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EXPROPRIAÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI
Sumário
No processo de expropriação litigiosa que corre os seus termos para a fixação, perante o tribunal judicial, da indemnização devida, é admissível juntar aos autos documentos com a alegação a que se refere o art.º 64.º do CE, sem prejuízo da eventual aplicação da multa prevista no art.º 523.º n.º 2 do CPC. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 19.9.2005 deu entrada no Tribunal Judicial da comarca de Alenquer processo de expropriação enviado por Brisa Auto-Estradas de Portugal, S.A. (a que posteriormente sucedeu nos autos, com ela prosseguindo o presente processo, Brisa Concessão Rodoviária, S.A.), respeitante à expropriação da parcela n.º 9, com a área de 11 386 m2, a destacar do prédio rústico denominado Q…, sito na freguesia de Cadafais, concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 4 da secção Q, em que são expropriados “A”, “B” e esposa “C”.
Por acórdão arbitral datado de 30.6.2005 a indemnização pela expropriação da referida parcela fora fixada em € 21 024,68.
Por despacho de 20.9.2005 a propriedade da aludida parcela foi adjudicada ao Estado.
Em 19.10.2005 os expropriados recorreram do acórdão arbitral, pugnando pela fixação da indemnização em valor não inferior a € 327 917,00.
A entidade expropriante respondeu, defendendo a improcedência do recurso.
Realizou-se avaliação por cinco peritos, tendo três deles quantificado a indemnização, tida por justa, em € 29 182,00 e os dois outros em € 216 324,00.
Em 16.3.2009 os expropriados apresentaram as alegações previstas no art.º 64.º do Código das Expropriações (CE), acompanhando-as de oito documentos.
Também a entidade expropriante apresentou alegações nos termos do art.º 64.º do CE, em 09.4.2009.
Por despacho de 29.4.2011 foi ordenado o desentranhamento dos documentos juntos pelos expropriados com as suas alegações, por serem legalmente inadmissíveis.
Por sentença proferida em 29.4.2011, julgou-se o recurso parcialmente procedente e consequentemente fixou-se a indemnização em € 29 182,00, com referência à data da declaração de utilidade pública -10.11.2004 – e atualizado desde essa data até 16.10.2006, sendo atualizado, a partir desta data, o valor correspondente à diferença entre este valor e o valor cujo levantamento foi autorizado, até efetivo pagamento.
Os expropriados agravaram do dito despacho que ordenou o desentranhamento de documentos e apelaram da sentença.
O agravo foi admitido, com subida diferida, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Os expropriados apresentaram alegações no agravo, terminando com as seguintes conclusões:
1ª Salvo o devido respeito, esta Decisão do Tribunal recorrido não pode ser mantida na ordem jurídica, pois o argumento utilizado pelo Tribunal a quo enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, baseando-se numa incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas conexas com a situação sub judice, designadamente dos arts. 58º e 64º do Código das Expropriações e dos arts. 463º, nº 1, e 523º do CPC.
2ª A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao Código das Expropriações não suscita hoje quaisquer dúvidas, sendo pacífica quer na doutrina quer na jurisprudência.
Com efeito, na sua fase jurisdicional, o processo de expropriação litigiosa é um processo especial, na medida em que, relativamente a algumas questões, a sua tramitação constitui um desvio relativamente às normas do processo comum. Assim, ao processo expropriativo tem plena aplicação o disposto no art. 463º, nº 1, do CPC, que determina que “Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário”.
3ª O Código das Expropriações é omisso quanto à possibilidade de serem juntos documentos aos autos após a Petição de Recurso do Acórdão Arbitral e a Resposta à mesma, pelo que, envolvendo as Alegações previstas no art. 64º do Código das Expropriações o encerramento a discussão em primeira instância, tem aqui plena aplicação o regime estabelecido no art. 523º, nº 2, do CPC (cfr. o art. 463º, nº 1, do CPC).
De facto, não se pode defender que o art. 58º do Código das Expropriações impede a junção de documentos ao processo em momento posterior ao aí referido, pois este preceito, quanto à prova documental que nos ocupa, só estabelece o momento e a peça processual em que essa prova deve, como regra, ser produzida, adoptando-se no processo expropriativo a mesma regra que o CPC consagra no art. 523º. No entanto, aquele art. 58º nada refere quanto à possibilidade de junção de documentos em momento posterior (não a impedindo), pelo que tem aqui plena aplicação o referido regime do art. 523º, nº 2, do CPC (cfr. art. 463º, nº 1, do CPC). Nestes precisos termos o recente Acórdão de 11.02.2010 do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 09B0280.
A aplicação do arts. 523º, nº 2, e 524º do CPC à junção dos documentos sub judice não pode suscitar especiais dúvidas nem é afastada pelo regime de junção de documentos estabelecido nos arts. 58º e 60º, nº 2, do Código das Expropriações, pois estes preceitos só regulam a oportunidade normal para a junção de documentos nos processos de expropriação, não se referindo, naturalmente, ao regime da junção de documentos supervenientes ou de outras situações em que essa função é possível (cfr., a este propósito, a jurisprudência que ficou referida no ponto 11 das presentes Alegações).
Com efeito, sendo o Código das Expropriações omisso quanto à possibilidade de junção de documentos em momento posterior à petição de recurso do acórdão arbitral ou à resposta ao mesmo, porque subsidiariamente aplicável, aplica-se o disposto no art. 523º, nº 2, do CPC. Na verdade, no processo judicial de expropriação, a discussão em primeira instância encerra-se com a apresentação das Alegações de Recurso do Acórdão Arbitral previstas no art. 64º do Código das Expropriações, que versam sobre matéria de facto e de direito, isto é, estão aí condensadas tanto as alegações a que se refere o art. 652º, nº 5, do CPC (“Debate sobre a matéria de facto”), como as alegações a que se refere o art. 657º do CPC (alegações de direito). Neste sentido, cfr. a jurisprudência que ficou mencionada no ponto 13 das presentes Alegações.
4ª São também os princípios estruturantes do processo civil – a prevalência do fundo sobre a forma e a verdade material – que fundamentam a revogação do Despacho recorrido: a impossibilidade de junção de documentos ao processo depois do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral poderia conduzir ao triunfo de uma justiça meramente formal sobre a justiça material (art. 265º, nº 3, do CPC).
5ª Do mesmo modo, o dever que recai sobre as partes de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, nos termos do art. 519º do CPC, justifica plenamente que se lhes permita trazer ao processo todos os meios de prova que considerem relevantes para o apuramento da verdade material.
