consiste na inexecução da obrigação; b) a materialização desse acto com culpa – ou seja, a «não concretização da prestação debitória» em termos subjectiva ou objectivamente (neste caso em situações excepcionais) atribuível ao devedor; c) que tal acto seja danoso – id est, que gere prejuízos; d) que os danos produzidos brotem da omissão de cumprimento – ou seja, que entre o acto ilícito e culposo e os prejuízos exista uma relação de causalidade.
2. A ponderação do preenchimento destes elementos deve fazer-se em sede de subsunção dos factos dados como demonstrados e integralmente aceites nas alegações de recurso.
3. A fixação de cláusula penal nos termos do disposto no n.º 1 do art. 810.º do Código Civil tem a finalidade primária de estimular o devedor ao cumprimento do contrato e a secundária de garantir ao credor uma indemnização pelos danos, liquidada antecipadamente. Complementarmente, visa um interesse público de prevenção da Iitigiosidade permitindo, ainda, ao credor saber, por antecipação, o montante da indemnização que lhe caberá e, ao devedor, prever com rigor os custos associados.
4. À míngua de referências de sinal distinto, tem que se extrair dos pactos negociais em que se estabeleceram cláusulas penais que o que aí se pretendeu foi impor valores pecuniários orientados para a definição, com antecipação, da indemnização devida em caso de incumprimento definitivo; assim é quando não se tenha fixado prazos – logo não se podendo falar na instituição de uma cláusula penal moratória mas apenas compensatória – sendo relevante apelar à comum da semântica contratual da palavra «incumprimento» que, em termos de normalidade, é reservada para situações de incumprimento definitivo.
5. Ao apurar-se que as partes fixaram cláusulas penais de forma a atribuir a uma contraente a obrigação de proceder «ao pagamento imediato do total da dívida no montante (...), acrescido de uma penalização do mesmo valor», não se cristaliza, com a necessária segurança, que as mesmas tenham admitido que pudesse ser exigido o cumprimento e o pagamento cumulativo da cláusula penal compensatória mas, apenas, que usaram o valor da dívida, ou seja, a dimensão do cumprimento, como critério de apuramento do valor indemnizatório, não se estando perante «cláusulas penais compulsivo-sancionatórias»; entendimento no sentido da cumulação feriria o disposto no n.º 1 do art. 811,º do Código Civil.
(CMM)

Texto Integral

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

B - P CORPORATION, LIMITED e A B - P LIMITED, ambas com os sinais constantes dos autos, instauraram acção declarativa de condenação com processo ordinário contra D C - EDIÇÕES TÉCNICAS E CULTURAIS, LD.ª, neles melhor identificada, por intermédio da qual pediram que fossem declaradas proprietárias das obras e filmes mencionados na petição inicial e a Ré condenada a pagar-lhes quantias pecuniárias e juros de mora nos termos aí melhor discriminados.
Alegaram, para o efeito, que:
No âmbito das suas actividades comerciais, a Autora B e a Ré celebraram vários contratos, tendo sempre por base que a Autora é proprietária e legítima titular dos direitos de marca sobre a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (GEPB); entre tais contratos situou-se um Contrato de Edição, Reprodução e Comercialização da GEPB, de acordo com o qual a Autora B concedeu à Ré autorização para reimprimir colecções da mesma, em quarenta volumes; no âmbito desse contrato, em que a Autora B concedeu à Ré autorização para a reimpressão das colecções da GEPB, a mesma teve de fornecer à Demandada os filmes que servem de matriz para a duplicação das obras, sem os quais a reimpressão não é possível; é a partir desses filmes que se consegue reimprimir as obras da GEPB; tais filmes foram entregues por aquela Autora à Ré apenas e somente para cumprimento e no âmbito do aludido contrato, sem que passassem a ser propriedade da Demandada; celebraram também contratos de «Autorização de Uso da Marca GEPB»; a Autora A B e a Ré celebraram um contrato de reprodução, distribuição e comercialização dos Atlas das Literaturas, Atlas das Religiões e Atlas da Arquitectura; no âmbito desse contrato, foram fornecidos à Ré os filmes que servem de matriz para a duplicação dos referidos Atlas, sem os quais a reimpressão não é possível; os filmes foram entregues por esta Autora A B à Ré, apenas e somente para cumprimento e no âmbito do aludido contrato, sem que passassem a ser propriedade da Ré; foram celebrados, pelas Autoras e pela Ré, acordos ulteriores incidentes sobre o pagamento dos valores em dívida, que continham menções a penalizações aplicáveis em caso de incumprimento; a Ré encontra-se, desde o dia 04 de Janeiro de 2011, em incumprimento das obrigações mencionadas no primeiro articulado; tal incumprimento gerou os prejuízos aí descritos.
