SOCIEDADE IRREGULAR
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NULIDADE DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I – O acordo a que se reportam os autos configura, nos precisos termos do respectivo clausulado, um contrato de arrendamento, muito embora tal negócio não tenha surgido como contrato isolado entre as partes, desenvolvendo elas um negócio conjunto cujos concretos termos desconhecemos e que foi o pano de fundo em que se desenhou aquele arrendamento que manteve a sua individualidade, não se fundindo com o outro negócio que as partes mantiveram.
II - Havendo as partes estabelecido expressamente que o imóvel se destinava a ser utilizado para parque de viaturas, para a sua comercialização, lavagens, e todos os trabalhos inerentes à manutenção de viaturas de qualquer tipo, encontrarmo-nos perante um arrendamento realizado para os fins previstos no art. 110 do RAU, aplicando-se-lhe o disposto no art. 7 do RAU, na redacção em vigor ao tempo da celebração, que determinava deverem ser reduzidos a escritura pública os arrendamentos para o comércio ou para a indústria.
III - A não celebração do contrato por escritura pública implica a sua nulidade, conforme o art. 220 do CC.
IV - Improcedendo a arguição da nulidade de um contrato - mesmo em certos casos de nulidade formal dos negócios - quando esta arguição configura um abuso de direito, no caso dos autos não possuímos suficientes elementos de facto que nos conduzam ao abuso de direito.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                           *
I – “A”, “B” e “C” intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra “D”.
Alegaram os AA., em resumo:
Os dois últimos AA. são proprietários de um imóvel que foi dado de arrendamento ao R., na parte rústica, para instalação de um stand de automóveis, um barracão de lavagem e manutenção de viaturas e um escritório de apoio à actividade comercial. Tal prédio foi por eles adquirido ao 1ºA. e a “F”, mantendo-se aquele como usufrutuário de metade até 5 de Abril de 2005, data em que renunciou ao usufruto. Os AA., por si e por seus antepossuidores há mais de 40 anos que se encontram na posse do prédio, posse pública, continuada, pacífica e de boa fé.
No que àquele arrendamento concerne foi acordada uma renda de € 59,86, o que foi um acto de mero favor ao R., por haver a intenção de constituir uma sociedade para o comércio de automóveis, a qual nunca chegou a ser formalizada.
Todavia o contrato não foi celebrado por escritura pública, a qual era requisito de forma à data – 10-2-1995 - o que resulta na nulidade do mesmo.
O valor constante do contrato nunca foi pago.
Em consequência pretendem os AA. o valor da renda que consideram ser a de mercado, de €           1.250 mensais, pelo que concluem terem direito a haver do R., o 1º A. a quantia  de € 76.250, correspondente à sua quota parte no usufruto até à renúncia do mesmo, e os 2º e 3º AA. a quantia de € 90.000 a título de frutos civis correspondente a ½ do usufruto que tiveram no prédio até Abril de 2005 e após em propriedade plena.
Pediram os AA. que o R. seja condenado: a reconhecer que o 2º e 3º RR. são os únicos donos e legítimos possuidores do identificado prédio; a entregar àqueles RR. a parte rústica do mesmo prédio, livre, limpo e desocupado de pessoas e bens; a pagar ao 1º A. a quantia de 76.250,00 € correspondente à sua quota parte no usufruto até à data da renúncia ao mesmo; a pagar aos 2º e 3º AA. a quantia de 90.000,00 €  a título de frutos civis correspondente ao seu usufruto e, após, em propriedade plena; a pagar juros desde a citação até pagamento integral das quantias peticionadas.
O R. contestou. Suscitou a ilegitimidade do 1ºA e invocou o abuso de direito por durante vários anos haver sido mantido o contrato como se válido fosse para agora ser arguida a sua nulidade. Alegou que a renda que fora convencionada tivera em consideração o facto de o terreno ser rústico, encontrar-se num estado de lixeira, e parte do mesmo terreno estar arrendada; que entre o 1º A. e o R. existiu uma sociedade irregular, que funcionou nos anos de 1995 a 1997, tendo sido em função disso mesmo, que o R. informou o A. que iria passar a liquidar o valor mensal de € 399,03, valor que depois foi aumentado para € 523,73, tendo sido acordado que o R. poderia reduzir o valor da renda para o contratualmente fixado sempre que o entendesse; que a renda chegou a ser de € 997,59, tendo, porém, a partir de Agosto de 2005, o R. informado o 1ºA que passaria a ser de € 500,00 em virtude da situação do ramo automóvel ter piorado, facto que foi aceite pelo 1ºA. sem oposição, mantendo-se desde então a situação de pagamento de € 500,00 mensais.
Concluiu o R. pela improcedência da acção e pediu a condenação dos AA, como litigantes de má fé.
