ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
PEDIDOS INCOMPATÍVEIS
Sumário

1- Em acção de reivindicação em que apenas um dos pretensos comproprietários intenta a acção, desacompanhado dos demais, é o mesmo parte legítima, pois que o disposto no art.º 1405.º, n.º 2 do Código Civil permite que a reivindicação de coisa comum possa ser feita isoladamente por qualquer comproprietário.
2- A arguição de nulidade por deficiente gravação da prova testemunhal pode ser suscitada no âmbito das alegações de recurso.
Nas acções de reivindicação existe um pedido complexo composto pelo reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante e a pretensão de lhe ser restituída a mesma. Inexiste incompatibilidade nesse pedido complexo com o de que se determine ainda que se coloquem marcos delimitadores, os quais mais não constituirão do que a concretização física do direito atribuído.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa,

         I – RELATÓRIO
A, B e C intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra R pedindo, em síntese, que seja declarado que é de sua propriedade uma faixa de terreno que foi ocupada pela R, ordenando-se a restituição aos AA. e a reposição no estado em que se encontrava antes do esbulho, com a colocação dos marcos delimitando-o do prédio da R.. Mais pede que seja a R. condenada a abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte dos AA. desse mesmo prédio. Por fim, peticiona a condenação desta a pagar a quantia de 1.863,24 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais pela conduta causada.
Para tanto, alegam serem donos de um terreno delimitado nas suas extremas por marcos em pedra, acedendo-se ao mesmo por um caminho de carros que entronca num caminho público. Refere que a determinada altura, em finais de 2004, a R. entrou à revelia dos AA. e contra a sua vontade com uma máquina escavadora no terreno, arrancando os marcos que delimitavam as extremas e destruindo o caminho de acesso ao prédio dos AA..
Explicando que com tal conduta efectuou um talude, arrancou vegetação e árvores, conclui explicando que se apropriou de uma faixa de terreno com cerca de 3,70 m à extrema do prédio dos AA. e 2,90 metros perto do poço. E pugnando pela procedência da acção funda a mesma ainda no facto de estar impedido de aceder ao seu terreno, e que essa conduta da R. impediu de recolher a fruta por meios mecânicos, obrigou os AA. a efectuar um levantamento topográfico, a custear o pagamento do mesmo e das coordenadas junto do Instituto Geográfico Português, tudo no valor peticionado.
Legalmente citada, a R. nega a factualidade invocada pelos AA., e refere que os marcos foram retirados pelos AA. pugnando assim pela improcedência da acção.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, foi proferido despacho que fixou a matéria de facto apurada, o qual não mereceu reclamação.
Proferiu-se sentença, com a seguinte decisão:
«Por todo o exposto o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e consequentemente:
a) Condena a R. a restituir aos A.A. a parcela ocupada, em localização a apurar em sede de liquidação, e a repor no estado em que se encontrava antes de a ocupar e terraplanar;
b) Condena a R. a abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte dos AA. desse mesmo prédio;
c) Defere-se o pedido de colocação de marcos a delimitar os prédios, a expensas da R., e por via de um perito indicado por ambas as partes ou pelo Tribunal para o efeito;
d) Condena a R. a pagar aos AA. a quantia de €500 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
e) Condena a R. a pagar aos AA. a quantia de €675 acrescido de IVA, e de € 59,99, por indemnização por danos patrimoniais.
(…).»