A Ré contestou pedindo a suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial e concluindo pela improcedência da acção e consequente necessidade da sua absolvição do pedido. Pediu, ainda, a condenação das Demandantes como litigantes de má-fé. Para o efeito, impugnou factos e invocou outros dos quais emergiria a apontada má-fé.
As Demandantes pronunciaram-se sobre a questão da má-fé e a sobre a eventual existência de causa prejudicial, concluindo negativamente quanto a esta e no sentido de deverem ser absolvidas do peticionado no domínio da referida má-fé.
Em sede de saneamento, o Tribunal «a quo» julgou improcedente a arguição de existência de causa prejudicial, não ordenando a suspensão da instância e, com fundamento na simplicidade da causa, conheceu de mérito. Concluiu o saneador-sentença, proferido em tal contexto, com a seguinte decisão:
«Termos em que se julga a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a Ré:
«a) a entregar à B 640 obras completas da Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira em 50 volumes e a reconhecer que após a entrega aquela é proprietária das referidas obras;
b) a entregar à A B 442 obras completas da Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira em 50 volumes e a reconhecer que após a entrega aquela é proprietária das referidas obras;
c) a pagar à B a quantia de € 266,84 acrescida de juros de mora calculados à taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1º dia de Janeiro ou de Julho, consoante se esteja respectivamente no 1º ou no segundo semestre do ano civil, acrescida de 7%, taxa de juro esse que é divulgada no DR, 2ª Série, por aviso da Direcção Geral do Tesouro desde 22.12.2011. até á presente data e desde a presente data até integral pagamento á taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais singulares ou colectivas que vigorar;
d) a pagar à A B a quantia de € 173,00 acrescida de juros de mora calculados à taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu á sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1º dia de Janeiro ou de Julho, consoante se esteja respectivamente no 1º ou no segundo semestre do ano civil, acrescida de 7%, taxa de juro esse que é divulgada no DR, 2ª Série, por aviso da Direcção Geral do Tesouro desde 22.12.2011. até á presente data e desde a presente data até integral pagamento á taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais singulares ou colectivas que vigorar, absolvendo-a de tudo o mais peticionado.
Julga-se ainda improcedente o pedido de condenação das AA. como litigantes de má-fé.»
É desta sentença que vem o presente recurso interposto pelas Autoras, que alegaram e apresentaram as seguintes conclusões:
«A) Conforme resulta do disposto no artigo 406.º do Código Civil o contrato deve ser pontualmente cumprido, dispondo as partes, balizadas pela Lei, de liberdade de estipulação e de liberdade de celebração, apanágio do princípio da autonomia privada (artigos 405.º e 398.º, ambos do Código Civil).
B) Verificando-se o incumprimento do contrato, imputável ao devedor, este responderá pelos prejuízos causados ao credor (artigos 798.º e 564.º do Código Civil), sendo o direito de exigir responsabilidade um direito imperativo, fora do espaço livre de que as partes dispõem (cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, in Direito Civil, 1980).
C) Não pode colher o argumento que a possibilidade de venda tardia das obras justifica o afastamento da obrigação de indemnizar, os prejuízos devem ser indemnizados, e liquidados os competentes juros de mora, devendo em conformidade ser revogada a sentença proferida nos presentes autos, na parte objecto do presente recurso.
Sem conceder,
D) A lei prevê a possibilidade de fixação de cláusula penal, bem como a possibilidade de cumulação do cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal acordada (artigos 810.º e 811.º do Código Civil), quando a cláusula penal tem natureza moratória.
E) Conforme refere Carlos Alberto da Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição: A especificidade desta cláusula traduz-se no facto de ela ser acordada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento. (…) A finalidade da mesma é de ordem exclusivamente compulsória: destina-se, tão-só, a pressionar o devedor ao cumprimento (…). (…) a sua legitimidade decorre do principio da liberdade contratual, funda-se no acordo das partes.