O processo prosseguiu e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção «parcialmente procedente, por parcialmente provada, julgando nulo o contrato de arrendamento comercial celebrado», e em consequência condenou «o R. a restituir o imóvel aos AA, desocupado de pessoas e bens, e a pagar mensalmente a quantia de €500 até à efectiva entrega do locado».
Da sentença apelou o R. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1) Vem o presente recorrer da sentença, ora em crise, que julgou a ação parcialmente procedente por provada, julgando nulo o contrato de arrendamento comercial celebrado, e em consequência condena o R. a restituir o imóvel aos AA, desocupado de pessoas e bens, e a pagar mensalmente a quantia de €500 até à efectiva entrega do locado.”
2) Em primeiro lugar, e como se irá demonstrar infra, o Tribunal a quo faz uma interpretação errada da matéria dada como provada, porquanto, e contrariamente ao decidido, o contrato não é nulo e, além disso, terá de ser considerado que a conduta dos Autores, ao invocarem a falta de forma do contrato de arrendamento, representa um «venire contra factum proprium», com as legais consequências, incorrendo, a sentença em erro de julgamento, bem como viola o disposto no art.º 334º do Código Civil.
3) Por outro lado, e tendo em conta a decisão constante da sentença, a mesma não especifica a que Autores deve o Réu pagar a quantia de 500,00€, nem a quem deve entregar o locado!
4) A todos os Autores?
5) Na sua contestação, o Réu veio deduzir a exceção da ilegitimidade do 1º Autor “A”, porquanto, aquando da propositura da presente ação, o mesmo já não era nem proprietário, nem usufrutuário.
6) No entanto, o Tribunal a quo considerou que o 1ºAutor era parte legítima, dado que, para além do pedido de reconhecimento do direito de propriedade do imóvel e a sua entrega, também era pedido a condenação do Réu no pagamento ao 1º Autor de um valor correspondente à sua quota-parte no usufruto até à sua renúncia.
7) Contudo, resulta da sentença, ora em crise, que, no que concerne ao valor da renda peticionado pelos Autores, o pedido não foi julgado procedente.
8) Parece manifestamente claro que o 1º Autor é parte vencida na presente ação.
9) Pelo que, não pode a sentença, ora em crise, decidir, de forma genérica, sem identificar a quem deve ser prestada a obrigação, quando o 1º Autor não é nem proprietário, nem usufrutuário do imóvel, qualidade que já não detinha aquando da propositura da presente ação.
10) Ora, não só a sentença, ora em crise, deveria ter julgado a ação improcedente quanto ao 1º Autor, bem como deveria ter clarificado a sua decisão quanto aos intervenientes, com as legais consequências.
11) Além disso, a sentença é contraditória quanto à sua fundamentação.
12) Porquanto, e numa primeira análise considera que “(…) nunca existiu apenas um simples contrato de arrendamento comercial, mas uma realidade atípica, mista, que envolvia dois contratos e duas realidades contratuais distintas.(…)”.
13) No entanto, numa segunda análise, vem considerar que estamos perante um contrato de arrendamento comercial e que o mesmo não foi celebrado por escritura pública, pelo que, o mesmo é nulo!
14) Sendo que, por um lado, considera que os Autores celebraram um contrato misto, através do qual o negócio dos automóveis era determinante para o valor da renda a pagar.
15) Fundamentação que o Tribunal a quo entende válida até para os 2º e 3º Autores, quando os mesmos não fizeram parte da sociedade estabelecida entre o 1º Autor e o Réu e quanto essa sociedade terminou em 1998!
16) Mas, por outro lado, e apesar de considerar um contrato misto, entende que estamos perante um contrato de arrendamento comercial, e que o mesmo é nulo por falta de forma.
17) Salvo o devido respeito, a fundamentação da sentença, ora em crise, é contraditória e obscura, incorrendo, assim, em erro de julgamento, com as legais consequências.
18) Além disso, convém relembrar que o contrato foi celebrado entre o 1º Autor e o R. em 10 de Fevereiro de 1995, tendo sido reconhecida a assinatura do 1º Autor e liquidado o respetivo imposto de selo.
19) Foi depositado na respetiva repartição de finanças.
20) O Recorrente, na posse do terreno rústico, fez as obras necessárias para a utilização do mesmo.
 21) Aliás, e cfr. resulta do documento junto aos autos, com o nº 172, com o requerimento de 2/2/2011, até Janeiro de 2011, o R. liquidou aos Autores a quantia total de €150.721,00.
22) Contudo, o 1º Autor nunca lhe entregou qualquer recibo, apesar, de instado para tal.
23) Além disso, convém realçar que, de facto, entre o 1º Autor e o Réu foi constituída uma sociedade irregular de comércio de automóveis.
24) Reafirma-se: negócio entre o 1º Autor e o Réu. E não com os 2º e 3º Autores!
