ADMISSÃO DO RECURSO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE DE SENTENÇA
REJEIÇÃO DE RECURSO
ÓNUS
NOVOS MEIOS DE PROVA
Sumário

1. Os pressupostos de admissibilidade dos recursos interpostos de decisões intercalares aferem-se à data da prolação das mesmas.
2. No âmbito da anterior CPC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, o despacho que admitia um articulado era impugnável com a decisão final, ou após a prolação da mesma, nos termos do n.º 3 e 4 do artigo 691.º.
3. O recurso interposto de um despacho intercalar que não admitiu o depoimento de parte, proferido ao abrigo do atual CPC, como do anterior, é impugnável imediata e autonomamente.
4. É nula a sentença na parte em que condena como litigante de má-fé a parte, sem que previamente tenha assegurado o princípio do contraditório.
5. Deve ser rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto nas conclusões recursórias não são indicados as passagens da gravação em que se funda o recurso, por assim resultar do n.º 2 do artigo 640.º do CPC.
6. A admissibilidade de produção de novos meios de prova em sede de recurso, não corresponde a um direito potestativo da parte, devendo apenas ser ordenada em casos de dúvida fundada sobre a prova realizada, o que não se verifica quando a Relação, por não admitir a impugnação da decisão de facto, fica impedida de globalmente valorar livremente aquele meio de prova em confronto com os demais produzidos nos autos, sujeitos a igual valoração.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO:

MC intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra NM e IM pedindo a condenação das rés a entregar à herança de VC a quantia de €2.611.811,66, acrescida dos juros legais, contados desde a data da transferência do referido valor até à efetiva entrega.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em suma, que é a única herdeira do referido VC, falecido no dia 13/03/2012, o qual era titular da conta bancária da (…) que identifica.
No dia 01/02/2012, a 1.ª ré, que vivia maritalmente com o referido VC, munida de uma procuração, emitida depois do dia 31/07/2011, deu instruções à (...) para transferir a referida quantia de €2.611.881,66 da conta mencionada para uma conta de que é titular a 2.ª ré.
Desde, pelo menos, Julho de 2011, o referido VC esteve sempre afásico e desprovido de capacidade para querer e entender o sentido das suas declarações, na sequência de um AVC, o que era notório para todas as pessoas.
A quantia mencionada constitui um bem da herança de VC, quer porque a procuração emitida pelo mesmo, depois de 31/07/2011, é anulável nos termos dos artigos 257.° e 287.° do Código Civil, o que tem efeitos retroativos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, quer porque a 2.ª ré não realizou nenhuma prestação correspondente ao valor recebido ou a um qualquer interesse do credor VC, quer, finalmente e quanto muito, porque a 1.ª ré entregou a quantia em causa à 2.ª ré, sem poderes para tal, como gestora de negócios, o que constitui uma prestação ineficaz em relação a VC e à herança do mesmo, já que não foi ratificada, de acordo com o disposto nos artigos 268.° e 471.° do Código Civil.

Contestaram as rés, pronunciando-se pela total improcedência da ação, porquanto e em suma, o estado de VC evoluiu favoravelmente, sendo que o mesmo percebia perfeitamente o que lhe diziam e falava, mostrando vontades e apresentando queixas diversas verbalmente.
Devido às suas limitações físicas, VC quis elaborar uma procuração para a 1.ª ré, sua companheira, tratar de todas as economias do casal e, como estavam no Algarve, transferiram o dinheiro para uma conta da 1.ª ré, onde também consta a 2.ª ré, sua neta.
O dinheiro existente na conta, antes da morte de VC, não é um bem da herança.

A autora replicou, arguindo a falsidade da procuração e termo de autenticação juntos pelas rés, porquanto não se mostra assinada pelo autor, nem por alguém a seu rogo, desconhecendo a autora se a impressão digital aposta na mesma é verdadeira, sendo certo, também, que não se mostra autenticada em conformidade com o Código do Notariado.

As rés apresentaram tréplica concluindo pela inadmissibilidade da apresentação da réplica, pedindo o seu desentranhamento.

Aquando do saneamento do processo, em 16/05/3013, foi proferido despacho a admitir a réplica (fls. 103 a 106).

Foi fixada a matéria de facto provada e elaborada a base instrutória.

Apresentada reclamação pelas rés, foi a mesma parcialmente atendida (quanto à redação da alínea K) da matéria assente) - fls. 172.

Na apreciação dos requerimentos probatórios, foi proferido, em 17/09/2013, o despacho de fls. 173, que indeferiu o depoimento de parte da autora, requerido pelas compartes rés.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos:
“a) julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno as RR. a restituir à herança de VC a quantia de €2.611.881,66 (dois milhões seiscentos e onze mil oitocentos e oitenta e um euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (29.10.2012) e até à efectiva restituição, absolvendo-as do mais peticionado;
b) julgar verificada a litigância de má fé por parte das RR. e, em consequência, condeno-as na multa de dez UC.”

Inconformadas, apelaram as rés, apresentando recursos distintos.
A ré NM apresentou as conclusões recursórias que constam de fls. 352 a 373.[1]
O recurso da ré NM foi admitido (fls. 484) e o da ré IM foi rejeitado por extemporâneo (fls. 467).
A 2.ª ré veio aderir ao recurso interposto da ré NM, tendo a adesão sido admitida (fls. 480-483 e 493).

No recurso interposto pela ré NM foi impugnada a sentença e os seguintes despachos interlocutórios:
- Despacho que admitiu a réplica;
- Despacho que indeferiu o depoimento de parte.