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões:
«1- Pelo Tribunal “a quo” foi ignorada a excepção de litispendência que após análise se verifica entre o Proc. nº 148/99 (actual 3745/09.6T2SNT) que corre termos no 4º Juìzo, 2ª Secção do Tribunal de Sintra e o processo que se coloca aqui em crise.
2- Em ambas as acções o autor originário – D – demanda a recorrente pelos mesmos factos e com vista a alcançar a mesma decisão, o mesmo efeito jurídico, o que logrou conseguir, pois foi pelo Tribunal “a quo” decidido sobre a delimitação dos prédios (al. c) da Decisão).
3- Considera-se que:
a) É irrefutável a identidade de sujeitos (art.º 498º, nº 2 CPC).
b) Na verdade, são os mesmos os factos jurídicos de que irradiam as pretensões suscitadas em ambas as acções, ser demarcado o prédio da Ré, pelos seus lados norte (e sul), na parte confinantes com os prédios dos autores, definindo-se a sua linha divisória, fim já alcançado com a decisão de que se recorre que ainda está por apurar na acção ainda pendente - Proc. 148/99 (actual 3745/09.6T2SNT).
c) Considera-se ainda que há identidade de pedidos, sendo certo que “Para que haja identidade de pedido entre duas acções não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas ( ) Cfr. o Acórdão deste STJ nº 135/00, 1ª Secção, de 11de Abril passado, de que foi relator o mesmo do presente agravo.).
4- Verifica-se a excepção de litispendência pelo acima exposto ainda que uma acção seja de demarcação e outra de reivindicação de propriedade, assim interpretando Alberto Reis.
5- A excepção de litispendência, como a do caso julgado, tem por fim obstar a que o órgão jurisdicional da acção subsequente seja colocado perante a situação de contradizer ou de repetir a decisão transitada (artigo 497º, nº 2, do CPC, diploma a que pertencerão os dispositivos legais que se indiquem sem outra menção).
6- No caso em apreço o Tribunal vai ser colocado perante a situação de repetir a decisão já tomada, ou vai contradizer a decisão ora tomada.
7- Pelo que, se conclui que estamos perante excepção de litispendência, que deverá culminar com a absolvição da recorrente, tudo conforme dispõe os art. 493º, 494º, 495º , 497º e 498º do CPC,
8- Que sendo de conhecimento oficioso o Tribunal “a quo” violou as citadas disposições legais ao não oferecer provimento.
9- Que ora se requer!
10- Pretende a recorrente com o presente recurso a reapreciação da prova gravada.
11- Ora, conforme supra exposto nas alegações, constata-se a deficiência da gravação dos depoimentos produzidos em audiência que deverá culminar na consequente nulidade.
12- A recorrente está em prazo para invocar tal nulidade pois “A audição da gravação pela parte interessada é um acto instrumental da alegação do recurso em que pretenda impugnar a decisão de facto, para cuja apresentação dispõe do prazo de 40 dias a contar da notificação do despacho de recebimento do recurso (Jurisprudência supra referida)”.
13- Verifica-se dos depoimentos nestas alegações transcritos e com importância para a tomada de decisão, designadamente para a alteração da decisão, que tais depoimentos produzidos não se entendem, há perguntas e respostas que não se ouvem e não se percebe a que se reportam.
14- Por um lado, e refira-se, nomeadamente ao depoimento da testemunha do autor Y, para além de outras passagens em relação a outras testemunhas (K), as suas respostas na gravação são absolutamente imperceptíveis.
15- Por outro lado, sendo as testemunhas chamadas a ser confrontadas com fotografias constantes dos autos, o sentido das respostas de todas as testemunhas não se alcança, também neste caso são absolutamente inaudíveis e impercebíveis.
16- Assim está prejudicado o direito da recorrente em pedir a reapreciação da prova para efeitos de uma eventual alteração da decisão, no sentido da sua absolvição.
17- Termos em que se invoca, além do mais, a nulidade processual traduzida na circunstância de a gravação da audiência final ser inaudível e imperceptível, e, consequentemente a nulidade da sentença.
18- A omissão ou a imperceptibilidade do registo áudio dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento consubstancia nulidade, por omissão de acto que a lei prescreve e que tem influência no exame e na decisão da causa, dado que impede ou dificulta o cumprimento do disposto no artigo 690°-A do Código de Processo Civil, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no artigo 7° n° 2 do Decreto-Lei n° 39/95 de 15 de Fevereiro e no artigo 522°-B do Código de Processo Civil.
19- A nulidade por omissão ou imperceptibilidade do registo áudio dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento é uma nulidade secundária, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no artigo 201º do Código de Processo Civil.
20- Posto isto, tal nulidade pode ser arguida até ao termo do prazo destinado ao oferecimento das alegações de recurso, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no artigo 205° do Código de Processo Civil.
21- O que se verifica pelos depoimentos transcritos supra é que em grande parte são imperceptíveis e o que é audível quando as testemunhas são confrontadas com fotografias pouco ou nada se percebe, o que prejudica a defesa da recorrente e influi directamente no exame e na decisão da causa, pelo que deve ser ordenada a repetição da prova e a anulação dos actos subsequentes à audiência final.
22- Feita uma audição da prova gravada não se consegue retirar resposta, designadamente para o que resultou da Decisão nas al. l), m), n), o), p), q) , r) e al. s) e eram estes os factos que importam verificar se ocorreram ou não, para se atingir aquela decisão, e assim estão desta forma V. Exa. impedidos de reapreciar a prova e o alcance da Douta Decisão ora em crise.
23- Em conclusão desta parte se diz: ao não se entender perguntas e respostas feitas na audiência de julgamento, está posto em causa o efeito que se pretende, a reapreciação da prova gravada para efeitos de alteração da decisão, pois consideram-se incorrectamente julgados os factos constantes das al. l) a v) da fundamentação.
24- Os fundamentos da Decisão estão nos concretos pontos acima expostos e apreciados, em oposição com a prova produzida em audiência de julgamento.
25- Conforme depoimento transcrito de Y da parte que é audível e em resposta ao Advogado da Recorrente, afirmou que nunca viu a Recorrente ou alguém a mando dela, dentro do terreno com uma máquina; afirmou ainda que não viu arrancarem nenhum marco, diz que viu apenas um marco arrancado, mas não viu quem foi; afirmou que o caminho em causa nos autos passava pelo terreno da recorrente; à pergunta sobre o talude disse: “Não vi tirarem as terras …”, em relação ao facto da Recorrente se ter apoderado de uma faixa de terreno respondeu:
Adv: Pergunta-se aqui que a D. R se terá apoderado de uma faixa de terreno. Sabe alguma coisa disto ou não sabe nada?
Test: Onde?
Adv: Pergunta-se aqui que a D. R se terá apoderado de uma faixa de terreno com cerca de três metros e setenta à extrema e dois metros e noventa perto do poço. Você viu alguma coisa, mediu alguma coisa?
Test: Não, não medi nada.
26- Y refere que nada viu, no entanto, diz que foi o “W” que lhe disse ter sido contratado pela D. R, aqui recorrente para fazer “o buraco e cortar o canto.
27- Como pudemos constatar do depoimento transcrito de W aquele afirma ter sido contratado pela Recorrente, mas para uma intervenção exclusivamente no terreno da própria, começando por dizer que foi “ há 16 anos atrás”, isto é, 1997/98 e depois expressamente diz ter sido em 1994/95, e que só lá foi dessa vez e que nunca mais lá teve qualquer intervenção, nem nunca mais lá esteve.
28- Embora tenha sido permitido a esta testemunha depor tão exaustivamente, o que é certo, é que os factos da acção reportam-se ao ano de 2004 e esta testemunha teve intervenção no terreno da Recorrente no ano 1994/95 nunca mais lá tendo estado.
29- Pelo que, tal depoimento não faz qualquer prova dos factos alegados pelo autor e que passaram para a base instrutória, que conjugado com o de Y abala a credibilidade do depoimento deste último e consequentemente com base nestes, os factos dados como provados terão de ser revogados e serem dados como não provados sendo a culminação a absolvição da Recorrente.
30- Para além, de que Y é seguro em afirmar que o autor falecido D ficou impedido de entrar na sua propriedade e de colher os frutos das suas árvore e com isso teve prejuízo, embora o quesito a que se reporta esta factualidade tenha sido dado como não provado, o que se aplaude,
31- O que é certo é que a testemunha K foi firme em afirmar que D, para além de continuar a poder passar no caminho em discussão, tendo que fazer mais manobras mas podendo continuar ali passar, tinha outros acessos como resulta da transcrição do depoimento desta testemunha.