25) Nesse âmbito, poder-se-á dizer que o 1º Autor e o Réu celebraram um contrato atípico e misto, que se compunha pela cedência de um espaço e pela constituição de uma sociedade irregular entre os dois.
26) Ora, à data dos factos, o contrato celebrado entre o 1º Autor e o Réu não estava sujeito a escritura pública.
27) No RAU, até à entrada em vigor do DL 64-A/2000, os arrendamentos para comércio, indústria ou exercício da profissão liberal estavam sujeitos a escritura pública.
28) A inobservância desta forma enfermava o negócio de nulidade, podendo o arrendatário desistir a todo o tempo do negócio, mas o senhorio não podia reivindicar o imóvel daquele, sob pena de venire contra factum proprium.
29) Veja-se nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de29/09/1997, in Colectânea de Jurisprudência, 1997, IV, pág. 200.
30) O disposto nos artigos 7º e 8º do R.A.U não prejudica os precisos efeitos que os artigos 1º do Decreto-Lei n.º 13/86, de 23 de Janeiro, e 1029º, n.º 3, do Código Civil, reconheciam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro.
31) O recurso à figura do abuso de direito – que admite todo o tipo de prova –  reforça as garantias de defesa do inquilino.
32) Virem os Autores, nesta ação, invocar a nulidade do arrendamento, é algo que choca e que consubstancia num verdadeiro abuso de direito, tanto mais que os 2º e 3º Autores são filhos do 1º Autor.
33) Aliás, como se sabe, chamada a tomar posição sobre este assunto, a doutrina e a jurisprudência têm aceite que a figura do abuso de direito possa evitar as consequências emergentes da inobservância da forma legal imposta a determinados negócios jurídicos.
34) Segundo a conceção objetiva, basta que o exercício do direito atinja a boa-fé, os bons costumes ou o fim económico do direito para que o abuso de direito intervenha como limitativo, modificativo ou extintivo da pretensão do agente, exigindo-se, porém, que o excesso seja manifesto.
35) Parafraseando o Prof. Mota Pinto, o intérprete, desde que lealmente aceite como boa e valiosa para o comum dos casos a norma que prescreve a nulidade dos negócios feridos de vício de forma, está legitimado para, nos casos excecionalíssimos do art.º 334º do Código Civil, afastar a sua aplicação, tratando a hipóteses como se o ato estivesse formalizado.
36) Por estar em causa a violação dos princípios da boa-fé negocial e da confiança, o abuso de direito torna, nalguns casos mais gritantes, ilegítima a invocação da nulidade do contrato por vício de forma.
37) Assim, integra a figura do abuso de direito a invocação de nulidade de um contrato de arrendamento, por falta de forma, por quem se comportou, durante alguns anos, como se o contrato fosse válido, usufruindo das vantagens desse contrato, depois de ter criado no outro contraente a confiança na validade do mesmo contrato.
38) O abuso de direito consubstanciado no «venire contra factum proprium», consiste em alguém, comportando-se de maneira a criar na outra parte a legítima convicção de que certo direito não seria exercido, vem depois a exercê-lo.
39) A figura do abuso de direito é invocável, em casos excecionais, para afastar a nulidade decorrente da falta de forma legalmente prescrita, designadamente quando não estiverem em causa interesses de ordem pública que imponham determinada forma.
40) Não podemos, porém, esquecer que a ilegalidade do exercício do direito por abuso deste também é de interesse e ordem pública, o que poderá dar origem a colisão de valores, cuja prevalência de um em detrimento do outro deve ser aferida caso a caso.
41) Havendo colisão entre a nulidade por vício de forma e o abuso de direito, este pode prevalecer sobre aquela, mesmo nos casos em que a forma exigida revista a natureza de formalidade “ad substantiam”.
42) Não existe uma sanção única e típica para o ato abusivo.
43) A sanção varia consoante a situação e, por essa razão, deverá ser determinada caso a caso.
44) O abuso de direito tem as consequências de todo o ato ilegítimo, podendo dar lugar à obrigação de indemnização, à nulidade, à anulabilidade, à inoponibilidade, à rescindibilidade do ato ou negócio jurídico, à ilegitimidade de oposição, ao alongamento do prazo de prescrição ou caducidade, ao restabelecimento da verdade ou da realidade dos atos com ele conexionados, aceitando, por exemplo, a sua validade não obstante a falta de forma exigida, concedendo a exceptio doli generalis ou specialis, recusando a ação de anulação, mantendo em vigor a relação jurídica, etc.
45) Em jeito de conclusão, e voltando ao caso dos presentes autos, em 10 de Fevereiro de 1995 o 1º Autor e R. celebraram contrato, destinado à utilização de um parque de viaturas, para comercialização, lavagens e todos os trabalhos inerentes à manutenção de viaturas de qualquer tipo, podendo ser utilizado para outras atividades.
46) A assinatura do senhorio foi reconhecida notarialmente, foi liquidado o imposto de selo, o contrato foi depositado nas finanças.
