SUBSÍDIO DE AGENTE ÚNICO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
TRABALHO SUPLEMENTAR
DESCANSO COMPENSATÓRIO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I.O subsídio de agente único, previsto na cláusula 16ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTROP e a FESTRU para o Transporte Rodoviário de Pesados de Passageiros, destinado a compensar os motoristas pelo exercício cumulativo de funções de cobrador-bilheteiro, é calculado por referência ao efectivo tempo de condução em que o motorista actue nessa condição
II.Arrogando-se o A. no direito a reclamar o pagamento das diferenças entre o que lhe foi pago, nos anos de 2002, 2003, 2005 e 2010 e o que lhe deveria ter sido pago, o fundamento para sustentar o pedido teria que assentar na existência duma discrepância entre os tempos de prestação de trabalho considerados pela R. e aqueles em que eventualmente, o A. tenha actuado efectivamente na condição de agente único, isto é, competindo-lhe cobrar ou/e verificar os títulos de transporte.
III. Significa isso que, nos termos gerais do ónus de prova (art.º 342.º 1 do CC), sobre o A. recaía o ónus de alegar e provar os factos necessários para demonstrar esse desfasamento.
IV.A disciplina legal sobre o direito a descanso compensatório pela prestação de trabalho suplementar em dia útil, estabelecida no CT 03 (art.ºs 202.º e 203.2) e no CT 09 (Art.º 229.º e 230.º 2, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho) aplica-se ao caso, não sendo afastada pelo Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTROP e a FESTRU para o Transporte Rodoviário de Pesados de Passageiros, aplicável.
V. A lei não estabelece qual a consequência jurídica em caso de incumprimento do empregador, quando o trabalhador adquire o direito ao descanso compensatório e não vê esse direito ser satisfeito, quer através do gozo desse descanso, quer pela substituição por prestação de trabalho remunerado com acréscimo não inferior a 100%, em qualquer caso no prazo de 90 dias fixado na lei para o cumprimento dessa obrigação.
VI. A posição da R, escudando-se na falta do acordo exigido na Lei para recusar pagar ao A qualquer acréscimo não pode ser acolhida, nem mesmo sob o argumento de que se verifica uma situação de mora, apenas devendo ser reconhecido ao A. direito ao gozo do descanso compensatório.
VII. O A. pretende é ser pago e não gozar o descanso compensatório relativamente aos períodos já vencidos, o que bem se compreende, pois não só se esgotou o prazo para a R. ter cumprido sucessivamente as suas obrigações, como até já decorreram anos.
VIII. A finalidade deste direito é assegurar ao trabalhador o direito ao repouso (art.º 59.º n.º1 al. d) da CRP), que pela prestação do trabalho suplementar foi reduzido. Por isso mesmo, a lei fixa um prazo curto de 90 dias, para que o descanso compensatório seja gozado.
IX. No fundo, a posição do A. equivale à declaração que faltava (mas que também não lhe foi solicitada) para complementar a posição que a R. assumiu na prática, exigindo-lhe a prestação de trabalho quando lhe deveria conceder o descanso compensatório.
X. Em contrapartida, a nossos ver, a posição da R. reconduz-se ao abuso de direito (art.º 334.º do CC), escudando-se numa norma legal para se esquivar às consequências do incumprimento da obrigação legal que sobre ela impendia.
(Elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

ACORDAM DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa,  AA instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao 3º Juízo - 1ª Secção, contra RODOVIÁRIA DE LISBOA, SA pedindo a condenação desta a reconhecer-lhe o direito a receber nas férias, nos subsídios de férias e nos subsídios de natal, a média mensal do acréscimo de 25% sobre à remuneração da hora normal a título da função que desempenha como agente único, num mínimo de quatro horas diárias e ao pagamento a título de diferença do  subsídio de agente único nas férias respectivo subsídio e subsídio de Natal dos anos de 2001, 2002, 2003, 2005 e 2010; uma compensação pecuniária correspondente aos descansos compensatórios não gozados, devidos pela prestação de trabalho suplementar em dias úteis a título de descanso compensatório não gozado nem pago, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamenta a sua pretensão alegando, no essencial, o seguinte:

(…)

Recebida a petição inicial e citada a ré, realizou-se audiência de partes, não se tendo logrado alcançar conciliação.

A Ré foi notificada para contestar a acção e, no prazo legal deduziu contestação, contrapondo, em síntese:

(…)

Findos os articulados foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto e a fixação da base instrutória.

O processo prosseguiu para julgamento, acto que foi realizado com observância das formalidades legais, tendo sido fixada a matéria de facto, sem que tenham sido apresentadas reclamações.

Subsequentemente foi proferida sentença, culminando com a decisão seguinte:

- «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência decide-se:

3.1.1. Reconhecer que o autor tem direito a receber da ré “Rodoviária de Lisboa,

SA” na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal do autor, a média mensal do

acréscimo de 25% à remuneração da hora normal a título da função que desempenha como agente único, num mínimo de quatro horas diárias, devendo pagar-lhe as diferenças no respectivo subsídio dos anos de 2002. 2003, 2005 e 2010 acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento.

3.1.2. Condenar a ré “Rodoviária de Lisboa, SA” pagar ao autor a quantia que se apurarem a título de descanso compensatório não gozado desde 01.12.2003 até 27 de Agosto de 2012, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento até integral pagamento.

3.1.3. Absolver a ré “Rodoviária de Lisboa, SA” do demais peticionado».

            I.2 Inconformada com essa decisão, a R. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios.

As alegações foram concluídas nos termos seguintes:

(…)


***

       Com as alegações juntou dois documentos, alegando fazê-lo  “ao abrigo do disposto no art.º 524.º n.º2 do CPC, pois a necessidade e a pertinência dos documentos só se revelou em face da decisão recorrida, não sendo previsível antes desta ser proferida”.

          I.3 O Recorrido apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:

(…)

I.4 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

I.5 Foram colhidos os vistos legais.

I.6 Delimitação do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), as questões que se colocam para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, ao condenar a recorrente:

i) A «a reconhecer que o autor tem direito a receber (…) na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal (…) a média mensal do acréscimo de 25% à remuneração da hora normal a título da função que desempenha como agente único, num mínimo de quatro horas diárias, devendo pagar-lhe as diferenças no respectivo subsídio dos anos de 2002, 2003, 2005 e 2010 acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento»;

ii) A «(..) pagar ao autor a quantia que se apurar a título de descanso compensatório não gozado desde 01.12.2003 até 27 de Agosto de 2012, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento até integral pagamento».

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1     MOTIVAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo, com interesse para a decisão da causa, fixou a seguinte factualidade:

1. A ré exerce a actividade de transporte rodoviários pesados de passageiros – (1º p.i.)

2. O autor foi admitido ao serviço da ré em 08.07.2002 – (2º p.i.)

3. Para o exercício da actividade de motorista afecto ao serviço público, competindo-lhe zelar pelo bom funcionamento, conservação da viatura e proceder à verificação directa dos níveis do óleo, água, combustível e pneus, funções que desempenhou desde a data da admissão – (3º p.i.)

4. Ao serviço da ré, desde então, sempre exerceu as funções que lhe são próprias como motorista de pesados de passageiros, sob a sua autoridade, fiscalização e direcção – (4º p.i.)

