REVOGAÇÃO UNILATERAL
PRÉ-AVISO CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
Sumário

“I – A inclusão, em contrato de prestação de serviço oneroso e por tempo determinado, de cláusula nos termos da qual “Qualquer das partes poderá rescindir o presente Contrato, devendo, para o efeito, comunicar a sua decisão à outra parte (…) com a antecedência de 30 dias”, não afeta a eficácia da revogação unilateral que seja comunicada em inobservância de tal prazo de “aviso-prévio”. II – Essa inobservância, pelo contratante do serviço, e na ausência de justa causa, dará no entanto lugar a indemnização ao prestador do serviço, por lucros cessantes. III – O montante de tal indemnização deverá apurar-se em função dos lucros cessantes no postergado prazo de antecedência, ou no período preterido de tal prazo, quando este não for totalmente ignorado. IV – Não há sub-rogação legal do transportador, que é condenado no pagamento de coima por excesso de carga, no caso de transporte em regime de carga completa, no confronto do expedidor.”.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação

I - A, intentou acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra B, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe € 57.434,00, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros (de mora) desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegando, para tanto e em suma, que:
Por contrato de 19-04-2010, mas com efeitos a partir de Janeiro de 2010, A. e Ré acordaram que a primeira prestaria à segunda serviços de transporte de mercadorias, incluindo operações auxiliares e complementares do transporte.
Para cumprimento das obrigações assumidas a A. efetuou despesas e contraiu encargos com pessoal, equipamentos, seguros, inspeções, rendas e impostos.
Ora por carta recebida pela A. em final de Janeiro de 2012, comunicou-lhe a Ré proceder à rescisão unilateral do dito contrato, com efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2012, invocando a sua decisão de encerrar as suas instalações de ..., comprometendo, de forma definitiva, a subsistência e continuidade da relação contratual existente.
Porém já desde o dia 10 de Fevereiro de 2012 que a A. é impedida pela R. de entrar nas suas instalações e continuar a prestação da sua atividade.
A rescisão do contrato – durante a vigência do qual, e por força do acordado, a A. se encontrou impossibilitada de prestar serviços para qualquer outro cliente – sendo sem justa causa, acarretou assim prejuízos vários para a A., que discrimina.
E nos quais inclui o montante de uma coima aplicada em sede de processo de contraordenação, por auto levantado em face do excesso de peso que o veículo da A., e por determinação da Ré transportava na ocasião.

Citada, contestou a Ré, por impugnação, ao longo de 130 artigos…mas considerando “extensa” a petição inicial de 114 artigos…
Sustentando que foi observado o prazo de pré-aviso para a livre rescisão do contrato – estabelecido em benefício de ambas as partes – e ter sido a A. quem decidiu deixar de prestar os seus serviços antes do decurso daquele prazo.

O processo seguiu seus termos – sendo dispensada a realização de audiência preliminar – com saneamento e condensação.
Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgando a ação parcialmente procedente, condenou a “Ré a pagar à A. a quantia indemnizatória global de 56.970,00 (…) acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, no mais se absolvendo a Ré do pedido.”.

Inconformada, recorreu a Ré.

E, apresentadas que foram contra-alegações pela A./recorrida, foi proferido despacho, pelo relator, a folhas 390-391, consignando – face ao por aquela suscitado – não ter deduzido a Recorrente impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, que recondutível seja aos quadros do art.º 640º, n.ºs e 2 do Código de Processo Civil.
Mais convidando a Recorrente a sintetizar as conclusões apresentadas.
Ao que aquela correspondeu nos termos que de folhas 408-418 se alcançam, e, assim, formulando nas suas alegações – e “sintetizadas” em nove páginas – as seguintes conclusões:
“a) Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença datada de 3 de Outubro de 2013, na parte em que condenou a ora Recorrente no pagamento à ora Recorrida da quantia indemnizatória global de EUR 56.970,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Da condenação da Recorrente no pagamento à Recorrida de EUR 1.240,00
b) Nos termos do artigo 30.°, da CRP, a responsabilidade contra-ordenacional é intransmissível e não pode, por isso, a Recorrente ser responsabilizada pelo pagamento de uma coima resultante de uma contra-ordenação que não cometeu.
c) Nenhuma Cláusula do Contrato permite sustentar que a Recorrente assume responsabilidade pelas infracções praticadas.
d) Não ficou provado que a Recorrente assumiu responsabilidade pelas infracções praticadas pela Recorrida.
e) A Recorrida não logrou provar que procedeu ao pagamento da quantia de EUR 1.240,00.
f) A satisfacção de um crédito é condição sine qua non da aplicação do instituo da sub-rogação.
g) Assim, ao condenar a Recorrente a pagar à Recorrida a supra referida quantia, o douto tribunal a quo violou o art. 30.°, da CRP, e os arts. 592.° e 593.°, do CC, pelo que deve a decisão recorrida ser revogada neste ponto.