47) O R., na posse do terreno rústico, fez as obras necessárias para a utilização  do mesmo.
48) Aliás, e cfr. resulta do documento junto aos autos, com o nº 172, com o requerimento de 2/2/2011, até Janeiro de 2011, o R. liquidou aos Autores a quantia total de € 150.721,00.
49) Contudo, o 1º Autor nunca lhe entregou qualquer recibo, apesar, de instado para tal.
50) Aliás, é o próprio Tribunal a quo que considera que nunca existiu apenas um simples contrato de arrendamento comercial, mas uma realidade atípica, mista.
51) E, nessa medida, o contrato, à data da sua celebração, não tinha de cumprir as exigências formais, nomeadamente a celebração de uma escritura pública.
52) Sendo o mesmo válido e em vigor até à presente data, tanto mais que o Réu sempre liquidou as rendas, inicialmente, ao 1º Autor e, posteriormente aos 2º e 3º Autores.
53) Termos em que o terá de se considerar que o contrato não é nulo por falta de forma.
54) E, como tal, ser invocada a nulidade por parte dos Autores, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo constitui um abuso de direito.
55) Como refere Jorge Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, pág. 43, "Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem".
56) Para os Profs. Pires de Lima - Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. I, 4ª Ed., pág. 300, "A nota típica do abuso do direito reside na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido".
57) E Cunha de Sá, in Abuso do Direito, pág. 101 escreve que "abusa-se do direito quando se vai para além dos limites do normal, do legítimo: exerce-se o direito próprio em termos que não eram de esperar, ultrapassa-se o razoável, chega-se mais longe do que seria de prever". E, mais adiante (pág. 103), analisando a noção legal de abuso de direito, refere que o mesmo se traduz "num acto ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade precisamente num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjectivo: hão-de ultrapassar-se os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido".
58) Pode, efetivamente, configurar uma situação de abuso de direito na referida modalidade, aquela em que o titular do direito se deixa cair numa longa inércia sem exercitar o seu direito, suscetível de criar na contraparte a fundada convicção de que esse direito não será mais exercido, e que a sua posição jurídico substantiva  se encontra já consolidada, vindo, posterior, a agir.
59) Sendo o caso dos presentes autos.
60) A conduta dos Autores, na presente ação, ao invocarem a falta de forma do contrato de arrendamento, representa um «venire contra factum proprium».
61) Tanto mais que o pai, 1º Autor, transmite aos filhos, 2º e 3º Autores, a propriedade plena do imóvel, renunciando ao usufruto em 2005, para permitir que estes viessem invocar a nulidade do contrato, por falta de forma.
62) No entanto, o Réu continua a pagar a renda mensalmente e os 2º e 3º Autores continuam a recebê-la!
63) Esta é a verdadeira questão.
64) Estando perante um verdadeiro abuso de direito por parte dos Autores.
65) E, nessa medida, o abuso de direito justifica a não declaração de nulidade do contrato de arrendamento, objeto dos presentes autos.
66) Pelo que, a sentença, ora em crise, deve ser revogada, por erro de julgamento e por violar o disposto no art.º 334.º do Código Civil, com as legais consequências.
Os AA. contra alegaram nos termos de fls. 669 e seguintes.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
a) Encontra-se registada a favor dos 2º e 3º AA. a aquisição do prédio misto designado por “…”, sito no lugar de …, com a área total de 7.240 m2, composto na sua parte rústica por cultura arvense e na sua parte urbana por: casa de rés-do-chão, dependência e logradouro, com a superfície coberta de 139 m2, sendo 38 m2 da dependência e de superfície descoberta 541 m2; casa de rés-do-chão, dependência para garagem e palheiro e logradouro, com a superfície coberta de 154,65 m2, sendo 39 m2 de dependência e 450 m2 de superfície descoberta; casa de rés-do-chão, dependência para garagem e logradouro, com a superfície coberta de 121,40 m2, sendo 39 m2 de dependência e 450 m2 de superfície descoberta. Doc. junto aos autos a fls. 34;
b) O prédio referido em a) confronta a norte, sul e poente com caminho, e a nascente com “F” e “G” e encontra-se inscrito, na sua parte rústica, na matriz predial da freguesia de …, concelho de …, sob o art. 36 secção R e nas partes urbanas sob os art. 254, 2831 e 3093 da dita freguesia;
c) O prédio referido em a) foi adquirido pelos 2º e 3º AA. por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de … em 23 de Março de 1995, ao 1º A., seu pai e a sua falecida mulher “E”, nos termos do documento junto aos autos a fls. 38 ss., que se dá como reproduzido;
d) Por contrato de arrendamento datado de 10 de Fevereiro de 1995, o 1º A. deu de arrendamento ao R. a parte rústica do prédio referido em a), nos termos do documento junto aos autos a fls. 44 ss., que se dá como inteiramente reproduzido;
