CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
ACLARAÇÃO
Sumário

Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

“I – Incluindo-se no contrato individual cláusulas contratuais gerais que, dadas as circunstâncias - isto é, em razão da dificuldade objetiva da compreensão do seu alcance ou/e da impreparação da contraparte que vai aceitá-las, justifiquem uma aclaração, um esclarecimento sobre o seu sentido, o predisponente, independentemente de pedido do aderente, terá de prestar essa informação circunstanciada.
II - A mera invocação de um "dever saber" que recairia sobre o cliente, quer no que concerne à normal utilização de condições gerais pelo proponente nos contratos que habitualmente celebra, quer no que respeita ao conteúdo dessas condições não elimina a exigência legal de tal espontânea explicação à contraparte, das condições negociais gerais dela carecidas.
III – Carece de esclarecimento, no confronto de uma sociedade por quotas, uma cláusula contratual geral que na definição do que sejam as “alterações supervenientes do mercado” justificadoras da modificação da “taxa de juro ou outros encargos”, refere, e “entre outras”, “O agravamento dos valores das provisões e riscos de crédito, das reservas de crédito, das reservas de caixa, dos rácios de solvabilidade ou, em geral, qualquer encarecimento do Crédito em resultado das modificações de regras legais ou regulamentares em vigor à data da celebração do Contrato; A inviabilidade de determinação da taxa de juro aplicável ou da taxa alternativa para qualquer período de contagem de juros; O agravamento do custo de fundos para o Banco face àquele que vigorava na data da celebração do Contrato.”
IV -Verificado o incumprimento de tal dever de esclarecimento, a correspondente cláusula deve considerar-se excluída do contrato singular respetivo que, não sendo alegada nem substanciada a situação prevista no n.º 2 do artigo 9º da LCCG, subsistirá.
V – Nesse caso, há lugar à repetição do indevido, relativamente ao que, por aplicação da cláusula assim excluída, o destinatário haja pago a mais.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I - OAI., intentou, nos então Juízos Cíveis de Lisboa, ação declarativa, com processo comum, contra o Banco, S. A., pedindo:

a) que seja considerada  nula, por abusiva, a cláusula, que referencia, do contrato de financiamento celebrado a A. e a Ré, por violação do Princípio da Boa-fé, e, consequentemente, declarada a nulidade da comunicação do aumento do spread, assim como o aumento unilateral do spread em si mesmo, e ser a Ré condenada a restituir as quantias que a autora lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, ou seja, todos os valores correspondentes à diferença de juros e respetivo imposto do selo resultantes da aplicação da taxa de spread acima de 4%, que se cifravam, em Agosto de 2013, em € 6.160,05, devendo ainda a ré ser condenada a indemnizar a autora em juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que esta deixou de auferir, pela entrega de valores correspondentes à diferença de juros e respetivo imposto de selo resultantes da aplicação da taxa de spread acima de 4%, que, no dia 25 de Setembro de 2013 se fixam na quantia de € 293,87;

b) que seja considerada abusiva a dita cláusula, no segmento em que estabelece um prazo de trinta dias para a resolução do contrato após a comunicação da alteração da taxa de juro, por tal prazo ser manifestamente desproporcional e insuficiente para que sejam tomadas providências que acautelem os interesses da Autora e, consequentemente, declarada a nulidade da comunicação do aumento do spread, assim como o aumento unilateral do spread em si mesmo e ser a Ré condenada a restituir as quantias que a autora lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, e, bem assim, juros de mora, nos termos e montantes antecedentemente especificados;

c) que seja a mesma cláusula considerada excluída do contrato, por violação dos deveres de informação e comunicação, nos termos das disposições conjugadas do artigo 5º, 6º e alínea a) e b) do artigo 8º do decreto-lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, e, consequentemente, declarada a nulidade da comunicação do aumento do spread, assim como o aumento unilateral do spread em si mesmo e ser a Ré condenada a restituir as quantias que a autora lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, e, bem assim, juros de mora, nos termos e montantes especificados em a);

d) Deve a comunicação do aumento do spread ser considerada inválida, nula ou inexistente por abstrata e imprecisa e ser a Ré condenada a restituir as quantias que a autora lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, e, bem assim, juros de mora, nos termos e montantes especificados em a).