5. É a ré que indica ao autor o traçado rodoviário e os destinos a atingir, dentro dos horários e das escalas por ela pré-estabelecidos – (5º p.i.)

6. Ao autor é-lhe pedido para exercer e praticar as funções próprias de um motorista, actividade definida no AE aplicável ao sector, afecto aos transportes públicos de passageiros, estando-lhe adjudicado o serviço de carreiras – (6º p.i.)

7. O autor tem um horário de quarenta horas semanais, distribuídas por cinco dias, cumprindo com os serviços de carreiras que lhe são impostos pela ré em chapas numeradas/escalas de serviço diárias – (7º p.i.)

8. Como contrapartida pelo exercício da sua actividade profissional, o autor aufere, o salário mensal de € 610,00 ilíquidos de salário base, acrescido de anuidades no valor de € 22,95 – (8º p.i.)

9. O autor encontra-se sindicalizado no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez filiado na FESTRU, agora designada por FECTRANS, publicada no BTE n.º 47 de 22.12.2007, por extinção daquela e incorporação mediante a fusão na Federação de Sindicatos de Transportes e Comunicações – Fectrans e a ré associada na ANTROP – (9º p.i.)

10. O autor ao serviço da ré e desde que foi admitido prestou trabalho “suplementar”, auferindo nesse período e a esse título as quantias discriminadas, assim como as horas de trabalho, nos documentos juntos a 25 a 140 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – (11º p.i.)

11. A empresa ré determina o serviço a efectuar por todos os motoristas através de uma chapa de serviço que, em termos abstractos, pode ser efectuada por qualquer trabalhador da empresa – (12º p.i.)

12. Para além do referido no número anterior, a empresa afixa, também, uma escala diária de serviço onde determina qual o trabalhador concreto que irá efectuar a chapa de serviço geral naquele dia especifico – (13º p.i.)

13. Desde a sua admissão ao serviço da ré, e sempre que o fez na realização de

carreiras, o autor sempre trabalhou em regime de agente único a 100% até porque a ré deixou de ter cobradores-bilheteiros ao seu serviço – (14º p.i.)

14. O recibo do autor apresenta vários itens, sendo que:

a) “Descanso Sem. Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado pelo autor em dia de descanso semanal obrigatório prestado em período nocturno;

b) “Descanso Compl. Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado em dia de descanso complementar prestado em período nocturno;

c) “Descanso Compl. Diurno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado em descanso complementar prestado em período diurno;

d) “Descanso Compl. Sup. Diurno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado em dia de descanso complementar suplementar prestado em período diurno, ou seja, o tempo de trabalho prestado para além das 8 horas de trabalho;

e) “Descanso Sem. Diurno” diz respeito ao tempo de trabalhado efectuado em dia de descanso semanal obrigatório prestado em período diurno.

f) “Descanso Sem. Supl. Diurno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado em dia de descanso semanal obrigatório que ultrapasse as 8 horas, em período diurno – (27º p.i.)

15. No ano de 2003 a ré pagou relativamente ao valor de agente único no subsídio de férias e subsídio de Natal a quantia de € 50,69 em cada uma das parcelas – (31º al. b) parcialmente)

16. No ano de 2005 a ré pagou relativamente ao valor de agente único no subsídio de férias e subsídio de Natal a quantia de € 122,59 em cada uma das parcelas –(31º al. c) parcialmente)

17. No ano de 2010 a ré pagou relativamente ao valor de agente único no subsídio de férias e subsídio de Natal a quantia de € 44,54 em cada uma das parcelas – (31º al. c) parcialmente)

18. Até 27 de Agosto de 2012 o autor nunca gozou descansos compensatórios – (71º p.i.)

19. A ré exerce a actividade de transporte público rodoviário de passageiros com predominância nos concelhos de Lisboa, Loures, Odivelas e Vila Franca de Xira – (31º contest.)

20. As carreiras exploradas pela ré destinam-se a satisfazer necessidades de transporte de centros urbanos, de aglomerações urbanas ou aglomerados populacionais geograficamente contíguos, desenvolvendo-se o respectivo percurso através das vias urbanas – (32º contest.)

21. O transporte prestado pela ré é predominantemente urbano – (34º contest.)

22. A actividade da ré é marcada por uma forte pendularidade, havendo uma forte concentração de meios humanos e materiais em dois períodos distintos do dia: o primeiro na ponta da manhã (06.30 h/10.00h) e que correspondente às deslocações casa/emprego e, o segundo, na ponta da tarde (16.30 horas/20.30horas) e que corresponde às deslocações emprego/casa – (35º contest.)

23. Em cada um desses períodos a ré necessita de afectar a totalidade dos meios humanos e materiais disponíveis para poder satisfazer as necessidades de transporte das populações – (36º contest.)

24. Nesses períodos a ré tem de empregar todos os motoristas e todos os autocarros disponíveis para poder satisfazer as necessidades de transportes às populações – (37º contest.)

25. Fora desses períodos de ponta a ré apenas necessita de afectar entre 40% a 60% dos seus motoristas, dependendo da hora e da zona de tráfego – (38º contest.)

26. A ré vem organizando os tempos de trabalho dos seus motoristas respeitando um único intervalo na jornada de trabalho, com a duração máxima de duas horas ou, no caso dos associados do SITRA e do SNM e, ainda dos demais trabalhadores que o aceitassem, com a duração máxima de três horas, sendo remunerado o tempo que excedesse as duas horas – (47º contest.)

27. O tempo de trabalho do autor tem sido organizado de acordo com as regras referidas no n.º anterior – um único intervalo, com a duração máxima de três horas, sendo remunerado o tempo que exceda duas horas – (48º contest.)

28. A contingência de apenas poder ser intercalado um único intervalo na jornada de trabalho dos motoristas, mesmo com a duração máxima de três horas, leva a ré a ter de recorrer a trabalho para além do horário normal – (49º contest.)

29. Durante o tempo de trabalho e em média o trabalhador encontra-se inactivo  por um período de cerca de duas a três horas diárias além da duração do intervalo com o esclarecimento que se encontra naquelas duas/três horas ao dispor da empresa na sala dos motoristas e que esse tempo é pago pela ré – (50º e 51º contest.)

30. A ré ao considerar como tempo de trabalho o período em que o trabalhador

se encontra inactivo terá de prolongar o horário de trabalho diário dos motoristas para assegurar as necessidades de serviço – (53º contest.)

31. A ré nunca fez qualquer acordo com o autor para substituição dos descansos compensatórios pela prestação de trabalho suplementar em dia útil – (75º e 76º contest.)

II.2 JUNÇÃO DE DOCUMENTOS

(…)

À recorrente cabia justificar a apresentação dos documentos nesta fase, de modo a permitir o julgamento sobre a admissibilidade.

Porém, limitou-se a invocar genérica e conclusivamente que “a necessidade e a pertinência dos documentos só se revelou em face da decisão recorrida, não sendo previsível antes desta ser proferida”.

O que só permite considerar que pretende juntar os documentos agora por ter sido condenada, acrescendo que é por demais evidente que os mesmos poderiam ter sido juntos com os articulados.