e) O R. pretendia instalar no dito terreno um stand de automóveis, um barracão para lavagem e manutenção de viaturas e um escritório de apoio à sua actividade comercial, ou seja, comércio de automóveis;
f) As partes pretenderam e estabeleceram expressamente que o imóvel se destinava a ser utilizado para parque de viaturas, para a sua comercialização, lavagens, e todos os trabalhos inerentes à manutenção de viaturas de qualquer tipo;
g) O contrato de arrendamento foi celebrado ao abrigo do regime de renda livre e a renda anual convencionada foi de Esc. 12.000$00 (equivalente a € 59,86) a pagar no final do ano, no domicílio do senhorio;
h) A renda convencionada referida em g) foi-o por mero favor do 1º A., em virtude de entre este e o R. haver a intenção de constituir uma sociedade para o comércio de automóveis, que nunca chegou a ser formalizada;
i) Em determinado momento o R. pagou ao A. a quantia de €1050, a qual derivada dos lucros do negócio conjunto que detinham e de renda;
j) Atento o negócio conjunto de comércio de automóveis existente entre A. e R., embora não formalizado, o primeiro deu de arrendamento todo o imóvel, pedindo porém ao R. para não pavimentar o local em mais de 50% do mesmo;
k) Quando da celebração do contrato de arrendamento, com a finalidade de instalar um parque de venda de viaturas, o 1º A. criou com o R. uma sociedade irregular, que funcionou durante os anos de 1995, 1996 e 1997;
l) Nesse sentido o R. inscreveu-se como empresário em nome individual ficando estipulado o início da actividade para 1 de Abril de 1995;
m) Para funcionamento dessa sociedade foi aberta no Banco…, agência de …, uma conta bancária em termos que constam de fls. 244;
n) No início do ano de 1998 o A. decidiu acabar com esta sociedade;
o) O R. procedia ao pagamento mensal ao A., por conta da renda e dos negócios conjuntos, por via de depósito bancário com a referência de pagamento de renda, usualmente no valor de €1.022,54, até 3/5/2004, em termos de fls. 349, tendo passado a partir de Agosto de 2005 a transferir a quantia de €500;
p) A. e R. combinaram que o valor que este pagaria ao primeiro resultaria da renda e dos lucros do negócio conjunto;
q) Os AA.. nunca emitiram os recibos ao R.;
r) Actualmente o R. continua a pagar a quantia de €500 ao A..
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III - Definindo as conclusões de recurso o objecto deste, conforme decorre dos arts. 684, nº 3, e 690, nº 1, do CPC, as questões que essencialmente se nos colocam, atentas as conclusões apresentadas pelo apelante – acima reproduzidas – face à sentença recorrida são as seguintes: se o contrato a que se reportam os autos é nulo; se os AA. ao invocarem tal nulidade agem com abuso de direito,  representando tal um «venire contra factum proprium»; se a acção deveria ter sido julgada improcedente quanto ao 1º A.
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IV – 1 - Temos que entre o 1º A. e o R. foi celebrado, por escrito particular, o acordo documentado a fls. 44-45, denominado de «Contrato de Arrendamento», datado de Fevereiro de 1995, nos termos do qual o primeiro dava de arrendamento ao segundo o prédio rústico designado por “…”, com a área de 5.383,95 m2, sito na Av. …, nº 19, …, destinado à «utilização de um parque de viaturas, para comercialização, lavagens e todos os trabalhos inerentes à manutenção de viaturas de qualquer tipo», pela renda anual fixada em regime livre de 12.000$00.
Esse acordo, nos precisos termos do respectivo clausulado configurava um contrato de arrendamento – contrato pelo qual alguém se obriga a proporcionar a outrem o gozo temporário de uma coisa imóvel mediante retribuição (arts. 1022 e 1023 do CC). 
Tal negócio surgiu, porém, num determinado contexto e não como negócio isolado entre as partes.
O R. pretendia instalar naquele terreno um stand de automóveis, um barracão para lavagem e manutenção de viaturas e um escritório de apoio à sua actividade comercial, ou seja, comércio de automóveis. Mas, a renda convencionada referida foi-o por mero favor do 1º A., em virtude de entre este e o R. haver a intenção de constituir uma sociedade para o comércio de automóveis a qual nunca chegou a ser formalizada. Efectivamente, quando da celebração do contrato de arrendamento o 1º A. criou com o R. uma sociedade irregular, que funcionou durante os anos de 1995, 1996 e 1997, inscrevendo-se o R. como empresário em nome individual e ficando estipulado o início da actividade para 1 de Abril de 1995. Foi atento o negócio conjunto de comércio de automóveis existente entre A. e R. que aquele deu de arrendamento a este o imóvel - mas no início do ano de 1998 o A. decidiu acabar com esta sociedade. A renda convencionada referida foi-o por mero favor do 1º A., em virtude de entre este e o R. haver a intenção de constituir a sociedade para o comércio de automóveis a qual nunca chegou a ser formalizada.