Alegando, para tanto e em suma, que:

No dia 20 de Abril de 2011 Autora e Ré celebraram o Contrato de Financiamento n.º FEC…, no âmbito do qual foi mutuada pela Ré à Autora a quantia de € 760.000,00, a ser “liquidada” em 72 prestações mensais, incidindo sobre o capital em dívida uma taxa de juro, correspondente à Euribor a um mês, arredondada à milésima acrescida dum spread de quatro pontos percentuais, a fixar no primeiro dia de cada período de um mês, a que acresce uma comissão de gestão de 0,125% ao ano

Tal contrato foi celebrado por exigência da Ré, tendo em vista liquidar dois contratos sob a forma de conta corrente caucionada, celebrados um pela autora, outro pela sociedade “DS”, sociedade igualmente detida pelos sócios da autora, num período em que os limites de crédito da autora e da sociedade DS. se encontravam no máximo, isto é, globalmente cifravam-se em € 500.000,00.

Bem sabendo a ré que a autora e a sociedade DS, não tinham condições financeiras para, de repente, liquidar a totalidade dos valores em dívida.

Além desses dois contratos de conta corrente caucionada, autora e ré - leasing Imobiliária –, S.A., entretanto incorporada por fusão na ré - tinham celebrado em, 29 de Setembro de 2003, um contrato de locação financeira, com um prazo de duração de 10 anos, onde vigorava uma taxa de spread de 1,25%, que igualmente estava a ser integralmente cumprido e que tinha por objeto um prédio urbano sito em Mozelos.

Contrato esse que, na data da celebração do contrato aqui em crise, se encontrava a pouco mais de dois anos do seu término faltando liquidar aproximadamente € 260.000,00.

Neste contexto, o referido contrato de locação financeira viu o seu termo antecipado para a mesma data de início de vigência do contrato de financiamento, passando o prédio objeto daquele primeiro contrato, na data da celebração deste último, a ser propriedade da autora, que sobre ele constituiu hipoteca a favor da Ré, para garantia de pagamento de € 760.000,00 (setecentos e sessenta mil euros – € 500.000,00 + € 260.000,00).

Apesar de a Autora estar a cumprir o contrato de financiamento, a Ré comunicou-lhe, por carta datada de 23 de Março de 2012, a subida de 4% para 5% do spread a aplicar.

Justificando tal aumento com a descida do rating da dívida de longo prazo de Portugal e consequente limitação e escassez no acesso aos mercados externos de financiamento, com penalização dos custos de financiamento no âmbito do crédito concedido pelas Instituições Financeiras aos agentes económicos.

Ora tal cláusula – 9.§§ 8 e 9 – é nula, já enquanto a Ré, que a pré-definiu unilateralmente, se reserva, através dela, o direito de alterar a taxa de juro por toda e qualquer contingência de “mercado” da qual lhe resulte prejuízo, assim de imediato transferido para a sua contraparte contratante, in casu, a Autora; já pelo abusivo do curto prazo de 30 dias para a A. resolver o contrato, na sequência da comunicação do aumento do spread, por claramente insuficiente para que sejam tomadas as providências no sentido de acautelar os interesses da contraparte.

Devendo em qualquer caso ter-se por excluída, por preterição dos deveres de comunicação e informação, estabelecidos na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

E, em qualquer caso, revelando-se a comunicação feita pela Ré, vazia da indicação em concreto das circunstâncias que evidenciem poder o contrato de financiamento ser afetado pelas razões invocadas.

Contestou a Ré, dizendo, no essencial:

Que o contrato de financiamento invocado pela A., mais não é do que “um sucedâneo reestruturado” dos dois anteriores contratos de crédito em conta corrente também referidos na petição inicial, na execução dos quais foram correntes e sempre aceites pela A. as alterações dos spreads aplicados às taxas convencionadas.

Estando a comunicada alteração do spread contemplada nos § 8 e 9 da cláusula 9ª do contrato de financiamento sub judice, que é conforme ao disposto no artigo 22º, n.º 2, da LCCG, tendo a inclusão de cláusulas que tais sido ratificada pela entidade de supervisão.

Nem sendo a dita cláusula “in totum de mera adesão, podendo ser negociada e, eventualmente, suprimida”.

Para além de ter sido cabalmente cumprido o regime das cláusulas contratuais gerais no que respeita aos deveres de comunicação e esclarecimento, com remessa ao legal representante da A., com 13 dias de antecedência, do “contrato, para apreciação”, nada tendo sido dito ou solicitado por aquela.

Sendo, no tocante ao prazo para resolução, em caso de não aceitação da alteração contratual, que aquele corresponde às instruções emanadas pela entidade de supervisão e ao estatuído no artigo 22º da LCCG,  bem como aos usos e prática bancária corrente…

Àquele nada havendo oposto a A., na sua vista prévia do “contrato”.

Remata com a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

Por despacho de folhas 227-231, julgou-se o tribunal incompetente em razão do valor para os termos subsequentes da causa, ordenando-se a remessa dos mesmos às então Varas Cíveis de Lisboa.