6ª Ainda que assim não se entendesse, os documentos juntos pelos Expropriados/Recorrentes nas Alegações de Recurso do Acórdão Arbitral, apresentadas nos termos do disposto no art. 64º do Código das Expropriações, são supervenientes ou de conhecimento superveniente, pelo que se aplica subsidiariamente o disposto no art. 524º do CPC.
Em qualquer caso, os documentos que o Despacho recorrido mandou desentranhar são essenciais para a decisão final a proferir neste processo. Pretendendo-se fixar a justa indemnização devida aos Expropriados, os documentos juntos aos autos suportam a solução por eles defendida para as questões de facto e de direito discutidas neste processo (qualificação dos solos expropriados, critério indemnizatório a adoptar e elementos a atender para o efeito), sendo, por isso, essenciais para suportar a interpretação jurídico-normativa que os Expropriados fazem do direito aplicável.
7.ª Assim, o Tribunal não poderá deixar de admitir estes documentos nos autos, pois, no âmbito do princípio do inquisitório, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (art. 265º, nº 3, do CPC). Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida (art. 684º-A, nº 3, do CPC).
7ª Deve, assim, ser considerada como inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, nº 1, e 62.º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do Tribunal a quo dos artigos 58º e 60º do Código das Expropriações e 523º, nº 2, do Código de Processo Civil, no sentido de que em processos expropriativos está vedada às partes a apresentação de documentos (supervenientes ou não), em momento posterior à interposição do recurso da decisão arbitral e à resposta ao mesmo, nomeadamente com as Alegações de Recurso previstas no art. 64º do Código das Expropriações.
Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o Despacho recorrido, admitindo-se no processo o Requerimento da Expropriante de 24.03.2009, onde foram juntos aos autos os documentos referidos nas suas Alegações de 16.03.2009.
Não houve contra-alegações no que concerne ao agravo.
Quanto à apelação, os expropriados apresentaram alegações em que (após convite do relator para suprirem a falta de conclusões) formularam as seguintes conclusões:
1.ª Os FACTOS - CORRECÇÃO/IMPUGNAÇÃO (ART. 690°-A, N° 1, do CPC). Quanto ao Facto e., descrito na pág. 4 da Sentença recorrida (a classificação da parcela face ao PDM), importa complementar as classificações aí referidas. De facto, para além de se encontrar integrada em Espaço Agrícola não integrado na RAN na planta de ordenamento (como se refere neste facto) e em Reserva Ecológica Nacional (como também se refere neste facto), a parcela expropriada foi também classificada na planta de ordenamento do PDM na categoria de Espaço Canal, reservado para a construção da CREL - A10 (cfr. fls. 142 e 469-470 dos autos e o Relatório de Avaliação minoritário, pág. 4 e Anexo II aí junto).
2.ª O Tribunal a quo, ignorando que a avaliação de 2 dos peritos do Tribunal e do Perito da Entidade Expropriante não pode ser seguida pelo facto de os pressupostos aí considerados não se verificarem e por não respeitarem as exigências legais e constitucionais quanto à justa indemnização, limitou-se a aderir ao valor indemnizatório calculado pelos referidos Peritos (por ser o Relatório maioritário), apurado exclusivamente com base em rendimentos agrícolas da parcela expropriada e na sua parcial integração na REN, ignorando importantes características da parcela e da sua envolvente, tendo fixado uma indemnização total de € 29.182 (€ 2,5/m2), valor este que não reflecte a especifica situação urbanística da parcela nem tão-pouco o seu valor de mercado. De facto, a adesão dos Tribunais às avaliações periciais não pode ser feita acriticamente, pois é o Tribunal que julga, decide e fixa a justa indemnização devida aos Expropriados/Recorrentes, e não os Peritos que, como se sabe, não dispõem de conhecimentos jurídicos, nem estão habilitados a interpretar e aplicar as normas jurídicas do Código das Expropriações (cfr. a jurisprudência citada na nota 1, pág. 14, das Alegações). De facto, do que se trata nos processos judicias de expropriação é da aplicação de regras e princípios jurídicos.
3.ª O Tribunal recorrido não se pronunciou nem decidiu as questões que os Recorrentes suscitaram no Ponto 15 das suas Alegações de 16.03.2009 (a inconstitucionalidade suscitada pelos Recorrentes quanto à interpretação do art. 25°, n° 2, do Código das Expropriações - CE) e no Ponto 16, c. das mesmas (o facto de no processo de revisão do PDM de Alenquer em curso se prever que esta parcela e a sua envolvente deixarão de estar integradas na REN – cfr. Doc. 3 junto ao Requerimento de 24.03.2009), questões que assumem especial relevância no cálculo e fixação da justa indemnização devida por esta expropriação, pelo que a Sentença recorrida é desde logo nula por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 660°, n° 2, e 668°, n° 1, al. d), 1a parte, do CPC.
4.ª A Sentença recorrida, quanto à questão da muito próxima ou efectiva capacidade edificativa da parte da parcela expropriada integrada em “Espaços Agrícolas não integrados na Reserva Agrícola Nacional”, incorre num evidente vício de falta de fundamentação ou, também aqui, de omissão de pronúncia, pois não efectuou qualquer apreciação ou julgamento da mesma e não indicou os fundamentos que suportam a sua conclusão, sendo que dos autos não se descortina a existência de quaisquer elementos que infirmem a justeza e correcção da avaliação pericial minoritária, o que se impunha, pelo que fica impedido o conhecimento do percurso cognoscitivo e decisório do Tribunal recorrido e dificulta a já árdua tarefa dos Recorrentes em sede de recurso da decisão. Relembre-se que não basta uma adesão ao relatório pericial maioritário para se considerar que houve decisão sobre as questões jurídicas controvertidas suscitadas pelos Recorrentes, nem tão-pouco para se concluir que estamos perante uma decisão fundamentada, de facto e de direito, como impõe o direito fundamental dos cidadãos a uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20° da Constituição). Deste modo, estamos perante uma decisão nula por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668.°, n.° 1, b) ou d), do CPC.