Este negócio conjunto que o 1º A. e o R. desenvolveram (e cujos concretos termos desconhecemos) foi o pano de fundo em que se desenhou o contrato de arrendamento que aqueles subscreveram, mas não temos elementos que nos permitam concluir que este contrato não conservou a sua individualidade.
Saliente-se que apesar de pretenderem constituir uma sociedade e de se falar numa “sociedade irregular” ([1]), provou-se que nesse sentido o R. se inscreveu (apenas ele) como empresário em nome individual e foi aberta uma conta bancária no … nos termos de fls. 244 (“conta global comerciante” em nome, tão só, do R.).
Não concordamos com o entendimento manifestado na sentença quando ali se diz que as partes «celebraram um contrato misto, atípico, de arrendamento com um negócio cujos termos se desconhece».
Diz-nos Galvão Telles ([2]) que os «contratos mistos têm carácter unitário, resultando da fusão de dois ou mais contratos ou de partes de contratos distintos, ou da participação num contrato de aspectos próprios de outro ou de outros. Os elementos correspondentes a vários tipos contratuais agremiam-se em ordem à realização de função social unitária; ou forma-se um acordo pela conjugação de parte dos elementos de diversos contratos típicos; ou em certa espécie contratual insinuam-se ou incrustam-se elementos estranhos. Em qualquer caso há fusão e não simples cúmulo; o contrato misto é um contrato só, não se identificando com a união de contratos…»
 Segundo Antunes Varela ([3]) trata-se - o contrato misto - de contrato «no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados), as partes, porque os seus interesses assim o imponham, celebram um contrato com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferente da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreendidas em espécies típicas, directamente reguladas na lei».
No caso dos autos o contrato de arrendamento manteve a sua individualidade, não se fundindo com o outro negócio que as partes mantiveram durante os anos de 1995, 1996 e 1997, cessando no início de 1998.
Refira-se que o 1º A. e o R. combinaram que o valor que este pagaria àquele resultaria da renda e dos lucros do negócio conjunto.
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IV – 2 - Foi em Fevereiro de 1995 que as partes celebraram, por escrito particular, o acordo a que nos reportamos.
O art. 110 do RAU, então em vigor, dizia considerar-se realizado para comércio ou indústria o arrendamento de prédios ou partes de prédios urbanos ou rústicos, tomados para fins directamente relacionados com uma actividade comercial ou industrial. Havendo as partes pretendido e estabelecido expressamente que o imóvel se destinava a ser utilizado para parque de viaturas, para a sua comercialização, lavagens, e todos os trabalhos inerentes à manutenção de viaturas de qualquer tipo encontrarmo-nos perante um arrendamento realizado para os fins previstos no art. 110 do RAU, aplicando-se-lhe o disposto no art. 7 do RAU na redacção em vigor ao tempo da celebração (em Fevereiro de 1995), anterior à introduzida pelo dl 64-A/2000, de 22-4.
Efectivamente, o art. 7 do RAU, na redacção então em vigor, determinava deverem ser reduzidos a escritura pública os arrendamentos para o comércio ou para a indústria – nº 2-b) do art. 7.
Tal disposição veio a ser alterada pelo dl 64-A/2000, de 22-4, que entrou em vigor em 1 de Maio seguinte – dispensando-se a escritura pública designadamente para estes arrendamentos. Trata-se, porém, de lei nova, sem eficácia retroactiva, nos termos do nº 2 do art. 12 do CC; as condições de validade dos contratos anteriores a ela, como é o caso da forma, bem como os seus efeitos, são regulados pela lei em vigor à data da sua celebração. Logo, no caso que nos ocupa, teremos em consideração a versão original do art. 7 do RAU ([4]).
A não celebração por escritura pública implicava a nulidade do contrato, conforme o art. 220 do CC.
Temos, pois, que o o contrato de arrendamento é nulo.
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IV – 3 - Dispõe o art. 334 do CC que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Trata-se de uma figura correspondente a uma válvula de segurança para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico imperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito conferido pela lei; é genericamente entendido que existirá tal abuso quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.
Não é unânime o entendimento sobre situações aparentemente integráveis na previsão do art. 334 do Código Civil poderem impedir a declaração de nulidade de contrato nulo por vício de forma.
Assim, defende-se que tal possibilidade dificilmente se harmoniza com a rigidez do regime de nulidades que decorre dos arts. 285 e segs. do CC: o art. 289, que dispõe no sentido de que a nulidade tem efeito retroactivo, evidencia que a lei pretende pura e simplesmente apagar o negócio nulo, o que seria incompatível com a sua sobrevivência, mesmo que apenas em casos limitados; excluindo o art. 288, como regra, os negócios nulos do regime da confirmação, a inalegabilidade da nulidade por virtude do abuso de direito representaria uma forma genérica de confirmação forçada do negócio nulo; decorrendo do art. 286 que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, não se vê como é que o abuso de direito poderia ser oposto a um interessado não contratante e muito menos que a invocação do abuso de direito pudesse bloquear o poder do tribunal de declarar oficiosamente a nulidade ([5]).