F) Não pode colher a interpretação do Tribunal a quo que as cláusulas penais fixadas nos contratos outorgados entre Recorrentes e Recorrida não revestem natureza moratória: i) as partes acordaram um prazo de entrega; ii) a palavra “acrescer” na redacção das cláusulas penais deverá ser interpretada no sentido de que as partes pretenderam acordar um plus, a cumulação do cumprimento e da cláusula penal; iii) a liberdade contratual permite que as partes acordem o montante que entendem como adequado.
G) A cláusula penal constituirá um incentivo ao cumprimento tanto maior quanto mais elevado for o seu montante (Cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição).
H) Deverá assim proceder a argumentação aduzida pelas ora Recorrentes, devendo ser liquidado às Recorrentes o montante fixado a titulo de cláusula penal e competentes juros de mora e, consequentemente, ser revogada a sentença proferida nos presentes autos, na parte objecto do presente recurso,
I) É o que se impõe e o que se requer!»
Terminaram pedindo a revogação da sentença na «na parte em que indefere os pedidos das alíneas d) e f) e subsidiariamente, e sem conceder, das alíneas g) e h), bem como a alínea i)».
A Recorrida, no quadro da sua resposta às alegações, veio ampliar o objecto do recurso, estendendo-o à revogação parcial da decisão de facto e, ainda, à apreciação de outros fundamentos da defesa que foram rejeitados ou não apreciados na Sentença recorrida.
Apresentou as seguintes conclusões:
«1. Devem ser dados como Provados e aditados à Decisão de Facto, na redacção proposta, a factualidade acima elencada sob os n.ºs 34 a 48.
2. A Recorrida cumpriu as obrigações a que se vinculou perante as Recorrentes.
3. Por via da dação em cumprimento (datio in solutum), verificou-se o cumprimento dos acordos celebrados entre as Partes (Art. 592º, n.º 2, Código Civil).
4. A dação em cumprimento tal como configurada no acordo celebrado entre as Recorrentes e a Recorrida – por via da qual as primeiras adquiriram, para satisfação do seu crédito, as referidas obras GEPB – consistiu, pois, numa forma de extinção da dívida da Recorrida.
5. A entrega das obras pela Recorrida às Recorrentes, que as adquiriram a título de dação em cumprimento (datio in solutum ou datio pro soluto) integra o conceito de transmissão de bens definido no Art. 3.º, n.º 1, CIVA, estando, pois, sujeita a imposto, uma vez que se transfere o direito de propriedade do bem.
6. Por esse motivo, está a Recorrida obrigada a emitir factura − conforme resulta do disposto no Art. 29.º, n.º 1, alínea b), CIVA – e as Recorrentes obrigadas a pagar o IVA correspondente.
7. Nenhuma das previsões fácticas que legitimaria o acionamento das cláusulas penais (estatuição da norma convencional) se verificou, in casu, razão pela qual nunca as mesmas poderiam ser accionadas como pretendem as Recorrentes.
8. Não é possível falar-se em lucros cessantes ou quaisquer prejuízos de outra natureza decorrentes da não venda de enciclopédias no mercado angolano, na medida em que tal circunstância não advém de qualquer conduta ilícita da Recorrida, sendo apenas imputável às próprias Recorrentes.»
Terminou pedindo que fosse negado provimento à Apelação e que, se assim não se entendesse, fossem «atendidas todas as questões explanadas no âmbito da ampliação do objecto dessa mesma Apelação, (...) impondo-se, sempre, a absolvição da Recorrida».
As Autoras responderam à matéria da ampliação concluindo que:
«A) Não devem ser dados como provados e, consequentemente, não devem ser aditados à decisão de facto, os factos elencados pela Recorrida sob os números 34 a 48.
B) A Recorrida incumpriu as obrigações a que se vinculou perante as Recorrentes.
C) Os acordos celebrados pelas Partes apenas se considerariam concluídos com a entrega das obras, e não apenas com a dação acordada.
D) Não há lugar ao pagamento de IVA por parte das Recorrentes nos contratos outorgados pelas Partes.
E) Verificam-se os factos que legitimam o accionamento das cláusulas penais por parte das Recorrentes.