Não foram apresentadas contra-alegações pela autora.

Já nesta Relação, foi proferido o despacho de fls. 500 e 500v, ordenando o cumprimento do artigo 655.º, n.º 1 do CPC por se entender que não se podia conhecer do objeto da apelação no que concerne à impugnação das decisões interlocutórias.
Pronunciou-se a ré NM pugnando pelo conhecimento da impugnação dos referidos despachos interlocutórios (cfr. fls. 509 e 510).
Após se ter validado a renúncia ao mandato forense por parte da Ilustre Mandatária da ré NM (fls. 544), foram colhidos os vistos.

II- FUNDAMENTAÇÃO:
A- Objeto do Recurso:
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso em apreciação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, se as houver (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC 2013), as questões a decidir são:
1. Impugnação das decisões interlocutórias.
2. Admissibilidade da réplica.
3. Impugnação da sentença.
a. Erro material
b. Nulidades
c. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
d. Junção de documentos em sede de recurso
e. Mérito da sentença

B- De Facto:
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 21.03.2012, no Cartório Notarial de (...), foi lavrada escritura pública, a fls. 68 a 69 do Livro n.° 210-A, na qual a ora A. MC declarou que, no dia 13.03.2012 faleceu VC, que o falecido não deixou descendentes nem ascendentes vivos, não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como sua única herdeira, sua irmã germana, MC, não havendo quem lhe prefira na sucessão, nem quem com ela concorra à herança do falecido, conforme certidão de fls. 13 a 16, que se dá por reproduzida;
2. VC era titular da conta de depósitos à ordem, aberta na (...), Agência da (...), em Lisboa, com o número 0035 0063027016200;
3. No dia 01.02.2012, por instrução da ora 1.ª R., na qualidade de procuradora, a (...), Agência da (...), transferiu a quantia de € 2.611.881,66 da referida conta n.° 0035 0063027016200 para a conta n.° 0035 0303101722900, aberta na (...), Agência de (...), titulada em nome da ora 2.ª R.;
4. VC esteve internado no Hospital (...), de 23/07/2011 a 28/07/2011 e de 31/07/2011 a 12/10/2011, por Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico;
5. VC tinha antecedentes pessoais de hipertensão arterial essencial, Diabetes mellius tipo II, Febrilhação auricular crónica e Fibrose pulmonar;
6. Durante o último internamento, VC esteve sempre afásico, com hemiparesia direita e dependente dos cuidados de terceiros;
7. VC faleceu no dia 13/03/2012, sendo a causa da morte Síndrome Demencial Aterosclerótico consecutivo de Acidente Vascular Cerebral devido a Hipertensão arterial e Diabetes Mellius tipo II;
8. A 1.ª R. vivia maritalmente com VC e foi ela que o internou e que o acompanhou durante o dito internamento, pelo que conhecia o estado de afasia do mesmo;
9. A 1.ª R. procedeu conforme consta do n° 3, munida da procuração cuja cópia certificada consta de fls. 58 a 60 dos autos, datada de 13.12.2011, cujo teor se dá por reproduzido, mas da qual consta, nomeadamente, «VC (...) constitui sua bastante procuradora, a Sr. ª NM (...), a quem confere poderes necessários e convenientes, para, em seu nome, com a faculdade de substabelecer, todos os necessários poderes para o representar junto de (...) Bancos (...). Movimentar toda as contas bancárias abertas em seu nome, à ordem ou a prazo designadamente fazer levantamentos e transferências, sem limite     de valor, assinar cheques, consultar extractos de contas, bem como abrir e encerrar contas, assinando tudo o que para esses fins seja necessário, em quaisquer Bancos, nomeadamente (...), Instituições de Crédito e/ou estabelecimentos especiais de crédito»;
10. A procuração referida no n° 9 não se mostra assinada por VC, nem por ninguém a seu rogo, tendo aposta uma impressão digital;
11. No dia 13.12.2011, no Cartório Notarial de Lisboa de (...) foi lavrado o “termo de autenticação” cuja cópia foi junta a fls. 61, do qual consta que compareceu como outorgante, na Rua (...), em Lisboa, VC, que disse «que leu o documento que antecede, que é uma procuração e que a mesma, tal como está redigida, exprime a sua vontade», sendo que «este termo de autenticação foi lido ao outorgante e ao mesmo explicado quanto ao seu conteúdo, tudo em voz alta e na sua presença, não assinando o outorgante por me haver declarado não puder fazer»;
12. O termo de autenticação referido no n° 11 não se mostra assinado por VC nem por ninguém a seu rogo, tendo aposta uma impressão digital;
13. Mostra-se junta aos autos, a fls. 62, cópia de um registo online de actos dos advogados, nomeadamente, de um acto de autenticação de documento particular, do qual consta que «no dia 9 de Dezembro de 2011 (...) compareceram perante mim, (...), advogada (...) pessoas cujas identidades verifiquei por exibição dos respectivos documentos de identificação, e que para autenticação, me apresentaram a presente procuração, de cujo conteúdo está perfeitamente inteirado, o Sr. VC e que este exprime a sua vontade, mas que não assina porque não pode fazê-lo, estando, como tal a seu rogo assinado por (...) (...). Este termo foi lido e explicado ao signatário, em voz alta. EXECUTADO A: 2011-12-09 14:24; REGISTADO A: 2011-12-09 14:26»;
14. O documento referido no n° 13 contém uma assinatura de (...), com a menção, em escrita manual, «a rogo de VC por não saber assinar»;
15. Desde 31.07.2011, VC estava desprovido de capacidade para entender o sentido das suas declarações e para querer;
16. O que era notório para todas as pessoas que o visitaram e acompanharam, incluindo da 1.ª R.;
17. A 1.ª R. é contitular da conta n° 0035 0303101722900 referida no n° 3;
18. A 1.ª R. é avó paterna da 2.ª R.

