CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RESOLUÇÃO POR NÃO PAGAMENTO DE RENDAS
DEFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL
REQUISITOS DO DEFERIMENTO
INEXISTÊNCIA DE OUTRA HABITAÇÃO
NECESSIDADE DE PERMANÊNCIA NO LOCADO
Sumário


- Numa situação de resolução por não pagamento de rendas o Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, pressupõe a carência de meios do arrendatário e a sua boa-fé psicológica, ou seja que o não pagamento das rendas se deva à carência de meios e não à opção por uma habitação com excessiva renda excessiva renda face às suas possibilidades económicas.

- E cumpre ao requerente alegar e provar não dispor de outra habitação, em termos imediatos e, a premente necessidade de permanência no locado dado o número de pessoas que consigo habitam (por também terem, eventualmente, de ser realojadas); a sua idade e o estado de saúde, (que muitas vezes pode condicionar, ou dificultar, a imediata mudança de residência).

Texto Integral


Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório.

O Senhorio D. S. apresentou requerimento de despejo por parte do senhorio, , relativo ao imóvel sito na Rua …, Nogueira, Braga.
O arrendatário, D. B.,veio ao abrigo do disposto no artº 15.º-N, da Lei 6/2006, (com as alterações introduzidas pela Lei 79/2014 – diploma a que pertencem todas as normas doravante mencionadas sem mais qualquer referência), apresentar requerimento para diferimento da desocupação do locado pelo prazo de cinco meses.
Alega, para o efeito, que desde Dezembro de 2015, foi-lhe atribuído o Rendimento Social de Inserção, no montante mensal de 178,15 €, encontrando-se desempregado e sem meios para a sua subsistência e, por isso, numa situação de insuficiência económica, sendo a morada em causa a sua habitação, concluindo existirem, nestes termos, razões sociais, devido à sua situação económica, que impedem a sua desocupação imediata.
Admitido liminarmente o requerimento – artº 15.º-O – foi o senhorio notificado para contestar, o que fez alegando, sem síntese, não se verificarem os requisitos de facto ou de direito susceptíveis de permitir a procedência da pretensão em causa.
Foi proferida sentença que julgou improcedente o incidente de diferimento da desocupação do imóvel deduzido por D. B..
Inconformado com esta decisão, o requerente recorreu, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
«I. Vem o presente recurso interposto do douto despacho ad quo que indeferiu o requerimento do inquilino para obtenção de prazo de desocupação do prédio adjudicado a favor do credor, por alegadamente não se mostrar ilidida a presunção prevista na alínea a) do n.º2 do artigo 15.º do NRAU;
II. Designadamente porque, não obstante o requerente auferir de rendimento social de inserção, considerou provado que o requerente do incidente aufere de rendimentos mensais médios de cerca de 500,00€ a 600,00€.
III. Ao decidir como se decidiu não existe salvaguarda do mínimo de dignidade humana, permitindo ao requerente, tal como se permite, no processo executivo para entrega de coisa certa, ao arrendatário habitacional, usar de um prazo de diferimento da desocupação da casa de habitação, tendo designadamente em vista manter as condições de habitação enquanto o necessitado, num prazo definido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, para procura novo espaço habitacional.
IV. É a salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar (o direito à habitação – art. 65º da Constituição da República), tal como no processo executivo sob o art. 736º e sgts, pela impenhorabilidade de determinados rendimentos como forma de garantir o mínimo indispensável à satisfação das necessidades básicas do devedor e a da sua família.
V. Outra fosse a interpretação estaríamos a violar de forma grosseira o disposto no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, o que constituiria uma inconstitucionalidade.
VI. O douto despacho recorrido violou, entre outros, os artigos 862.º do Código de Processo Civi, artigo 15-N NRAU e artigo 65º da Constituição da República Portuguesa.
VII. Pretendendo assim que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que admita o diferimento da desocupação do imóvel nos moldes requeridos.
Só assim se fazendo Justiça! »
Nas contra-alegações o recorrido concluiu da seguinte forma (transcrição):