Da condenação da Recorrente no pagamento à Recorrida de EUR 55.730,00 Do Contrato por tempo determinado
h) No que respeita à condenação no pagamento do montante de EUR 55.730,00 o Tribunal a quo qualificou o Contrato como sendo de prestação de serviços de transporte por tempo determinado (um ano) e considerou que a Recorrente procedeu à sua revogação unilateral pelo que deveria indemnizar a Recorrida nos termos do art. 1172°, al. c), do CC.
i) Na determinação do montante indemnizatório o Tribunal a quo recorreu à equidade para determinar o valor dos lucros cessantes.
j) As Partes celebraram o Contrato ao abrigo dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual positivados no art. 405.°, do CC.
k) As Partes convencionaram uma relação contratual de prestação de serviços de transporte tão flexível quanto possível, conforme resulta das Cláusulas 1.4, 3., 23.1 e 23.3, do Contrato.
[cfr. Pontos S), T), e 1), da matéria de facto provada]
l) O Tribunal a quo desconsiderou e interpretou de forma errada as Cláusulas do Contrato.
m) A interpretação deve ser feita de acordo com o critério do declaratário normal e atender ao circunstancialismo do negócio.
n) As Partes não contrataram uma remuneração fixa e estabeleceram um regime ágil de desvinculação contratual bilateral que permitia a qualquer uma delas pôr termo ao contrato com um pré-aviso de 30 dias.
o) Estabeleceram tal prazo porque consideraram que era suficiente para que Recorrida e Recorrente encontrassem alternativas à decisão unilateral da respectiva contraparte.
p) A Cláusula 23.1., do Contrato, não é uma mera expressão contratual do direito de revogação do mandato pois neste último caso tal faculdade é conferida exclusivamente ao mandante.
q) Com a referida Cláusula 23.1. as Partes vieram regular as regras da revogação do Contrato, devendo este ser tido em conta aquando da opção por um determinado regime indemnizatório.
r) Não podia o Tribunal a quo ignorar a vontade das Partes nem o facto de estas atenderem às directrizes contratualmente estabelecidas para determinar a sua forma de actuação na relação com a sua contraparte contratual.
s) Lendo as referidas Cláusulas, o declaratário normal percepciona que se "rescindir" o Contrato, desde que seja observada a antecedência contratualmente prevista de 30 dias, terá actuado de acordo com a previsão contratual e com as expectativas da contra-parte. Não podendo, por isso, ser sancionado.
t) A validade e sentido interpretativo do clausulado contratual nunca foi posto em causa pela Recorrida.
u) Errou o Tribunal a quo quando considerou que o Contrato havia sido celebrado por tempo certo (um ano) e que este cessou por revogação unilateral da ora Recorrente, quando faltavam ainda 10 meses para o termo do contrato. Considerou ainda o Tribunal a quo que seria adequado fixar uma indemnização que considerasse a frustração dos ganhos da Recorrida.
Vejamos
v) Caso qualquer uma das Partes se tivesse oposto à renovação do Contrato até ao dia 5 de Dezembro de 2011 parece incontestável que nenhuma indemnização seria devida.
w) A relação Contratual cessou, por força da atitude da ora Recorrente (mandante) no dia 10 de Fevereiro de 2012. Ou seja, 17 dias antes do prazo de 30 dias estipulado no Contrato.
x) É com referência aos 30 dias de pré-aviso estipulados no Contrato que deve ser aferida a conduta da ora Recorrente e os eventuais danos sofridos pela Recorrida.
Y) Nenhum dos danos invocados pela Recorrida decorre do facto de a ora Recorrente não ter respeitado o prazo convencionado de 30 dias de pré-aviso para fazer cessar a relação contratual.
z) Deste prisma, a Recorrida não sofreu qualquer dano, logo, nada haverá a indemnizar.
aa) Mesmo à luz do art. 1172.°, do CC, que considerou ser de aplicar o douto Tribunal a quo, não haverá qualquer obrigação de a Recorrente indemnizar a Recorrida.
bb) Até ao dia 5 de Dezembro de 2010 o Contrato poderia ter cessado por oposição à renovação. O que, como vimos, não sucedeu mas, se assim fosse, não haveria lugar a qualquer indemnização.
cc) Mesmo que se considerasse que o contrato se renovou por um ano e cessou com 10 meses de antecedência em relação aquele que seria o seu termo final, antes de atribuir uma indemnização haverá que analisar quais as legitimas expectativas da ora Recorrida e quais os prejuízos eventualmente sofridos por esta em virtude da conduta da Recorrente.
dd) O facto de a Recorrente ter revogado o Contrato extemporaneamente não causou qualquer prejuízo à Recorrida.
ee) O facto de a Recorrente ter revogado o Contrato sem respeitar a antecedência acordada (dita conveniente) era susceptível de gerar um dever de indemnizar o prejuízo causado, se algum prejuízo houvesse.
ff) No entanto, tal indemnização não passa por obrigar a Recorrente a pagar o montante correspondente às prestações que seriam devidas até ao final do Contrato.
[cfr. Jurisprudência citada nos pontos 86, 87 e 89, das presentes alegações]
gg) Com o art. 1172°, al. e), do CC, na parte aplicável ao contrato celebrado por tempo determinado, o legislador quis assegurar a protecção da confiança depositada pelo mandatário na execução do mandato, nas despesas que faz por causa do mandato e confiando na execução do mesmo. E não a de vir a receber um determinado montante (mesmo quando o mandato seja conferido por tempo determinado).
hh) Quando se renovou o Contrato, a Recorrida não adquiriu um direito, nem sequer uma expectativa legítima, de ser remunerada de determinadas quantias nem de ter determinado volume de serviço.
ii) Uma indemnização por lucros cessantes da Recorrida pressuporia um direito desta a um ganho que se frustrou, o que não acontece no presente caso.
jj) A renovação do vínculo contratual in casu não podia conferir à Recorrida o direito, nem sequer a expectativa, de ser remunerada até ao termo do Contrato.
kk) A Recorrida não alegou, nem demonstrou qualquer prejuízo sofrido em função da conduta da ora Recorrente. As despesas que invoca não foram contraídas por causa da renovação do contrato por mais um ano e também não decorrem do facto de a Recorrente ter feito cessar a relação contratual.
ll) Ademais, a Recorrida não juntou qualquer documento da sua contabilidade para demonstrar os lucros cessantes, pelo que sempre teria que juntar as contas certificadas dos dois anos sob comparação. O ano de 2010 e o ano de 2011.
mm)     É aceite pela jurisprudência que a prova de determinada realidade contabilística tem que ser realizada através da contabilidade.
nn) Concluir como fez o Tribunal a quo, consubstancia, para além de uma decisão ilegal sem apoio na realidade da relação contratual estabelecida pelas Partes, uma tremenda injustiça que, no limite, deveria ser reconduzida a uma situação de enriquecimento sem causa.
oo) Ao recorrer à equidade para fazer aquilo que a Recorrente não logrou fazer, o Tribunal a quo atingiu uma decisão iníqua.
pp) Assim, a sentença ora em crise viola os arts. 1172.°, al. c), 405.°, 342.°, n.° 1, e, também, 562.°, 561° e 564.°, todos do CC.
qq) Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente dos pedidos formulados.

Do Contrato como por tempo indeterminado
Em todo o caso, sempre a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de manifesto erro na qualificação do Contrato. Vejamos:
rr) O Tribunal a quo errou ao qualificar o Contrato como celebrado por tempo determinado.
ss) O Contrato começou por ser celebrado por tempo determinado –"o final do corrente ano".
tt) Mas as Partes referem expressamente. na Cláusula 3.2., do Contrato, que este se manterá até que, qualquer delas, livremente, mediante aviso prévio de 30 dias, o faça cessar.
uu) A Cláusula 3., do Contrato, não estabelece, cum summo rigore, um verdadeiro prazo enquanto unidade com sentido económico repetível mediante o mecanismo da renovação.
vv) Não existe no Contrato qualquer referência a esse período de tempo.
ww) As Partes apenas convencionaram um lapso mínimo de vigência contratual estabelecido para atender aos interesses de amortização de investimentos realizados.
xx) Tal resulta da própria redação do Contrato. [Cfr. Ponto 117. e ss. das alegações]
yy) Se as partes quiseram um contrato flexível, que pudesse cessar rapidamente sem causar prejuízos, que se pudesse adaptar à realidade económica da actividade de transporte de mercadorias, e que fosse apto a que as Partes nele pudessem nortear a sua actuação, e à volta dele modelar toda a sua actividade, não pode admitir-se ao julgador substituir-se às partes.
zz) A concluir-se que o Contrato foi celebrado por tempo indeterminado, apenas haverá que atender à antecedência estabelecida pelas partes, in caso 30 dias para o fazer cessar de forma a não prejudicar a contraparte.
aaa) Será em relação a essa antecedência convencionada de 30 dias que se deve aferir se, primeiro, essa foi ou não respeitada, segundo, em caso de resposta negativa, que prejuízos advieram directamente da não observância desse prazo.
bbb) A denúncia deve ser feita com um prazo de pré-aviso, a fim de evitar prejuízos à contraparte, e este prazo de pré-aviso, deverá, pela seguinte ordem ser fixado, pelo contrato, pela lei, ou pelo julgador na ausência das anteriores.
ccc) De acordo com o princípio geral (ex bona fide) que aflora no art. 1172.° do CC, a denúncia deverá ser feita com a "antecedência conveniente". No caso, será a prevista no Contrato, ou seja, 30 dias.
ddd) Qualquer responsabilidade a assacar à Recorrente teria, necessariamente, que ser vista à luz do número de dias em que o pré-aviso foi desrespeitado e dos seus efeitos.
eee) Se trinta dias foram tidos pelas Partes como razoáveis para uma terminar licitamente a vigência do Contrato, a violação desse prazo em 17 dias não seria susceptível de dar lugar a uma indemnização automática do montante "equitativamente" determinado pelo Tribunal a quo.
fff) Não se alega qualquer prejuízo, e muito menos se prova, que decorra da violação, em 17 dias, do prazo de pré-aviso.
ggg)     Como tal, sempre deveria a Recorrente ter sido absolvida do pedido.
hhh) O prazo que deve anteceder a denúncia, e que no Contrato se acordou em 30 dias, servia para que as Partes pudessem encontrar alternativas à decisão unilateral da outra parte de colocar termo ao contrato.
iii) Não se pode entender que após a cessação do vínculo a Recorrente continue a suportar as consequências da inépcia da Recorrida de encontrar uma alternativa à cessação de um contrato que poderia ter cessado a qualquer momento, inclusivamente por iniciativa da própria Recorrida.
jjj) Mesmo que se considere que algum dano haveria a indemnizar, o montante nunca seria sequer aproximado da enormidade que foi determinada pelo Tribunal a quo.
kkk) Qualquer indemnização deveria ter sido determinada com referência aos 17 dias nos quais o pré-aviso convencionado foi desrespeitado e considerando em que medida é que tal desrespeito impediu a Recorrida de se adaptar à nova circunstância — a cessação do Contrato.
lll) Ao decidir de outra forma, com recurso à equidade, o Tribunal a quo substitui-se à Recorrida, fez o papel desta quando não o podia fazer e recorreu à equidade proferindo uma decisão iníqua e ilegal.
mmm) Assim, a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo encontra-se inquinada por ter interpretado e qualificado de forma errada o Contrato, violando o artigo 405.°, e 1154.° e ss., do CC e por ter aplicado de forma errada o regime indemnizatório previsto nos artigos 566.°, n.° 3 e 1172.°, do CC.”.