Quanto aos factos não provados, assim considerou os seguintes factos:
a) que a impressão digital referida no n° 10 tivesse sido aposta por VC;
b) que VC tivesse saído do Hospital no dia 12/10/2011, por se encontrar bem e em condições de fazer a sua vida normal e sem perigo;
c) que o seu estado tivesse evoluído favoravelmente e a afasia tivesse passado a ser parcial;
d) que, apesar das sequelas motoras decorrentes do ACV, VC percebesse perfeitamente o que lhe diziam;
e) que o mesmo falasse com dificuldade, mas que soubesse dizer nomes, mostrando vontades e apresentando queixas diversas verbalmente;
f) que tivesse sido o próprio VC quem, atendendo a que tinha limitações físicas, quis elaborar a procuração referida no n° 9, para a 1.ª R. tratar de todas as economias do casal por si constituído, comprando, pagando, gastando, fazendo tudo o que fosse necessário para gerir a doença e vida do casal;
g) e que, como estavam no Algarve, tivessem decidido transferir a quantia referida no n° 3 para o Algarve.

III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO:

1. Impugnação das decisões interlocutórias:
Escreveu-se no despacho proferido a fls. 500 e 500v o seguinte:

“- No recurso interposto, a ré NM impugnou, para além do decidido na sentença, os seguintes despachos:
- Despacho que [não][2] admitiu a réplica;
- Despacho que indeferiu o depoimento de parte.
-Estes despachos, interlocutórios, são recorríveis, atento o disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC 2013, autonomamente, conforme decorre, a contrario, do n.º 3 do mesmo preceito, a intentar no prazo de 15 dias a contar da notificação dos mesmos.
- Assim sendo, não tendo sido impugnados no prazo referido, transitaram em julgado (artigo 628.º do CPC), não podendo ser impugnados aquando da interposição do recurso da sentença final, como sucede no caso (…).
- Nestes termos, ordena-se o cumprimento do disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC vigente.”

A ré NM defendeu que é tempestiva a interposição dos recursos dos despachos intercalares com a decisão final, porquanto:
- “O art. 638º do NCPC não refere em nenhum dos números que os recursos tenham de ser intentados autonomamente aliás, tal iria contra a vontade do legislador uma vez [que] no código anterior era esse o espírito para efeitos de economia processual”;
- “… para os devidos e legais efeitos a R. IM não interpôs qualquer recurso da decisão final tendo aderido ao recurso da R. NM após o trânsito da referida decisão onde constavam os recursos do n.º 2, alínea d) do art. 644º do NCPC”;
- “Assim sendo e tendo em consideração a aplicação do n.º 4 para a R. IM mesmo que não se considere o supra referido, os recursos em causa estão em tempo.”

Cumpre apreciar:
Os presentes autos foram instaurados em 17/10/2012.
Os despachos intercalares em causa foram proferidos, respetivamente, em 16/05/2013 e 17/09/2013.

A sentença foi proferida em 29/11/2013.
Em 01/09/2013 entrou em vigor o atual CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, tendo a sentença sido prolatada quando o mesmo já se encontrava em vigor.

No que concerne ao despacho que não admitiu o depoimento de parte e ao interposto da sentença final, são aplicáveis, por força dos artigos 5.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, o regime recursório, incluindo as condições de admissibilidade, previstas no novo CPC.

Quanto ao recurso que admitiu a réplica, por ter sido proferido no âmbito do anterior CPC e se tratar, consequentemente, de uma situação jurídica pretérita, no que concerne às condições de admissibilidade, são-lhe aplicáveis as disposições vigentes nesse momento, ou seja, o anterior CPC, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08 (artigos 12.º, n.º 1 do Código Civil e artigo 5.º, n.º 1 da parte preambular da Lei n.º 41/2013).
No caso, está em causa o disposto no artigo 691.º do anterior CPC, na redação dada pelo referido Decreto-Lei n.º 303/2007.
No elenco das decisões recorríveis de imediato ou autonomamente prevista nas várias alíneas do n.º 2 do citado preceito não se inclui a admissão ou rejeição de um articulado, situação que apenas veio a ser contemplada com a redação dada à alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º pelo novo CPC.
Por conseguinte, em relação à impugnação do despacho que admitiu a réplica, por se aplicarem os pressupostos de admissibilidade vigentes à data da sua prolação, a mesma pode ocorrer conjuntamente com a impugnação da sentença final, por aplicação do n.º 3 do artigo 691.º do anterior CPC.
Verificando-se que o recurso da decisão final interposto pela ré NM impugna, conjuntamente com o recurso interposto da sentença, o referido despacho intercalar, nada obsta à sua apreciação.
Já não assim quanto ao despacho que não admitiu o depoimento de parte.

Este despacho é impugnável diretamente e autonomamente, no prazo de 15 dias a contar da sua notificação, conforme decorre do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), conjugado como o n.º 3 do mesmo artigo e n.º 1 do artigo 638.º do atual CPC.