«I) O presente recurso foi interposto pelo Recorrente em relação à douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que, muito bem, julgou improcedente o incidente de diferimento da desocupação do imóvel deduzido pelo Recorrente.
II) A douta sentença proferida, para onde se remete e cujo teor se dá integralmente por reproduzido, não merece qualquer censura.
III) O recurso interposto pelo Recorrente carece de qualquer fundamento legal e factual.
IV) O recurso interposto pelo Autor deve ser rejeitado ab initio por não respeitar os requisitos legais que o legislador lhe impôs em sede de apelação.
V) Resulta das alegações e conclusões apresentadas pelo Autor que o mesmo pretende apenas a reapreciação da prova gravada e de prova documental junta aos autos uma vez que, como refere logo no início das alegações apresentadas, “o Tribunal refere que baseou a sua convicção na análise crítica do conjunto das provas apresentadas nos autos, quer testemunhal, quer documental”.
VI) Em suma, estamos perante um recurso interposto em relação a matéria de facto, visando a reapreciação da prova produzida nos autos, em especial, da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
VII) Acontece que, novamente SMO, o Recorrente não deu cumprimento aos ónus previstos nos n.º’s 1 e 2 do art. 640.º do CPC.
VIII) Efectivamente, o Recorrente, nem nas alegações nem nas conclusões indicou, nem especificamente nem em abstracto, os concretos pontos de facto que considera que padecem de erro de julgamento pelo douto Tribunal a quo, e tinha de o ter feito por referência à base instrutória ou na sua falta aos articulados, pois, é aí que consta a matéria de facto alegada, levada a julgamento e que foi incorrectamente ou não julgada. A matéria de facto que consta da sentença é já o resultado posterior, o embrião que entretanto nasceu dessa matéria alegada e que poderá ou não ter sido incorrectamente julgada. Neste sentido, a título exemplificativo:
Ac. do TRC, de 29.05.2012, cujo Relator foi ANTÓNIO BEÇA PEREIRA, disponível em www.dgsi.pt: “A parte que, nos termos do artigo 685.ºB n.º 1 a) CPC, pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto tem que, "sob pena de rejeição", especificar "os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados", o que significa que deve indicar o quesito da base instrutória, ou, na ausência desta, o artigo dos articulados, onde se encontra a matéria de facto objecto de erro no seu julgamento, pois é nessas peças processuais que estão os factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento.
– sublinhado e negrito nossos.
IX) Para além disso (e como consequência disso), também como decorre das alegações e conclusões apresentadas, não indicou o Recorrente qual a decisão que a seu ver deve substituir a do douto Tribunal a quo em relação a essa matéria de facto (que não indicou!) quanto ao erro no julgamento da prova produzida.
X) Finalmente, não especificou o Recorrente os concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação da prova em sede de audiência de discussão e julgamento que impunham uma decisão diferente quanto à matéria impugnada.
XI) Aliás, sabendo que a transcrição dos depoimentos hoje não é obrigatória nem substitui o ónus de indicar as passagens concretas dos depoimentos gravados relevantes nesta sede, a verdade é que o Recorrente nem sequer indica o dia e hora em que esses depoimentos tiveram lugar, qual a sua duração, a que minuto terminam e iniciam… não indicou nada! A este respeito, vide o Ac. do TRP, de 22.09.2014, cujo Relator foi ANA PAULA AMORIM, disponível em www.dgsi.pt: “I Na reapreciação da decisão da matéria de facto constitui um ónus do recorrente, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar delimitar o objecto do recurso motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto fundamentação e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação. II – Tal ónus impede que se requeira a impugnação genérica da matéria de facto controvertida e bem assim, a reapreciação de toda a prova.” – sublinhado e negrito nossos; e Ac. do TRL, de 17.03.2015, cujo Relator foi ISABEL FONSECA, disponível em www.dgsi.pt: “Sendo impugnado o julgamento de facto feito pelo Tribunal a quo, o cumprimento do disposto no art. 640º, nº1, alínea a) do novo C.P.C. (art. 685ºB, nº1, alínea a) na anterior redacção) não se não se compadece com a mera descrição de raciocínios valorativos e genéricos, que até podem deixar antever os pontos de discordância relativamente ao Meritíssimo Juiz, mas não permitem, com suficiente precisão, alcançar em que termos o recorrente pretende que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto por parte desta Relação, nos vários sentidos possíveis (eliminação, aditamento e modificação de texto).” – sublinhado e negrito nossos.