A opinião maioritária é, todavia, contrária à acima enunciada, defendendo-se que improcede a arguição da nulidade de um contrato quando esta arguição configura um abuso de direito, como sucederá nos casos em que a nulidade formal é arguida pelo contraente que a provocou, ou levou dolosamente o outro contraente a não formalizar o contrato, ou procedeu de modo a criar nesse outro contraente a convicção de que não seria invocada a nulidade, procedendo assim de modo iníquo e escandaloso ([6]).
Assim, afirmou-se no acórdão do STJ de 30-10-2003 ([7]): «Este Supremo Tribunal de Justiça, inicialmente mais formalista e recusando a invocação do abuso de direito nos casos de nulidade decorrente de inobservância da forma legal, veio depois, maioritariamente (posição a que aderimos) a reconhecer a admissibilidade dessa invocação desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo.
Sempre tendo na devida conta que, nestes casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, antes e porque as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral, só excepcionalmente é que se pode submeter a invocação da nulidade à invocação do venire contra factum proprium».
Menezes Cordeiro escrevia, a propósito ([8]) que uma «categoria de actos inadmissíveis por abuso residiria na alegação, em termos contrários à boa fé, da nulidade derivada da inobservância prescrita para a forma de certos negócios jurídicos», falando-se a propósito em inalegabilidades formais, as quais, quando admitidas podem alicerçar-se em dois tipos de contruções: a tutela da confiança; a ilicitude própria do alegante. Acrecentando que a figura das inalegabilidades não tem margem directa de concretização e que ela postularia a possibilidade de redução teleológica das normas formais, o que não é tecnicamente possível. Para concluir: «quando muito, admitiríamos que a pessoa que, contra a boa fé – por violação da confiança ou por ilicitude própria – invoque vícios de forma, fique obrigada a indemnizar; no limite poderíamos aceitar que a “indemnização” consistisse na obrigação de convalidar o negócio. «A jurisprudência portuguesa, remando contra a corrente, tem vindo, no entanto, a admitir o bloqueio directo, ex bona fide, de normas formais. Muitas vezes isso tem sucedido por invocação do venire contra factum proprium…»
Admitamos que a orientação jurisprudencial apresentada em último lugar e contra a qual este autor se insurge é a que deve vingar.
A proibição de «venire contra factum proprium», impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior, cairá no âmbito do abuso de direito ao corresponder ao exercício de um direito excedendo o titular, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé – tendo em vista a boa fé objectiva.
Pressupõem-se aqui duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo em que a primeira, ou seja o factum proprium é contrariada pela segunda.
Se a base legal do venire contra factum proprium reside no art. 334 e na boa fé objectiva, a sua aplicação passa pela confiança.
Exigir-se-á a verificação dos seguintes pressupostos:
1 – Uma situação objectiva de confiança, justificada pela boa-fé, levando uma pessoa a acreditar estavelmente em conduta alheia (no “factum proprium”), conduta que pode ser entendida como uma tomada de posição em relação a dada situação futura;
2 – Investimento nessa confiança: com base na situação de confiança criada a contraparte toma disposições ou desenvolve actividade, na crença do “factum proprium”, as quais  virão a resultar destruídas pelo “venire”;
3 - Imputação da situação criada à outra parte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma prescrita pela lei, ou por ter-se assistido à execução do contrato através de situações que se arrastaram no tempo e pacificamente.
Porém o «abuso de direito só é admissível em casos verdadeiramente excepcionais...Não basta que o titular do direito, ao exercê-lo, manifeste uma vontade contrária à tida no momento da celebração do contrato, pois que é, ainda, necessário que a segunda atitude se apresente como um comportamento de todo em todo ofensivo do nosso sentido ético-jurídico, clamorosamente oposto aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica e nas relações entre os contraentes» ([9]). 
No caso que nos ocupa não possuímos suficientes elementos de facto que nos conduzam ao abuso de direito.
Não resulta dos autos que o R. desconhecesse quando da realização do contrato que a validade do arrendamento dependia da celebração de escritura pública, ou que o 1º A. o tivesse levado a crer que prescindia da escritura pública e que não arguiria a nulidade, nem se provaram factos dos quais se possa retirar que a não observância da forma legal, quando da celebração do contrato, seja imputável, tão só, ao 1º A.. Sabemos, apenas, que a situação de facto – no que ao arrendamento concerne - se prolongou durante cerca de dez anos, atenta a data de propositura da acção – o que se nos afigura escasso.