32- Pelo Tribunal “a quo” e para elaboração de Sentença é dada grande credibilidade à testemunha K, o que não se percebe. Pois tal testemunha como análise feita sobre litispendência tem juntamente com o autor D, uma acção contra a Recorrente havendo como se pode constatar identidade de factos, e como resultou do depoimento transcrito desta testemunha o mesmo depôs mais como parte interessada do que na qualidade de testemunha.
33- Aliás, ainda da transcrição do Julgamento verifica-se que a Meritíssima Juiz havia dito a esta testemunha que iria juntar os processos conforme supra transcrição do depoimento desta testemunha.
34- Posto isto, este depoimento não foi isento, e não podia merecer a credibilidade que lhe fora dada no sentido da condenação.
35- No entanto, também este depoimento se encontra deficientemente gravado, em parte imperceptível e por outro lado não se consegue apreender ao que se reporta, pelo que e conforme análise supra deverá culminar com a nulidade, tudo conforme termos expostos e requeridos.
36- Certeza porém, sempre se dirá nas partes da gravação de tal depoimento que são minimamente perceptíveis, que esta testemunha por vezes reconhece que, a Recorrente a ter feito alguma intervenção no terreno fê-lo dentro daquilo que era seu, da própria, “no meu ver isto é terreno dela”; à pergunta se foi feita uma terraplanagem, a testemunha não viu, mas responde “não afirmo propriamente, foi descavando estreitando a serventia aqui”, por mais de uma vez esta testemunha fala no termo serventia, o que significa que o terreno é da Recorrente e por uso do autor, terá ali criado uma serventia abusiva de passagem, pois tem outros acessos, o que é diferente de afirmar que aquele terreno é propriedade de D.
37- Acrescenta a testemunha, em esclarecimentos à Meritíssima Juíza (MJ), respondendo à seguinte pergunta:
Mas onde é que foi aberto, não foi aqui?
Testemunha: tudo isto aqui ela replanou isto.
MJ: abrange terreno da D. R e abrange caminho público?
Testemunha: Se vamos ver que ela avançou aqui, como eu disse há bocadinho, não tenho a certeza.
38- À pergunta concreta da MJ: “aqui é o caminho público e este buraco, este canto, pertence a quem? Não fazia parte também do caminho público?
Testemunha: Era a extrema com o marco que o tribunal foi lá colocar” (…) “E então na sua versão Sr. K, todo este trabalho que a D. R fez abrange o quê, terreno da própria?
Testemunha: Da própria, e aqui era o marco”.
39- Esta testemunha reconhece ainda que sempre existiu um declive (talude) no terreno da Recorrente, diz “O terreno era com um declive e a Senhora pôs esta parte plana”.
40- Por mais de uma vez as testemunhas cujo depoimento se analisa afirmam que antes (antigamente) D passava a direito e que depois começou a passar na diagonal “saltava o marco” de extrema para o lado da propriedade da D. R, K fala em serventia,
41- Podemos assim concluir que passava transpondo a extrema e passando dentro do terreno da Recorrente.
42- Existe ainda contradição entre prova dado como provada e não provada nos concretos pontos supra apreciados.
43- Foi considerado não provado o facto “por via da conduta da ré, o autor encontra-se impossibilitado de aceder ao prédio especificado em A) – da fundamentação, com tractores”, isto é, a Recorrente não impediu o acesso ao prédio do autor. Por outro lado, da fundamentação da Sentença resulta provado que: A recorrente – “n) destruindo o caminho especificado em g); o) arrancando a vegetação e árvores nele existentes;”
44- Parece haver erro notório de apreciação dos factos, se se trata de um caminho de acesso ao prédio não podiam nele existir árvores.
45- Existe contradição quando se julga provado que a Recorrente não impediu o acesso ao prédio de D, para logo a seguir se referir que o acesso ao prédio é feito através de caminho que a recorrente destruiu.
46- Pelo que, a Sentença incorre em contradição insanável susceptível de influir na decisão da causa, contradição que está cominada com a nulidade da sentença, pelo que, ao ter entendido de modo diverso, o Tribunal recorrido violou o disposto no art. 668º, nº 1 al. c) do CPC.
47- A Decisão condena a Recorrente a restituir aos A.A a parcela ocupada, em localização a apurar em sede de liquidação, e a repor no estado em que se encontrava antes de a ocupar e terraplanar. Com a qual não se concorda, porquanto,
48- Por um lado, da prova não resultou a situação em que se encontrava o terreno antes de qualquer intervenção no local por iniciativa da recorrente, segundo a versão desta, limitou-se a proceder à limpeza do seu terreno e dentro do seu terreno.
49- Por outro lado, a recorrente não impediu o acesso ao prédio de D, não só porque os A.A podem aceder ao prédio, e não ficaram impedidos de colher os frutos que ali cultivavam.
50- O tribunal “a quo” na resposta à matéria de facto deu como não provado que: ”12) Por via da conduta da Ré, o Autor encontra-se impossibilitado de aceder ao prédio especificado em A), com tractores;” e que o A. “16) Sofreu ainda prejuízos decorrentes da impossibilidade de recolher os frutos do pomar e de cultivar o seu prédio com meios mecânicos pesados, bem como da necessidade de repor as árvores arrancadas, no valor global de. € 1.000,00;”
51- Concorda-se com a decisão de considerar estes factos não provados pois resultou da prova, nomeadamente do depoimento de K, o que não se aceita é que o Tribunal ao dar estes factos como não provados condene a Recorrente a pagar indemnização.
52- Pois os autores reclamavam indemnização pelos prejuízos decorrentes da impossibilidade de recolher os frutos do pomar e de cultivar o seu prédio, bem como necessidade de repor as árvores arrancadas, tal facto foi dado como não provado,
53- Logo não se aceita a condenação no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, que não foram reclamados e não foram objecto de prova. Os autores não lograram invocar e provar que sofrimento tiveram com os factos que imputam à Recorrente,
54- Assim se considera que o Tribunal “a quo” apreciou esta questão de que não podia tomar conhecimento, e condenou em objecto diverso do pedido, constituindo esta situação causa de nulidade, nos termos e efeitos do disposto no art. 668º, nº 1, al. d) e e) do CPC, ao não entender assim estas normas foram violadas.
55- Verifica-se que a decisão está em clara oposição à fundamentação de facto, que deverá culminar com a revogação da Douta Sentença e a Recorrente absolvida do pagamento da referida indemnização.
56- Por outro lado, também não se pode concordar com a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de 675€ acrescidos de IVA, e de 59.99€, por indemnização por danos patrimoniais, referente à al. u) e v) da fundamentação da Sentença.
57- O Autor D, recorreu aos serviços de uma topógrafa por iniciativa própria, quando já havia sido determinado a pedido dele o levantamento topográfico com nomeação de perito pelo Tribunal, que resultou no relatório pericial que consta dos autos a fls. 133 e seg..
58- Serviços que foram pagos também pela recorrente (fls. 134).
59- Assim, considera-se que se trata de uma dupla condenação o que não se pode aceitar.
60- Nestas alegações apreciou-se ainda a falta de fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão recorrida.
61- Pois, pela reprodução do que se alcança dos depoimentos transcritos nestas alegações, em relação aos factos constantes nas al. l) a s), da Sentença, estes deveriam ser dados como não provados.
62- O autor não faz prova de que é proprietário da parte do caminho que eventualmente fora remexido pela recorrente, como também não ficou provado que a Recorrente tenha entrado com uma máquina escavadora no prédio do autor, ninguém viu a Recorrente a arrancar um marco ou marcos, ninguém viu a Recorrente a destruir o caminho, contra-senso é afirmar que no caminho haviam árvores, ninguém viu a recorrente efectuar um talude, e o que foi visto posteriormente ocorreu dentro do terreno da própria, como também não ficou provado que a Recorrente se tenha apoderado de uma faixa de terreno, aliás K afirma que o autor antes entrava a direito, e que agora saltando o marco passava na diagonal (dentro do que é da Recorrente), fala em serventia, tendo outros vários acessos, também não se provou que a Recorrente tenha plantado árvores, mas se o fez foi na sua propriedade, conforme transcrição fala-se em arbustos, coisinhas sem importância, que não eram para crescer.
63- A verdade é que, ou por intervenção humana, W diz que D “tirou muros para cima”, ou pelo decurso do tempo, conforme foi dito que “os muros caíram, as pedras caíram”, os limites das propriedades de autor e recorrente ficaram indefinidos.
64- É também desejo da recorrente definir a linha divisória entre a sua propriedade e a do autor, obtendo a delimitação dos prédios, no entanto não cabe no objecto da acção de reivindicação tal pretensão.
65- Acrescenta-se,
66- Ou se pugna pela litispendência entre este processo e o que foi interposto em 1999, consubstanciado numa acção de demarcação, mas com os mesmos fundamentos da presente acção de reivindicação de que se recorre e como já ficou dito em análise própria, excepção que comina com a absolvição da recorrente.