XII) Face ao exposto, sem mais, deve rejeitar‐se o recurso interposto pelo Recorrente; assim o impõe o disposto no art. 640.º, n.º 1 do CPC.
XIII) Tal rejeição deve operar‐se de imediato e sem qualquer convite ao aperfeiçoamento, porquanto, em momento algum foi esse o ensejo do legislador nesta sede (contrariamente ao que fez, por exemplo, relativamente à matéria a que respeita o art. 639.º, n.º 3 do CPC, pelo que não se trata aqui de qualquer omissão legislativa); assim o tem entendido toda a nossa jurisprudência (pelo menos a que os Réus conhecem), em especial desde o Ac. do STJ, de 01.10.1998, NASCIMENTO COSTA, BMJ, 480, p. 348; a este respeito vide ainda, a título exemplificativo, o Ac. do TRE, de 26.02.2015, cujo Relator foi RUI MACHADO E MOURA, disponível em www.dgsi.pt: “No recurso em que se impugna a matéria de facto e sob pena de rejeição, nos termos do disposto no art. 640º, nº 1, alínea a), do C.P.C. impende obrigatoriamente sobre os recorrentes o ónus de indicar, com exactidão, os concretos pontos de facto que consideravam incorrectamente julgados, com referência expressa aos quesitos da base instrutória.” – sublinhado e negrito nossos; Ac. do TRG, de 15.09.2014, cujo Relator foi ANA CRISTINA DUARTE, disponível em www.dgsi.pt: “O não cumprimento por parte da apelante do disposto no artigo 640, n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código de Processo Civil, implica, nos termos desse mesmo artigo, a imediata rejeição do recurso na parte respectiva.
– sublinhado e negrito nossos; e Ac. do TRG, de 20.03.2014, cujo Relator foi MANUEL BARGADO, disponível em www.dgsi.pt: “I – O artigo 640º do novo CPC, à semelhança do artigo 685ºB do CPC revogado, estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo no seu nº 2, alínea a), que no caso de ter havido gravação da prova, «incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes». II Decorre também da letra da lei que a mesma não comporta qualquer outra interpretação que não seja a da imposição da imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, caso não seja observado pelo recorrente algum dos ónus mencionados, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria.” – sublinhado e negrito nossos.
Sem prescindir:
XIV) Contrariamente às alegações do Recorrente, das declarações prestadas pelo mesmo, não resulta qualquer mal‐entendido das perguntas que lhe haviam sido questionadas acerca da sua situação face ao emprego e do montante dos rendimentos mensalmente auferidos pelo mesmo.
XV) Sempre que foi questionado, quer pelo Meritíssimo Juiz, quer pelo seu Ilustre Advogado, quer pela Advogada do Recorrido, sobre os rendimentos auferidos mensalmente e qual a estimativa média dos mesmos, apesar das diferentes formas de inquirição sobre este facto, o Recorrente foi unânime em todas as respostas: aufere um rendimento mensal médio que oscila entre os € 500,00 (quinhentos) e os € 600,00 (seiscentos euros).
XVI) Do depoimento do Recorrente resulta exactamente o contrário daquilo que o mesmo invoca agora nas suas alegações e conclusões.
XVII) Bem andou o douto Tribunal a quo ao julgar improcedente o incidente de diferimento de desocupação do imóvel, não merecendo qualquer censura a sua decisão.
XVIII) Da análise do teor das alegações e imputações feitas ao depoimento do próprio Recorrente, comparando tais alegações e conclusões com a gravação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, para onde remetemos, estamos até em crer que deveria o douto Tribunal levar o teor das alegações e conclusões em conta para os efeitos previstos no art. 542.º e seguintes do CPC (litigância de má‐fé).
XIX) Do depoimento prestado pelo Recorrente resulta claro que o mesmo não se encontra desempregado.
XX) Da prova produzida em sede de audiência de julgamento resulta evidente que o Recorrente aufere, mensalmente, uma remuneração média mensal que oscila entre os € 500,00 (quinhentos) a € 600,00 (seiscentos euros).
XXI) Resultou ainda provado, pelo depoimento do Recorrente, que o mesmo recebe ainda, mensalmente, o rendimento social de inserção, que ultrapassa os € 180,00 (cento e oitenta euros).