5ª Na Sentença recorrida refere-se, por um lado, que a parcela se encontra integrada em Espaços Agrícolas não integrados na Reserva Agrícola Nacional (cfr. facto e., pág. 4, da Sentença) e, por outro lado, que "Temos presente o disposto no artigo 45.º, n.º 1, do 1, do Regulamento do Plano Director Municipal de Alenquer, nos termos do qual, nas áreas agrícolas integradas na classe "Espaços Agrícolas não integrados na RAN" «será permitida a edificação que respeite as prescrições que se seguem, sem prejuízo de outras restrições ou condicionamentos legais (...)»" (cfr. pág. 12, penúltimo parágrafo, da Sentença). Assim, apesar de ter reconhecido a referida classificação da parcela expropriada e a sua efectiva capacidade edificativa face ao PDM, classifica a mesma como 'solo para outros fins', o que encerra uma contradição insustentável, pelo que a Sentença sub judice é nula, por contradição entre os fundamentos invocados e a decisão proferida, nos termos do disposto no art. 668°, n° 1, c), do CPC.
6ª As avaliações periciais só deverá ser seguida pelo Tribunal se não existirem nos autos elementos de facto que contrariem os respectivos pressupostos e conclusões ou ainda, na ausência de formação jurídica por parte dos Senhores Peritos, quando as normas aplicáveis não impliquem diferentes qualificações técnico-jurídicas desses factos. Se não respeitar as exigências e critérios estabelecidos na lei, designadamente no CE e na Constituição da República Portuguesa, ou não se encontrar devidamente fundamentado, o laudo dos Peritos não pode ser seguido pelos Tribunais (cfr. a jurisprudência citada na nota de rodapé nº 4, a págs. 26-27 das Alegações e a Lição do PROFESSOR FERNANDO ALVES CORREIA, na pág. 27 das mesmas). No presente caso, porque (i) os Peritos subscritores do laudo maioritário não demonstraram especiais conhecimentos técnicos de avaliação no âmbito do Código das Expropriações e porque (ii) este douto Tribunal tem os meios legais que lhe permitem afastar com facilidade, porque errados e ilegais, a metodologia e critérios adoptados na avaliação pericial, não poderia o Tribunal ter seguido aquela avaliação.
7.ª A Sentença recorrida errou ao não ponderar a muito próxima ou efectiva aptidão urbanística que esse plano reconhece à parcela expropriada. De acordo com a jurisprudência constitucional, que os Recorrentes defendem e pretendem ver aplicada neste Processo expropriativo (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n°s. 131/88, de 88.06.08 - BMJ 378/168 - e 52/90, de 90.03.07 - BMJ 395/91), para que na justa indemnização sejam considerados padrões urbanísticos, não é exigível uma efectiva capacidade urbanística/edificativa da parcela, sendo suficiente, atendendo ao princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, que essa capacidade possa ser tida como “muito próxima”, em particular na situação que nos ocupa, em que:
a. A parcela situa-se junto a todas as infra-estruturas urbanísticas: confronta com rodovia pavimentada e que é servida por 2 acessos rodoviários através de 2 artérias urbanas do núcleo urbano de Cadafais que dispõem no local de rede pública de electricidade, água, telefones e saneamento (ligada a estação depuradora), dispondo uma dessas artérias de passeios em toda a extensão do quarteirão e de rede de drenagem de águas pluviais e sendo o prédio atravessa pela rede gás (factos f., g., i. e j. da Sentença). Um terceiro acesso rodoviário à parcela é efectuado pela estrada pavimentada a betuminoso que liga Cadafais ao núcleo urbano denominado Casais da Marmeleira (facto k. Da Sentença).
b. A parte da parcela classificada no PDM de Alenquer como "Espaço Agrícola não integrado na RAN" tem, face ao art. 45° do Regulamento do referido PDM, uma efectiva e expressa capacidade edificativa, sendo aí previsto um índice de construção de 0,04, que foi ignorado pelos Peritos e pela Sentença recorrida: esta capacidade edificativa, para além desse regime do PDM, resulta expressamente demonstrada pela observação da realidade envolvente da parcela, em que nos solos com a mesma classificação foram construídas moradias unifamiliares (cfr. fotografias a fls. 51 e ss. dos autos);
c. uma parte do prédio em que se integra a parcela (a sul da mesma), bem como algumas áreas da sua imediata envolvente, integram-se no núcleo urbano de Cadafais (a cerca de 250/270 m. da parcela), sendo aí circundado por diversos edifícios destinados a habitação (facto h. da Sentença). A referida parte do prédio que se integra no núcleo urbano de Cadafais é classificada no PDM como "Espaços Urbanos - Aglomerado Urbano do tipo A" ("são os aglomerados que revelam maior dinamismo económico, com maior crescimento nas últimas décadas" – cfr. art. 22, n° 2, a., e 24°, n° 2, c., do Regulamento do PDM de Alenquer, a fl. 202 dos autos, fls. 142 e 469-470 dos autos) – cfr. facto h da Sentença, Resposta ao quesito 1 dos Recorrentes apresentados na Vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam, a fls. 41/43 dos autos; fotografias a fls. 50 a 69 dos autos; e o Relatório de Avaliação dos Peritos Engs. “D” e “E”, a fl. 479 a 481 dos autos;
d. "Na zona sul do prédio em que se integra a parcela existem diversos loteamentos em execução destinados à construção de edifícios e de moradias para habitação, podendo afirmar-se que esta é uma zona de expansão urbana de Cadafais" (facto n. da Sentença). A parcela dista 250 m. desta zona de Cadafais (facto o. da Sentença).
e. A parcela situa-se numa zona infra-estruturada, edificada e "de expansão urbana" (cfr. facto n. da Sentença) e na proximidade de vários núcleos urbanos, designadamente de Cadafais (a cerca de 250/270 m.), Casais da Marmeleira (a cerca de 400 m.), Preces, Refugidos (ambos a 2/3 km.), Quinta da Granja (1km.), Vale Fores (1,5 km.), Carregado (cerca de 2km.), Castanheira do Ribatejo (cerca de 3 km.) e Vila Franca de Xira (cerca de 6 km.) – cfr. factos h. a l., r. e s., págs. 4 e 5 da Sentença recorrida);
f. A menos de 300 m. dos limites da parcela existem "diversas moradias destinadas a habitação em zona de construção dispersa e servidas por acessos rodoviários a partir de estradas a betuminoso, rede de energia eléctrica, telefones, redes de drenagem de águas pluviais e água canalizada e rede distribuidora de gás" – cfr. facto p., pág. 5 da Sentença recorrida.
g. "o prédio em que a parcela se integra foi recentemente objecto de um loteamento urbano para a construção de moradias destinadas à habitação, já construídas e integradas no referido núcleo urbano de Cadafais" (cfr. facto m., pág. 4, da Sentença recorrida) – a operação de loteamento que foi autorizada no prédio onde se insere a parcela, bem como o que se projecta concretizar no mesmo prédio, como prolongamento do loteamento anterior (cfr. fls 466-477 dos autos e fls. 71-72 dos autos), são reflexos da expansão e extensão do aglomerado urbano de Cafadais em direcção à parcela (o limite do loteamento projectado dista cerca de 150 m.) e da inerente vocação urbana e/ou urbanizável deste terreno (cfr. art. 41° do Decreto-Lei n° 555/99 de 16 de Dezembro e 91°-A do Decreto-Lei n° 380/99, de 22 de Setembro).