67- Ou assim não se entendendo, como não entendeu o Tribunal “a quo”, consequentemente e necessariamente, não pode decidir sobre ambos os pedidos – reivindicação e demarcação – na presente acção. Terá que cada um dos pedidos ser objecto de apreciação separadamente.
68- Aliás, a douta Sentença quando defere “o pedido de colocação de marcos a d elimitar os prédios, o que a acontecer terá de ser feito a expensas da R.”, peca por considerar que a acção trata do reconhecimento de propriedade e consequentemente de restituição de propriedade e acaba por determinar a demarcação.
69- Já defendemos que no concreto caso, aqui em discussão, e fazendo o enquadramento fáctico ao direito, estamos perante uma situação de delimitação ou de demarcação de propriedade, pois o que está por definir é precisamente a linha divisória dos prédios.
70- Posto isto, as normas jurídicas a aplicar ao caso eram o disposto nos art. 1353º e 1354º do C. Civil, por esse efeito considera-se que a análise do direito constante na douta Sentença, em violação daquelas disposições, não se coaduna com o que estava em discussão na presente acção, pelo que se impugna e requer-se a revogação.
71- A questão é esta: ao fazer alguma intervenção no seu prédio, a recorrente terá ferido a extrema de alguma forma, diga-se a extrema delimitadora dos prédios?
Que não se chegou a identificar qual é, e que nem se descortina da prova gravada, pois imperceptível quanto a esta matéria e ainda a propósito, veja-se o relatório pericial levado a efeito pelo Engº Ribas, perito nomeado pelo Tribunal, a fls. 133 e seg dos autos.
72- Outra coisa é, o que a Decisão afirma na al. l) da fundamentação, que a recorrente entrou dentro do prédio do autor, isto não resultou da prova produzida e por efeito não podia ser dado como provado, pois não é verdade.
73- Vejam-se as fotografias aéreas que constam dos autos, a fls… desde a mais antiga à mais recente, na mais antiga vê-se com precisão um muro divisório dos dois prédios, de uma ponta à outra, que em comparação com as actuais, verifica-se que há marcas de traçados de carro abusivamente feitos pelo autor que entram dentro da propriedade da recorrente.
74- E na mais antiga verifica-se ainda, que não existe o caminho que o autor reclama de seu, que em conjunto do que se aproveita do registo dos depoimentos das testemunhas, dizem antes D entrava a direito e por fim dizem que já entrava na diagonal (para o lado do prédio da recorrente) saltando o marco.
75- Conforme jurisprudência ínsita no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. nº 43/09.9T2ALB.C1, datado de 24/11/2009 e seu sumário:
“I – A fim de definir a extensão objectiva do direito de propriedade, designadamente os seus limites materiais, estabelece o artº 1353º C. Civ. que “o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrer para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles”.
II – A demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas pôr fim a um estado de incerteza sobre o traçado da linha divisória entre dois prédios.
III - Na acção de demarcação, se existem dúvidas sobre a linha divisória dos prédios, pode acontecer que o próprio direito de propriedade seja afectado (artº 1354º, nºs 2 e 3, do C. Civ.) - neste caso, está-se perante um acto de disposição por contender com o alcance e dimensão do direito de propriedade sobre os terrenos contíguos e a definir pela fixação da linha de divisão que os irá diferenciar.
IV – Havendo divergência sobre a linha de estremas, a acção será real e o comproprietário será parte ilegítima se actuar isoladamente, visto discutir um problema de domínio que afecta todos os consortes - para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal é necessária a intervenção de todos os interessados, isto é, de todos os comproprietários.” (destaque é nosso)
76- O que é certo é que D (entretanto falecido) não era proprietário universal do art. 131, este tinha como comproprietário E, tudo conforme caderneta predial, certidão da conservatória do registo predial de Sintra que constam dos autos e também se retira da análise          supra sobre a excepção da litispendência.
77- Pelo que, D (actualmente os seus herdeiros) ao actuar contra a recorrente isoladamente é parte ilegítima, visto que discute o problema de domínio que afecta a todos os consortes.
78- Por todo o exposto, procedendo a excepção de litispendência, a excepção de Ilegitimidade do autor recorrido, as nulidades invocadas e o demais fundamentado, deverá culminar com a revogação da Sentença recorrida, no sentido da absolvição da recorrente, atendendo-se ainda ao facto da deficiência da prova gravada influenciar directamente na reapreciação da prova e consequentemente a sua aplicação aos factos invocados nos autos, com interesse directo para a decisão da causa, poderá e deverá cominar com a repetição do julgamento.
Nestes termos e nos melhores em Direito que V. Exas. Venerandos Desembargadores suprirão, deve ser a decisão da 1ª Instância revogada, e em consequência ser a recorrente absolvida assim se fazendo a costumada Justiça!»
Os AA./apelados apresentaram as suas contra-alegações, nas quais verteram as seguintes conclusões:
«I – Inexiste identidade entre as partes, o pedido e a causa de pedir nos presentes autos e no Pº nº 3754/09.6T2SNT, pelo que não ocorre litispendência.
II – Sem embargo, a questão da litispendência está há muito resolvida, por decisão transitada em julgado, pelo que não pode ser objecto de reapreciação nesta sede.
III – As deficiências de gravação de depoimentos, alegadas pela Ré, não afectam o sentido da decisão e decorrem da impossibilidade técnica de registar em áudio os gestos das testemunhas, ao serem confrontadas com mapas, fotografias e plantas.
IV – Por essa razão, a eventual repetição do julgamento nunca obviaria aos inconvenientes decorrentes da inexistência de sistemas de gravação de imagem, nos Tribunais portugueses, que a legislação aliás não prevê como obrigatória, e, mesmo a recolha de imagens, não possibilitaria o visionamento dos concretos gestos das testemunhas ao apontar para mapas, plantas ou fotografias, que só a imediação do julgador na 1ª Instância pode percepcionar claramente.
V - Sobre a problemática das deficiências na gravação de depoimentos, a jurisprudência tem assumido posições divergentes: uma, a sustentar que o prazo de dez dias se conta a partir da data da disponibilização do registo magnético, outra, no sentido de que esse prazo se conta desde a data limite em que a parte deveria ter solicitado a entrega da cópia do registo da gravação, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do DL nº 39/95, e outra ainda, sustentando a tempestividade da arguição de tal nulidade nas alegações de recurso
VII – Tendo a Secretaria procedido à entrega das gravações em 12-07-2013, conforme cota aposta nos autos, a Ré somente veio arguir a nulidade decorrente das alegadas deficiências de gravação em sede de alegações de recurso, entregues em 13-12-2013,
VIII - Ou seja, 5 meses depois da gravação lhe ter sido entregue,
IX – Pelo que a arguição de tal nulidade é, a nosso ver, claramente intempestiva, por razões decorrentes de clara negligência ou desinteresse, imputável à parte.
X – Sem prescindir, para a hipótese de assim se não entender, afigura-se que as invocadas deficiências de gravação, pela sua natureza e grau, não justificam a anulação do julgamento, tanto mais que a repetição do julgamento, com gravação áudio, acarretaria deficiências semelhantes, na medida em que nunca permitiria visualizar os gestos das testemunhas, perante plantas, mapas ou fotografias.
XI – Por outro lado, a circunstância da condenação carecer de liquidação de sentença, em termos de identificação da concreta parcela a restituir aos AA, com recurso a perito indicado por ambas as partes ou pelo Tribunal, acautela os direitos de ambas as partes.
XII - Ponderada a globalidade da prova carreada para os autos, a resposta dada pelo Tribunal à matéria de facto controvertida não merece qualquer reparo, e encontra-se devidamente motivada.
XIII – O mesmo sucede quanto à atribuição de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais, e ao demais decidido,
XIV – Pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura.
XV – A questão da pretensa ilegitimidade dos AA não foi suscitada pela Ré em sede de contestação, como deveria ter sido, caso entendesse que tal excepção ocorria.
XVI – Os AA foram julgados parte legítima no despacho saneador.
XVII - Preceitua o art.º 1405º nº 2 CC que “cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro”.
XVIII - É o que sucede, in casu, pelo que os AA são parte legítima.
XIX - Sem prescindir, atento o disposto nos artºs 265º nº 2 e 288º nº 3 (1ª parte) CPC (versão aplicável), a existir – o que se não concede - sempre estaria sanada tal hipotética ilegitimidade.
XX- A sentença recorrida não viola qualquer preceito legal, devendo ser confirmada.
Termos em que o recurso não merece provimento.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelos apelantes, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações. 