No sistema de recurso monista introduzido em 2007 e mantido em 2013, em regra, as decisões intercalares proferidas ao longo do processo não formam caso julgado formal após serem proferidas (artigo 620.º e 628.º do CPC). São apenas excluídas as decisões que se reportam às situações elencadas no n.º 2 do citado artigo 644.º.
Como é entendimento interpretativo que se nos afigura consensual, a atual lei prevê dois regimes diversos: são imediatamente recorríveis as decisões previstas no n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 644.º (respetivamente, decisões que ponham termo ao processo, procedimento cautelar ou incidente autónomo e as decisões tipificadas no n.º 2 do mesmo preceito) e as restantes decisões, independentemente da sua natureza, que apenas podem ser impugnadas com o recurso da decisão final (n.º 3 do artigo 644.º) ou, se este não existir (por não se verificarem os pressupostos gerais de recorribilidade ou por não ter sido deduzido), em recurso único a interpor depois de a mesma ter transitado em julgado, se a impugnação tiver interesse autónomo para a parte (n.º 4 do artigo 644.º).
Regime que se afigura, aliás, percetível, em face dos diferentes prazos de interposição de recurso previstos para a impugnação da decisão impugnável imediata e autonomamente e para as restantes, conforme previsto no n.º 1 do artigo 638.º do atual CPC (que, aliás, tinha correspondência no n.º 5 do artigo 691.º da anterior versão).
Donde resulta, que a impugnação do despacho que não admitiu o depoimento de parte transitou em julgado por não ter sido impugnado atempadamente (por qualquer das rés), não podendo ser objeto de apreciação em conjunto com o recurso interposto pela recorrente da decisão final.
Quanto à aplicação do n.º 4 do artigo 844.º do CPC à ré IM, tal interpretação do preceito não tem qualquer viabilidade, já que o mesmo não visa colmatar situações de preclusão do direito de recorrer, aplicando-se apenas e tão só nas situações acima referidas, que não colhem de todo em relação ao despacho em causa.

Por outro lado, tendo a ré IM aderido ao recurso interposto pela ré NM o objeto do recurso em apreciação está conformado àquele recurso (artigo 634.º, n.º 2, alínea a), n.ºs 3 e 4 do CPC), não se incluindo no mesmo, como se disse, a apreciação da impugnação do despacho intercalar que não admitiu o depoimento de parte.

Face ao exposto:
Rejeita-se, por extemporâneo, o recurso interposto do despacho que não admitiu o depoimento de parte da autora, admitindo-se o recurso interposto com a sentença final, do despacho que admitiu a réplica.

Nada mais obstando ao conhecimento do recurso interposto pela ré NM.

2. Admissibilidade da réplica:
Conforme resulta das conclusões recursórias, sob a alínea L, pontos 1 a 5, a ré a propósito da impugnação da admissão da réplica, invoca a nulidade do despacho que apreciou a reclamação, apresentada nos termos do artigo 511.º, n.º 2 do CPC (contra a seleção da matéria de facto considerada como assente - tendo deduzido reclamação contra as alíneas A e K, tendo sido apenas julgada procedente a reclamação contra a alínea referida em segundo lugar-), pedindo ainda que seja “revogado o despacho recorrido, ordenando-se a inclusão no mesmo da existência de Testamento, constituindo a 1.ª R. herdeira de VC”, finalizando, em jeito de conclusão, que “deveria o despacho de que ora se recorre ter atendido à Reclamação das RR.”

Como é bom de ver, afinal, a ré não questiona os fundamentos que presidiram à admissão da réplica.
Na verdade, serve-se apenas da sua admissão, para questionar o despacho que decidiu a reclamação contra a matéria assente inserta nas referidas alíneas A e K.
Portanto, o que pretende é que se aprecie o despacho que indeferiu parcialmente aquela reclamação.
Sendo assim, não se pode deixar de julgar improcedente o recurso interposto quanto ao despacho que admitiu a réplica, o que agora se decreta.

Quanto ao despacho que decidiu a referida reclamação:
Começando pela arguida nulidade do mesmo, baseada na alegada falta de fundamentação de facto e de direito, dir-se-á que o que está em causa é a invocação de uma nulidade processual (ou nulidade secundária), cujo regime de arguição se encontrava previsto, à data da prolação do referido despacho, nos artigos 201.º e 205.º do anterior CPC, e atualmente, nos artigos 195.º e 199.º do atual CPC, pelo que não é suscetível de ser apreciada nesta sede recursória.

Quanto ao pedido de revogação do mesmo despacho que decidiu a reclamação:
Prescreve o artigo 511.º, n.º 3 do anterior CPC, com igual redação no n.º 3 do atual 596.º do CPC, que “apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.”

No caso presente, a parte não impugnou esse despacho. Como se disse, serviu-se da interposição de outro recurso para ali introduzir a impugnação deste outro despacho, donde decorre que nem sequer se pode ter como impugnado o despacho que indeferiu parcialmente a reclamação.

Consequentemente, transitou em julgado aquele despacho nada havendo a apreciar nesta sede (artigos 619.º a 621.º e 628.º do atual CPC).

3. Impugnação da sentença:
Antes de se entrar na análise concreta das questões objeto do recurso – delimitadas pelas conclusões recursórias – não se pode deixar de referir que as mesmas apresentam um tal grau de destruturação formal e substancial, para além de prolixas[3], que exigem um esforço acrescido de sintetização e de identificação das questões colocadas, que passamos a identificar e a decidir.
a)- Erro material na redação do ponto 11 dos factos provados (conclusões 14 a 17):

A recorrente vem invocar que o ponto 11 dos factos provados não se encontra retificado, conforme ordenado no despacho que deferiu a reclamação apresentada em relação à redação da alínea K dos factos provados, ali continuando a constar a referência ao “Cartório Notarial de Lisboa de (...) e não na Rua (...) em Lisboa.”