8.ª Independentemente da classificação das parcelas expropriadas face ao Código das Expropriações, a justa indemnização a atribuir aos Recorrentes não pode deixar de reflectir a muito próxima ou efectiva capacidade edificativa das parcelas expropriadas e as circunstâncias referidas na Conclusão anterior, seja pela aplicação do regime do art. 26°, n° 12, do CE, seja pela consideração dessa capacidade como uma das circunstâncias a que se refere o art. 27°, n° 3, do mesmo diploma.
9.ª O regime do arte 26°, n° 12, do Código das Expropriações
9.ª1 Conforme constitui jurisprudência pacífica no Tribunal Constitucional e nos nossos Tribunais superiores (cfr. a jurisprudência citada no Ponto E.2 das Alegações), a relevância da envolvente urbanística e edificada da parcela expropriada poderá e deverá ser tutelada por via do regime indemnizatório previsto no art. 26°, n° 12, do C.E., que, em nome dos princípios constitucionais da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos (art. 13° da Constituição), da proporcionalidade (art. 266°, n° 2, da Constituição) e da justa indemnização (art. 62° da Constituição), visa evitar que situações estruturalmente idênticas sejam objecto de tratamento diferenciado ou que, classificado um solo com restrições urbanísticas, venha depois a Administração Pública expropriá-lo para fins urbanísticos (neste caso uma infra-estrutura rodoviária). Foi esta a solução indemnizatória adoptada, e bem, por um dos Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Perito indicado pelos Recorrentes (cfr. o Relatório minoritário de fls. 476-484 dos autos), devendo ser adoptado o cálculo indemnizatório efectuado por estes Peritos (€ 216.324,00).
9ª.2 De facto, encontram-se aqui preenchidos todos os requisitos legais de que o art. 26°, n° 12, do CE faz depender a sua aplicação, directa ou por analogia. De facto: (a) a parcela expropriada foi classificada no PDM de Alenquer como Espaço Canal para a construção da CREL – A1O que aí foi efectivamente construída (cfr. fls. 142 e 469-470 dos autos); (b) os Expropriados adquiriram a parcela antes da entrada em vigor do PDM de Alenquer (14.02.1995), pois o prédio onde se insere a parcela foi adquirido pelos Recorrentes em 26.01.1995 (data da apresentação a registo, sendo certo que aquisição é naturalmente anterior) – cfr. fls. 88-89 e fl. 196 dos autos; (c) a parcela expropriada tem as características que se deixaram referidas na Conclusão 7ª: junto à parcela expropriada existem várias infra-estruturas urbanísticas, localizando-se as demais na sua imediata envolvente; a parcela localiza-se numa zona infra-estruturada e edificada, sendo que parte do prédio onde se insere a parcela se integra no núcleo urbano de Cafadais que dista cerca de 250/300 m. da parcela expropriada e o perímetro exterior de 300 m. dos limites da parcela, para além de integrar o referido núcleo urbano, caracteriza-se por uma zona de construção dispersa, com um índice de ocupação médio de 0,20 e por "Espaços Urbanos - Aglomerado Urbano do tipo A", para o qual se prevê um índice de construção de 0,36 e uma altura máxima para os edifícios a construir de 2 pisos (cfr. factos e. a p. e r. a u., págs. 4 e 5, da Sentença recorrida, bem como fl. 41 a 43, 128, 202, 205-206, 469-470, e 479 a 481 dos autos).
9ª.3 A Sentença recorrida não aplicou o art. 26°, n° 12, do Código das Expropriações por ter entendido que a parcela não podia ser classificada como solo apto para a construção devido ao facto de não ser servida por todas as infra-estruturas urbanísticas referidas no art. 25°, n° 2, a), do Código das Expropriações (pág. 15 da Sentença). No entanto, importa notar que, ao contrário do que, erradamente, considerou a Sentença sub judice, nas expropriações parciais, como é o caso, para apurar as infra-estruturas urbanísticas relevantes, deve atender-se ao prédio em que a parcela se integra, como um todo, e não, isoladamente, só à parcela (cfr. a jurisprudência referida nas págs. 53 e ss. das Alegações). Por outro lado, quanto ao facto de a parcela se situar a cerca de 250/270 m. do núcleo urbano de Cadafais, importa atender a que o perímetro do referido aglomerado urbano é definido pelos pontos distanciados a 50 metros das vias públicas onde terminam as infra-estruturas que servem este núcleo urbano (cfr. art. 62°, n°1, do Decreto-Lei n° 794/76, de 5 de Novembro), sendo precisamente estas vias que confinam a Nascente e Poente com a parcela expropriada.
10.ª A integração da parcela na REN à data da declaração de utilidade pública não impede a consideração e avaliação da sua muito próxima ou efectiva capacidade edificativa, nem mesmo, como foi decidido pelo Tribunal a quo (cfr. pág. 11, in fine, da Sentença recorrida), a sua classificação como solo para outros fins ou apto para a construção. Esta decisão, porque a Brisa não interpôs recurso da mesma, transitou em julgado, pelo que deve ser respeitada.