Vejamos então as questões que terão de ser apreciadas:

I- Questão prévia - Do regime de recursos aplicável ao caso em apreço

II- Questão prévia – Dos docs. que a apelante pretende sejam juntos com as suas alegações

III- Excepção de litispendência

IV- Excepção de legitimidade

V- Nulidade por deficiente audição da prova gravada

VI- Contradição entre factos provados e não provados

VII - Nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão

VIII – Nulidades por conhecimento de questão de que não podia conhecer e condenação da Ré em objecto diverso do pedido e excesso de condenação no dano patrimonial

IX – Impugnação da matéria de facto

X – Da impossibilidade de se condenar a ré nos pedidos de colocação de marcos a delimitar os prédios, no âmbito da presente acção

        
III – FUNDAMENTOS

1. De facto

Na sentença recorrida foram os seguintes os factos dados por provados:
a) O Autor é comproprietário, com a respetiva aquisição da propriedade averbada a seu favor desde 21 de Junho de 1965, do prédio rústico denominado "T", sito nos limites do lugar de F., descrito na 1. a Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o nº ….., fls. 39, do livro B-.72, da Freguesia de S. J.;
b) E inscrito na matriz predial rústica da Freguesia de S. J. sob o artigo … Secção JJ;
c) Tal prédio confronta a nascente com o prédio rústico denominado "T", inscrito na matriz predial rústica da Freguesia de S. J., Sintra, sob o artigo … Secção JJ;
d) De que a R. é proprietária;
e) O prédio referido em a) situa-se numa zona com acentuado declive;
f) Encontrando-se delimitado, em todas as suas estremas, com marcos em pedra;
g) Processando-se o acesso ao mesmo através de uma abertura, caminho de carros, que entronca com um caminho público;
h) A pedido do A. foi efetuado um levantamento topográfico para determinar os limites do prédio especificado em A), com recurso às coordenadas gráficas dos marcos e pontos de estrema definidores do prédio 131 secção JJ da Freguesia de S. João das Lampas, concelho de Sintra, recolhidas a partir de secções cadastrais em suporte analógico, à escala 1:2000, no sistema de referência Hayford Gauss-Datum do Instituto Geográfico Português;
i) O prédio especificado em A) é composto por pomar, terra de cultivo e pinhal;
j) Sendo o Autor quem, pessoalmente ou através de pessoal que contrata, procede ao seu cultivo;
k) Para o efeito, é utilizado equipamento agrícola pesado, designadamente um tractor;
l) Em data indeterminada posterior a 1 de Setembro de 2004, a Ré, sem o conhecimento e contra a vontade do A., socorrendo-se de uma máquina escavadora, entrou no prédio especificado em A);
m) Arrancando os marcos, que delimitavam as estremas deste, confinantes com o prédio da R.;
n) Destruindo o caminho especificado em G);
o) Arrancando a vegetação e árvores nele existentes;
p) E efectuando um talude, através de uma terraplanagem, com remoção de terras;
q) Por forma a nivelar o troço do prédio do A., com o nível do seu prédio;
r) A R. apoderou-se de uma faixa de terreno especificado em A), com escassos metros quadrados, sem que se tenha apurado quantos, melhor identificada no canto do terreno da fotografia de fls. 21 dos autos de providência apensa;
s) Onde plantou algumas árvores;
t) Na sequência da atuação da R., o A. mandou efectuar o levantamento topográfico especificado em H);
u) Despendeu a quantia de €675 acrescido de IVA, no trabalho de levantamento topográfico e de marcação de extremas;
v) E custeando a aquisição ao Instituto Geográfico Português, das coordenadas gráficas de 1 a pts e a partir de 5 pts, destinadas a possibilitar o levantamento topográfico atrás referido, no que despendeu € 59,99.

2. De direito

Vejamos agora as questões que cumpre conhecer.

I – QUESTÃO PRÉVIA – Do regime de recursos aplicável ao caso em apreço

Como questão prévia à apreciação das diversas questões a analisar, importará referir que o presente recurso seguirá o regime do Código de Processo Civil na redacção anterior à dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, pois que a decisão recorrida foi proferida em 17-06-2013 e notificada às partes em 18-06-2013, portanto, em data anterior à da entrada em vigor da referida Lei n.º 41/2013 (que ocorreu em 01-09-2013, por via do disposto do seu art.º 8.º).

Desta forma, encontrando-nos perante um processo instaurado em data anterior a 01-01-2008, com decisão recorrida proferida anteriormente a 01-09-2013, por via da conjugação dos artgs. 11.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, com o art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o regime de recursos aplicável é o previsto até às alterações do indicado Dec.Lei n.º 303/2007.

II- Dos docs. que a apelante pretende sejam juntos com as suas alegações

A apelante com as suas alegações juntou 2 documentos (fotografias), tendo referido “… cuja junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância …”

A junção de docs. na fase de recurso é de natureza excepcional, só devendo ser admitida nos casos especiais previstos na lei.

Ora, da conjugação dos artgs. 706.º, n.º 1 e 524.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, resulta que os recorrentes só podem juntar docs. com as suas alegações se a apresentação daqueles não tiver sido possível até esse momento (n.º 1 do citado 524.º); ou se os docs. se destinarem a provar factos “posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior…” (n.º 2 do preceito); ou ainda se “… a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.” (2.ª parte do n.º 1, do art.º 706.º).

No caso em apreço é patente que não estamos face a qualquer das duas primeiras situações, pois que os docs. em causa – duas fotografias do terreno em discussão -, poderiam ter sido apresentados antes das alegações e não se destinam a provar factos posteriores ao articulado inicial, pois que existiam à data deste (nada importa a situação que hoje possa existir no terreno, sendo que a problemática relevante será a que decorre do descrito na petição inicial, sendo indiferente assim o estado do terreno nos dias de hoje).

Resta por isso ver se estaremos, ou não, na situação enquadrável na 2.ª parte do n.º 1, do art.º 706.º.

A este propósito refere o Professor Antunes Varela[1]:

“A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1.ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução de defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.”

Ora, no caso em apreço, a decisão não se baseou em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal, nem em preceito jurídico com que a recorrente não contasse.

Daqui há pois que concluir que não pode ser admitida a requerida junção dos docs., determinando-se consequentemente o seu oportuno desentranhamento e devolução à recorrente. 

III- Excepção de litispendência

 

Entende a recorrente que se verificará a excepção de litispendência entre a anteriormente instaurada acção n.º 148/99 (actual 3745/09.6T2SNT) e a presente acção (912/05).

Sucede porém, tal como é referido, e bem, pelos recorridos, que essa questão foi já alvo de anterior decisão, por despacho de 17-03-2006 e constante destes autos a fls. 99-110v..

Aí se decidiu não se verificar tal excepção, sendo que tendo as partes sido devidamente notificadas da mesma, aquela não foi alvo de recurso, tendo assim transitado em julgado.

Nesta conformidade, não pode agora este tribunal de recurso apreciar tal questão, encontrando-se a mesma aqui definitivamente assente (Artigo 672º - Caso julgado formal - «Os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo…»).

Improcede assim esta questão.

IV- Excepção de legitimidade

Sustenta a apelante que o A. D (entretanto falecido e aqui representado pelos seus sucessores) não era proprietário universal do art.º 131, existindo um outro comproprietário, E, pelo que a acção teria também de ser intentada por este, não podendo aquele fazê-lo isoladamente, daí resultando que ele teria de ser considerado parte ilegítima na acção.

A tal propósito os Recorridos defendem, por um lado, que a questão da legitimidade se mostra já decidida, pois que no despacho saneador o Exmo. Senhor Juiz, declarou as partes legítimas. Sustentam ainda, por outro lado, caso assim se não entenda, que sempre o comproprietário pode, desacompanhado do, ou dos demais consortes, reivindicar isoladamente perante terceiros a coisa comum (art.º 1405.º, n.º 2 do CC).

No tocante à primeira questão, não têm os recorridos razão, pois que o despacho (saneador) que considerou as partes legítimas é um despacho tabelar.

De facto, como refere Abrantes Geraldes, «Temas da Reforma do Processo Civil», II, 4ªed., hoje encontra-se resolvida a questão no sentido da inexistência de caso julgado, na medida em que o nº 3 do art.º 510.º Código de Processo Civil claramente determina que o despacho saneador apenas constitui caso julgado quanto às “questões concretamente apreciadas” desvalorizando assim o despacho saneador genérico ou tabelar.

 No que concerne à segunda questão, têm razão os apelados, pois que encontrando-nos nós perante uma acção de reivindicação, por via do citado art.º 1405.º, n.º do CC, é lícita a qualquer consorte reivindicar de terceiros a coisa comum.

Compreende-se que assim seja, pois que por tal via poderá alargar-se a área reivindicada, o que só beneficia todos os comproprietários, já o mesmo não sucedendo, em situações inversas em que haja alienação ou oneração da coisa.

Entendemos assim que os autores são efectivamente parte legítima na acção, improcedendo por essa forma tal questão suscitada pela Apelante.

V- Nulidade por deficiente audição da prova gravada

A apelante refere nas suas conclusões que se regista uma situação de inaudibilidade de parte da prova testemunhal produzida, defendendo por isso registar-se uma situação de nulidade que afetará todos os actos inerentes à produção de prova testemunhal e subsequentes, posto que não lhe é possível impugnar adequadamente a prova produzida.

Os recorridos, para além de terem opinião contrária (referindo que os lapsos verificados não são fundamentais), sustentam que a arguição de tal nulidade se revela intempestiva, pois que apenas foi suscitada no âmbito do recurso.