XXII) Ainda que se alterasse a matéria de facto dada ou não como provada pelo douto Tribunal a quo nos termos alegados pelo Recorrente, a verdade é que nem isso permitiria uma decisão final diferente da proferida!
XXIII) Ainda que o Recorrente se encontre inscrito no Centro de Emprego, também se encontra a exercer uma atividade por conta própria, auferindo rendimentos mensais que oscilam entre os valores supra referidos – o que, por si só contraria a própria definição da situação de desempregado.
XXIV) Pela prova carreada aos autos, bem como a produzida em sede de audiência de julgamento, se conclui que não se está perante um caso enquadrável no diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, porquanto não se encontram preenchidos os requisitos para que o mesmo fosse deferido pelo douto Tribunal a quo.
XXV) O Artigo 15.º‐N da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) determina os requisitos que devem encontrar‐se preenchidos para que seja deferido o pedido de diferimento de deso cupação do locado, não preenchendo o Recorrente quaisquer dos requisitos aí constantes.
XXVI) O Recorrente não se encontra desempregado, aufere, mensalmente, uma remuneração média mensal que oscila entre os € 500,00 (quinhentos) a € 600,00 (seiscentos euros) e ainda o rendimento social de inserção, no valor que ultrapassa os € 180,00 (cento e oitenta euros), não existindo quaisquer razões sociais imperiosas para que fosse decretado o diferimento da desocupação do locado.
XXVII) Determina o n.º 2 do mesmo preceito legal que “o diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa”.
XXVIII) Conforme resulta provado da prova documental carreada para os autos e, bem assim, da própria confissão do Recorrente (atenta a ausência de apresentação de oposição ao Requerimento de Despejo), o Recorrente encontrase a habitar o imóvel propriedade do Recorrido desde Janeiro de 2015 sem efetuar o pagamento de qualquer renda ou montante!
XXIX) O Recorrente não revela o mínimo respeito nem remorso pela situação económica difícil em que está a colocar o Recorrido, encarando com naturalidade o facto de estar a habitar o imóvel deste sem pagar qualquer montante a título de rendas, desde Janeiro de 2015, isto é, há 29 meses!!
XXX) O Recorrente não pretende pagar ao Recorrido qualquer quantia pelas rendas devidas pelo contrato de arrendamento celebrado (não obstante já se encontrarem 29 meses de renda em dívida), não tendo também qualquer intenção de abandonar o imóvel arrendado.
XXXI) O presente recurso representa mais um meio dilatório concebido pelo Recorrente para adiar o inadiável, prejudicando o Recorrido.
XXXII) A acrescer à total falta de preenchimento dos requisitos previstos para que se pudesse verificar o diferimento de desocupação do locado para a habitação do Requerido, tal apenas poderia ser deferido nos casos em que houver manifestamente boa‐fé do Requerido (cfr. n.º 2 do artigo 15.º‐N da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro (NRAU) – o que, neste caso, claramente não existe.
XXXIII) O julgador deve, de acordo com o seu “prudente arbítrio” e com a observância do princípio da boa‐fé, valorar correctamente o comportamento das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 15.º‐N da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro (NRAU).
XXXIV) O Recorrente sempre agiu com manifesta má‐fé procurando aproveitar‐se descaradamente das boas intenç oes do Recorrido.
XXXV) Atenta a letra e o intuito da lei, designadamente, no n.º 2 do artigo 15.º‐N do NRAU, não se entende como pode vir o Recorrente alegar que a decisão recorrida colocava em causa a “salvaguarda do mínimo de dignidade humana” e a salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar (o direito à habitação – art. 65º da Constituição da República).
XXXVI) O Recorrente está a colocar em risco sério a salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar do Recorrido.
XXXVII) Auferindo o Recorrente um valor médio mensal que varia entre os € 500,00 (quinhentos euros) e os €600,00 (seiscentos euros) advindo da sua atividade profissional, ao qual acresce o valor de pouco mais de € 180,00 (cento e oitenta euros) recebido a título de rendimento social de inserção, não se pode considerar que o mesmo esteja a passar dificuldades económicas, podendo concluirse, outrossim, que o mesmo pretende viver acima das suas possibilidades económicas, desde que não seja o mesmo a suportar tais custos.