Remata com a substituição da “sentença recorrida por decisão que absolva a ora Recorrente do Pedido”.

II – Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil, sendo que a ação foi proposta em 07-12-2012, tendo a decisão recorrida sido proferida em 03-10-2013 – são questões colocadas à decisão deste Tribunal:
- caracterização do contrato celebrado entre as partes, no tocante ao prazo;
- consequências, no plano ressarcitório, da comunicada rescisão;
- o acerto do montante da indemnização arbitrada à A. na 1ª instância.
*
Considerou-se assente, na 1ª instância, sem impugnação a propósito, e nada impondo diversamente, a factualidade seguinte:
“1. FACTOS PROVADOS POR ACORDO, CONFISSÃO OU DOCUMENTO
A) Por contrato celebrado em 19 de Abril de 2010, mas com efeitos a partir de 4 de Janeiro de 2010, a Autora e a Ré acordaram entre si que a primeira prestaria à segunda serviços de transporte de mercadorias nos termos consubstanciados no documento junto a fls. 35 a 58 intitulado "contrato de prestação de serviços" e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
B) Desses serviços faziam parte diversas operações auxiliares e complementares do transporte, designadamente, a verificação dos documentos necessários ao acompanhamento das mercadorias (cfr. ponto 1.2 do referido contrato de prestação de serviços).
C) Em conformidade com o referido contrato (cfr. parte final do ponto 1.3), a Autora não podia transportar envios que não fossem da Ré em todos os veículos utilizados pela primeira na prestação de serviços.
D) Ficou ainda estipulado no mesmo contrato que para cumprimento das obrigações assumidas, a Autora afectaria pessoal qualificado e equipamentos apropriados de forma a garantir, a todo o tempo, uma boa qualidade do serviço (cfr. ponto 2.2 do referido contrato de prestação de serviços).
E) E que utilizaria equipamentos adequados em conformidade com as especificações do Anexo 3 (Ficha de Viatura), com as capacidades de carga, em termos de tonelagem e dimensões indicadas no mesmo anexo, (cfr. ponto 4.1 do referido contrato de prestação de serviços).
F) E que no âmbito desse contrato a Autora deveria utilizar veículos equipados com sistemas de segurança anti-roubo aprovados pela Ré (cfr. ponto 7.6 do referido contrato de prestação de serviços).
G) Estipulou-se ainda no referido contrato de prestação de serviços que a Autora actuaria com neutralidade e não entraria em concorrência com a Ré nas suas relações comerciais com os Clientes.
H) Ficou, também, acordado que a Autora promoveria formação adequada e completa a todo o pessoal que utilizasse para a realização dos diferentes serviços objecto do contrato, de acordo com os serviços a prestar (cfr. ponto 14.4 do referido contrato de prestação de serviços).
I) E ainda que qualquer das partes poderia rescindir o contrato mediante comunicação à outra parte, por carta registada com a antecedência de 30 dias (cfr. ponto 23.1 do referido contrato de prestação de serviços).
j) C e D, constituíram em 10 de Janeiro de 2006 a empresa A, Leia., aqui Autora, cfr certidão do registo comercial de fls. 59 a 61 dos autos.
M) Por carta datada de 24 de Janeiro de 2012, constante de fls. 100 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, a Ré comunicou à Autora, o seguinte: "For referência ao Contrato celebrado entre a B e V. Exas. a 4 de Janeiro de 2010, vimos pela presente, proceder à rescisão do Contrato, nos termos da Cláusula 23.1 do Contrato:
2. "Qualquer das partes poderá rescindir o presente Contrato, devendo, para o efeito, comunicar a sua decisão à outra parte, por carta registada com a antecedência de 30 dias"
3. A rescisão contratual referida supra produzirá os devidos efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2012, cumprindo-se, desta forma, o prazo legal de 30 dias estipulado no Contrato.
4. Com efeito, a B decidiu encerrar as instalações de ..., comprometendo, de forma definitiva, a subsistência e a continuidade da relação contratual existente.
Aproveitamos ainda para alertar para o Clausula 23.2 do Contrato, no acto da rescisão;
6. a) o Transportador deverá entregar os uniformes e equipamentos da B.
7. b) o Transportador deverá pintar a viatura noutra cor, num local indicado pela B e esta suportará o custo.
8. c) uma vez cumpridas as alíneas a e b será providenciado pela B o pagamento final do (s) serviço(s).
9. Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos"
N) A cessação da prestação de serviços veio a verificar-se, não a 27 de Fevereiro de 2012, mas em 10 de Fevereiro de 2012.
O) A Autora foi autuada em sede do processo de contra ordenação n.° 300029881270, que foi levantado em face do excesso de 2140Kg de peso que o veículo propriedade da Autora transportava naquele momento, conforme documentos de fls. 114 a 117 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
1') Em 8 de Fevereiro de 2012, através da Nota de Lançamento n.° 00011/2012, foi realizado pela Ré um débito à Autora na importância de € 464,00 (quatrocentos e sessenta e quatro euros) referente a falta de mercadoria, conforme documento de fls. 119 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Q) No contrato a que se alude em A) ficou ajustado que os serviços seriam prestados pelo Transportador em regime de não exclusividade recíproca, nos termos e condições estipulados nas cláusulas do mesmo - cfr. cláusula 1.3, primeira parte;
R) Na prestação dos serviços objecto do Contrato a A. deveria utilizar veículos em conformidade com as especificações estabelecidas no Anexo 3 do Contrato - cfr. Anexo 3 e Cláusula 4. do Contrato.
S) As partes consignaram ainda que: " Pelo presente contrato não ficam estipulados e/ou garantidos ao Transportador ( ora A.) quaisquer volumes de negócios, de actividade, de facturação e/ou prestação, no todo ou em parte, dos Serviços que constituem o objecto do presente Contrato (...) - cfr. Cláusula 1.4 do Contrato.
T) Na cláusula 3 do contrato referido em A) sob a epígrafe " DURAÇÃO DO CONTRATO " consta o seguinte:
" 3.1. Este contrato produz efeitos a partir do dia 4 de Janeiro de 2010 e vigorará até ao final do corrente ano, salvo se for rescindido antecipadamente nos termos do ponto 23.
3.2. O contrato considera-se automaticamente renovado se não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de um mês em relação ao seu termo inicial ou a qualquer uma das suas renovações.".
2. FACTOS SOBRE OS QUAIS INCIDIU A PROVA
2.1. PROVADOS
U) A celebração do contrato acima referido foi o resultado de uma longa relação de prestação de serviços entre a Ré, C e D que há cerca de 14 (catorze) e 9 (nove) anos, respectivamente, vinham prestando o mesmo tipo de serviços à Ré, na qualidade de empresários em nome individual ;
V) O mesmo se verificando relativamente à própria Autora desde 2006;