10.ª1 Em qualquer caso, para além das circunstâncias que se deixaram referidas na Conclusão 7ª (decisivas na apreciação desta questão), importa constatar que (a) o próprio regime jurídico da REN permite expressamente a construção em terrenos assim classificados (cfr. art. 20° e respectivo anexo II do Decreto-Lei n° 166/2008, de 22 de Agosto); (b) a integração de terrenos na REN não é imutável, assistindo-se por todo o país a constantes desafectações de terrenos da REN para fins urbanísticos (cfr. Doc. 2 junto ao Requerimento dos Recorrentes de 24.03.2009); (c) na revisão do PDM de Alenquer já anunciada, esta parcela e a sua envolvente já não se encontram integradas na REN (Doc. 3 junto ao Requerimento dos Recorrentes de 24.03.2009), facto que já condiciona o mercado imobiliário e o valor venal destes terrenos; (d) nos termos da Informação n° 112/DGS, de 14 de Abril de 2004, da DGOTDU (cfr. Anexo IV ao Relatório de Avaliação dos Engs. “D” e “E”, a fls. 519 a 528 dos autos), embora a construção em área integrada na REN seja condicionada, o índice de construção que a planta de ordenamento do PDM confere a essa área pode ser sempre utilizado nos espaços da mesma propriedade que não se integram na REN; (e) destinando-se a parcela expropriada à construção de uma auto-estrada e estando classificada no PDM para o efeito (Espaço-Canal), não pode ser atendido o facto de, simultaneamente, ter sido também integrada na REN: a simultânea destinação de um terreno à construção de uma auto-estrada e integração na REN, que não faz sentido, indicia assim uma efectiva manipulação do planeamento urbanístico.
Assim, o facto de a parcela estar integrada na REN não impede a aplicação do critério indemnizatório previsto no art. 26°, n° 12, do CE, que se pretende aplicar, precisamente, aos solos onde não se pode construir (espaços verdes, espaço canal, etc.). Neste sentido, para além da jurisprudência citada nas págs. 39-51 das Alegações, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n° 234/2007, de 30.03.2007, Processo n° 270/05, 2ª Secção, e n° 239/2007, de 30.03.2007, Processo n° 1063/05, 2° Secção (www.tribunalconstitucional.pt), onde se decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 26°, n° 12, do CE., no sentido de permitir que solos integrados na REN/RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
10ª.2 Quanto a esta questão, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça uniformizador de jurisprudência, de 07.04.2011, em nada prejudica a solução que se defende: pelo contrário essa solução resulta desse mesmo Acórdão (em que os Expropriados adquiriram esta parcela antes da sua integração na REN pelo PDM de Alenquer). De facto, apesar de se ter aí decidido que a integração de um terreno na RAN/REN impede a sua classificação como solo “apto para construção”, não se deixou de decidir também o seguinte: “Assim só não aconteceria, se os Recorrentes/Expropriados lograssem demonstrar que haviam adquirido a parcela de que tratam os presentes autos antes de a mesma ser integrada em Reserva Agrícola Nacional e em Reserva Ecológica Nacional, situação essa em que seria de aplicar o disposto no n° 12 do art. 26° do Código das Expropriações de 1999, exactamente no sentido preconizado pelo Ac. do TC n° 469/2007, de 25 de Setembro de 2007, que julgou inconstitucional, por violação do art. 13° da Constituição, a interpretação, feita no Acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Março de 2066, dos artigos 23°, n° 1, 25, n°s 2 e 3, 26°, n° 12 e 27° do CE de 1999 e determinou a sua reformulação em conformidade". Ora, porque os Expropriados adquiriram esta parcela antes da sua integração na REN pelo PDM de Alenquer, é precisamente a aplicação do art. 26°, n° 12. do CE 1999 que aqui se invoca e que foi aplicado no Relatório de avaliação minoritário (neste sentido a jurisprudência citada nas págs. 39-51 das Alegações).
11ª A interpretação do art. 26°, n° 12, do Código das Expropriações no sentido que o regime indemnizatório aí prescrito não se aplica a solos com as características referidas na Conclusão 7ª, integrados na REN depois da sua aquisição pelos expropriados, viola o princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, o direito de propriedade privada, o direito a uma justa indemnização e o princípio da proporcionalidade (arts. 13°, 266° e 62° da Constituição).
12ª Ainda que assim não se entenda, os factos referidos na Conclusão 7ª são circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no valor da parcela expropriada, pelo que, nos termos prescritos no art. 27°, n° 3, do Código das Expropriações, não podem deixar de ser consideradas no cálculo da justa indemnização devida pela expropriação desta parcela (neste sentido, a jurisprudência citada nas págs. 87 e ss. das Alegações. Ao não ter considerado essas circunstâncias, a Sentença recorrida violou aquela norma.
13ª A interpretação do art. 27°, n° 3, do CE, no sentido de que as circunstâncias referidas na Conclusão 7ª (infra-estruturas urbanísticas que servem a parcela expropriada e o prédio em que se integra; localização em zona urbanisticamente infra-estruturada e edificada, a menos de 300 m. de núcleo urbano e de vários edifícios destinados a habitação, etc.) não constituem circunstâncias objectivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, do direito de propriedade privada, do direito a uma justa indemnização e do princípio da proporcionalidade (arts. 13°, 266° e 62° da Constituição).
14.ª As circunstâncias referidas na Conclusão 7ª titulam fundadas e legítimas expectativas dos Expropriados de poderem utilizar o seu terreno nos mesmos termos dos seus vizinhos em circunstâncias idênticas, isto é, pelo menos, construção de moradia, factor que justifica a indemnização desta parcela de acordo com essa capacidade e respectivo valor de mercado (neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional citado nas págs. 51 e ss. das Alegações). A interpretação do art. 23° do Código das Expropriações no sentido que as legítimas expectativas dos expropriados à data da declaração de utilidade pública não devem ser consideradas no cálculo da justa indemnização viola o princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, o direito de propriedade privada, o direito a uma justa indemnização e o princípio da proporcionalidade (arts. 13°, 266° e 62° da Constituição).
Os apelantes terminaram as suas alegações pedindo que fossem julgadas procedentes as nulidades da sentença recorrida nos termos do art.º 668.º n.º 1 alíneas b), c) e d) do CPC e fixada a indemnização devida aos expropriados/recorrentes nos termos que ficaram expostos.
Não houve contra-alegações.
O tribunal a quo declarou manter na íntegra as decisões recorridas.
Foram colhidos os vistos legais.
Primeiramente há que apreciar o AGRAVO FUNDAMENTAÇÃO
A questão a apreciar neste recurso é se no processo de expropriação litigiosa que corre os seus termos para a fixação, perante o tribunal judicial, da indemnização devida, é admissível juntar aos autos documentos com a alegação a que se refere o art.º 64.º do CE.