A conduta dos AA., face aos eleemntos de que dispomos, não se poderá taxar de altamente escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, clamorosamente oposta aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica e nas relações entre os contraentes.
Pelo que se entende não se verificar o invocado abuso de direito.
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IV – 4 - Como vimos, a sentença recorrida julgou a acção «parcialmente procedente, por parcialmente provada, julgando nulo o contrato de arrendamento comercial celebrado», e em consequência condenou «o R. a restituir o imóvel aos AA, desocupado de pessoas e bens, e a pagar mensalmente a quantia de €500 até à efectiva entrega do locado».
Sucede que a aquisição do prédio a que os autos se reportam se encontra registada a favor dos 2º e 3º AA. – que não do 1º A. – havendo-se provado que foi adquirido por aqueles ao 1ª A. e à sua falecida mulher por escritura pública de 23 de Março de 1995.
Porém, consoante resulta daquela escritura e da certidão de Registo Predial junta aos autos – documentada a fls. 38 e seguintes e a fls. 34-36 – o 1º A., quando da venda reservou para si o usufruto de metade do prédio, o que igualmente foi inscrito no Registo Predial. Posteriormente, em Abril de 2005, outorgou escritura de renúncia áquele usufruto.
Desta sequência de factos resulta que desde Abril de 2005 o 1º A. não possui qualquer direito sobre o prédio a que nos referimos – nem mesmo o direito de usufruto que anteriormente reservara.
Assim, o imóvel não terá que ser restituído ao 1º A., mas sim aos 2º e 3º AA. que se presumem seus proprietários, face ao disposto no art. 7 do Código de Registo Predial
Provou-se que o R. vem pagando a quantia mensal de 500,00 € desde Agosto de 2005. Ora, o 1º A., havendo renunciado ao usufruto em Abril de 2005, não tem a receber do R. qualquer quantia a título de rendas vencidas, havendo cessado então o seu direito de uso, fruição e administração (arts. 1446 e 1476, nº 1-e) do CC).
Ao pedidos formulados na acção foram, como também vimos, os de condenação do R.: a reconhecer que o 2º e 3º RR. são os únicos donos e legítimos possuidores do identificado prédio; a entregar àqueles RR. a parte rústica do mesmo prédio, livre, limpo e desocupado de pessoas e bens; a pagar ao 1º A. a quantia de 76.250,00 € correspondente à sua quota parte no usufruto até à data da renúncia ao mesmo; a pagar aos 2º e 3º AA. a quantia de 90.000,00 €  a título de frutos civis correspondente ao seu usufruto e, após, em propriedade plena; a pagar juros desde a citação até pagamento integral das quantias peticionadas.
Os AA. não pediram que o imóvel fosse restituído a todos os AA., mas apenas, aos 2º e 3º AA., nesse parte sendo imprecisa a sentença recorrida e parecendo condenar diferentemente do que fora pedido. Já no pagamento de quaisquer valores àquele 1º A., atento o que referimos, a acção improcede.
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V – Face ao exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação alterando a sentença, de modo que o R. é condenado a restituir o imóvel acima descrito aos 2º e 3º AA., seus donos, desocupado de pessoas e bens, bem como a continuar pagar-lhes a quantia de 500,00 € mensais até à entrega efectiva, sendo absolvido do mais que fora pedido.
Custas da acção por AA. e R. na proporção de 1/3 para 2/3 e da apelação por AA. e R. na proporção de 1/10 para 9/10.
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Lisboa, 13 de Dezembro de 2013

Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
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[1]              Á sociedade irregular reportava-se o art. 107 do CCom; ela era então definida como uma sociedade constituída para a prática de um acto ou mais actos de comércio, mas em cuja constituição não se observaram todas as prescrições legais. Actualmente aquele conceito não tem uma precisa consagração legal, mas a realidade subjacente continua a ocorrer.
[2]              «Manual dos Contratos em Geral», 4ª edição, pag. 469.
[3]              «Das Obrigações em Geral», vol. I, pags. 240-241.
[4]              Como referia Aragão Seia, em «Arrendamento Urbano», 6ª edição, pag. 172, «o vício da falta de escritura pública, formalidade até então considerada ad substantiam para as situações em causa não é, assim, sanado pela entrada em vigor da nova lei que a dispensou, continuando, por isso, a ser possível discutir-se em juízo a nulidade dos contratos em que fora omitida».
[5]              Ver, por exemplo, o acórdão do STJ de 11-6-91, BMJ nº 409, pag. 735.
[6]              Ver, por exemplo, o acórdão do STJ de 2-7-96 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 96A136.
[7]              Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 03B3125.
[8]              Em «Tratado de Direito Civil Português», I, Parte Geral, tomo I, 2ª edição,  pags. 255 e seguintes.
[9]              Acórdão do STJ de 2-7-96, acima citado.