W) A constituição da Autora foi uma imposição legal, sem observância da qual a Ré colocaria termo à prestação de serviços até então assegurada pelos seus sócios C e D;
X) Em conformidade, os materiais, equipamentos e meios humanos utilizados pela Autora na prestação de serviços e exigidos pela celebração do contrato referido em A) eram os seguintes:
a) 1 (uma) viatura automóvel de marca IVECO, modelo DAILY 3.0 TD, adquirida pela Autora pelo preço de € 39.915,00 (trinta e nove mil novecentos e quinze euros), mediante contrato de aluguer e promessa de compra n.° 2006100279 e a crédito;
b) 7. (uma) viatura automóvel, adquirida pela Autora pelo preço de € 32.575,17 (trinta e dois mil quinhentos e setenta e cinco euros e dezassete cêntimos), mediante contrato de locação financeira n.° 508308 e a crédito;
c) 1 (uma) viatura automóvel, adquirida pela Autora pelo preço de € 29.287,90 (vinte e nove mil duzentos e oitenta e sete euros e noventa cêntimos), mediante contrato de locação financeira n.° 506591 e a crédito;
d) 1 (uma) viatura de marca DUCATO, modelo 33 LH2 2.3 M-JET e matrícula 16-]M-64 adquirida pela Autora preço de € 25.294,80 (vinte e cinco mil duzentos e noventa e quatro euros e oitenta cêntimos), mediante contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor n.° 2010.061622 e a crédito;
e) Contratação de E, o qual exercia, ao serviço da Autora, as funções de motorista de ligeiros e auferia uma retribuição mensal de € 426,00 (quatrocentos e vinte e seis euros), acrescida de € 5,93 (cinco euros e noventa e três cêntimos) a título de subsídio de alimentação que cessou, entretanto, o seu contrato de trabalho.
Y) A título de seguro de responsabilidade civil obrigatório para circulação das viaturas supra referidas nas alíneas a), b), c) e d) da alínea anterior, a Autora despendia anualmente € 2.214,66 (dois mil duzentos e catorze euros e sessenta e seis cêntimos).
Z) E suportava todos os encargos decorrentes dos seguros de trabalho a favor dos seus funcionários, no montante anual de € 311,58 (trezentos e onze euros e cinquenta e oito cêntimos);
AA) Pagava os valores devidos pelo Imposto Único de Circulação das referidas viaturas e as quantias com vista à realização das inspecções periódicas obrigatórias também relativamente a essas viaturas;
BB) Assim como do seguro de transportes no montante €159,00 (cento e cinquenta e nove euros);
CC) E ainda da renda referente às instalações usadas no exercício da sua actividade de prestação de serviços;
DD) A Autora facturou, pela prestação de serviços à Ré, no ano de 2011, um valor médio mensal de €10.000,00.
EE) O vertido em N) foi determinado por a Autora, a partir do dia 10 de Fevereiro de 2012 , ter sido impedida pela Ré de entrar nas suas instalações e continuar a prestação da sua actividade;
FF) Nessa data "...as instalações de ...", onde sempre foi recolhida a mercadoria pela Autora, encerraram;
CG) Como consequência da decisão tomada pela Ré, 2 (duas) das 4 (quatro) viaturas adquiridas, ficaram paradas;
HH) Continuando a Autora obrigada ao pagamento das prestações decorrentes do preço devido pela compra de 1 (uma) delas, a qual se cifrava à data da propositura da acção (7.12.2012) em € 590,00 (quinhentos e noventa euros);
11) Bem como ao pagamento dos seguros de responsabilidade civil, imposto único de circulação c inspecções periódicas, de todas as 4 (quatro) viaturas;
JJ) A Autora, desde o dia 10 de Fevereiro de 2012 não tem conseguido cumprir os seus compromissos financeiros junto dos respectivos credores;
KK) Assim como não tem cumprido atempadamente os seus compromissos de natureza fiscal, tendo à data da propositura da acção, os pagamentos de Impostos e Contribuições ao Estado em atraso;
LL) Por força da rescisão operada unilateralmente pela Ré, a actividade da Autora encontrava-se à data da propositura da acção praticamente paralisada, tendo actualmente cessado.
MM)   A Autora durante todo o período em que prestou serviços à Ré, estava impossibilitada de o fazer também para qualquer outro cliente nos veículos referidos supra;
NN) A Ré constituía praticamente, à data da rescisão do referido contrato, a única cliente da Autora;
00) Após a rescisão do contrato pela Ré a facturação da Autora cifrava-se à data da propositura da acção nos € 3.000,00 (três mil euros) mensais;
PP) Em virtude do vertido em O) foi aplicada à Autora uma coima no montante de € 1.240,00 (mil duzentos e quarenta euros);
QQ) A determinação da carga (e correspondente volume) a ser transportada por cada viatura da Autora era decidida única e exclusivamente pela Ré de acordo com o ponto 7, do referido contrato de prestação de serviços;
RR) Só passados cerca de 6 (seis) meses sobre a data da nota de lançamento a que se alude em P) é que a Autora soube que a mesma se reportava a uma situação ocorrida em 20 de Setembro de 2011 (suposto furto de mercadoria) do que a Ré não lhe deu conhecimento e, por isso, inviabilizou o accionamento do contrato de seguro que a Autora celebrara e que cobria tal risco;
SS) O cômputo geral dos encargos mensais tidos pela Autora à data da rescisão do contrato era superior a €1.321,00 (mil trezentos e vinte e um euros) - [prémios de seguro das viaturas automóveis; prémio de seguro de transportes; prémio de seguro de trabalho; prestação devida à Autoridade Tributária; prestações devidas ao Instituto da Segurança Social; prestação pela aquisição de viatura automóvel];
TT) Suportando de despesas de água, electricidade, gás, telecomunicações, entre outras, na ordem de €1.480,00 (mil quatrocentos e oitenta euros) desde a data de resolução do contrato;
UU) Todos os encargos anuais suportados pela Autora, designadamente, pela inspecção periódica obrigatória sobre as viaturas e impostos de circulação das mesmas, ascendiam a cerca de €1.000,00 (mil euros);
VV) A A. era livre de prestar serviços semelhantes a clientes diversos dos da Ré desde que o fizesse em veículos diferentes dos utilizados para a prestação de serviços objecto do Contrato;
WW)  A R. apenas determinou as especificações gerais dos veículos com vista a assegurar a qualidade da prestação dos serviços e não prejudicar a imagem da R.
XX) No dia 13 de Janeiro de 2012 o Director de Operações das instalações de ... transmitiu ao Sócio da A., Senhor D, que as instalações de ... seriam encerradas no dia 10 de Fevereiro;
YY) Após o dia 10 de Fevereiro de 2012, em momento algum os colaboradores da A. se apresentaram no centro de Alcochete para efectuar qualquer prestação de serviços de transporte;
ZZ) No dia 10 de Fevereiro de 2012 os colaboradores da A. não efectuaram o fecho do dia nas instalações de Alcochete;
AAA) O procedimento habitual da R. é serem os motoristas das empresas subcontratadas, como a A., a proceder ao carregamento das viaturas com a mercadoria previamente definida pela Ré.”.