F) O incumprimento da Recorrida originou danos às Recorrentes, que decorreram unicamente da conduta da Requerida.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Ex.as douta mente suprirão:
(a) (...)
(b) (…) não deverão ser atendidas as questões explanadas no âmbito da ampliação do objecto da Apelação, deduzidas pela Recorrida.»

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Não pode colher o argumento de que a possibilidade de venda tardia das obras justifica o afastamento da obrigação de indemnizar, antes os prejuízos devem ser indemnizados, devendo ser liquidados os competentes juros de mora?
2. Não pode colher a interpretação do Tribunal «a quo» no sentido de que as cláusulas penais fixadas nos contratos outorgados entre Recorrentes e Recorrida não revestem natureza moratória porquanto: «i) as partes acordaram um prazo de entrega; ii) a palavra “acrescer” na redacção das cláusulas penais deverá ser interpretada no sentido de que as partes pretenderam acordar um plus, a cumulação do cumprimento e da cláusula penal; iii) a liberdade contratual permite que as partes acordem o montante que entendem como adequado»?
3. Devem ser dados como provados e aditados à Decisão de Facto, na redacção proposta, os factos elencados sob os n.ºs 34 a 48 das alegações da Recorrida?
4. Por via da dação em cumprimento, verificou-se o cumprimento dos acordos celebrados entre as Partes?
5. 5. Nenhuma das previsões fácticas que legitimariam o acionamento das cláusulas penais (estatuição da norma convencional) se verificou, in casu, razão pela qual nunca as mesmas poderiam ser accionadas como pretendem as Recorrentes?
6. Não é possível falar-se em lucros cessantes ou quaisquer prejuízos de outra natureza decorrentes da não venda de enciclopédias no mercado angolano, na medida em que tal circunstância não advém de qualquer conduta ilícita da Recorrida, sendo apenas imputável às próprias Recorrentes?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 713.º do Código de Processo Civil, remete-se, aqui, no que respeita à matéria de facto, para os termos da decisão da 1.ª instância que a avaliou.
Fundamentação de Direito
1. Não pode colher o argumento de que a possibilidade de venda tardia das obras justifica o afastamento da obrigação de indemnizar, antes os prejuízos devem ser indemnizados, devendo ser liquidados os competentes juros de mora?
A responsabilidade civil contratual tem como pressupostos: a) a prática de um acto ilícito – que, aqui, consiste na inexecução da obrigação; b) a materialização desse acto com culpa – ou seja, a «não concretização da prestação debitória» (na terminologia de TELLES, Inocêncio Galvão, in Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 1986, pág. 300) em termos subjectiva ou objectivamente (neste caso em situações excepcionais) atribuíveis ao devedor; c) que tal acto seja danosoid est, que gere prejuízos; d) que os danos produzidos brotem da omissão de cumprimento – ou seja, que entre o acto ilícito e culposo e os prejuízos exista uma relação de causalidade.
Era o preenchimento destes elementos ou requisitos o que o Tribunal «a quo» tinha como missão avaliar. Tal ponderação deveria fazer-se em sede de subsunção dos factos dados como demonstrados e integralmente aceites no quadro do presente recurso. É este o percurso técnico que importa analisar com vista à avaliação da questão proposta.
Face aos factos cristalizados e integralmente aceites pelas Recorrentes, ficámos a saber que, na sequência dos contratos inicialmente celebrados entre elas e a recorrida e objecto da acção no seio da qual emergiu o presente recurso, as partes reenquadraram as suas relações negociais em 12 de Outubro de 2008 – nos termos definidos nos seus pactos intitulados «Acordo de Reconhecimento e Regularização de Dívida» – e 05 de Março de 2009 – através de um «Aditamento ao acordo celebrado entre B - P Corporation Limited e Domingos Castro - Edições Técnicas e Culturais, Ldª, celebrado em 12 de Outubro de 2008» e «Aditamento ao acordo celebrado entre A B Limited e D C - Edições Técnicas e Culturais, Ldª, celebrado em 12 de Outubro de 2008».