Comecemos por aqui.

Contrariamente à posição defendida pelos apelados, consideramos que a arguição de nulidade por deficiente gravação da prova testemunhal, pode ser suscitada no âmbito das alegações de recurso.

As razões espelham-se na passagem que transcreveremos do Acórdão desta Relação de Lisboa de 21-06-2012 (proc.º 4428/09, em que foi relatora a Teresa Albuquerque) e que igualmente secundámos enquanto 2.º adjunto:

«(…)

É bem diferente a situação a que o apelante alude, como se àquela fosse equivalente: a da deficiência da prova.

Aí sim, tem este tribunal colectivo entendido que não se deve ter como exigível ao mandatário da parte que se apresse em ouvir as gravações logo que as mesmas terminem, ou mesmo, logo que recolha em tribunal as cassetes com o respectivo registo, de tal modo que possa em dez dias vir logo arguir a nulidade decorrente da sua deficiente gravação, pois que essas exigências pressuporiam que o mesmo não pudesse confiar naquilo a que tem direito: que a gravação haja decorrido sem vícios, quando é certo que o mesmo em nada pode concorrer para o correcto desempenho da gravação que, segundo os arts 3º e 4º do DL 39/95 de 15/2, é efectuada com o equipamento existente no tribunal e por funcionários da justiça, e quando é certo que as partes não podem ser prejudicadas pelos erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial – art 161º/6 CPC.

(…).»

Entende-se que de facto a arguição é tempestiva.

Vejamos agora se é subsistente.

Neste âmbito, e para que a nulidade se registe, será necessário que a parte arguente pretenda impugnar a decisão da matéria de facto e não o possa fazer adequadamente porque em relação aos concretos pontos da matéria de facto cuja decisão impugna, se verifica omissão de depoimento(s) ou de partes significativas deste(s), ou impercetibilidades  do(s) mesmo(s), que a hão-de impedir de fundamentar a impugnação, e sobretudo, impedirão subsequentemente o tribunal ad quem de reavaliar a prova em referência.

Consequentemente, a avaliação dos vícios da gravação por este tribunal, far-se-á - sempre que se mostre possível([2]) - em função da circunstância de aqueles vícios poderem ou não influir concretamente na impugnação da decisão da matéria de facto que a parte recorrente pretenda fundamentar, bem podendo suceder que não seja, afinal, caso, para anular a decisão recorrida e para se repetir a prova viciada.

Este critério é o único que se mostra de harmonia com o princípio da economia processual e com a regra do máximo aproveitamento dos actos processuais, de que se encontram manifestações, por exemplo, nos artgs. 199º, 687º, n.º 3… e no próprio 201º, todos do CPC.

Ora, só se pode saber se a prova deficiente é necessária ao “apuramento da verdade”, em função da concreta verdade que esteja em causa apurar, consequentemente, em função da concreta impugnação da decisão da matéria de facto, sendo que esta, por definição, só é realizada nas alegações de recurso.

É sabido, conforme resulta do preâmbulo do DL 39/95 de 15/5  (que foi objecto da Declaração de Rectificação nº 73/95 de 31/5) que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto que se pretendeu, “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.

Ora, esta assumida incidência do duplo grau de jurisdição na concretude de pontos determinados da matéria de facto – sendo que é para a assegurar que existe a gravação de prova – exigirá, sempre que possível, que se afira a influência dos vícios da gravação em função da concreta impugnação que se pretenda.

Além de que, como já assinalado, só assim se assegura o máximo aproveitamento dos actos processuais, sempre desejável em processo civil.

Pelo que se veio de dizer, conclui-se que, tendo-se por atempada a arguição da nulidade em causa, haverá que saber se as imperceptibilidades e omissões pontuais nos depoimentos das testemunhas que a apelante pretende que sejam repetidos – Y, K e W - são de molde a justificar efectivamente a sua repetição, à luz do critério acima definido.

Ora, no caso, pretenderia a apelante pôr em causa os factos constantes dos pontos constantes das alíneas l), m), n), o), p), q), r), s), t), u) e v) da matéria provada.

Ouvida a prova, com particular atenção no que se reporta ao depoimento das testemunhas indicadas pela recorrente, sempre se dirá que pese embora se note alguma diminuição do som, sempre que as testemunhas e os Exmos. Senhores Advogados se aproximam da tribuna onde se encontra o processo junto da Exma. Senhora Juíza, o que é facto é que na maior parte das vezes é audível o que é por eles dito (essencialmente se o som se mantiver alto e a atenção desperta).

De qualquer forma, as testemunhas quando voltam ao seu lugar e os Exmos. Senhores Advogados quando regressam à sua bancada, as questões antes faladas tornam a ser abordadas, de tal forma que é possível ter uma noção muito precisa do teor fundamental do depoimento das testemunhas inquiridas.

Prova disso é até o facto da apelante ter transcrito grande parte dos depoimentos (no que considerou para si relevante) e daí ter concluído que tais testemunhos não levariam a que se tivesse chegado ao resultado probatório alcançado.

Acresce, que a parte do que é mais dificilmente percepcionável ocorre perante a exibição de docs. constantes do processo, situação já de si de maior dificuldade de percepção em sede de recurso, posto que não se detém o visionamento daqueles.

Certo é que quanto a nós as condições da gravação da prova, no caso em apreço, não são minimamente de molde a pôr em risco o direito que assiste à recorrente de impugnar a matéria de facto, visto que os registos fonográficos existentes fornecem, sem sombra de dúvidas, os elementos necessários e suficientes para que a recorrente o pudesse ter feito.

Temos pois que concluir não se registar a nulidade processual invocada pela apelante, pelo que improcede assim esta sua questão.

VI - Contradição entre factos provados e não provados

Sustenta a apelante existir uma contradição entre a resposta negativa dada ao quesito 12.º: «Por via da conduta da ré, o autor encontra-se impossibilitado de aceder ao prédio especificado em A) com tractores», com a resposta positiva que foi dada aos quesitos 6.º: «Destruindo o caminho especificado em g)» e 7.º: «Arrancando a vegetação e árvores nele existentes».

Não se vislumbra minimamente onde se possa encontrar a contradição factual invocada. Com efeito, parecem-nos até bem coerentes e concordantes as respostas dadas. Na realidade ao dar-se como provado que (na sequência dos anteriores factos dados como provados de que a ré terá providenciado pela entrada no terreno de que o autor era comproprietário com uma máquina escavadora, tendo sido arrancados os marcos, que delimitavam as estremas do terreno daquele, confinante com o da ré) se terá destruído o caminho especificado em g) e arrancado a vegetação e árvores nele existentes, tal não contradiz minimamente o facto dado como não provado de que por via da conduta da ré, o autor se encontra impossibilitado de aceder ao prédio especificado em A) com tractores.

Tal facto não provado, não diz mais do que isso mesmo: – que não se provou que Por via da conduta da ré, o autor encontra-se impossibilitado de aceder ao prédio especificado em A) com tractores. Pode efectivamente acontecer que aquela conduta não impeça a entrada de tractores no prédio em questão, pese embora tal possa verificar-se com um maior dificuldade do que antes acontecia, pois que como referiram as testemunhas, antes entrava-se a direito. Não se vislumbra de facto qualquer contradição, até porque se por via da conduta da Ré se terá destruído o caminho e arrancado vegetação e árvores, isso não colide minimamente com o facto de, por exemplo, o acesso poder ser feito a pé.

Inexistindo a contradição apontada, também esta questão se terá de considerar improcedente.

VII - Nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão

A nulidade em causa encontra-se prevista na alínea c) do n.º 1, do art.º 668.º do Código de Processo Civil - oposição entre os fundamentos e a decisão –, sendo certo porém que a mesma só se verificará (nas doutas palavras do Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 141”) quando «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto».