Por conseguinte, inexistindo justificação atendível que permita o enquadramento em qualquer uma das situações apontadas, nomeadamente a invocada, conclui-se não ser admissível a junção dos documentos.

Em suma, rejeita-se a junção dos documentos requerida pela Apelante.

II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO

A primeira questão consiste em saber se o tribunal a quo errou o julgamento ao «(..) a reconhecer que o autor tem direito a receber (…) na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal (…) a média mensal do acréscimo de 25% à remuneração da hora normal a título da função que desempenha como agente único, num mínimo de quatro horas diárias, devendo pagar-lhe as diferenças no respectivo subsídio dos anos de 2002, 2003, 2005 e 2010 acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento».

Como adiante melhor se compreenderá, para tornar mais clara a  abordagem da questão, que se mostra algo confusa,  mostra-se aconselhável começar por enunciar as posições em confronto.

 Argumenta a recorrente, como melhor explica nas alegações, que (…)

Atentemos agora na sentença recorrida, na parte relativas a esta questão, procurando acompanhar o percurso lógico seguido.

A Senhora Juíza começou por enunciar, como factos relevantes, o seguinte:

(…)

Por seu turno, o recorrido vem defender que face à factualidade assente, (…)

Em suma, defende que face ao disposto na referida cláusula 16ª, nº 3 do CCT, deveria a recorrente ter feito incidir na retribuição de férias e respectivos subsídios, a

média mensal do acréscimo de 25% à remuneração da hora normal a título da função de agente único, num mínimo de quatro horas diárias, mas como não fez (entenda-se, observando aquele mínimo),  que bem decidiu a sentença recorrida.

II.3.1 Prosseguindo.

Começaremos por assinalar que as posições aqui defendidas pelas partes quanto a este ponto, reconduzem-se à questão fulcral que foi submetida ao Tribunal a quo, que não era tanto a de saber se o subsídio de agente único deve ser incluído na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, mas antes a de determinar em que termos era devido e qual o respectivo quantitativo.

A recorrente nunca pôs em causa que o subsídio de agente único tem natureza retributiva e, como tal, que deve ser considerado na remuneração do período de férias dos motoristas, bem como no subsídio de férias e no subsídio de Natal. Na verdade, até procedeu em conformidade relativamente ao A., como o próprio até alega, embora na perspectiva deste, relativamente a alguns anos, sem o fazer pelos montantes devidos.

Com efeito, o que o A. veio pedir foi a condenação da R. relativamente aos anos em que na retribuição de férias e nos subsídios de férias e Natal não foi considerado pelo menos o valor mínimo estabelecido na Cláusula 16.º do CCTV aplicável, daí pedir a condenação daquela ao pagamento das diferenças entre o que lhe foi pago nos anos de 2003, 2005 e 2010 e o que entende deveria ter sido pago.

         Na sua leitura, exercendo funções de motorista em carreiras de serviço público em regime de agente único, isto é, sem estar acompanhado de cobrador-bilheteiro, por aplicação daquela cláusula deveria a R. ter considerado, pelo menos, o acréscimo de 25% à remuneração da hora normal a título da função que desempenha como agente único, num mínimo de quatro horas diárias.

         Significa isto, na perspectiva do recorrido, que a componente a integrar na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal - a título de média do subsídio de agente único - seria sempre o resultado de um cálculo assente no pressuposto de que em cada um dos meses lhe era devido o subsídio de agente único calculado pelo mínimo estabelecido na cláusula 16.a, isto é, o correspondente ao acréscimo de 25% da retribuição hora, multiplicado por quatro horas.

            Em contraponto, a R., nunca questionando que o subsídio de agente único deva ser incluído na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal – até porque fez pagamentos a esse título –, apresenta é uma diferente interpretação da aludida cláusula, mais precisamente, como se lê no artigo 6.º da contestação, que a sua aplicação “(..) só é devida quando a condução seja acompanhada da prestação de tarefas de cobrança e/ou de verificação de títulos de transporte, ou haja possibilidade dessa acumulação se verificar (este é, aliás, o entendimento pacífico da Jurisprudência, conforme pode alcançar-se, entre outros, dos ACÓRDÃOS DO STJ de 31/05/2004, de 07/04/2005, de 14/02/2007 e 26/03/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt)”.

Nesse pressuposto tendo defendido que “(..) os montantes que a R: pagou ao A. a título de subsídio de agente único e que constam dos recibos cujas cópias o A. juntou, reflectem rigorosamente o tempo efectivo de acumulação das tarefas de condução com as tarefas de cobrança de bilhetes e de conferência de títulos, ou da possibilidade dessa acumulação se verificar” [art.º 9.º da contestação].

Pois bem, salvo o devido respeito, a sentença recorrida focou-se essencialmente na questão de saber se o subsídio de agente único deveria integrar a retribuição de férias e os subsídios de Férias e de Natal, para a partir daí concluir de imediato que a Ré deveria “fazer incidir na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal do autor, a média mensal do acréscimo de 25% à remuneração da hora normal a título da função que desempenha como agente único, num mínimo de quatro horas diárias, devendo pagar as diferenças no respectivo subsídio dos anos de 2002, 2003, 2005 e 2010 acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento”.

Não se pode dizer que a questão não tenha sido decidida, mas a verdade é que não se encontra um único argumento que explique como se chegou  àquela conclusão final. Tanto quanto parece, na consideração do que mencionou ter resultado provado, isto é, que o A. «Desde a sua admissão ao serviço da ré e sempre que o fez na realização de carreiras, (..) sempre trabalhou em regime de agente único a 100% até porque a ré deixou de ter cobradores-bilheteiros ao seu serviço», a Senhora Juíza assumiu implicitamente ser-lhe  sempre devido, isto é, mês após mês, o pagamento do subsídio pelo menos no mínimo estabelecido na cláusula - acréscimo de 25% à remuneração da hora normal a título da função que desempenha como agente único, num mínimo de quatro horas diárias – mas sem que se perceba se assim o entendeu, por considerar que o A. sempre exerceu efectivamente a cobrança de bilhetes ou verificação de títulos ou, pelo menos, porque  havia essa possibilidade; ou, se chegou a essa conclusão por entender ser bastante  a prestação do trabalho em regime de agente único a 100%, e ter a R. deixado de ter ao seu serviço trabalhadores com a categoria de cobrador-bilheteiro.

Ora, a distinção entre uma coisa e outra não é despicienda. Pelo contrário é o ponto fulcral para a decisão do pedido em causa.

De resto, basta atentar na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça invocada pela R. na contestação, e aqui de novo convocada no recurso, para se perceber a pertinência da questão, nomeadamente para a resolução do caso em concreto.

Importa, pois, que nos detenhamos sobre a cláusula 16.ª, do CCTV celebrado entre a  ANTROP – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários e Pesados de  Passageiros e a FESTRU – Federação dos Sindicatos Rodoviários e Urbanos, publicado no BTE, 1ª série, n.º 8, de 29.02.1980, com as alterações publicadas nos BTE, 1ª série, n.ºs 14/1981, 14/1982, 14/1983, 10/1985, 15/1986, 15/1987, 23/1988, 15/1990 e 20/1999, aplicável ao caso na medida em que, como provado, o autor «(..) é sindicalizado no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez filiado na FESTRU, agora designada por FECTRANS” (..)».