Da análise da matéria fáctica fixada, quer quanto ao período anterior à subscrição de tais pactos negociais quer relativamente aos respectivos termos quer, ainda, quanto à ulterior «vida» dos contratos, extraímos as seguintes conclusões: a) não se forma convicção da existência de qualquer situação de incumprimento definitivo; b) não se definem, nos pactos negociais de reenquadramento dos contratos, que receberam a denominação de «aditamento», prejuízos já sofridos em virtude da mora debitória, a ressarcir; c) não se demonstram quaisquer prejuízos ulteriores à subscrição de tais pactos.
Não há demonstração da existência do pressuposto «dano» entre os factos que as Recorrentes aceitaram ao não impugnar a sua escolha como relevantes para a decisão e cristalização.
Quando o Tribunal «a quo» referiu: «O simples facto de durante determinado período as AA. não terem tido a disponibilidade das obras em causa, não é causa adequada da perda do lucro que as AA. estimam obter com as mesmas (...) O que poderia ser causa adequada da perda do lucro seria a impossibilidade de as vender e, assim obter as respectivas receitas e lucros», estava a fazer menção a uma realidade mais vasta e significativa, ainda que de expressão menos pormenorizada, ou seja, estava a dizer que não se provou que a conduta da Demandada, apurada nos autos, tenha gerado danos.
Assim ocorre, efectivamente, sendo que nem as Recorrentes vieram indicar, entre os factos provados, aqueles que apontariam para o preenchimento de tal pressuposto. Era seu o ónus probatório, por força do disposto no n.º 1 do art. 342.º do Código Civil.
A rarefacção demonstrativa leva à formulação de resposta negativa à questão gerada e sob análise, com o sentido e enquadramento ora enunciados, o que neste momento se faz, com consequências a extrair a final.

2. Não pode colher a interpretação do Tribunal «a quo» no sentido de que as cláusulas penais fixadas nos contratos outorgados entre Recorrentes e Recorrida não revestem natureza moratória porquanto: «i) as partes acordaram um prazo de entrega; ii) a palavra “acrescer” na redacção das cláusulas penais deverá ser interpretada no sentido de que as partes pretenderam acordar um plus, a cumulação do cumprimento e da cláusula penal; iii) a liberdade contratual permite que as partes acordem o montante que entendem como adequado»?
Conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-10-2010, processo n.º 4529/07.1TVLSB.L1-8 – in http://www.dgsi.pt – «I. A fixação por acordo do montante da indemnização exigível, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 810.º do Código Civil tem a finalidade primária de estimular o devedor ao cumprimento do contrato e a secundária de garantir ao credor uma indemnização pelos danos, liquidada antecipadamente. Responde, também, a um interesse público na prevenção da Iitigiosidade, ou seja, uma função que extravasa os estritos contornos egoístas do contrato. Tal cláusula tem, ainda, a importância complementar de permitir ao credor saber o montante da indemnização que lhe caberá e, ao devedor, prever com rigor os custos associados ao incumprimento deixando ambos, em caso de litígio, menos sujeitos à incerteza associada à lide, particularmente nos domínios instrutório e de subsunção fáctica. Gera, ainda, ao fazê-lo, uniformização e justiça relativa, já que permite tratar todos os devedores da mesma forma, no quadro de contratos idênticos».
No caso dos autos, é indiscutível que, nos aditamentos aos acordos de reconhecimento de dívida de 05 de Março de 2009, sempre sob a menção «em caso de incumprimento, do número anterior», se fixaram verdadeiras cláusulas penais, nos termos e para os efeitos definidos no art. 810.º do Código Civil já que, com nitidez, se determinou, por acordo, o montante da indemnização exigível.
Da análise de tais textos tem que se extrair, à míngua de referências de sinal contrário, que o que aí se pretendeu foi reenquadrar as relações jurídicas, redefinir responsabilidades, conferir às obrigações mais eficaz coercibilidade e impor valor pecuniário que definisse com antecipação a indemnização devida em caso de incumprimento. E, diga-se, apenas incumprimento definitivo, já que nesse reenquadramento das obrigações não se definiram prazos, logo não se podendo falar na instituição de uma cláusula penal moratória mas apenas compensatória.
Neste particular aspecto, teve razão o Tribunal «a quo» ao apelar ao enquadramento comum da semântica contratual da palavra incumprimento, apontando que o pactuado não contém «qualquer referência verbal que possa ser entendida como referindo-se a uma situação de mora na entrega, apenas sendo utilizada a expressão “incumprimento“, normalmente reservada, (...), para o incumprimento definitivo».