No caso em apreço, verificamos que o raciocínio seguido na sentença, assenta na valoração feita dos factos, revelando-se perfeitamente coerente e lógico com a decisão proferida, não podendo por isso afirmar-se que exista qualquer oposição entre o decidido e a factualidade dada por provada.

O recorrente parece confundir esta oposição, que constitui nulidade da sentença, com o entendimento diverso que tem quanto aos factos que foram dados por provados, os quais, serão alvo de apreciação em ulterior momento.

Certo é que esta nulidade invocada não se regista no caso em análise.

VIII – Nulidades por conhecimento de questão de que não podia conhecer e condenação da Ré em objecto diverso do pedido e excesso de condenação no dano patrimonial 

No tocante às nulidades derivadas de alegadamente a Exma. Senhora Juíza ter conhecido de questão de que não podia conhecer e de ter condenado em objecto diverso do pedido, as mesmas encontram-se previstas nas als. d) e e), do n.º 1, do art.º 668.º do CPC – não pronúncia ou excesso de pronúncia e condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. A primeira verifica-se quando se detecta na sentença que o Juiz não se pronunciou sobre questão de que deveria pronunciar-se ou quando se pronunciou sobre questão de que se deveria ter abstido de conhecer.

Com efeito, o art.º 660.º, n.º 2, impõe que o juiz resolva “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes…”.

Desde logo, tenha-se presente o que é referido no Acórdão do STJ, de 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 – 6.ª Secção (in www.dgsi.pt): “Só ocorre nulidade do acórdão nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, se o tribunal deixar de pronunciar-se (ou, como ao caso importa, se se pronunciar indevidamente) sobre questões suscitadas e não os simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes”.

Constituiu hoje entendimento pacífico que as “questões” referidas no normativo acima citado são as respeitantes ao pedido ou à causa do pedido. Na verdade, vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir.

Ora, atentos tais pressupostos teremos de concluir que, no caso, efectivamente os AA. não peticionaram qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais, tendo o seu pedido incidido unicamente na indemnização por danos patrimoniais, no valor global de 1.863,24€ (803,25€, para pagamento do trabalho de levantamento topográfico e de marcação de estremas; 59,99€ do custo da aquisição ao Instituto Geográfico Português, das coordenadas gráficas e 1.000€ decorrentes da impossibilidade de recolher os frutos do pomar e de cultivar o seu prédio com meios mecânicos pesados, bem como da necessidade de repor as árvores arrancadas).

Ora, quanto a nós, todos estes pedidos têm natureza patrimonial, não se descortinando outros que tenham sido peticionados e que possam ter natureza não patrimonial, tendo-se presente que estes serão todos aqueles que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ocasionar uma compensação. Em tais danos não há rigorosamente uma indemnização, antes sim uma compensação ou reparação. No caso, os danos peticionados pelos AA. não têm essa natureza.

Desta forma, assiste razão à apelante nesta questão sendo assim de considerar que nessa parte a sentença se encontra ferida de nulidade pois que conheceu de matéria de que lhe estava vedado o conhecimento (posto que não se tratava de matéria de conhecimento oficioso). Assim sendo, declarando-se tal nulidade parcial da decisão, será de excluir a condenação de que a Ré foi alvo no pagamento de 500€ de indemnização a título de danos não patrimoniais (no caso, fica prejudicada a apreciação da outra nulidade também invocada quanto a esta questão, que quanto a nós não abarcaria propriamente a situação em causa – posto que não se estaria a condenar em quantidade diferente do pedido, uma vez que nada foi pedido quanto a danos não patrimoniais, sendo que o objecto do pedido, a existir, sempre seria da mesma natureza – numerário).

Refere ainda a apelante que no âmbito da indemnização por danos patrimoniais os mesmos não seriam devidos, pois que os mesmos resultam de verbas despendidas pelos AA. pelos serviços topográficos por eles pedidos e pagos particularmente, mas concretizados já depois de, a pedido da Ré, e no âmbito do processo ter sido pedido e deferido o levantamento topográfico, que levou à apresentação do relatório pericial constante de fls. 133 e segts. que foram também por si pagos.

Entende assim que não deverá ser condenada por uma situação que mais não constituirá do que uma dupla condenação.

Afigura-se-nos não assistir qualquer razão à recorrente.

Desde logo refira-se que o pedido de indemnização formulado pelos AA surge na sua petição inicial e resulta da despesa realizada com o levantamento topográfico que o mesmo entendeu fazer para clarificação da situação vivenciada, tratando-se assim de despesa que concretamente efectuou no âmbito do caso em apreço e por via dele.

Uma vez que se provou que a Ré terá agido ilegalmente ao invadir e ocupar parte do terreno do autor, as despesas causais resultantes desse acto ilícito e culposo serão passíveis de indemnização, nos termos do art.º 483.º, n.º 1 do Código Civil.

No caso, a ter havido duplicação de despesa esta até terá ficado a dever-se à sua pessoa, pois que a perícia ordenada pelo Tribunal, terá sido requerida pela Ré e em momento posterior à determinada e apresentada pelos AA..

Não assiste assim, nesta parte, qualquer razão à apelante.

IX – Impugnação da matéria de facto

A Apelante, sustenta que os factos assentes e contantes das alíneas l) a v) deveriam ser dados como não provados, Fá-lo essencialmente tendo por base o depoimento das testemunhas supra indicadas (pondo em causa a sua imparcialidade).

Na decisão sobre a matéria de facto a Exma. Senhora Juíza de Direito, fundamentou-a da seguinte forma:

«A composição do terreno do A. (art. 1º a 3º BI), assim como o uso que no mesmo é feito, foi pacífica. Todas as testemunhas afirmam que o pomar do A. era composto de macieiras (havendo no entanto três pessegueiros) e na outra ponta por pinhal. Todas as testemunhas referiram o facto de o A. fazer uso de um tractor para aceder ao pomar, e recolher as maças, tendo sido, na verdade isso mesmo que terá gerado o conflito, por uma das partes entender que passava no seu terreno ao aceder ao terreno e outra das partes entender que o fazia no seu.

Apesar de nem todos os depoimentos serem espontâneos na sua admissão, da prova conjugada de todos os depoimentos resultou inequívoco que a R. entrou no prédio do A..

O depoimento de K, nesse tocante, não deixa margem para quaisquer dúvidas.

Foi um depoimento isento (apesar de também ele ter um processo em tribunal contra a R.) e sereno, explicando de modo muito claro que deu pela R. a movimentar terras junto à passagem para o acesso do terreno do A. e alertou o A.. E se este de início não acreditou, cedo lhe telefona a dar razão, explicando que depois das movimentações deixou de conseguir passar com o camião para aceder à sua propriedade. A própria testemunha deixa de ver os marcos no local, depois disso, tendo desaparecido a vegetação e ficado ingreme um talude que antes inexistia. A genuinidade do depoimento desta testemunha vai ao ponto de este explicar que o A. querendo podia aceder ao seu terreno, bastando afastar as pedras do seu terreno e entrar de outro modo, como aliás o fez, e que o próprio camião poderia entrar apenas tendo de se esforçar mais para manobrar, e não “entrar à larga” (art. 12º BI). Assim com este depoimento ficou a convicção do Tribunal bem formada quanto ao facto de a R. ter entrado por um canto do terreno pertença do A., e bem identificado a fls. 21 a 23 dos autos de providência por K como sendo o estado em que ficou o terreno do A. (identificando o canto do terreno do A. que ficou esburacado). W teve igualmente um depoimento sério e explicou que foi ele quem fez o desaterro do local a pedido do A., mas frisou diversas vezes que nunca mexeu nos marcos, apesar de a R. lhe ter pedido isso mesmo. Verificou igualmente que depois de alguém ter feito esse trabalho que ele se recusou a fazer, os marcos desapareceram, embora quem o tenha feito não saiba.