XXXVIII) Não é coerente nem razoável que o Recorrente pretenda manter‐se a residir num apartamento cuja renda é de € 494,00 (quatrocentos e noventa e quatro euros) mensais.
XXXIX) O Recorrente não pretende nem pagar as rendas em dívida ao Recorrido, nem sair do imóvel.
XL) Sabendo da sua situação de desemprego e do seu incumprimento no pagamento das rendas superior a dois anos (!), o Recorrente devia ter abandonado o locado voluntariamente e procurado uma habitação com uma renda que o mesmo pudesse pagar ou, pelo menos, mais de acordo com os seus rendimentos – o que também não sucedeu.
XLI) O Recorrido não pode permanecer com a obrigação de manter na sua propriedade alguém que não pretende nem nunca pretendeu pagar a respetiva renda que lhe permitisse lá se manter!
XLII) A este respeito, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30‐04‐2013, cujo Relator foi DINA MARIA MONTEIRO: “O diferimento da desocupação do locado, como situação excepcional que é em relação à entrega do locado findo que seja o contrato de arrendamento, sempre determinaria a obrigação dos executados cumprirem com o ónus de alegação e prova dos factos que permitissem o deferimento da sua pretensão.
A situação de carência económica dos executados tem de ser resolvida através de outros mecanismos, nomeadamente na área da assistência social, sendo certo que os senhorios não podem considerarse como fazendo parte desse organismo”, disponível em www.dgsi.pt (o destaque é nosso).
XLIII) O Recorrente, com todos os seus comportamentos, demonstrou agir de má‐fé, pretendendo locupletar‐se às custas do Recorrido.
XLIV) O Recorrente pretende manter‐se num apartamento que não é seu e para o qual, conforme o mesmo alegou, não tem possibilidades de sustentar.
XLV) Não cabe, porém, ao Recorrido, prover ao sustento do Recorrente.
XLVI) Por tudo o que foi referido, conclui‐se que a decisão absolutória proferida pelo douto Tribunal a quo está correcta, não merece censura e por isso deve ser mantida, julgando-se totalmente improcedente o recurso interposto pelo Autor.
Nestes termos, deve julgarse o recurso interposto pelo Recorrente totalmente improcedente, confirmandose a sentença recorrida com as consequências legais daí decorrentes, assim se fazendo a tão costumada justiça!
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
1.º D. S., na qualidade de senhorio, deu de arrendamento, que a tomou, a D. B., na qualidade de arrendatário, a fracção autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao terceiro andar direito, lado sul, com garagem privativa na cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, da freguesia de …, concelho de Braga, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número 999 da freguesia de …, concelho de Braga, inscrito na respectiva matriz sob o artº .... da União das freguesias de ….
2.º O contrato teve o seu início em 1 de Junho de 2014, fixando-se a renda mensal de € 494,00 (quatrocentos e noventa e quatro euros) a vencer-se no primeiro dia útil do mês a que diz respeito.
3.º O referido D. B. (arrendatário) não entregou ao mencionado D. S. (senhoria) as rendas devidas e vencidas relativas aos meses de Janeiro a Dezembro de 2015, inclusive, assim como as rendas devidas e vencidas entre os meses de Janeiro a Abril de 2016, inclusive.
4.º A 9 de Junho de 2015 o senhorio comunicou ao inquilino o valor das rendas então em dívida, no montante de € 2.964,00 (dois mil novecentos e sessenta e quatro euros), referentes a 6 rendas em atraso.
5.º A 30 de Outubro de 2015 o senhorio comunicou ao requerido a resolução do contrato de arrendamento atenta a falta de pagamento de rendas superior a 3 meses.
6.º Tendo apresentando, junto do Balcão Nacional de Arrendamento, o requerimento de despejo, em 28 de Abril de 2016.
7.º Ao inquilino foi atribuído, em Dezembro de 2015, o Rendimento Social de Inserção de € 178,15, actualmente com o valor de 180,99.
8.º O Inquilino dedica-se à compra e venda de resíduos ferrosos e não ferrosos, auferindo, com essa actividade, um rendimento médio mensal de entre € 500,00 (quinhentos) a € 600,00 (seiscentos euros).
9.º O locado constitui a sua habitação, sendo divorciado e residindo sozinho.
Factos não provados - nenhum dos que mais foram alegados por requerente e requerido, com relevância para a decisão de mérito, mormente:
a) O inquilino encontra-se desempregado e não tem meios de subsistência, encontrando-se numa situação de insuficiência económica.