Antes, porém, num breve parêntesis, há que assinalar verificar-se uma inexactidão da sentença recorrida. Assume-se na sentença que o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável é o acima mencionado, consideração correcta e nem sequer controvertida. Assim, a Cláusula a considerar é a 16.ª daquele CCTV, e não qualquer outra e outro IRCT.

Porém, sem qualquer explicação, a Senhora Juíza passa a dizer que “De acordo com a cláusula 83ª do CCT é agente único nos transportes de passageiros (..)”, do “AE” (que não identifica; bem como mais adiante - sobre o subsídio de Natal –, aqui  reportando-se “(..) ao disposto no n.º 1 da cláusula 52º do AE”.

 Convém esclarecer que  acabou por se perceber  tratar-se de um lapso da Senhora Juíza, certamente ocorrido na sequência da consulta do Ac. do STJ de 26-03-2008 [Proc.º 08S009, Sousa Peixoto, disponível em www.dgsi.pt], que se debruça sobre a cláusula 83.º do AE celebrado entre a Rodoviária Nacional e a FESTRU, publicado no BTE n.º 45/83, de 8-12-83, na redacção que lhe foi dada pela alteração publicada no BTE n.º 12/85, de 29-03-85, em cuja fundamentação se invocam outros arestos do STJ, entre eles os que se debruçaram sobre cláusula 16.º do CCTV aqui aplicável, assinalando-se, contudo, que embora com teor semelhante (e conduzindo a uma mesma interpretação), o conteúdo não é inteiramente coincidente.

Retomando a nossa linha de raciocínio, atentemos, então, na Cláusula 16.º, onde se estabelece o seguinte:

«1 - É agente único o motorista que em carreiras de serviço público presta serviço não acompanhado de cobrador-bilheteiro e desempenha as funções que a este cargo incumbem.

2. A não aceitação por parte dos trabalhadores do Estatuto de Agente Único não pode dar origem a sanções disciplinares.

3 - A todos os motoristas de veículos pesados de serviço público de passageiros que trabalhem em regime de agente único será atribuído um subsídio especial de 25% sobre a remuneração da hora normal durante o tempo efectivo de serviço prestado naquela qualidade, com o pagamento mínimo correspondente a quatro horas de trabalho diário nessa situação» (o destaque a negrito é nosso).

Como bem invocou a Ré, sobre o sentido e alcance desta cláusula, debruçou-se o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 14 de Fevereiro de 2007, reiterando jurisprudência da mesma instância. O sumário deste acórdão sintetiza o entendimento sufragado, nos termos seguintes:

«I - O subsídio de agente único, previsto na cláusula 16ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTROP e a FESTRU para o Transporte Rodoviário de Pesados de Passageiros, destinado a compensar os motoristas pelo exercício cumulativo de funções de cobrador-bilheteiro, é calculado por referência ao efectivo tempo de condução em que o motorista actue nessa condição;

II - Nesses termos, mesmo que o motorista desempenhe sempre as suas funções em regime de agente único, o referido subsídio é atribuído por referência ao tempo de condução efectiva, e não à remuneração mensal

[proferido no processo n.º 06S3753,  FERNANDES CADILHA, disponível em www.dgsi.pt]

Embora suficientemente elucidativo, convirá atentar nos fundamentos que conduzem a este entendimento, lendo-se no aresto o seguinte:

«(..)

A questão que se coloca é, pois, a de saber se o subsídio é calculado por aplicação do índice percentual convencionado em relação à totalidade do horário diário praticado pelo autor ou apenas sobre o concreto e estrito tempo de condução em que tenha actuado como cobrador-bilheteiro.

Sobre questão semelhante, suscitada a propósito de cláusula com idêntica redacção, já se pronunciou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Abril de 2002, proferido na Revista n.º 4420/01, em que perfilhou o segundo dos referidos entendimentos.

Escreveu-se aí:

"Esse subsídio não ficou quantitativamente fixado, não foi reportado ao vencimento mensal, base ou outro, sendo de calcular em função da remuneração da hora normal, 25% dessa remuneração, ‘durante o tempo efectivo de serviço prestado naquela qualidade, com um pagamento mínimo de oito horas’.

(... ).

Ora, tratando-se de um subsídio especial, reclamado por uma actividade cujo desempenho acresce às funções de motorista, compreende-se que o tempo considerado de trabalho mas que não seja ocupado na condução como agente único não deva contar para a atribuição de um subsídio que é justificado pelo exercício efectivo, ou possibilidade desse exercício, das funções de cobrador-bilheteiro.

E uma remuneração assim entendida tanto se ajusta aos motoristas dos "expressos" como aos das carreiras normais enquanto agentes únicos, pois o que se quis, abarcando um caso e outro, foi que se pagasse uma actividade e não, pura e simplesmente, que se remunerasse o motorista por ser agente único».

Estas considerações, que foram mais recentemente sufragadas pelos acórdãos do STJ de 10 de Março de 2005 (Revista n.º 1512/04) e 7 de Abril de 2005 (Processo n.º 4453/04), continuam a merecer inteiro acolhimento e têm plena aplicação ao caso dos autos.

E nesse sentido aponta, na verdade, quer a interpretação literal, quer a interpretação teleológica da cláusula. Por um lado, a cláusula pretende salvaguardar as situações em que um motorista se encontre sujeito a um regime dualista, cumprindo uma parte do seu horário de condução como simples motorista e outra como agente único, assim se compreendendo a indexação do subsídio ao tempo efectivamente prestado como agente único como forma de estabelecer-se a diferenciação remuneratória. Por outro lado, o contexto verbal aponta para que o subsídio incida sobre o "tempo efectivo de serviço" e, portanto, sobre o tempo de serviço em que o motorista exerce cumulativamente as funções de cobrador-bilheteiro e intervém, como tal, na qualidade de agente único, só assim se justificando que o cálculo do subsídio seja efectuado por referência à remuneração horária, e não à remuneração mensal.

É, neste plano, irrelevante que se encontre provado que o autor prestou serviço, exclusivamente em regime de agente único e que entretanto a entidade empregadora já não tenha ao seu serviço trabalhadores com a categoria de cobrador-bilheteiro, pois a cláusula, estando pensada para responder, num primeiro momento, aos casos em que o motorista trabalhasse em duplo regime, mantém, todavia, um único critério remuneratório que abarca quer as situações de desempenho exclusivo de agente único, quer as situações de concorrência com cobrador-bilheteiro, assim se compreendendo que estipule um único mecanismo de cálculo do suplemento remuneratório (por referência ao tempo efectivo de condução nesse regime, e não à remuneração mensal).

A interpretação avançada pelos recorrentes, segundo a qual a expressão "tempo efectivo de serviço prestado nessa qualidade", ínsita no n.º 3 da Cláusula 16ª, reporta-se apenas a um período de transição em que subsistam situações em que o motorista trabalhava acompanhado de cobrador­-bilheteiro, perdendo o seu sentido significante após a extinção daquela categoria profissional, não tem o mínimo de correspondência na letra da lei, nem é aceitável do ponto de vista da racionalidade do preceito.