Assistiu-lhe, da mesma forma, razão na referência: «(...) o montante indemnizatório estipulado é o valor que as partes acordaram estar em dívida. Ora, não faria sentido estipular para a simples mora, uma indemnização correspondente ao valor em dívida».
Ao definir-se, entre a matéria de facto, que as partes fixaram as cláusulas penais de forma a atribuir à segunda contraente a obrigação de proceder «ao pagamento imediato do total da dívida no montante de (...), acrescido de uma penalização do mesmo valor», não se cristalizou, com a necessária segurança, que as mesmas tenham admitido que pudesse ser exigido o cumprimento e o pagamento cumulativo da cláusula penal compensatória mas, apenas, que as mesmas usaram o valor da dívida, ou seja, a dimensão do cumprimento, como critério de apuramento do valor indemnizatório em caso de incumprimento definitivo, i.e., de fixação antecipada da indemnização, não se estando perante «cláusulas penais compulsivo-sancionatórias» com o sentido emprestado a esta expressão pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2008, Processo n.º 08S2056 – in http://www.dgsi.pt – que, apesar de fazer um tratamento alargado e ambicioso de algumas possíveis vertentes da noção de cláusula penal (distinguindo-as em «cláusulas penais em sentido estrito» e «cláusulas penais puramente compulsórias»), reconheceu não poder «ultrapassar um comando tão imperativo como o que deflui do mencionado nº 1 do artº 811º».
Entendimento no sentido da cumulação feriria, justamente, de nulidade o clausulado, face ao disposto no indicado preceito, que estatui:
«1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.»
Esta referência, já de si clara, foi esclarecida pelo autor acima invocado, nos seguintes termos (ibidem, pág. 424):
«A cláusula penal compensatória não pode obviamente cumular-se com a realização específica da obrigação principal. A cláusula penal moratória pode cumular-se, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento. Esta doutrina acha-se hoje explicitada no novo preceito aditado, com o n.º 1, ao artigo 811.° do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 200-C/80, e mantido pelo Decreto-Lei n.º 262/83.»
Não estamos perante cláusula penal a funcionar em caso falta de cumprimento pontual – já que não se definiu um elemento estrutural desta noção, no caso em apreço (o tempo) – mas, antes, a despoletável sob um contexto de vero incumprimento – leia-se, não cumprimento definitivo.
Perante um tal contexto, é correcta a referência feita pelo Tribunal que proferiu a decisão criticada ao patentear que as Recorrentes «pedem o cumprimento da obrigação principal – a entrega das obras que a Ré se obrigou a entregar e que não foram entregues» pelo que «não podem pedir o pagamento da cláusula penal».
Ao contrário do vertido na parte final da questão proposta, o filão do problema colocado não se situa no montante da cláusula penal, que não foi julgado excessivo, mas na exigência da mesma em adição à pretensão de cumprimento, ou seja, à pretensão de adimplemento contratual juntamente com a de pagamento da indemnização definida para o caso de o mesmo não se verificar.
É necessariamente negativa a resposta à questão sob avaliação.

3. Devem ser dados como provados e aditados à Decisão de Facto, na redacção proposta, os factos elencados sob os n.ºs 34 a 48 das alegações da Recorrida?
4. Por via da dação em cumprimento, verificou-se o cumprimento dos acordos celebrados entre as Partes?
5. Nenhuma das previsões fácticas que legitimariam o acionamento das cláusulas penais (estatuição da norma convencional) se verificou, in casu, razão pela qual nunca as mesmas poderiam ser accionadas como pretendem as Recorrentes?
6. Não é possível falar-se em lucros cessantes ou quaisquer prejuízos de outra natureza decorrentes da não venda de enciclopédias no mercado angolano, na medida em que tal circunstância não advém de qualquer conduta ilícita da Recorrida, sendo apenas imputável às próprias Recorrentes?
Estas questões merecem uma resposta conjunta, já que todas foram formuladas num contexto de alargamento do objecto do recurso, a relevar em caso de procedência de alguma das questões supra abordadas, o que não ocorre in casu.
Por assim ser, não se tomará conhecimento das mesmas.

*
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação das Autoras totalmente improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pelas Apelantes.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2012

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
Ana de Azeredo Coelho (2.ª Adjunta)