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir são as seguintes:
1ª Questão - Incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto.
2ª Questão – Impugnação jurídica: Saber se se verificam os requisitos do diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação

3 - Análise do recurso.

1ª Questão - Incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto.

Parece decorrer das alegações e conclusões apresentadas pelo Recorrente, que pretende impugnar a matéria de facto, com a reapreciação da prova, já que se refere às suas declarações de parte e discorda do leque de factos dados como provados em sentença, nomeadamente, o ponto 8, em conjugação com outros factos e conclui que a decisão do Tribunal a quo deveria ter sido outra.
O recorrido pede que o recurso seja rejeitado ab initio por não respeitar os requisitos legais que o legislador lhe impôs em sede de apelação.
E de facto o recorrente não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto.
Senão vejamos:
Dispõe o artigo 640º do CPC/2013:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
b) – (…).
Ora da análise das alegações resulta manifestamente que o recorrente não satisfez os ónus a que estava adstrito.
Não indica os concretos pontos que pretende ver alterados, nem a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Limita-se , de forma genérica e conclusiva, a alegar que a sentença devia ser outra.
A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no artigo 662º do CPC.
É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640º, n.º 1, proémio e n.º 2, alínea a) do NCPC.
Como refere Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 2010, pgs. 158 e 159, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo ele uma pretensão a um tribunal que não intermediou a produção da prova, é antes compreensível uma maior exigência (…), sem possibilidade de paliativos (…), importando observar “ (…) ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.
O não cumprimento dos ónus impostos à recorrente implica a rejeição do recurso, sem possibilidade de despacho de aperfeiçoamento – neste sentido, Abrantes Geraldes, ob. Cit. p. 138 e Amândio Ferreira, Manual dos recursos em Processo Civil, Almedina, p. 157, nota 333.
Pelo exposto, decide-se rejeitar a impugnação da matéria de facto do recurso interposto.

2ª Questão – Impugnação jurídica: Saber se se verificam os requisitos do diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação.