O circunstancialismo de facto a levar em conta é o supra descrito no Relatório. O Direito
Nos termos do artigo 58.º do CE, no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral o requerente exporá logo as razões da discordância, oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu perito. Também a parte contrária deverá, na respetiva resposta, juntar todos os documentos e requerer as demais provas (art.º 60.º do CE). Findo o prazo para a apresentação da resposta, “seguem-se imediatamente as diligências instrutórias que o juiz entenda úteis à decisão da causa” (n.º 1 do art.º 61.º), entre as quais se conta, obrigatoriamente, a avaliação (n.º 2 do art.º 61.º).
Concluídas as diligências de prova, as partes são notificadas para alegarem no prazo de 20 dias (art.º 64.º do CE), após o que o juiz terá o prazo de 30 dias para proferir decisão fixando o montante das indemnizações a pagar pela entidade expropriante (artigos 65.º e 66.º n.º 1 do CE).
Como se viu, a lei prevê que as partes deverão juntar os documentos (“todos” os documentos) com o requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral e/ou da respetiva resposta. Poderá, porém, admitir-se junção posterior de documentos, por exemplo por aplicação subsidiária do disposto no n.º 2 do art.º 523.º do CPC (“se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado”)?
A jurisprudência tem-se dividido quanto a esta questão.
O STJ, em acórdão proferido em 20.01.2005 (processo 04B4282), a propósito de normas do Código das Expropriações de 1991, de teor idêntico às supra referidas, após admitir que apesar de o CE não prever a aplicação subsidiária do CPC o processo de expropriação constitui um processo especial que, nos termos do n.º 1 do art.º 463.º do CPC, será regulado sucessivamente pelas suas próprias normas, pelas disposições gerais e comuns e pelas regras do processo ordinário, fez notar, porém, “que aquele primeiro diploma contém uma regulamentação minuciosa do processo expropriativo, o qual reveste natureza peculiar, e, por isso, a aplicação subsidiária das normas do processo civil só deverá ter lugar quanto aos seus princípios essenciais ou quando se mostre indispensável e compatível com o regime específico deste processo.” E, após ponderar que o CE se preocupou com a observância dos princípios da celeridade e da economia processual, patentes nas ditas normas, entendeu que a norma do art.º 56.º do CE de 1991 (correspondente ao art.º 58.º do CE de 1999), “não aparece como norma meramente supletiva, que as partes podem ou não acatar, antes constitui um comando dirigido ao recorrente, que este deve observar sob pena de, precludida a hipótese de praticar o acto, ficar impedido de posteriormente o vir a fazer.” Assim, diz-se no acórdão, “não pode, pois, e porque a determinação do momento em que a junção de documentos ao recurso da arbitragem deve ser feita está directamente estabelecida, pretender-se o apelo aos preceitos do Código de Processo Civil para regular a questão. Em suma, há-de entender-se que, no recurso da arbitragem, a junção de documentos pelo recorrente só pode ocorrer com a apresentação do requerimento do recurso, não devendo ser atendidos os que vierem a ser juntos mais tarde.” Mais se realçaram, no acórdão, as diferenças existentes entre o procedimento expropriativo e o processo comum, para afastar a aplicação analógica ao caso do disposto no art.º 523.º do CPC. Assim, escreveu-se, “sendo certo que "o requerimento de interposição do recurso tem algumas afinidades com a petição inicial de uma acção, na medida em que com ele se inicia a fase judicial do processo de expropriação, não se trata, em rigor, de articulado dessa natureza, pois o processo expropriativo abrange também a sua fase administrativa e aquele requerimento é apenas um meio de oposição à decisão arbitral, de carácter jurisdicional". “Não ocorre, por isso, qualquer analogia possível entre os articulados a que se reportam as normas do artigo 523º do C.Proc.Civil e o requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral referido no artigo 56º do Código das Expropriações. Na verdade, os articulados são as "peças escritas pelas quais as partes introduzem a lide, expondo os fundamentos da acção e da defesa e formulando os pedidos correspondentes (...) constituem assim o arrazoado das partes, mas submetido a certo espartilho formal". Em contrapartida - e o recurso interposto do acórdão arbitral é, no sentido do termo, um verdadeiro recurso - o respectivo requerimento de interposição mais não significa do que a manifestação da vontade de recorrer de uma decisão, prévia e anterior. Aliás, a possibilidade que o art. 523º do C.Proc.Civil concede, em processo comum, de junção de documentos após os articulados assenta na indefinição do objecto do litígio que caracteriza a fase dos articulados, e na eventual ocorrência, quase contemporânea, de factos com relevância para a lide. Não é o que acontece no caso do recurso da arbitragem em que não há articulados, mas sim interposição de recurso e posteriores alegações, sendo certo que no momento em que ocorre a interposição do recurso é já conhecido o objecto do litígio, não apenas porque as partes têm conhecimento do acórdão dos árbitros, mas ainda na medida em que é exigível ao recorrente que, de imediato, exponha as razões da sua discordância.”
Esta jurisprudência foi acompanhada pelo acórdão da Relação de Lisboa, de 26.10.2010 (processo 284/1995.L1-7), no qual se acrescentou que “a fixação do montante indemnizatório devido ao expropriado afere-se pelas circunstâncias existentes aquando da declaração de utilidade pública, sendo irrelevantes, para estes efeitos, as que se venham a verificar posteriormente. Não tem sentido, por conseguinte e a este propósito, invocar a existência de “documentos supervenientes“ que, nesta perspectiva, se tornam, à partida, inúteis.”
Também no acórdão da Relação de Lisboa, de 12.01.2012 (processo 157/1999.L2-6) se retomou a posição supra exposta.
Em sentido contrário, ou seja, favorável à pretensão dos agravantes, também foram emitidos acórdãos do STJ e das Relações.