Sendo julgado não provado:
“- Que o único trabalhador ao serviço (para além dos seus sócios, C e D), E, tenha sido dispensado em razão da rescisão do contrato operada pela Ré ;
- Que o Director de Operações de ... tenha referido ao Sr. D no momento referido em XX) que no período temporal entre o dia W de Fevereiro de 2012 e o final da vigência do Contrato, a Autora devia continuar a prestar os seus serviços à R. e dirigir-se ao centro de operações de Alcochete”.

II – 1 – Do prazo de duração do contrato.
Não sofre crise tratar-se, o assim celebrado entre as partes, de um contrato de prestação de serviço – cfr. art.º 1154º, do Código Civil – na modalidade de contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias, definido no art.º 2º, n.º 1, do regime jurídico respetivo – estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 239/2003, de 04 de Outubro – como “o celebrado entre transportador e expedidor nos termos do qual o primeiro se obriga a deslocar mercadorias, por meio de veículos rodoviários, entre locais situados no território nacional e a entregá-las ao destinatário.”.
Considerando-se como “transportador (…) a empresa regularmente constituída para o transporte público ou por conta de outrem de mercadorias e expedidor (…) o proprietário, possuidor ou mero detentor das mercadorias.”, cfr. n.º 2 cit . art.º 2º.
Certo sendo igualmente que, como também se dá nota na sentença recorrida, não se contemplando, no sobredito “regime” quaisquer disposições relativas à duração e à cessação do contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias, a regulação de tais matérias se há-de procurar nas disposições sobre o mandato, que o art.º 1156º do Código Civil define como “extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.”.
Isto, naturalmente, sem prejuízo da desconsideração de quanto, sendo meramente supletivo, se mostre afastado pela autonomia da vontade das partes.

Pois bem, estipularam aquelas, e como visto já, no ponto 3.1. do contrato em análise, que o mesmo “vigorará até ao final do corrente ano” (2010), “salvo se for rescindido antecipadamente nos termos do ponto 23.”.
Disposição, aquela última, de acordo com a qual (23.1) “Qualquer das partes poderá rescindir o presente Contrato, devendo, para o efeito, comunicar a sua decisão à outra parte, por carta registada com a antecedência de 30 dias” (despreza-se aqui o direito de rescisão “com efeitos imediatos”, por parte da B, prevista em 23.3.”.
Sendo, por outro lado, que “O contrato considera-se automaticamente renovado se não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de um mês em relação ao seu termo inicial ou a qualquer uma das suas renovações.”, vd. n.º 2 cit. ponto/cláusula 3ª.

Tratando-se, a determinação do exato alcance de tal clausulado, de um problema de interpretação do contrato.
Tendo sempre presente que nos termos do disposto no art.º 236º n.º 1, do Cód. Civil, “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
E que, como assinala Luís A. Carvalho Fernandes,[1] em citação de Mota Pinto, resulta da letra do citado art.º 236º, n.º 1, que nele se faz apelo à figura do bonus pater familias, quando se determina que o negócio vale com o sentido que um declaratário normal atribuiria à declaração, se ocupasse o lugar do declaratário real. O legislador pretende, por este modo, significar que, «releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer».
Não valendo embora o sentido assim apurado em definitivo, posto que não pode ser atendido se o “declarante não puder razoavelmente contar com ele”.
Ou seja, “não pode ser atendido qualquer sentido objectivo da declaração; é preciso que ele seja imputável ao declarante. Por outras palavras, torna-se necessário que o declarante, actuando com a diligência imposta pelo ónus de adequada declaração, devesse contar com a possibilidade de ao seu comportamento declarativo ser atribuído aquele sentido objectivo.”.  
Sem prejuízo de tal norma, acolhendo a teoria, objetivista, da impressão do declaratário,[2] ceder porém na hipótese de conhecimento por aquele da vontade real do declarante, em que “é de acordo com ela que vale a declaração emitida” – vd. n.º 2, cit. art.º. – assim se alcançando o que P. Lima e A. Varela, consideram o tempero da doutrina objetivista da interpretação “por uma salutar restrição de inspiração subjectivista”. [3]
E mais importando ter presente a propósito que “não obstante o Código tacitamente embora, ter sempre em vista prevalente o paradigma contratual omite pelo menos uma parte muito significativa das declarações contratuais: aquelas em que há declaração comum, sem se poder distinguir a declaração de um e de outro...Nessa altura há uma declaração comum em que nenhum deles assume o papel de declarante ou de declaratário. Exige-se portanto uma moldagem muito especial dos princípios da interpretação” .[4]
Sendo esse o caso das supracitadas cláusulas.

A esta luz – e visto ainda o disposto no art.º 238º, do Código Civil - impõe-se concluir, no confronto daqueles normativos convencionais, terem as partes pretendido instituir, em paralelo, dois mecanismos de cessação do contrato, por ato unilateral de uma das partes.
Assim, o contrato “considera-se automaticamente renovado”, se – não tendo ocorrido “rescisão antecipada” do mesmo, no período inicial ou em alguma das suas operadas renovações, vigorando pois aquele na totalidade dos períodos respetivos – também não houver qualquer das partes obstado à primeira ou subsequente renovação, por via de denúncia com a antecedência mínima de um mês…
E, dest’arte, sem olvidar as distinções doutrinárias entre a rescisão e denúncia.
Assim, para Pessoa Jorge[5] – que assimila a rescisão à resolução – a primeira é uma “forma de extinção dos contratos”, com “caráter unilateral”, envolvendo “uma vontade vinculada: aquele que rescinde só o pode fazer se tiver na lei ou próprio contrato fundamento para tal” – e a denúncia, outra “forma autónoma de extinção dos contratos estabelecidos por tempo indeterminado”, aproximando-se “da rescisão, na medida em que tem carácter unilateral”, mas que se aproxima “da revogação, na medida em que exprime uma vontade discricionária, não vinculada a qualquer justa causa que a lei estabeleça”.
Sendo que, prossegue aquele Autor, “Não deve confundir-se, como por vezes o Código faz (cfr. art.º 1055º), a denúncia com a oposição à renovação do contrato, que pode dar-se quando se trata de contratos por tempo determinado mas renováveis automaticamente. É o que sucede, por exemplo, com o contrato de locação (…)”, (sendo nosso o sublinhado).
Anotando-se que tal “confusão” se mostra ultrapassada na atual redação do citado art.º 1055º do Código Civil, que expressamente se refere à “oposição à renovação”.
Já Antunes Varela,[6] distinguindo entre a resolução por acordo e a resolução unilateral, não autonomiza a figura da rescisão.
Considerando a denúncia como “a declaração feita por um dos con­traentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso (cfr. art. 1 055.°) de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado.”.
Traduzindo a denúncia, “Umas vezes (…) o exercício dum poder discricioná­rio do autor (cfr. art. 1054.°, e, quanto ao arrendatário, o art. 1095.º); outras vezes, dum poder estritamente vinculado (…) arts. 69. e segs, do Regime do Arrendamento Urbano).”.[7]