De acordo com a sentença que se encontra, em papel, nos autos, não vemos que exista tal lapso de escrita, já que o ponto 11 dos factos provados corresponde ipsis verbis à redação da alínea K, após a alteração introduzida na sequência do deferimento da reclamação, pelo que improcede o pedido de retificação.

b)- Nulidades:
A recorrente ao longo das conclusões recursórias arguiu várias nulidades.

Assim:
Nas conclusões recursórias n.ºs 80 a 84, a pretexto da sua discordância com a decisão de fundo, a recorrente invoca falta de fundamentação de facto e de direito da sentença, considerando que se encontram violados os artigos 154.º do CPC e 205.º da Constituição da República.
As nulidades da sentença encontram-se elencadas taxativamente no artigo 615.º do CPC.
A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifique a decisão, corresponde a um dos vícios da sentença determinante da nulidade da mesma (artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC).
A situação prevista neste preceito é um corolário do dever de fundamentação das decisões genericamente previsto nos precitos invocados pela recorrente.
Porém, a falta de fundamentação não se confunde com erro no julgamento de facto ou de direito (ainda que este possa apenas incidir sobre sua aplicação aos factos), o qual não gera nulidade da sentença, mas a sua revogação.

A sentença, conforme se constata da sua leitura, fundamentou a decisão de facto e interpretou e aplicou as regras jurídicas que julgou adequadas e pertinentes ao caso em apreciação, pelo que independentemente do acerto da mesma, cumpriu o dever de fundamentação, não sendo nula.

Na conclusão recursória n.º 95 a recorrente invoca a nulidade da sentença por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, alegando que na sentença se apreciou questões que não podia apreciar, por não terem sido suscitadas pela autora.

As questões em causa, se bem entendemos a alegação da recorrente, referem-se ao segmento da sentença sob o n.º 3.2. onde se concluiu que não foi feita prova que a impressão digital aposta na procuração tenha sido feita pelo falecido VC, tendo-se considerado prejudicada a questão suscitada na réplica pela autora quanto à invalidade da procuração por falta dos requisitos previstos no artigo 373.º do Código civil.
Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

A omissão ou o excesso - no caso está arguida a vertente referente à pronúncia por excesso -, terá de ser necessariamente aferida em face dos limites previstos no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.

Por isso, a sentença apenas é nula, por excesso de pronúncia, quando o tribunal conheça, fora das situações em que lhe é permitido o conhecimento oficioso, de questões (que não argumentos invocados pelas partes para fundar as suas posições, ou seja, os concretos problemas jurídicos que sejam relevantes para solucionar o litígio em face da causa de pedir e do pedido, das exceções e contra exceções invocadas) não invocadas pelas partes.

Ora, no caso em apreço a autora alegou que a procuração com base na qual foi ordenada a transferência de dinheiro da conta bancária do falecido para a conta bancária da 2.ª era anulável em virtude do mesmo se encontrar incapacitado de entender o sentido da declaração (artigos 18.º a 21.º da petição inicial).

Na contestação, as rés, contraditando aquela alegação, invocaram que a procuração “é perfeitamente legal” e que a autora não tinha invocado a “falsidade da elaboração da procuração” (artigos 25.º a 27.º).

Na réplica, a autora invocou a falsidade da procuração e dos termos de autenticação, alegando concretamente no artigo 9.º do seguinte modo: “Examinado o documento verifica-se que não tem a assinatura do autor nem foi assinado a rogo daquele e a A. não sabe se é verdadeira a impressão digital aposta no referido documento”.

Nos artigos seguintes, a autora alega ainda no sentido da procuração e do termo de autenticação não terem sido elaborados nos termos da lei do notariado, não tendo a procuração a força probatória dos documentos autênticos/autenticados.

Em face destas alegações, é inquestionável que as partes suscitaram perante o tribunal a questão da (des)conformidade entre a vontade do falecido e o conteúdo da procuração, bem como questões relacionadas com a autenticidade da assinatura (por impressão digital) e conformidade do reconhecimento notarial com as regras jurídicas aplicáveis à autenticação de documentos particulares.

Resultando da sentença recorrida a apreciação dessas questões, ainda que restringidas à prova produzida sobre os facos alegados, não se verifica o alegado excesso de pronúncia, nem consequentemente a arguida nulidade.

Nas conclusões recursórias n.º 115 a 117 a apelante alega que a sentença é nula por aplicação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por não se ter pronunciado e considerado várias despesas relacionadas com o internamento, tratamento, cuidados dispensados ao falecido e despesas de funeral, bem como valores entregues às pessoas mencionadas na conclusão n.º 116, que deveriam ser levados em conta em caso de devolução da quantia peticionada.

Remete-se nesta parte para o supra referido quanto à delimitação da omissão de pronúncia.

No caso, as rés nada alegaram quanto à matéria que agora pretendem ver apreciada[4], pelo que, e consequentemente, também não formularam qualquer pedido, seja por via reconvencional, seja por via da compensação, quanto à dedução das aludidas despesas e gastos poderem ser deduzidas na quantia que eventualmente fossem condenadas a devolver à autora.

Por consequência, nunca poderia o tribunal pronunciar-se sobre tal matéria, que se situa fora do seu conhecimento oficioso e, ao invés, se dela tivesse conhecido teria incorrido em excesso de pronúncia.