A Relação de Coimbra, em acórdão de 28.11.2006 (processo 451-A/2001.C1), entendeu que, face à norma do n.º 1 do art.º 463.º do CPC e às regras de interpretação da lei ínsitas no art.º 9.º do Cód. Civil, “o intérprete tem de partir do princípio de que o legislador, conhecedor da extensão ex lege das regras do CPC aos processos especiais, sempre que nas disposições próprias destes não regulamentou expressamente qualquer questão, quis que fossem aplicadas, sucessivamente, as disposições gerais e comuns e o que se acha estabelecido para o processo ordinário. Se não fosse essa a sua vontade, certamente teria afastado expressa e claramente aquela aplicação.” Passando a apreciar as eventuais diferenças relevantes existentes entre o processo de expropriação e o processo declarativo comum, a Relação de Coimbra ponderou que “sem entrar na espinhosa discussão da verdadeira natureza do recurso da decisão arbitral em processo de expropriação, diremos que se nos apresenta como apelativa a ideia de que se trata de um processo híbrido em que se combinam características quer dos recursos, quer das acções declarativas. A possibilidade de junção de documentos (…) depois da apresentação do requerimento de interposição do recurso e da resposta inserem-se na hibridez aludida, pesando para o prato da balança das afinidades com as acções declarativas. E os princípios da celeridade e da economia processual, que não são exclusivo do processo de expropriação, antes se estendendo aos demais processos, não devem assumir um relevo tal que constituam obstáculo a que as partes produzam a sua prova, por forma a alcançar-se uma decisão acertada. Ou seja, não há incompatibilidade entre os dois mencionados princípios e a possibilidade de, em processo expropriativo, serem juntos documentos depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta.” E, estendendo a análise à aplicabilidade ao processo de expropriação das previsões dos n.ºs 1 e 2 do art.º 524.º do CPC (n.º 1: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”; n.º 2: “Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo”), escreveu-se: “As razões esgrimidas para a inaplicabilidade da previsão do nº 2 do artº 523.º do Cód. Proc. Civil ao processo de expropriação dificilmente seriam extensíveis às previsões dos nºs 1 e 2 do artº 524º, apresentando-se como muito dificilmente defensável que, por exemplo, não se pudessem juntar, depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da pertinente resposta, documentos destinados a provar factos posteriores àquelas peças processuais ou cuja apresentação se tivesse tornado necessária por virtude de ocorrência posterior.” E mais: “A tudo acresce que, de acordo com o artº 61º, nº 1 do CE, findo o prazo para a apresentação da resposta, seguem-se imediatamente as diligências instrutórias que o tribunal entenda úteis à decisão da causa (…), o que confere ao juiz largos poderes de inquisição, nos quais se inclui certamente o de mandar juntar os documentos que entenda. E, mesmo sem invocação expressa de tais poderes, a admissão da junção dos documentos apresentados depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da resposta tem subjacente um juízo de utilidade desses documentos e o uso daqueles poderes. É nosso actual entendimento, portanto, que, por aplicação subsidiária, nos termos do artº 463º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, das regras do processo ordinário, é admissível, em processo de expropriação, em momento ulterior à interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta, alterar e/ou aditar o rol de testemunhas, nas condições previstas no artº 512º-A, bem como juntar documentos, nas circunstâncias permitidas pelos artºs 523º, nº 2 e 524º, todos do mesmo diploma legal.”
No acórdão do STJ de 12.02.2010 (processo 09B0280) sufragou-se idêntico parecer, com base nas seguintes considerações: “O recurso da decisão arbitral não se configura como um verdadeiro recurso ordinário. A decisão arbitral assenta apenas nos laudos dos árbitros, de que os expropriados não podem reclamar, não havendo, pois, possibilidade de contraditório e de, através deste, influir na decisão. Daí que a doutrina entenda que a fase da arbitragem não corporiza um verdadeiro processo jurisdicional. A fase jurisdicional do processo de expropriação começa com o recurso da decisão arbitral, bem podendo dizer-se que o respectivo requerimento de interposição funciona como uma petição inicial, onde o recorrente, ao invocar as razões da sua discordância com o acórdão dos árbitros, apresenta a sua causa de pedir, na sequência do que deduz o pedido de indemnização que reputa ajustada. O recurso da decisão arbitral configura-se, pois, como uma fase declarativa especial que, arrancando embora da aludida decisão dos árbitros, se desenvolve como uma verdadeira acção declarativa, tendo em vista a discussão e apuramento da justa indemnização, com respeito pelo contraditório (cfr. art. 60º do CExp.) e com recurso a todos os meios de prova (arts. 58º e 60º/2). Sendo assim, e repetindo ideia já expressa, é-lhe aplicável o disposto no acima transcrito art. 463º/1 do CPC.” Aí também se faz apelo à ideia de que “a impossibilidade de junção de documentos fora do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral poderia conduzir, em muitos casos, ao triunfo de uma justiça meramente formal sobre a justiça material”.
Também a Relação de Lisboa, em acórdão de 09.11.2010 (processo 9660/08.3TBCSC-A.L1-1), após deixar claro que “os princípios da celeridade e da economia processual, não são exclusivo do processo de expropriação, antes se estendem aos demais processos e não devem assumir um relevo tal que constituam obstáculo a que as partes produzam a sua prova, por forma a alcançar-se uma decisão acertada. Não há incompatibilidade entre os dois mencionados princípios e a possibilidade de, em processo expropriativo, serem juntos documentos depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta”, decidiu no sentido da admissibilidade da junção de documentos em momento posterior à dedução do recurso da decisão arbitral, embora com a cominação da multa a que alude o nº 2 do art.º 523.º do CPC, se não for demonstrada razão justificativa do atraso na junção.
Nos mesmos termos se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa, de 14.6.2011 (processo 1271/10.0YRLSB-1), no qual se realçou que os preceitos do CE respeitantes à produção da prova “limitam-se a regular a oportunidade normal, a regra geral, para a junção de documentos e para o requerimento das demais provas, incluindo a prova testemunhal, fixando regimes coincidentes com os dos arts 523º nº 1 e 512º do CPC. Nada mais deles se pode inferir, não se referindo, naturalmente, ao regime da junção de documentos de conhecimento superveniente ou que não haja sido junto em momento anterior e ao regime da alteração e/ou aditamento do rol de testemunhas.”
E também neste sentido se pronunciou o STJ no acórdão de 07.6.2011 (processo 320/1998.L1.S1).
Aí se ponderou que “os princípios e direitos fundamentais, aqui envolvidos, determinam que, na dúvida, perante dois possíveis cenários na interpretação do regime consagrado no art. 56 do Código das Expropriações de 1991, se acolha a solução que melhor sirva os princípios estruturantes do processo civil e a tutela constitucional. Em caso de dúvida, “deve prevalecer a interpretação que, conforme os casos, restrinja menos o direito fundamental, lhe dê maior protecção, amplie mais o seu âmbito e o satisfaça em maior grau” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, pág. 143”. A solução aqui adoptada é a que melhor assegura o princípio do contraditório e o direito de defesa e melhor serve a verdade material e a justa indemnização que se pretende alcançar, perante a inexistência de razões específicas do processo indemnizatório de expropriação, que determinem o afastamento do regime do processo ordinário.”