Estamos perante um incidente para diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, previsto no artº 15.º-N do RAU, que dispõe o seguinte:
Artigo 15.º-N
Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação
1 - No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo para a oposição ao procedimento especial de despejo, o arrendatário pode requerer ao juiz do tribunal judicial da situação do locado o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.
2 - O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:
a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiá-rio de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;
b) Que o arrendatário tem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct..
3 - No caso de diferimento decidido com base na alínea a) do número anterior, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.
Como refere Maria Olinda Garcia (“Arrendamento Urbano - Regime Substantivo e Processual”, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 37-38) «Para que a pretensão do arrendatário venha a ser procedente não lhe basta invocar que se encontra em alguma das situações previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 2.
Será também necessário invocar e demonstrar as concretas circunstâncias a que o juiz deverá atender para conceder o diferimento da desocupação, ou seja, o facto de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam o local arrendado, a sua idade, o seu estado de saúde e a sua situação económica e social (…)”.
E como se pode ler no Ac. Rl - citado na sentença- de 17/03/2016 (processo 2090/15.2YLPRT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt):
«Estão em causa critérios com forte componente de discricionariedade, suportados por motivos de oportunidade e conveniência, em que o Tribunal se baseia para decidir, de forma homóloga à jurisdição voluntária.
E terão de ser demonstrados a boa-fé, aqui psicológica, que não, apenas jurídica, do arrendatário e, em sede de factos – que, nos termos do artigo 342.º n.º 1 do Código Civil lhe cumpre alegar e provar – o não dispor de outra habitação, em termos imediatos e, ainda, para aferir da premente necessidade de permanência no locado:
- o número de pessoas que consigo habitam (por também terem, eventualmente, de ser realojadas);
- a idade do arrendatário (critério sempre presente até no revogado artigo 107.º n.º 1, alínea a) do RAU e 36.º n.º 1 do NRAU); e
- o estado de saúde, (que muitas vezes pode condicionar, ou dificultar, a imediata mudança de residência).
Exige-se ainda que, se a resolução tiver por causa o não pagamento das rendas, essa falta se deva à carência de meios, que pode ser legalmente presumida, e que o arrendatário seja portador de uma incapacidade superior a 60%.»
A decisão em análise entendeu que se impõe o indeferimento do requerido diferimento da desocupação, uma vez que o requerente do não fez prova de nenhum dos mencionados requisitos, acrescentando que, mesmo a presunção prevista na al. a), do nº 2, do artº 15.º-N, se mostra ilidida na medida em que, apesar de beneficiar de rendimento social de inserção, aufere rendimentos mensais médio de cerca de quinhentos a seiscentos euros de uma actividade que desenvolve por conta própria.
O recorrente discorda, pondo essencialmente em causa a matéria fixada pela 1ª instância nomeadamente quanto à sua situação económica- que como já concluímos não pode ser reapreciada (por falta de cumprimento do ónus) e invoca a sua situação económica como se tivesse direito absoluto a permanecer na habitação em causa, apesar de não poder suportar a sua renda.
Mantendo-se assim inalterada a matéria de facto antes fixada temos que concluir como a 1ª instância, ou seja, não estão demonstrados os requisitos necessários para o deferimento da pretensão do requerente.
Em termos jurídicos a argumentação do requerente limita-se ao argumento de que foram violados os artigos 862.º do Código de Processo Civil, artigo 15-N do NRAU e artigo 65º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, não se vislumbra qualquer violação dos artigos em causa.
Quanto ao art. 15-N do RAU já vimos que não estão demonstrados os seus pressupostos.
O art. 862.º do CPC prevê a salvaguarda do mínimo de dignidade humana, permitindo ao inquilino, tal como se permite, no processo executivo para entrega de coisa certa, ao arrendatário habitacional, usar de um prazo de diferimento da desocupação da casa de habitação, tendo designadamente em vista manter as condições de habitação enquanto o necessitado, num prazo definido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal.
Não se trata de um direito ilimitado.
Ora, essa possibilidade existe mas mediante a prova dos requistos legais previstos para o diferimento, pelo que a sua não verificação não implica qualquer violação do referido artigo.
Finalmente, e pelas mesmas razões, não há qualquer violação do art. 65º da Constituição da República, que salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar o direito à habitação –à semelhança do processo executivo sob o art. 824º, pela impenhorabilidade de determinados rendimentos como forma de garantir o mínimo indispensável à satisfação das necessidades básicas do devedor e a da sua família.
Note-se que a situação do requerente foi avaliada e concluiu-se que o mesmo não se encontra desempregado, porquanto, muito embora se encontre inscrito no Centro de Emprego. Exerce uma atividade por conta própria, auferindo rendimentos mensais que oscilam entre os valores supra referidos – o que, por si só contraria a própria definição da situação de desempregado.
Embora se admita que o requerente tem que ter obrigatoriamente uma vida muito modesta, com um rendimento médio mensal que varia entre os € 500,00 (quinhentos euros) e os €600,00 (seiscentos euros) advindo da sua atividade profissional, ao qual acresce o valor de pouco mais de € 180,00 (cento e oitenta euros) recebido a título de rendimento social de inserção, não se pode considerar que tem direito a permanecer no locado, mas deverá procurar uma habitação com uma renda adequada ao seu rendimento ou procurar apoio social para esse efeito.
Assim entendemos que numa situação de resolução por não pagamento de rendas o Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, pressupõe a carência de meios do arrendatário e a sua boa-fé psicológica, ou seja que o não pagamento das rendas se deva à carência de meios e não à opção por uma habitação com excessiva renda face às suas possibilidades económicas.
De facto, o recorrido tem razão ao afirmar que, auferindo o recorrente os valores supra descritos, não é, de todo, coerente, que pretenda manter‐se a residir num apartamento cuja renda é de € 494,00 (quatrocentos e noventa e quatro euros) mensais.
A este respeito, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30‐04‐2013, a situação de carência económica dos executados tem de ser resolvida através de outros mecanismos, nomeadamente na área da assistência social, sendo certo que os senhorios não podem considerarse como fazendo parte desse organismo”, disponível em www.dgsi.pt (o destaque é nosso).
Em suma: Improcede o recurso na sua totalidade.

4 - Dispositivo.

Pelo exposto os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente sem prejuízo do apoio judiciário.

Guimarães, 11.07.2017