Nenhuma prova testemunhal infirma estes depoimentos sérios e credíveis. Nem mesmo o de X, filho da R., cujo depoimento nervoso e exaltado deixa transparecer o que as palavras querem à força negar. Por um lado, e do princípio ao fim do seu depoimento nega que a mãe tivesse movimentado qualquer tipo de terras, e quando confrontado com as fotografias de fls. 21 a 23 dos autos de providência refere com uma naturalidade pouco natural que sempre tal existiu. Só no final do seu depoimento, e após muitas insistências se consegue retirar que afinal existiu movimentação de terras mas foi para retirar silvas. Por fim, refere que foi tirada terra num canto para “regularizar”. E com esta brincadeira de palavras percebe-se por fim que “regularizar” significa que foi tirado cerca de “meio metro” de terra para repor o terreno de sua mãe que na sua óptica estava a ser usado abusivamente pelo A.. E assim deste depoimento esforçado para afirmar o infirmável gera-se a suspeita que afinal a movimentação de terras primeiro negada sempre existiu.

Também o depoimento de Z que diz algo e se desdiz de seguida, todo ele num depoimento nervoso e atrapalhado, não da natureza das pessoas que se atrapalham com a língua portuguesa em virtude da sua formação ou vivência, nem das que temem vir a tribunal porque tem apenas uma natureza nervosa, mas sim um depoimento que se atrapalha e resvala nervosismo por todos os lados precisamente porque tem necessidade de afirmar algo, mas que logo a seguir volta atrás. Mas até esta testemunha quando confrontado com a fotografia de fls. 23, refere logo de forma espontânea que se vê que o terreno foi mexido. E apesar de todo o seu depoimento mencionar que existia um talude desde 1982 no terreno, não consegue identificar a fotografia. E aqui surge a estranheza. Como não se identifica algo que sempre existiu e só existe desse modo ingreme nesse local?! Por fim, acaba a testemunha por admitir que o “talude” a que se refere, e que sempre existiu não é como de fls. 23 e esse sim, só surge mais tarde quando o R. deita terra para o local e a R. mexe na terra para a retirar.

Em suma, de todos os depoimentos ficou absolutamente claro que a R. movimentou a terra no local. Todos estes depoimentos o admitiram, embora o seu filho e Z tenham dito que tal foi em virtude de uma conduta prévia do A. que ao deitar terras para o terreno da R. originou a que esta igualmente o fizesse. Estranha-se esta nova versão que nunca surge antes na contestação, e visa apenas justificar uma atuação da R.. Acreditou-se pois no facto (sustentado por Y, W e K) de essa movimentação ter levado os marcos e atingido o canto do terreno do A..

Mas se sombra de dúvidas quanto ao facto de o eventual talude existente nada ter a ver a com o representado nas fotografias dos autos, com o depoimento de M ficou muito claro. Ao ser exibidas as fotos, ele afirma que “conhece o terreno mas muito antes dos declives” frase por si usada, o que revela que o talude existente não existia antes. E isso mesmo refere a testemunha ao afirmar que o terreno não era tão acentuado, havia um declive mas não desse modo (constante das fotos) e que se vê que este foi feito com uma máquina.

E foi pois da conjugação destes depoimentos que se logrou provar o teor dos arts. 3º a 9º e ficou claro que foi a R. quem assim agiu e não o A. quem o fez (art. 17º BI). Aliás sempre se dirá que seria de uma grande incoerência ser o A. a destruir marcos e paredes e depois litigar em tribunal por meio de uma providência cautelar e ação judicial pedindo que a ordem fosse reposta.

Note-se que os depoimentos de Y, W e K foram de tal modo credíveis que nada tentaram exagerar, não conseguindo por isso explicar em quantos metros consistia o “canto” que apontavam (art. 10º BI), apenas sabendo afirmar na fotografia que era um canto, sem conseguirem precisar os metros quadrados envolvidos.

Nem a perícia ajuda neste tocante tendo pois ficado por apurar os metros quadrados de que a R. se apoderou.

Depois das movimentações de terras Y, W e K referiram que a R. colocou lá no local umas árvores, confirmado por X e Z (art. 11º BI).

K, vizinho de terreno do A. e R., deixou bem claro que era fácil ao A. aceder ao seu terreno (art. 12º) bastando desviar as pedras que existiam no seu próprio terreno para o poder fazer, ou manobrar mais o camião, e explicou mais, que o próprio pomar nunca deixou de ser trabalhado e a fruta recolhida (e assim se deu o art. 16º BI por não provado).

Y e W atestaram o facto de o A. ter efetuado um levantamento topográfico nessa sequência (art. 13º BI), e o valor do mesmo (art. 14º BI) consta de fls. 26, assim como o valor despendido pelo IGP consta de fls. 27 (art. 15º BI).»

Ouvida a prova testemunhal produzida – e cabe aqui salientar a forma criteriosa como foi conduzida a audiência pela Exma. Senhora Juíza – e bem assim os docs. juntos (quer as plantas e fotografias quer o relatório pericial), cumpre dizer que acompanhamos na íntegra a fundamentação que levou ao apuramento da matéria dada como provada.

Efectivamente a contra-argumentação apresentada pela Ré, não põe em causa minimamente o fundado do decidido.

Na realidade é de salientar a postura serena das testemunhas Y, K e W, que revelaram serem conhecedores da situação vivenciada no local. As suas pequenas hesitações e mesmo confusão de datas, só revelam uma postura não instrumentalizada, antes espontânea.

Não vemos assim quaisquer razões para se alterarem as respostas que foram dadas aos quesitos, sendo certo também que a própria ré não avança com razões sérias que nos levem a equacionar uma outra verdade dos factos ocorridos.

Assim, nesta medida, mantém-se a matéria de facto que consta da sentença, assim improcedendo esta questão.

X – Da impossibilidade de se condenar a ré nos pedidos de colocação de marcos a delimitar os prédios, no âmbito da presente acção

É para todos claro, para a Ré inclusive, que nos encontramos perante uma acção de reivindicação, em que os AA pretendem que a Ré reconheça como sendo deles uma parcela de terreno que lhes foi retirada por ela e que lhes pertence, devendo respeitar o direito de propriedade que aqueles têm sobre tal parcela.

Ora, tal como se refere na sentença, não vislumbramos qualquer incompatibilidade nesse pedido complexo, ao que também veio a ser deferido, no sentido de se acrescentar que ao se reconhecer a propriedade dessa parcela de terreno, como sendo dos AA. se determine que neles se coloquem marcos, que mais não constituirão do que a concretização física do direito atribuído.

Nesta conformidade também esta questão não procede.

IV – DECISÃO

Face a todo exposto, acorda-se em julgar a apelação apenas em parte procedente, na parte em que a sentença recorrida condenou a Ré a pagar aos AA. a quantia de 500€ (quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais (dessa quantia se absolvendo assim a Ré), mantendo-se no mais todo o decidido na referida sentença.

Custas por apelante e apelados, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 11 de setembro de 2014.

(José Maria Sousa Pinto)

(Jorge Vilaça Nunes)

(João Vaz Gomes)

[1] RLJ, 115.º, pág. 95,  - anotação crítica aos acds. do STJ de 09/12/80 e de 04/12/79 – BMJ, 302, pág. 247 e 292, pág. 313
[2] No Ac STJ 12/3/2002 (Ferreira Ramos) refere-se, e com toda a razão, que “arguido (o vício da gravação) nas alegações, não pode a Relação afirmar a irrelevância do depoimento não audível, não se sabendo que perguntas foram feitas e que respostas deu (a testemunha) em parte substancial do seu depoimento”, acrescentando-se no texto do acórdão “quod non est in actis, non est in mundo”.