De facto, nada permite concluir que o n.º 3 da cláusula 16ª tenha o carácter de uma norma de direito transitório, destinada a vigorar apenas e enquanto se mantivesse a necessidade de adaptação a um novo e exclusivo regime de agente único. De resto, o n.º 2 da mesma cláusula expressamente contempla a possibilidade de não aceitação, por parte dos motoristas, do estatuto de agente único, o que tem pressuposta a ideia de que o regime dualista poderia perdurar indefinidamente e por todo o período da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho. Por outro lado, não tem qualquer cabimento, no quadro da hermenêutica jurídica, que a mesma expressão legal tenha um ou outro sentido interpretativo consoante as circunstâncias do caso concreto a que deva aplicar-se, de tal modo que deva interpretar-se como estabelecendo uma remuneração referenciada ao tempo efectivo de trabalho se a empresa ainda mantiver ao seu serviço cobradores-bilheteiros, e referenciada ao período normal de trabalho, no caso contrário.

A única interpretação viável é aquela que confere ao n.º 3 da referida cláusula uma leitura abrangente, envolvendo qualquer das situações em que os motoristas poderiam ter de exercer as suas funções: em regime de exclusividade como agente único ou em regime de concorrência com cobrador­bilheteiro.

Não vislumbramos qualquer razão suficientemente pertinente para opor a este entendimento afirmado reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça.

De resto, nem o recorrido avança qualquer argumento para o pôr em causa, que exija discussão a propósito, sendo certo que não lhe terá passado despercebida a invocação desta jurisprudência pela Recorrida, tanto mais que já fora feita na contestação.

Acompanhando esse entendimento, vejamos, então, quais as consequências da sua aplicação ao caso concreto.

Como já se disse, não está em causa saber se os valores pagos ao A. a título de subsídio especial, nos termos da cláusula 16.ª, por prestar efectivamente a sua actividade em regime de agente único – calculado à razão de 25% sobre a remuneração da hora normal durante o tempo efectivo de serviço prestado naquela qualidade, com o pagamento mínimo correspondente a quatro horas de trabalho diário -  são susceptíveis de incidir na  retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal.

A talhe de foice, releva também deixar nota que a Jurisprudência do STJ citada, bem como a referida nesses mesmos arestos - debruçando-se sobre esta cláusula ou sobre as semelhantes, nomeadamente, 83.ª do AE acima referido e 14.ª do CCT celebrado entre a ANTROP e o Sindicato Nacional de Motoristas - tem entendido unanimemente, como se sumariza no AC. do STJ de 26-03-2008, que “O subsídio de agente único tem natureza remuneratória e, por isso, integra a retribuição de férias e de Natal, quer antes quer depois da entrada em vigor do CT, uma vez que o n.º 1 do mesmo diploma permite que disposições convencionais, (..), disponham em contrário”.

Nesse pressuposto, revertendo ao caso, o que em primeiro lugar importa ter presente, é que essa incidência só poderá resultar da média dos valores que forem pagos – ou fosse devido o pagamento - mensalmente a esse título ao longo de cada ano.

Assim, arrogando-se o A. no direito a reclamar o pagamento das diferenças entre o que lhe foi pago, nos anos de 2002, 2003, 2005 e 2010 e o que lhe deveria ter sido pago, o fundamento para sustentar o pedido teria que assentar na existência duma discrepância entre os tempos de prestação de trabalho considerados pela R. e aqueles em que eventualmente,  o A. tenha actuado efectivamente na condição de agente único, isto é, competindo-lhe cobrar ou/e verificar os títulos de transporte.

Significa isso que, nos termos gerais do ónus de prova (art.º 342.º 1 do CC), sobre o A. recaía o ónus de alegar e provar os factos necessários para demonstrar esse desfasamento. Isto é, os factos teriam que evidenciar que em determinados dias o A. actuou efectivamente na condição de agente único, mas sem que a R. lhe tenha pago, no final do mês, pelo menos o subsídio calculado em conformidade com o estabelecido na cláusula 16.ª, observando pelo menos o mínimo ai estabelecido. Só a partir dessa prova é que, num passo seguinte, se poderia então concluir que a média dos valores pagos em cada mês a título de subsídio de agente único, destinada a integrar a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, era inferior ao que pelo menos seria devido caso em cada um dos meses tivessem sido pagos os valores devidos.

Com efeito, o número de horas diárias que tenham sido prestadas pelo autor no exercício efectivo da actividade de condução, em regime de agente único , é um facto constitutivo do direito ao subsídio de agente único por ele invocado para integrar as prestações retributivas em causa. E, sendo um facto constitutivo desse direito, sobre o autor impendia o ónus, nos termos do citado n.º1 do art.º 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários.

Porém, o A. nada alegou a esse propósito, pois, como bem se percebe, inclusive pelas contra-alegações, não foi essa a interpretação que fez da cláusula 16.º do CCTV aplicável.

O seu pedido alicerça-se no pressuposto de que seria bastante exercer funções de motorista em carreiras de serviço público em regime de agente único (a 100%),  independentemente de tal pressupor, em concreto, o desempenho efectivo dessa condição (competindo-lhe efectivamente  cobrar ou/e verificar os títulos de transporte).

Ora, pelas razões que se vieram expondo, essa interpretação da cláusula 16.ª não é a correcta e, consequentemente, atento o elenco factual apurado, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, não existe fundamento para sustentar o pedido.

Por conseguinte, assiste razão à recorrente, o que vale por dizer que nessa parte não pode ser mantida a sentença recorrida.

II.3.2 A segunda questão consiste em saber se o Tribunal a quo errou ao condenar a R a «(..) pagar ao autor a quantia que se apurar a título de descanso compensatório não gozado desde 01.12.2003 até 27 de Agosto de 2012, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento até integral pagamento».

Como breve introdução, releva notar que nesta parte o pedido do A. apenas foi parcialmente atendido, uma vez que o mesmo era reportado a todo o período da relação laboral, que se iniciou a 08.07.2002.

A apreciação do pedido incidia, assim, atenta a legislação vigente, sobre períodos distintos. Relativamente ao primeiro colocava-se, desde logo, a questão de saber se tinha aplicação à relação laboral, o DL 431/83 de 2 de Dezembro, diploma onde se encontrava regulado o direito ao descanso compensatório por prestação de trabalho suplementar. E, quanto ao segundo período, como aquele diploma foi revogado com a entrada em vigor do CT 03, e entretanto este último foi revisto pelo CT 09, colocava-se também a mesma questão, isto é, se a disciplina sobre essa matéria contida nestes diplomas se aplicam à relação laboral em causa e, na afirmativa, com que efeitos.

Concluiu-se na sentença recorrida o seguinte:

(…)

Não podemos deixar de voltar a assinalar também quanto a este ponto, que a fundamentação é exígua para sustentar a conclusão a que a Senhora juíza chegou, no que respeita ao período após o início da vigência do Código do Trabalho de 2003, isto é, para concluir que é devido ao autor a retribuição por não ter gozado o descanso compensatório, a partir de  01.12.2003, data da entrada em vigor da Lei n.º 99/2003 de 27.08 que aprovou o Código de Trabalho.

Em boa verdade, dificilmente se logra alcançar o percurso lógico que conduziu à decisão na parte em que julgou procedente o pedido do A.

 Avançando, comecemos por atentar na argumentação da recorrente.