Sendo que, por nós, tenderemos a ver na prevista “rescisão antecipada”, a consagração contratual de um direito potestativo de revogação unilateral, resolvendo-se, tal como é próprio da revogação “bilateral” – “acordo extintivo do contrato anterior, acordo que tem a natureza contratual e recebe a designação de distrate” – numa “manifestação de vontade que tem de especial ser livre ou discricionária”.[8]
Revogação unilateral expressamente contemplada na lei, para o contrato de mandato e, logo, para o contrato de prestação de serviço, como infra melhor se verá.

Podendo pois concluir-se depararmo-nos com um contrato por tempo determinado, renovável por iguais períodos, e – na ausência de “rescisão antecipada”, bem como de denúncia/oposição à renovação – sucessivamente renovado em 01-01-2011, e 01-01-2012, pelo período de mais um ano.
Período, aquele último, em curso aquando da comunicação da rescisão do contrato, pela Ré, à A., por carta registada datada de 24 de Janeiro de 2012, e para produzir efeitos “a partir de 27 de Fevereiro de 2012”.
Sem que assim colha o argumento da ausência de vontade expressa no sentido de se “considerar o contrato renovado por prazo igual ao anterior” e de não estabelecer a cláusula 3 do Contrato ““cum summo rigore”, um verdadeiro prazo enquanto unidade com sentido económico repetível mediante o mecanismo económico da renovação”.
Começa por que, como refere Pessoa Jorge[9] a propósito da distinção entre prorrogação de contrato de execução permanente e renovação automática, nesta mantém-se “o mesmo conteúdo” do contrato inicial.
Depois, e recorrendo uma vez mais à impressão do “declaratário normal”, na posição de qualquer dos contraentes, não temos dúvidas de que para aquele o sentido da expressão “automaticamente renovado”, é o de renovado por período igual ao da duração inicial estipulada.
Certo que, como ver-se pode no “Dicionário Houaiss da Língua portuguesa”[10] – edição anterior à do último “acordo ortográfico” – renovar tem como sinónimos, e designadamente: “repetir; fazer outra vez; fazer com que vigore novamente; restabelecer; pôr novamente em vigor”.
E, na ausência de indicação de prazo diverso para o período da renovação, apenas se pode considerar aquela como reportada ao prazo expresso para a duração inicial do contrato, sob pena de se ter de concluir tratar-se a cláusula 3.2 de uma cláusula vazia.
O que nada aponta ter sido a vontade das partes, e a própria dinâmica contratual desmente, na medida em que o referido contrato perdurou, desde 04-01-2010 até 10-02-2012…
E, deste modo, sem que a convencionada liberdade de “rescisão antecipada” do contrato, afete a efetiva existência de um prazo inicial – determinado – de duração do contrato, expressamente consignado na cláusula 3.1. do mesmo.
Pois quando assim devesse ser, a questão colocar-se-ia então em termos idênticos em qualquer outro contrato em que, prevendo-se a renovação automática do mesmo…se contemplassem cláusulas resolutivas ou a sujeição daquele a condições resolutivas.
O que resultaria incongruente na economia negocial.
*
Com improcedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 2 – Dos efeitos da comunicada “rescisão”.
1. Questão é a de saber se, como se julgou na sentença recorrida, não obstante se mostrar a rescisão incondicionalmente prevista no clausulado contratual, está a Ré/recorrente obrigada a ressarcir a A./recorrida, dos danos decorrentes do exercício desse direito potestativo, e em que medida.

Note-se que a cláusula 23.1, enquanto consagra a revogabilidade unilateral do contrato, corresponde ao imperativamente disposto no art.º 1170º, n.º 1, do Código Civil, no sentido da livre revogabilidade do mandato.
E cuja aplicabilidade ao contrato de prestação de serviços, resulta, como visto já, do disposto no art.º 1156º do Código Civil, sendo expressamente declarada, v.g., em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-01-2010.[11]
Tendo as partes, de resto, remetido “Em tudo o que não se encontrar previsto no presente Contrato ou em qualquer dos documentos que dele fazem parte integrante”, para “o disposto nos artigos 1154° e seguintes do Código Civil e na legislação aplicável ao transporte terrestre de mercadorias e ao Contrato de Transporte Rodoviário Nacional de Mercadorias (…)”, cfr. cláusula 24.1.

Mostrando-se uma tal livre revogabilidade sujeita, na mesma cláusula 23.1, ao pré-aviso de 30 dias.
Que importará considerar – para efeitos de responsabilidade civil – quando se entenda ser aquele de assimilar a relevante definição contratual da “antecedência conveniente”, na revogação, seja por parte do mandante, seja de banda do mandatário.

Retenha-se que embora tenha a Ré comunicado à A., por carta datada de 24 de Janeiro de 2012, que rescindia o contrato com efeitos a partir do dia 27 de Fevereiro de 2012, ponto é que, está provado, no dia 13 de Janeiro de 2012 o Diretor de Operações das instalações de ... transmitiu ao Sócio da A., Senhor D, que as instalações de ... seriam encerradas no dia 10 de Fevereiro…
… Vindo a cessação da prestação de serviços a verificar-se, não a 27 de Fevereiro de 2012, mas em 10 de Fevereiro de 2012….
… O que ocorreu por a Autora, a partir do dia 10 de Fevereiro de 2012, ter sido impedida pela Ré de entrar nas suas instalações e continuar a prestação da sua atividade.

Resultando desse modo preterido, do convencionado prazo de “antecedência” na comunicação da “rescisão”, e considerando que a carta terá sido recebida no terceiro dia seguinte ao da sua data (27-01-2012) o período de dezasseis (16) dias.

Sendo que se estabelece no art.º 1172º do Código Civil:
“A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:
a) Se assim tiver sido convencionado;
b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;
c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o man­dante o revogue sem a antecedência conveniente;
d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente.”.