Não se verifica também quanto a este segmento qualquer nulidade da sentença recorrida.

Nas conclusões recursórias n.º 120 a 128 a recorrente arguiu a nulidade da sentença por violação das alíneas d) e e) do artigo 615.º do CPC, porquanto foi juntamente com a 2.ª ré condenada como litigante de má-fé sem que o tribunal previamente tenha cumprido o princípio do contraditório, encontrando-se, assim, violados os artigos 2.º e 4.º do CPC.

Neste segmento recursório, assiste razão à recorrente.

Conforme resulta dos autos, a autora nunca invocou que as rés litigavam de má-fé.

O tribunal condenou ex officio as rés como litigantes de má-fé sem cumprimento do princípio do contraditório.
Sendo este princípio estruturante e transversal a todo o nosso ordenamento processual civil, conforme decorre do artigo 3.º, n.º 2 e 3 do CPC, salvo nos casos expressamente ressalvados na lei, a lei impõe ao juiz o dever de o observar e fazê-lo cumprir ao longo de todo o processo.

Na verdade, na condenação de uma parte como litigante de má-fé, para além de estar em causa uma possível condenação com expressão pecuniária, também lhe subjaz um juízo de censura sobre o comportamento processual da parte, que justifica o exercício do contraditório inerente ao princípio de defesa, pelo que a violação de tais princípios, conforme vem sendo referido pelo Tribunal Constitucional[5] e pelos tribunais judiciais,[6] de forma pacífica e reiterada, constitui uma nulidade, que se praticada em sede de sentença, se enquadra no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, determinativa da anulação desse segmento decisório, com vista a permitir o cumprimento do princípio do contraditório, a fim de, então, se poder ajuizar do preenchimento dos requisitos enunciados nos artigos 542.º e 543.º do CPC.

c) Impugnação da decisão de facto:
A recorrendo defende a alteração da decisão e facto no que diz respeito à factualidade constante dos pontos provados 15 e 16 (cuja matéria corresponde aos pontos 1.º e 2.º da base instrutória) e da matéria dada como não provada nas alíneas a) a g) dos factos não provados (cuja matéria corresponde aos pontos 3.º a 9.º da base instrutória).

A recorrente alega ao longo das conclusões recursórias, que se espraiam, pelo menos, entre os n.ºs 18 a 119 (embora introduzindo outras questões como sejam as nulidades da sentença e questionando a própria decisão de fundo), erro de julgamento na apreciação da prova testemunhal e documental e das inferências probatórias do confronto entre os dois meios de prova, invocando desde erros de valoração da prova à violação do princípio da igualdade (criticando o tratamento que o juiz dispensou às testemunhas de uma e outra parte), passando pelo questionamento da credibilidade das testemunhas arroladas pela autora.
Ainda que não se verifique uma escorreita identificação de quais os meios probatórios que em relação a cada matéria estribam a discordância da recorrente, percebe-se, ainda assim, a invocação dos mesmos e a decisão de facto que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Porém, as conclusões recursórias são totalmente omissas quanto à indicação das passagens da gravação em que se funda o recurso, uma vez que nada de nada referem a esse propósito.
Sendo assim, a questão que se coloca é da rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, face aos disposto no n.º 2, alínea a) do artigo 640.º do CPC, que estipula, para além dos ónus de concretização dos pontos de facto impugnados e dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, com menção da decisão que deveria ter sido proferida – conforme decorre das alíneas a) a c) do mesmo preceito – o ónus do recorrente, sob pena imediata de rejeição do recurso na respetiva parte, “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”
Na verdade, e conforme decorre reforçadamente da alteração do artigo 685.º-B do anterior CPC, os poderes de sindicabilidade da Relação no que concerne à decisão sobre a matéria de facto encontram-se ampliados, no intuito de assegurar de forma efetiva o princípio do duplo grau de jurisdição nesta matéria, mas têm como contrapondo uma maior autorresponsabilização das partes no que concerne ao cumprimento dos ónus que lhes são impostos quanto ao preenchimento dos pressupostos da impugnação da decisão de facto.
Ónus que devem se apreciados numa ótica de rigor (nem sequer permitindo um aperfeiçoamento das conclusões de recurso no que concerne à impugnação – como, aliás, decorre da interpretação do artigo 639.º, n.º 3 do CPC que se reporta tão só às conclusões sobre a matéria de direito -), impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme numa manifestação mais ou menos extensa, mas sempre inconsequente, de discordância, baseada em juízos de valor altamente subjetivados provindos de uma das partes interessadas no desfecho da lide.[7]
Por conseguinte, e porque se encontra patentemente violado o disposto no artigo 640.º, n.º 2 do CPC[8], rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto em relação aos pontos provados e não provados acima identificados.
Ainda assim, e considerando o disposto no artigo 662.º, n.º1 do CPC (que provém do artigo 712.º do anterior CPC), a Relação deve alterar a decisão proferida se os elementos fornecidos pelo processo impuserem, decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, ou seja, se existirem nos autos meios de prova com valor probatório pleno relativamente a determinado facto que não tenham sido devidamente valorados.[9]
No caso, a questão coloca-se apenas em relação à procuração datada de 13/12/2011 (fls. 58 a 60) e termos de autenticação juntos a fls. 61 a 62.
A procuração é um documento particular, que é havido por autenticado, quando confirmado pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais (artigo 362.º, n.º 1 e 3 do Código Civil).
Discutindo-se nos autos se o falecido VC estava desprovido da capacidade de entender as suas declarações quando a procuração foi emitida e, inclusivamente, se a impressão digital aposta na procuração lhe pertencia, encontra-se, para além do mais, impugnada a autoria do documento para os termos e efeitos do n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil, pelo que não faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao falecido, sem prejuízo da arguição da falsidade do documento que também foi invocada.
Donde decorre que, no caso, não se está perante uma situação de desrespeito da força plena de determinado meio de prova, ou seja, não se verifica a previsão do n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
Esclarece-se também que não se encontra junto aos autos qualquer outro documento com força probatória plena relativamente à matéria sujeita a julgamento, já que o testamento de VC junto a fls. 57 (independentemente da sua validade/eficácia, questão que não se encontra em apreciação neste processo), em nada contribui para o julgamento desta causa, por não se reportar ao bem em discussão na mesma (transferência bancária acima mencionada), por o mesmo expressar a última vontade do falecido apenas em relação a um imóvel inserido no acervo hereditário.
Requer ainda a recorrente nas conclusões n.ºs 109 a 112, caso existam dúvidas quanto à autoria da impressão digital aposta na procuração, que esta Relação ordene uma perícia à impressão digital aposta na mesma e ao seu confronto com a do Bilhete de Identidade do falecido.
Apesar da recorrente, não vislumbrar impedimento para formular tal pedido apenas nesta sede, como a própria menciona, e concedendo-se que, em algumas situações, tais poderes foram em 2013 concedidos ao tribunal de 2.ª instância, conforme prescreve o n.º 2, alínea b) do artigo 662.º do CPC, a situação presente está fora da alçada da referida previsão normativa.
Na verdade, a lei permite a produção de “novos” meios de prova, desde que haja “dúvida fundada sobre a prova realizada”, abrangendo, dado teor abrangente da norma, a prova pericial, mas não se trata de um direito potestativo que a parte possa exercer livremente, já que está sujeito a critérios de objetividade no que concerne à sua concessão, só devendo ser concedido perante situações de efetiva necessidade e em face de um impasse, uma dúvida séria e inultrapassável quanto ao apuramento de factos essenciais à prolação da decisão, considerando os meios probatórios passíveis de serem reapreciados pelo tribunal de recurso.
Porém, para se chegar a tal conclusão impunha-se que estivessem reunidos os pressupostos da reapreciação da decisão de facto, o que, no caso, não estão, como acima se disse, pelo que é patente a desnecessidade, nessa situação, de se enveredar pela produção de um meio de prova, que sempre teria de ser livremente valorado (artigos 388.º e 389.º do Código Civil e artigo 607.º, n.º 5, do CPC), quando nem sequer está em causa o seu confronto com os demais meios de prova produzidos em sede de 1.ª instância.