No essencial, sustenta esta que o CCTV aplicável apenas prevê a concessão de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, prestado em Portugal ou no estrangeiro, e pela prestação de trabalho em dia feriado no estrangeiro (conclusão K a U), defendendo que essas regras prevalecem sobre o CT 03 e 09, invocando o art.º 1.º n.º3, do DL 237/2007 de 19 de Junho. Para além disso, sustenta que o CT 03 e o CT 09 não reconhece o direito a ser recebida a retribuição correspondente ao dia de descanso compensatório não gozado, dado que a substituição de descanso compensatório por prestação e trabalho remunerado só era admissível desde que houvesse acordo nesse sentido entre o trabalhador e o empregador, pelo que mesmo que se entenda s ser aplicável o regime daqueles diplomas, o que se verifica é uma situação de mora, apenas devendo ser reconhecido o direito ao gozo do descanso compensatório  (conclusões V a Y).

Por seu turno, o recorrido limita-se a acompanhar a sentença.

Vejamos então. Em abono da posição do A relevam, desde logo, os factos seguintes:

[2] O autor foi admitido ao serviço da ré em 08.07.2002.

[10] O autor ao serviço da ré e desde que foi admitido prestou trabalho “suplementar”, auferindo nesse período e a esse título as quantias discriminadas, assim como as horas de trabalho, nos documentos juntos a 25 a 140 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

[14] O recibo do autor apresenta vários itens, sendo que:

a) “Descanso Sem. Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado pelo autor em dia de descanso semanal obrigatório prestado em período nocturno;

b) “Descanso Compl. Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado em dia de descanso complementar prestado em período nocturno;

c) “Descanso Compl. Diurno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado em descanso complementar prestado em período diurno;

d) “Descanso Compl. Sup. Diurno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado em dia de descanso complementar suplementar prestado em período diurno, ou seja, o tempo de trabalho prestado para além das 8 horas de trabalho;

e) “Descanso Sem. Diurno” diz respeito ao tempo de trabalhado efectuado em dia de descanso semanal obrigatório prestado em período diurno.

f) “Descanso Sem. Supl. Diurno” diz respeito ao tempo de trabalho efectuado em dia de descanso semanal obrigatório que ultrapasse as 8 horas, em período diurno

[18] Até 27 de Agosto de 2012 o autor nunca gozou descansos compensatórios.31. A ré nunca fez qualquer acordo com o autor para substituição dos descansos compensatórios pela prestação de trabalho suplementar em dia útil.

Daqui resulta, em suma, e como também afirmado na sentença, que ao longo da relação laboral o A. prestou trabalho suplementar em dia útil, mas sem que tenha gozado descanso compensatório. De resto sem que tal sequer seja controvertido entre as partes, tanto mais que a R. até pretende justificar a necessidade dessa prestação. O que esta põe em causa é o número de horas.

E, nesse ponto com razão, pois o elenco factual provado não permite saber quando foi prestado esse trabalho em dias úteis para além do horário normal e qual o quantitativo de horas.

Atentemos agora nas disposições legais e convencionais em jogo.

A noção de trabalho suplementar é-nos dada pelo n.º1 do art.º 197º do CT 03, bem como pelo correspondente n.º1 do art.º 226.º do CT 09, dai decorrendo  considerar-se como tal o que é “prestado fora do horário de trabalho”.

No que respeita ao descanso compensatório, o art.º 202º do CT 03 dispõe o seguinte:

[1]  A prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado.

[2] O descanso compensatório vence-se quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes.

[3] Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes.

[4] Na falta de acordo, o dia do descanso compensatório é fixado pelo empregador.

[5] O descanso compensatório do trabalho prestado para assegurar o funcionamento dos turnos de serviço das farmácias de venda ao público é objecto de regulamentação em legislação especial.

Para além disso, importa ainda considerar o n.º 2, do art.º 203.º, este dispondo:

[2] «Quando o descanso compensatório for devido por trabalho suplementar não prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, pode o mesmo, por acordo entre o empregador e o trabalhador, ser substituído por prestação de trabalho remunerado com um acréscimo não inferior a 100%».

Correspondem àquelas disposições, no CT/09, o art.º 229.º [Descanso compensatório de trabalho suplementar] e o n.º2, do art.º 230.º,  que na versão aqui aplicável, ou seja, a anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, dispunham o seguinte:

[art.º 229.º]

 [1] O trabalhador que presta trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado tem direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizadas, sem prejuízo do disposto no nº 3.

[2] O descanso compensatório a que se refere o número anterior vence-se quando perfaça um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes.

[3] O trabalhador que presta trabalho suplementar impeditivo do gozo do descanso diário tem direito a descanso compensatório remunerado equivalente às horas de descanso em falta, a gozar num dos três dias úteis seguintes.

[4] O trabalhador que presta trabalho em dia de descanso semanal obrigatório tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes.

[5] O descanso compensatório é marcado por acordo entre trabalhador e empregador ou, na sua falta, pelo empregador.

[6] O disposto nos n. 1 e 2 pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que estabeleça a compensação de trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho, pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades.

[7] Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1, 3 ou 4.

[Art.º 230.º]

[2]  O descanso compensatório de trabalho suplementar prestado em dia útil ou feriado, com excepção do referido no nº 3 do artigo anterior, pode ser substituído por prestação de trabalho remunerada com acréscimo não inferior a 100 %, mediante acordo entre empregador e trabalhador.

Em suma, no que para aqui releva, destas normas, sem que haja alteração de relevo entre o CT 03 e o CT 09 (relembramos, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho),  resulta o seguinte:

i)   A prestação de trabalho suplementar em dia a útil confere ao trabalhador o direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizadas;

ii) O descanso compensatório vence-se quando o número de horas acumuladas, segundo aquela regra, for igual ao período normal de trabalho diário;

iii)  Atingido esse ponto, o descanso compensatório deve ser gozado nos 90 dias seguintes à data de vencimento.

iv) Nesse período de 90 dias, o gozo do descanso compensatório será definido por acordo, mas caso não o haja prevalece o poder de  direcção do empregador, que o marcará.

v) Permite-se que esse descanso compensatório, dado ser reportado a trabalho prestado em dia útil, possa ser substituído por prestação de trabalho remunerado com um acréscimo não inferior a 100%, mas exigindo-se, para isso, que haja acordo entre o trabalhador e o empregador.

vi) Não tendo sido gozado o descanso compensatório no prazo devido nem tendo sido substituído por prestação de trabalho remunerado com acréscimo  não inferior a 100%, por falta do acordo, não estabelece a lei qual a consequência jurídica que decorre desse facto para o empregador.

Cabe agora indagar se este regime legal, estabelecido no CT 03 e no CT 09 (até às alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2012),pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

Arrima-se a recorrente no CCTV aplicável, isto é, o celebrado entre a  ANTROP – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários e Pesados de  Passageiros e a FESTRU – Federação dos Sindicatos Rodoviários e Urbanos, publicado no BTE, 1ª série, n.º 8, de 29.02.1980, com as alterações publicadas nos BTE, 1ª série, n.ºs 14/1981, 14/1982, 14/1983, 10/1985, 15/1986, 15/1987, 23/1988, 15/1990 e 20/1999, argumentando que nele não se prevê o direito a descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil (cláusula 43.º n.ºs 5 e 6). Vejamos, então.