Concluindo por admitir “a possibilidade de, em processo expropriativo, serem juntos documentos após a interposição de recurso da decisão arbitral e até ao encerramento da discussão, que ocorre com a apresentação das alegações.”
No mesmo sentido, vide os acórdãos do STJ, de 10.7.2012 (processo 157/1999.L2.S1) e de 11.12.2012 (processo 179/1999.L1.S1).
Expostos os argumentos apresentados, na jurisprudência, contra e a favor da admissibilidade da apresentação de documentos no processo de expropriação após a dedução do recurso da decisão arbitral, até às alegações finais, afigura-se-nos ser de sufragar a posição apresentada em último lugar. Efetivamente, a lei não aponta decisivamente para a negação de tal possibilidade e, assim sendo, a prossecução da justiça material, que no processo expropriativo não é “deusa menor”, dita que às partes seja admitida a produção de prova documental após a apresentação do requerimento de recurso da decisão arbitral, até ao encerramento da discussão, que ocorre com a junção das alegações finais (art.º 64.º do CE). Se essa junção, posterior à dedução do recurso da decisão arbitral, não for justificada quanto ao seu momento tardio, deverá aplicar-se a multa prevista no art.º 523.º n.º 2 do CPC.
Registe-se que, pronunciando-se acerca da norma resultante do n.º 1 do art.º 73.º do Código de Expropriações de 1976 (de conteúdo idêntico ao do art.º 58.º do CE de 1999) e dos artigos 523.º e 524.º do Código de Processo Civil, o Tribunal Constitucional julgou-a inconstitucional, por violação do n.º 4 do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de que as partes não podem juntar documentos supervenientes, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior à interposição ou resposta ao recurso da decisão arbitral (acórdão 124/2013, de 27.02.2013).
No caso destes autos, com a apresentação das alegações a que se refere o art.º 64.º do CE, os expropriados juntaram nove “documentos” (fls 567 a 637).
Desses nove “documentos”, seis são transcrições de excertos de decisões de tribunais que, no entender dos expropriados, ilustram doutrina jurisprudencial favorável à sua visão dos critérios a adotar na determinação da justa indemnização por expropriação.
Ora, as referidas transcrições de decisões jurisprudenciais não constituem, para os efeitos aqui tidos em vista, documentos. Não são meios de prova, não se destinam a demonstrar a realidade de matéria de facto relevante para a fixação da indemnização devida aos expropriados em virtude da expropriação. A junção dessas transcrições insere-se, ao fim e ao cabo, na tarefa argumentativa, no plano da apreciação do direito, que preside à produção das alegações. Essa função podia ser exercida do mesmo modo se os expropriados tivessem feito aqui aquilo que fizeram nas alegações da apelação, que “enriqueceram” com transcrições de mais de sete dezenas de excertos de decisões jurisprudenciais… Por isso, a junção dessas transcrições não está sujeita às limitações atinentes à produção da prova. Daqui decorre que nada obstava à sua junção, enquanto anexo das alegações.
Os outros três documentos são:
a) um “conjunto de decisões que desafectam terrenos de REN, designadamente para fins urbanísticos” (documento 2);
b) “proposta preliminar da Nova Carta de REN para a zona de Cadafais” (documento 3);
c) “extractos de cartografia”, atinentes aos PDM de Marinha Grande e Salvaterra de Magos (documento 4-A).
Segundo os expropriantes, com a junção dos documentos referidos em a) visam demonstrar que a classificação de terrenos na REN (Reserva ecológica nacional) não é imutável; com a junção do documento mencionado em b) pretendem provar que a zona da parcela expropriada foi totalmente excluída da REN; com o documento referido em c) visam demonstrar que espaços integrados na RAN (reserva agrícola nacional) e na REN podem ter uma qualificação urbana, prevendo-se em diversos Planos Directores Municipais áreas em áreas RAN e REN dentro de núcleos urbanos.
As decisões referidas em a) foram publicadas no D.R. entre fevereiro de 2008 e março de 2009; a proposta preliminar referida em b) não está datada; os extractos de cartografia referidos em c) também não estão datados, à exceção do “Extracto da Carta de Condicionantes” da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, que data de 17.5.2004.
Os documentos supra referidos não são, face ao seu conteúdo e finalidade da sua junção, manifestamente irrelevantes.
Alguns deles (os mencionados na alínea a)) foram produzidos após a data do recurso da decisão arbitral (o recurso foi interposto em 19.10.2005); os outros ou não têm data ou são datados de momento anterior à interposição do recurso, pelo que quanto a eles cabia aos expropriados justificar a sua junção tardia, para se eximirem à multa prevista no art.º 523.º n.º 2 do CPC – o que não fizeram.
Em suma, o despacho recorrido não deve subsistir e em sua substituição deve ser admitida a permanência nos autos dos documentos juntos com a alegação que os expropriados apresentaram ao abrigo do art.º 64.º do CPC. Note-se, de resto, que à entidade expropriante foi dada a oportunidade de exercer o contraditório quanto a esses documentos, pois o seu mandatário foi notificado dos mesmos pelo mandatário dos expropriantes, nos termos legais.
Caberá ao tribunal a quo levar em consideração os aludidos documentos na prolação da decisão a que se refere o art.º 66.º do CE, ajuizando da sua relevância, o que implica a anulação da sentença recorrida.
O ora decidido quanto ao agravo prejudica, pois, a apreciação da apelação (artigos 753.º n.º 1, a contrario, 710.º n.º 2, 660.º n.º 2, 713.º n.º 2 e 749.º do CPC, na redação anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007 de 24.8).
DECISÃO
Pelo exposto:
a) Dá-se provimento ao agravo interposto pelos expropriados e consequentemente revoga-se o despacho recorrido e determina-se que, em sua substituição, sejam admitidos pela primeira instância os documentos apresentados pelos expropriados com a alegação prevista no art.º 64.º do Código das Expropriações, com a aplicação da multa prevista no art.º 523.º n.º 2 do CPC;
b) Anula-se a sentença recorrida, ficando prejudicada a apreciação da apelação interposta pelos expropriados.
Sem custas quanto à apelação, que não foi julgada, e quanto ao agravo, uma vez que a entidade expropriante não contra-alegou e por isso, apesar do seu decaimento, delas está isenta (art.º 2.º n.º 1 alínea g) do CCJ).
Lisboa, 11.7.2013
Jorge Manuel Leitão Leal Ondina Carmo Alves Pedro Martins