Sem que a aplicabilidade de tal complexo normativo – para que como visto já remete a cláusula 24.1 – seja sobressaltada pelo teor da cláusula 6.1 do contrato em análise, de acordo com a qual “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, em matéria de responsabilidade, aplicam-se as normas constantes na legislação nacional e comunitária aplicável ao contrato de transporte, quando seja obrigatória a aplicação desta legislação.”.
E merecendo, tal aplicabilidade, acolhimento na jurisprudência, vd., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07-07-2010,[12] e de 30-06-2009.[13]
 
2. Simplesmente, desde que se trate de um contrato de prestação de serviço oneroso, por tempo determinado, não importará, em, princípio, apelar à inobservância do prazo de pré-aviso para a constituição da responsabilidade do mandante/revogante pelos prejuízos sofridos pelo mandatário em consequência da revogação.
Como assinalam P. Lima e A. Varela,[14] em anotação ao supracitado normativo, “Também nas alíneas c) e d) deste artigo é afastada a responsabilidade do mandante ou do mandatário em dois casos. Em primeiro lugar, sendo o mandato oneroso e não tendo sido conferido por certo tempo ou para deter­minado assunto, não há indemnização, se o mandante o revogar com a ante­cedência conveniente. Em segundo lugar, quer seja oneroso ou gratuito, quer haja ou não certeza de tempo ou indicação do assunto, o mandatário não é responsável pelos danos, se, igualmente, tiver revogado o acto com antecedência conveniente.” (sublinhado nosso).
Considerando-se no supracitado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-06-2009, que “I - A revogação unilateral do contrato de prestação de serviço, por parte do mandante, mais precisamente, a denúncia do contrato, é uma faculdade discricionária, que não carece de fundamento, de qualquer pré-aviso, nem de forma especial, podendo ocorrer, a todo o tempo, não sendo susceptível de apreciação judicial, e goza de eficácia «ex nunc»”.
Sem embargo de conferir “ao prestador de serviços, tratando-se de contrato oneroso, o direito de ser indemnizado dos prejuízos que este venha a sofrer, a menos que tenha ocorrido uma situação de justa causa.”.
Tendo o contratante da prestação de serviço, revogante unilateral, que responder “por danos emergentes e lucros cessantes, perante o prestador, com o dever de indemnizar os prejuízos causados, segundo a teoria da diferença.”.
Calculando-se “o prejuízo da revogação (…) em função da compensação que o mandato deveria proporcionar, normalmente, ao mandatário, deste modo se procurando fixar o seu lucro cessante.”.

Ler-se podendo, no igualmente já citado Acórdão daquele Tribunal, de 07-07-2010:
“VIII. No que à referida alínea c) do art. 1172º concerne, a sua ratio é a tutela da confiança, já que nela se tutela o direito do contratado à retribuição do contrato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do contraente-revogante é que o contrato seja retribuído.
IX. Nessa medida, com a revogação do contrato, ocorre prejuízo para o contratado, que se traduz na perda de retribuição a que tinha direito, devendo a indemnização colocá-lo na situação patrimonial que teria se o contrato de prestação de serviço não tivesse sido revogado.
X. No que respeita à quantificação da indemnização são aplicáveis as disposições dos arts. 562º e seguintes do Código Civil.
XI. No caso em apreço, em que o contrato teve uma duração de dois anos, se fossem aplicáveis as normas do Código do Trabalho, a indemnização seria a correspondente a 52 dias de trabalho, mais o equivalente em diuturnidades, havendo ainda que valorizar o facto de o contrato de prestação de serviço ter por objecto o resultado de um trabalho intelectual ou manual ao contrário do contrato de trabalho que apenas tem por objecto a simples prestação de uma actividade intelectual ou manual, sob a autoridade de outra pessoa.
XII. Consequentemente, pondo de parte cálculos rigorosos ou quaisquer outras fórmulas matemáticas, o Tribunal deve recorrer à equidade para quantificar o que entende por justa indemnização.”.

3. Propõe no entanto a Recorrente o entendimento no sentido de que “Mesmo a considerar tal versão fáctica, qualquer responsabilidade a assacar à Recorrida teria, necessariamente, que ser vista à luz dos 13 dias que mediaram até ao dia em que o contrato deveria ter terminado e nunca, como fez o Tribunal a quo com recurso à equidade tendo por referência 10 meses do ano.”.

Como decorre de quanto se vem de expender, a eficácia da revogação pelo mandante/contratante da prestação de serviço, a título oneroso, por tempo determinado, não pressupõe qualquer aviso prévio.

Podendo pretender-se que o estabelecimento convencional daquele, em hipótese como assim é a dos autos, implicará algum afrontamento da regra da livre revogabilidade do mandato, imperativamente estabelecida na lei…
…A qual, porém, e em aparente paradoxo, prevê, como visto, que “A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer: a) (…); b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;”.
O que, na lição de Manuel Januário da Costa Gomes,[15] não implica contradição.
Pois como refere aquele:
“Vimos já supra que os pactos de irrevogabilidade são ineficazes em relação ao exercício do direito potestativo de operar a extinção do vínculo contratual. Porém, tais pactos são em si válidos e eficazes, pelo que a respectiva violação constitui, no relativo quadro da relação pactícia (acessória do mandato), um acto ilícito: o man­dante (ou mandatário), ao revogar o mandato, viola a obrigação que anteriormente assumira, de o não fazer – obrigação de nonfacere­ – pelo que incorrerá em responsabilidade por prática do acto ilícito contratual. Não existe, parece-nos, qualquer contradição entre esta conclusão e a constatação de que o mandante pode eficazmente revogar o mandato: é que, enquanto a conclusão pela licitude da revogação se centra estritamente na relação gestória, a consideração da ilicitude enfoca o pacto de irrevogabilidade.
A revogação do mandato ignorando uma anterior renúncia ao direito de revogação, constitui também um acto ilícito - pese embora a eficácia da extinção - em virtude da quebra da relação de confiança estabelecida pela renúncia.”.

Dest’arte, tal cláusula, enquanto estipula a observância de um pré-aviso de 30 dias, para a revogação do contrato – de prestação de serviços, in casu, oneroso e por tempo determinado – não obstando à eficácia do livre exercício do direito potestativo de operar a extinção do vínculo contratual, “apenas” releva no plano da responsabilização do mandante, “nos termos gerais, englobando o dano emergente e o lucro cessante”.[16].

Repare-se que, como refere Januário Gomes,[17] “Quando o mandato se integra numa destas espécies (conferido por certo tempo ou para determinado assunto) o mandatá­rio detém uma forte expectativa na permanência da relação contra­tual até final e na obtenção de uma determinada retribuição global. É, assim, de toda a justiça que o mandante que põe cobro às expec­tativas da permanência do vínculo, indemnize o mandatário pelos prejuízos sofridos.”.
Porém, no caso em análise, ao estipularem a livre revogabilidade, por qualquer das partes, mediante comunicação à outra parte com a antecedência de trinta dias – e movimentando-nos agora num plano diverso do da previsão contratual do prazo inicial do contrato – mitigaram deveras os contraentes a sobredita expetativa, estabelecendo a “antecedência conveniente” que, como dão nota P. Lima e A. Varela,[18] “supõe, como se exprimia o Código de 1867 (art.º 1368º), «o tempo necessário para prover aos seus interesses» (do outro contraente). É esta a solução legal que está de acordo com os preceitos.”.
Continuando aqueles autores: “sendo a revogação feita sem a conveniente antecedência, o prejuízo medir-se-á também em função do tempo que faltou para essa antecedência. Em qualquer dos casos se procura assim fixar o lucro cessante do mandatário.”.
Por igual Januário Gomes[19] considerando que o montante da indemnização a pagar pelo mandante – na hipótese de preterição da antecedência conveniente, prevista na última parte da alínea c) do citado art.º 1172º – deverá “pautar-se em função dos lucros cessantes (…) nesse período”; sendo que, na da alínea d) do mesmo art.º , “Os danos a indemnizar pelo renunciante não são naturalmente os que decorrem da ruptura do vínculo negocial, mas os que advêm da efectivação da ruptura sem a antecedência conveniente”.
 