Consta dos aludidos números o seguinte:

[5] Se o trabalhador prestar serviço em qualquer dos seus dias de descanso semanal terá direito a descansar obrigatoriamente um dia completo de trabalho num dos três dias úteis seguintes por cada dia de serviço prestado, independentemente do disposto no n.º1 e 2 desta cláusula» (o n.º 1 estabelece o valor da retribuição adicional devida pelo trabalho extraordinário prestado; e, o n.º2, estabelece o método de cálculo do valor hora para efeitos de trabalho extraordinário).

 [6] Por cada dia de descanso semanal ou período em serviço no estrangeiro, o trabalhador, além do adicional referido nos n.ºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a um dia de descanso complementar, gozado seguido e imediatamente à sua chegada”.

É indiscutível que esta cláusula não contempla as situações de prestação de trabalho suplementar em dia útil (nem qualquer outra, como se constata percorrendo o CCTV aplicável). Contudo, tal não pode significar, sem mais, que se devam ter por afastadas aquelas normas legais.

Desde logo, note-se, o CCTV apenas não prevê as situações de prestação de trabalho suplementar em dia útil, ou seja, é omisso quanto a isso, o que é diferente de afirmar não haver lugar a descanso compensatório ou o direito a descanso compensatório num regime mínimo inferior.

Para além disso, a redacção da cláusula do  CCTV é anterior ao CT 03, mantendo-se inalterada, o que evidencia que esta matéria não foi sequer objecto de negociação colectiva que tenha tido em conta o estabelecido no CT 03 quanto ao direito a descanso compensatório por trabalho prestado em dia útil.

Por último, atento o conteúdo das normas legais em causa, o seu afastamento por IRCT em sentido desfavorável, isto é, contrariando um regime legal mínimo de descanso compensatório, não é admissível (art.º 4.º 1 e 2 do CT/03 e 3.º 1 e 3, do CT  03).

Note-se que apenas o CT/09 veio permitir que o direito ao descanso compensatório estabelecido nos n.ºs 1 e 2, do art.º 229.º possa ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, mas desde  “que estabeleça a compensação de trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho, pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades” [n.º6, do mesmo artigo].

A recorrente procura ultrapassar esse obstáculo apelando ao art.º 1.º  n.º3, do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, argumentando que o mesmo afasta expressamente a aplicação daquele regime do CT 03 e 09, para fazer prevalecer o CCTV.

O artigo 1.º do invocado diploma, dispõe o seguinte:

[1] O presente decreto-lei regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.

[2] O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário.

Não se justifica aqui grandes considerações sobre o diploma, mas desde logo importa saber se o mesmo se aplica à situação em causa. A questão é pertinente, na medida em que, como se elucida no Acórdão  da Relação de Coimbra de 11-03-2010,  o diploma em causa apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 381/85; enquanto que para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006, o qual estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros. Mas para melhor elucidação atente-se no respectivo sumário (na parte aqui relevante):

- «III – O Dec. Lei nº 237/07, de 19/06, não padece do vício de inconstitucionalidade orgânica.

IV – O Dec. Lei nº 237/07, de 19/06, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2002/15/CE de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas (trabalhadores) que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário efectuado em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, de 20/12, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuem Transportes Internacionais Rodoviários (AETR) aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei nº 324/73, de 30/06.

V – A Directiva nº 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85 ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR.

VI – A Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG 3821/85, de 20/12, pelo que o Dec. Lei nº 237/07 apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 381/85.

VII – Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

[proferido no processo n.º 608/09.9TTVIS.C1 Felizardo Paiva, disponível em www.dgsi.pt].

Ora, conforme decorre da al. b) do n.º 1, do artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu do Conselho, de 15 de Março de 2006, o regulamento aplica-se ao transporte rodoviários “De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade”.

Assim sendo, parece forçoso concluir que o Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, nem sequer tem aplicação no caso concreto, dado que actividade desenvolvida pela Recorrente é a de transporte de passageiros, acrescendo, como é facto público e notório, que é prosseguida com o recurso a “veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade”.

Mas mesmo que assim não fosse, a disposição invocada pela recorrente apenas diz que “O disposto nos artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho”. Ora, no essencial, essas disposições respeitam às matérias seguintes:

[3.º] Respeita ao dever  de informação do empregador,  dizendo que sem prejuízo do disposto nos artigos 97.º a 101.º do Código do Trabalho,  inclui ainda os limites à duração do trabalho, os intervalos de descanso e os descansos diário e semanal.

[4.º] Dispõe, no caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, sobre as indicações que devem conter o  registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162.º do Código do Trabalho (1); a forma a que deve obedecer o registo (2) ; e, deveres do empregador relativos à manutenção dos registos e entrega ao trabalhador (3).

 [5.º] Dispõe que o tempo de disponibilidade, cuja noção é dada na alínea c) do artigo 2.º, não é considerado tempo de trabalho.

[6.º] Rege sobre os limites de duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar.

[7.º] Estabelece excepções aos limites da duração do trabalho.

[8.º] Disciplina os intervalo de descanso dos trabalhadores móveis.

[9.º] Disciplina o regime de descanso diário e descanso semanal dos trabalhadores móveis.

Assim, como facilmente se alcança, nenhuma delas se ocupa da regulação do regime de descanso complementar por prestação de trabalho suplementar, o que vale por dizer que em caso algum estariam afastadas as disposições do CT 03 e CT 09 acima enunciadas.

Concluindo, a disciplina legal sobre o direito a descanso compensatório pela prestação de trabalho suplementar em dia útil aplica-se ao caso, não sendo afastada pelo CCTV aplicável.

Passemos à segunda linha de argumentação da recorrente, que consiste na afirmação de que os CT 03 e CT 09 não reconhecem o direito a ser recebida a retribuição correspondente ao dia de descanso compensatório não gozado.

E, com efeito assim acontece. O que a lei reconhece ao trabalhador que preste trabalho suplementar em dia útil, é o direito a gozar o descanso compensatório nos 90 dias seguintes ao vencimento desse direito; ou, em alternativa, mas desde que haja acordo entre o empregador e o trabalhador, admite que o descanso compensatório seja substituído por prestação de trabalho remunerado com um acréscimo não inferior a 100%.

Porém, não estabelece a lei qual a consequência jurídica em caso de incumprimento do empregador, quando o trabalhador adquire o direito ao descanso compensatório e não vê esse direito ser satisfeito, quer através do gozo desse descanso, quer pela substituição por prestação de trabalho remunerado com acréscimo  não inferior a 100%, em qualquer caso no prazo de 90 dias fixado  na lei para o cumprimento dessa obrigação.

 É essa a precisamente a situação aqui configurada, sendo de ter presente que no caso não existia qualquer acordo entre a R. empregadora e o trabalhador visando a substituição do descanso compensatório por trabalho remunerado com acréscimo não inferior a 100%. É, pois,  nesse quadro que o A. vem pedir uma compensação pecuniária correspondente aos descansos compensatórios não gozados, devidos pela prestação de trabalho suplementar em dias úteis a título de descanso compensatório não gozado nem pago.