Em face de todo o exposto, mantêm-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto, considerando-se improcedentes ou prejudicadas na sua apreciação todas as demais críticas apostas à decisão de facto.

d) Junção de documentos com as alegações:
A apelante juntou com as alegações de recurso, cópia do Bilhete de Identidade do falecido e cópia do testamento (que já se encontrava nos autos) na sequência do pedido de realização de prova pericial a levar a cabo já em sede de recurso.
Estes documentos, ainda que não tenham logrado alcançar a finalidade visada pela recorrente, pelas razões acima mencionadas, apesar de tudo, considerando que a recorrente os junta na sequência do pedido quanto à produção de um novo meio de prova, a sua junção sempre teria tem algum apoio na parte final do n.º 1 do artigo 651.º do CPC, aplicável adaptadamente a esta situação.

Mas já não assim quanto ao documento junto a fls. 376 a 381 que correspondem a um print de um site (“MD SAÚDE um blog médico para pacientes”), referindo a apelante no corpo da alegação do recurso que “Nem neste documento que explica exaustivamente o AVC, nem do depoimento da médica (que não acompanhou o falecido VC) (...) se retira que umas das consequências é fica(r) desprovida de capacidade de entender ou querer.”

Verifica-se, assim, que a recorrente juntou aquele documento como correspondendo a um meio probatório que, a par de outro produzido nos autos, visa fundamentar a impugnação da decisão sobre determinado aspeto da matéria de facto.
Sucede, porém, que existem regras processuais sobre a junção de documentos em sede de alegações, que se encontram previstas no citado artigo 615.º do CPC, cujos requisitos não se vislumbram que estejam preenchidos nesta situação, nem sequer que a recorrente os invoque.

Por conseguinte, face ao exposto, considerando a falta absoluta e manifesta de fundamento legal, não se admite a junção dos documentos de fls. 376 a 381, devendo os mesmos serem desentranhados dos autos e entregues à apelante, que suportará as custas do incidente a que deu causa.

e) Do mérito da sentença:
No que concerne à decisão de fundo, da análise das conclusões recursórias não se descortina que a recorrente questione a sentença quanto à interpretação e aplicação das regras jurídicas convocadas na mesma para fundamentarem o julgado.
O que a recorrente explana ao longo das conclusões é uma mescla de invocação de erros de julgamento quanto à decisão de facto, nulidades da sentença e considerações de direito à margem das questões a decidir.
Assim, e para além do já acima mencionado, veja-se que a recorrente alude a um “mandato” que teria cumprido em conformidade com a vontade do falecido (cfr. conclusão n.º 103), mas reporta-se ao pagamento de despesas e entrega de valores a terceiro que não estão em causa nos autos.
Também nas conclusões recursórias n.ºs 113 e seguintes a apelante refere-se aos “efeitos retroativos e do enriquecimento sem causa”, mas, para além de tal ser invocado para arguiu uma das nulidades da sentença já supra mencionadas, volta a mencionar as aludidas despesas e entregas de valores a terceiros que efetivamente não se encontram em discussão.
Do mesmo modo, refere que a sentença desconsiderou o testamento do falecido, mas mais uma vez sem ponderar que nestes autos a causa de pedir não abrange as questões fáctico-jurídicas que tal testamento possa suscitar (tanto mais que existirá um outro processo onde estarão em discussão questões relacionadas com o referido testamento, a crer no que é referido na réplica).