Assim, por via de tal pré-aviso, estabeleceram as partes, convencionalmente, as balizas da indemnização a que haveria lugar em caso de revogação unilateral com inobservância do prazo daquele, afastando o regime indemnizatório supletivo previsto para a hipótese – que é a dos autos – de revogação unilateral de contrato de mandato oneroso, por tempo determinado.
Do mesmo modo que nada obstaria a que a convenção de irrevogabilidade do mandato fosse “acompanhada duma liquidação convencional antecipada do dano.”,[20] resultante da violação daquele pacto.

Serão pois de considerar apenas os danos verificados em resultado da preterição de treze dos trinta dias afinal convencionados como antecedência conveniente.  

Com procedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 3 - Do montante da “indemnização global”, arbitrada à A. na 1ª instância.
1. Aquela foi fixada a título de lucros cessantes – no montante de € 55.730,00 – e de sub-rogação legal da A. relativamente à quantia correspondente à coima, no montante de € 1.240,00, “que lhe foi aplicada pela autoridade competente em razão do excesso de peso da mercadoria que transportava por conta da Ré (…) que (…) terá que liquidar junto do IMTT”.

Ora, e para lá de o instituto da sub-rogação legal não ser recondutível aos quadros da responsabilidade civil, temos que a responsabilidade perante o Estado pelo pagamento de tal coima…é, no caso de transporte em regime de carga completa – como assim seria o caso – do transportador e do expedidor, “em comparticipação”, cfr. art.ºs 2º, alínea n) e 31º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho.
O que logo retiraria à A. a qualidade de terceiro, para efeitos do disposto nos art.ºs 592º, e 593º, do Código Civil.
Para além de que não foi alegado ter a A. procedido ao pagamento da coima em questão…não resultando tal, por qualquer modo, dos autos.
Provado estando apenas que “A Autora foi autuada em sede do processo de contra ordenação n.° 300029881270, que foi levantado em face do excesso de 2140Kg de peso que o veículo propriedade da Autora transportava naquele momento.”.
E que, em consequência disso “foi aplicada à Autora uma coima no montante de € 1.240,00”, sendo que “a determinação da carga (e correspondente volume) a ser transportada por cada viatura da Autora era decidida única e exclusivamente pela Ré de acordo com o ponto 7. do referido contrato de prestação de serviços.”.

Também não sendo de assimilar o eventual futuro pagamento da coima em questão a um dano futuro, previsível, cfr. art.º 564º, n.º 2, do Código Civil.

Nem se colocando, em qualquer caso, a questão do direito de regresso relativamente a importância que não se mostra paga, cfr. art.º 524º, do Código Civil.

Carecendo assim de fundamento a condenação da Ré/recorrente no pagamento à A. do montante da coima respetiva.

2. No que aos lucros cessantes concerne, mais pretende a Recorrente, que “Nenhum dos danos invocados pela Recorrida decorre do facto de a ora Recorrente não ter respeitado o prazo convencionado de 30 dias de pré-aviso para fazer cessar a relação contratual.”.

Como aponta quanto se expôs supra em II – 2 – 2., aqueles danos corresponderão tendencialmente ao que a A. deixou de auferir no período ilicitamente preterido – de 16 dias – do prazo de “aviso-prévio” de trinta dias.

Ora temos que a A. faturou, pela prestação de serviços à Ré, no ano de 2011, um valor médio mensal de €10.000,00.
Sendo que após a rescisão do contrato pela Ré a faturação da Autora cifrava-se à data da propositura da acção nos € 3.000,00 (três mil euros) mensais;
O que corresponde a um decréscimo de faturação da ordem dos 70%.
Sem que da demais factualidade apurada decorra uma sensível diminuição de encargos, após tal rescisão.

Tendo-se deste modo como equitativo – cfr. art.º 567º, n.º 3, do Código Civil – considerar, em sede de lucros cessantes, o montante correspondente a 70% do valor médio mensal da faturação pelos serviços prestados à Ré, no ano de 2011, dividido por 30 e multiplicado por dezasseis: € 7.000,00:30x16= € 3.733,00.
Sobre tal montante recaindo juros, à taxa legal, desde a citação da Ré – em 22-01-2013, cfr. folhas 121 – até efetivo e integral pagamento.
*
Com procedência aqui, nesta parcial medida, das conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, e revogam correspondentemente a sentença recorrida,--------------
condenando a Ré a pagar à A., a título de indemnização, a quantia de três mil setecentos e trinta e três euros (€ 3.733,00), acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, desde a data da citação da Ré – 22-01-2013 – até efetivo e integral pagamento,-------------------------------------------------------------------------------
absolvendo-a do mais pedido.

Custas em ambas as instâncias pela A./recorrida e pela Ré/recorrente, na proporção de 93,5% para aquela e 6,5% para esta.
*
Lisboa, 2014-09-15 

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

 (Maria Teresa Albuquerque)

[1] In “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 3ª ed., UCE, 2001, págs. 414-415.
[2] Vd. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte geral, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 483.
[3] In “Código Civil, Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, Ld.ª, 1982, pág. 222; Já Menezes Cordeiro, in op. cit., a pág. 485, refuta tal ideia do “tempero subjectivista”, no sentido de se assistir a uma diversa regra de interpretação, sustentando que “Apenas se apura a existência dum código de comunicação, entre as partes, que não corresponde ao usualmente aceite, no espaço considerado”.
[4] Oliveira Ascensão, in Direito Civil-Teoria Geral, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 183-184.
[5] Apud, Pessoa Jorge, in “Lições de direito das obrigações”, ed. da AAFDL, 1975-76,  págs. 211-213.
[6] In “Das obrigações em geral”, Vol. II,  “Reimpressão da 7ª Ed.-1997), 2001, págs. 279-281.
[7] Vigente à data da ed. considerada.
[8] Pessoa Jorge, in op. cit., pág. 210, sendo nosso o sublinhado.
[9] In op. cit., pág. 213.
[10] Temas e Debates, Tomo XV, Lisboa, 2005, pág. 6947, 2ª coluna.
[11] Proc. 3005/06.4TBLLE.S1, Relator: SALRETA PEREIRA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.

[12] Proc. 4865/07.7TVLSB.L1.S1, Relator: BARRETO NUNES, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[13] Proc. 288/09.1YFLSB, Relator:  HELDER ROQUE, no mesmo sítio da internet.
[14] In “Código Civil, Anotado”, Vol. II, Coimbra Editora, Limitada, 1968, pág. 493.
[15] In op. cit., pág. 271.
[16] Januário Gomes, no confronto da alínea b) do art.º 1172º, in op. cit., pág. 272. Note-se contudo que este autor, numa outra passagem da mesma obra, retira dos “próprios termos da alínea c) do art.º 1172º (…) – na parte em que limitam o respetivo âmbito de aplicação aos mandatos onerosos – um argumento de peso no sentido da circunscrição do cálculo indemnizatório ao lucro cessans,”, cfr. pág. 273.
[17] In op. cit., pág. 272.
[18] In op. cit. supra em nota 14, pág. 494.
[19] In op. cit., págs., 275 e 277, respetivamente.
[20] Januário Gomes, in op. cit., pág. 272.