E, como provado, na verdade prestou trabalho suplementar em dias úteis, sem que tenha gozado descanso compensatório, o que significa que a R., contrariamente ao dever que sobre ela recaía, não lhe concedeu o gozo dos períodos de descanso compensatório correspondentes ao trabalho suplementar prestado em dias úteis, por acordo ou, caso não o houvesse, determinando-lhe o cumprimento, nos 90 dias seguintes ao vencimento do direito.

Mas significa também, em termos lógicos, que se não gozou o descanso compensatório, então necessariamente o A. trabalhou nos dias em que o devia ter gozado, isto é, nos 90 dias seguintes ao vencimento do direito, por imposição da Ré.  E, se trabalhou, naturalmente recebeu a correspectiva retribuição, embora sem o acréscimo legal.

 Ora, se a situação é essa, tal equivale a dizer, na prática, que a R. exigiu ao A. a prestação de trabalho - sem lhe conceder os descansos compensatórios dentro do prazo de 90 dias –  actuando como se houvesse acordo de substituição do descanso compensatório por prestação de trabalho remunerado com o acréscimo de 100%, pois só nesse caso o descanso pode deixar de ser gozado nos 90 dias seguintes ao vencimento desse direito, para ser substituído por trabalho remunerado com acréscimo, o que também deverá ocorrer no mesmo prazo.

Neste quadro, a posição da R, escudando-se na falta do acordo exigido na Lei para recusar pagar-lhe qualquer acréscimo não pode ser acolhida, nem mesmo sob o argumento de que se verifica uma situação de mora, apenas devendo ser reconhecido ao A. direito ao gozo do descanso compensatório.

É certo que a relação laboral subsiste e, logo, que seria possível o gozo de períodos de descanso compensatório. Mas seria essa solução razoável, isto é, asseguraria o direito do A.? 

O A. pretende é ser pago e não gozar o descanso compensatório relativamente aos períodos já vencidos, o que bem se compreende, pois não só se esgotou o prazo para a R. ter cumprido sucessivamente as suas obrigações, como até já decorreram anos.

A finalidade deste direito é assegurar ao trabalhador o direito ao repouso (art.º 59.º n.º1 al. d) da CRP), que pela prestação do trabalho suplementar foi reduzido.

Por isso mesmo, a lei fixa um prazo curto de 90 dias, para que o descanso compensatório seja gozado,

No fundo, a posição do A. equivale à declaração que faltava (mas que também não lhe foi solicitada) para complementar a posição que a R. assumiu na prática, exigindo-lhe a prestação de trabalho quando lhe deveria conceder o descanso compensatório.

Em contrapartida, a nossos ver, a posição da R. reconduz-se ao abuso de direito (art.º 334.º do CC), escudando-se numa norma legal para se esquivar às consequências do incumprimento da obrigação legal que sobre ela impendia.

O princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social” [Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, pp. 26/27].

O Código Civil consagra este princípio no art.º 334.º, estabelecendo que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Acolhe-se a concepção objectiva do  abuso de direito defendida por parte da doutrina, por contraposição à corrente subjectiva defendida por outra parte. O que interessa averiguar não é a intenção do agente titular, isto é, seu ele agiu com o único  propósito de prejudicar o lesado, mas antes os dados de facto, o alcance objectivo da sua conduta, de acordo com o critério da consciência pública. Como igualmente elucida Almeida Costa, “Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário[ Op. Cit., pp. 29].

Porém, como notam Pires de Lima e Antunes Varela, “isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no art.º 334.º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito”. Contudo, exige-se um abuso nítido, isto é o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. Por isso mesmo, “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações [Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pp. 299/300;  no mesmo sentido, também ]Almeida e Costa, Op. cit., pp. 29].

Acolher a posição da R., traduzir-se-ia em impor ao A, uma solução que este não pretende para ver o seu direito efectivado. De resto,  acrescendo que também não é essa a solução que decorre da lei, pois como se disse, a lei é omissa quanto às consequências jurídicas que decorrem do não gozo dos dias de descanso compensatório nos  termos nela estabelecidos.

Por conseguinte, entende-se merecer acolhimento a posição do A. ao pretender uma compensação pecuniária correspondente aos descansos compensatórios não gozados, devidos pela prestação de trabalho suplementar em dias úteis a título de descanso compensatório não gozado nem pago.

Resta, pois, determinar em que termos deve ser feito esse pagamento.

Sendo certo que o A. trabalhou quando deveria gozar o descanso compensatório e, naturalmente, que foi pago por esses dias de trabalho (consideração que assente no reconhecimento implícito desse pagamento por parte do A., pois nada reclamou a propósito), então o que lhe falta pagar é (apenas) o acréscimo legal de 100% estabelecido na lei, correspondente a esses dias [neste sentido, o Ac. do STJ de 26-03-2008, proc.º 08S09, SOUSA PEIXOTO, disponível em www.dgsi.pt].

Acréscimo que, tal como decidido na sentença, é devido entre 1 de Dezembro de 2003 e 27 de Agosto de 2012.

Não precisa a sentença mais do que isso, mas devendo o seu cálculo observar os termos previstos nos artigos 202.º 1 e 2,  e 203.º n.º2, do CT/03, e 229.º 1 e 2, 2 230.º2, do CT/09, consoante os períodos abrangidos pela vigência daqueles diplomas. E, para além disso, sobre os valores obtidos, sendo devidos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data limite de 90 dias, subsequentes ao vencimento de cada período de descanso compensatório.

Por fim, também tal como está implícito na sentença, mas mais uma vez sem a necessária concretização, não se sabendo quais os dias úteis em que foi prestado o trabalho suplementar que confere o direito ao descanso compensatório, nem qual o número de horas prestadas, cumprirá fazer uso do disposto no n.º2, do art.º 661.º, do CPC, remetendo o apuramento dos valores devidos pela R. ao A, a determinar a partir dos pressupostos enunciados, para liquidação em execução de sentença.

Concluindo, improcedem as conclusões da recorrente e, nesta parte, não é de acolher o recurso, mantendo-se a sentença, quanto ao decidido no dispositivo sob o ponto 3.1.2, embora com as precisões aqui apontadas quanto ao valor da retribuição a considerar, modo de cálculo e vencimentos dos juros de mora.


***

Considerado o disposto no art.º 446.º n.º 1 e 2 do CPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre o recorrido e a recorrente, na proporção do decaimento.

IV. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência, alterando a sentença recorrida nos termos seguintes:
i) Revogar a sentença na parte que consta do dispositivo sob o ponto 3.1.1., assim absolvendo a R. e recorrente do pedido de pagamento ao A,  na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal dos anos de 2001, 2002, 2003, 2005 e 2010, ao pagamento a título de diferença do  subsídio de agente único.
ii) Manter a sentença,  quanto ao decidido no dispositivo sob o ponto 3.1.2, embora com as precisões aqui apontadas quanto ao valor da retribuição a considerar, modo de cálculo e vencimentos dos juros de mora.
iii) Manter a sentença na parte em que absolve  a R. quanto ao demais pedido, sob o ponto3.1.3.  

       Custas pelo recorrido e pela recorrente, na proporção do respectivo decaimento.           

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014         

Jerónimo Freitas

Francisca Mendes

Maria Celina de J. Nóbrega