Em face de todo o exposto, também no que concerne ao mérito da sentença, improcede a apelação.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

Incorreu igualmente a apelante NM no pagamento das custas do incidente concernente à junção e desentranhamento de documentos em sede de recurso, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Uc´s (artigo 527.º do CPC e artigo 7.º, n.º 4 do RCP).

IV- DECISÃO:
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em:
a) Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, exceto quanto à condenação das rés como litigantes de má-fé, pelo que se anula a sentença recorrida nesta parte, a fim do tribunal a quo ordenar o cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 2 e 3 do CPC, no que se refere à questão da má-fé das rés, para depois, estabelecido o contraditório, decidir fundadamente em conformidade.
b) Ordenar o desentranhamento do documento de fls. 376 a 381 e a sua entrega à apelante NM.
c) Condenar a mesma apelante nas custas devida na apelação, bem como as devidas pelo incidente de desentranhamento do documento, nos termos sobreditos.


Lisboa, 14 de abril de 2015

(Maria Adelaide Domingos - Relatora)
(Eurico José Marques dos Reis - 1.º Adjunto)
(Ana Grácio - 2.ª Adjunta)


[1] Que não se transcrevem por terem sido apresentadas em formato digital que não foi possível manipular e utilizar, sendo imprestáveis como apoio para o texto a elaborar, motivo pelo qual nos limitamos a remeter para o suporte papel que consta do processo.
[2] Trata-se de evidente lapso a menção à não admissão da réplica, já que a mesma foi admitida, conforme consta do Relatório deste acórdão.
[3] Entendeu-se, contudo, não se enveredar pelo convite ao aperfeiçoamento das conclusões, nos estritos termos em que se encontram previstos no artigo 639.º, n.º 3, do CPC, considerando que, em regra, não se logram atingir os objetivos pretendidos, com a desvantagem acrescida da inerente delonga processual introduzida na tramitação do recurso.
[4] Na verdade, lida a contestação apenas nos artigos 19.º e 20.º se faz alusão a despesas pagas relativas ao tratamento do falecido, nos seguintes termos:
“19º Atendendo a que tinha limitações físicas, foi o próprio VC quem quis elaborar a procuração para a sua companheira tratar de todas as economias do casal, comprando, pagando, gastando, fazendo tudo o que fosse necessário para gerir a doença e vida do casal.”; “20º E, como estavam no Algarve, obviamente que transferiram o dinheiro para o Algarve, para a conta da primeira Ré, onde, também consta a segunda R. sua neta Inês a qual ajudou única e exclusivamente a sua avó a pagar as contas e a passar os respectivos cheques por ter dificuldades em ler e escrever.”
[5] Entre outros, cfr., Ac. TC n.º 440/94, de 07.0694, DR II Série, de 01.09.94; Ac. TC n.º 103/95, de 17.06.95, DR II Série, de 17.06.95; Ac. TC n.º 357/98, de 12.05.98, Acs TC, 40.º, p. 75; Ac TC n.º 289/2002, de 03.07.02, DR II Série, de 13.11.2002.
[6] É vasta a jurisprudência sobre a questão, pelo que, exemplificativamente, cfr., Ac. STJ, de 28.02.2002, p. 01A4351; Ac. STJ, de 17.12.2002, p. 02A3992; Ac. RP, de 04.07.2007, p. 0722763; Ac RP, de 16.05.2005, p. 0447326; Ac RP, de 29.11.2004, p. 0455241; Ac. RL, de 09.03.2006, p. 1534/2006-6; Ac RL, de 05.09.2005, p. 3598/2005-6; Ac RE, de 28.02.2008, p. 2984/07-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Já há muito tempo, aliás, que o Tribunal Constitucional, numa visão que temos por muito lúcida da questão dos limites da impugnação da decisão de facto, estabeleceu jurisprudência no sentido de não dever prevalecer a visão valorativa da prova provinda da parte em detrimento da valoração crítica e ponderada, como exige a lei, provinda do tribunal que julga a causa. Cfr., o acórdão de A. TC, n.º 198/04, D.R. II, de 02.06.2004, páginas 8545 e seguintes, quando refere que a impugnação não se pode ancorar na emissão de juízos subjetivos sobre a valoração da prova por banda do impugnante, em desfavor do juízo de apreciação feito pelo tribunal recorrido, sem que se invoque “violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”
[8] Violação que se verifica independentemente da recorrente ter transcrito no corpo da alegação excertos dos depoimentos das testemunhas e mencionado os minutos da gravação em que terão sidos produzidos, já que o ónus previsto na lei tem de ser cumprido nas conclusões.
[9] O anterior artigo 712.º, nº 1, alínea b) do CPC estipulava expressamente nesse sentido. Apesar da redação do atual n.º 1 do artigo 662.º do CPC ser menos explícita, ainda assim, por se tratar de uma regra de direito probatório material, considera-se tal situação abarcada pela norma processual referenciada.