O processo seguiu seus termos, procedendo-se, em audiência prévia, ao saneamento do processo, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Sendo, por despacho de folhas 283, admitido o BN, a intervir na presente acção como ré em substituição do Banco, SA”.

Realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida sentença julgando a ação improcedente, por não provada, e absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“a) A sentença recorrida não se pronunciou relativamente a factos susceptíveis de poderem influenciar a boa decisão da causa não os tendo dado como provados ou não provados;

b) Em concreto, a douta sentença recorrida não se pronunciou, dando-os como provado ou não provado, sobre os factos alegados na petição inicial nos artigos 51º a 53º, 59º a 62º, 65º a 73º;

c) Aquela matéria de facto é nuclear para se possa discutir e aferir, subsumindo ao direito, se a cláusula em crise nos presentes autos é abusiva, se há violação dos princípios da boa-fé e da proporcionalidade, se os motivos invocados pela recorrida para o aumento do spread são gerais e abstractos ou o porquê de tal aumento ter sido na razão de 1% e não noutra razão;

d) Nestes termos, a douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.


***

e) O Digníssimo Tribunal a quo deu como NÃO PROVADO: “a) Que tenha sido explicado pela R. à A., na fase da negociação do contrato FEC 00598/11, ou posteriormente à sua conclusão, a possibilidade de, no decurso da respectiva execução, vir a ser alterada a taxa correspondente ao Spread e, bem assim, em que consistiam as circunstâncias supervenientes elencadas nos parágrafos 8º e 9º da cláusula 9º respeitante a juros.”.

f) o que se discute nos presentes autos é a validade da cláusula contratual inserida no contrato de financiamento FEC 00598/11, que se transcreve: “9. Juros (…) §8. No caso de alterações supervenientes do mercado o justificarem, o BES poderá modificar a taxa de juro ou outros encargos, assistindo ao Cliente o direito de resolver o Contrato no prazo de 30 (trinta) dias sobre a data em que lhe for comunicada a alteração. §9. Para efeitos do Contrato, consideram-se alterações supervenientes, entre outras: a) O agravamento dos valores das provisões e riscos de crédito, das reservas de crédito, das reservas de caixa, dos rácios de solvabilidade ou, em geral, qualquer encarecimento do Crédito em resultado das modificações de regras legais ou regulamentares em vigor à data da celebração do Contrato; b) A inviabilidade de determinação da taxa de juro aplicável ou da taxa alternativa para qualquer período de contagem de juros; c) O agravamento do custo de fundos para o BES face àquele que vigorava na data da celebração do Contrato.”

g) O contrato em crise nos presentes autos é um contrato de adesão regulado, em muitos aspectos, pelo Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro.

h) Tais contratos limitam de forma séria a autonomia da negociação e de estipulação de cláusulas, fundando-se o seu carácter na superação do paradigma contratual clássico: os contratantes submetem-se a cláusulas antecipadamente assentadas em modo geral e abstrato para uma sucessão ilimitada de concretos negócios;

i) Assim, a matéria dada como não provada, mencionada no artigo 3º destas alegações, conjugada com o artigo 5º, 6º e alínea a) e b) do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro seria suficiente para que aquela cláusula fosse considerada nula com as consequências legais que daí advém;

j) O Digníssimo Tribunal a quo invocou a existência de «contratos pré-existentes» para considerar que não havia um especial ónus da recorrida em informar a recorrente para o conteúdo da clausula ora em crise;

k) Ora, o contrato de Financiamento em crise nos presentes autos tem que ser analisado e interpretado singularmente, porque a sua execução em termos de sinalagma de prestação e contra prestação, não depende dos invocados «contratos pré-existentes» que são até de natureza jurídica e negocial completamente distinta daquele;

l) Quando se refere a «contratos pré-existentes» o Digníssimo Tribunal a quo alude aos contratos de conta corrente que a recorrente e a sociedade DS. - sociedade igualmente detida pelos sócios da autora e com idêntica repartição do capital social de 50% para cada um dos sócios - celebrou com a recorrida e referidos, v.g. nos pontos 1. 2. 3. da matéria de facto dada como provada;

m) O “contrato de conta corrente” é um contrato pelo qual as partes se obrigam a lançar crédito e a débito valores que entreguem reciprocamente no âmbito de uma relação de negócios, exigindo apenas o respectivo saldo final apurado na data do seu encerramento (artº 344 do Código Comercial)»;

n) O «conta-corrente impõe que se distinga o encerramento ou fecho da conta e o termo do contrato»;

o) «O encerramento ou fecho da conta é o facto e o efeito de actuar a compensação acordada, com vencimento do saldo, desaparecendo os créditos e débitos recíprocos, até ao limite da sua concorrência, com apuramento de um – eventual – saldo, que se torna exigível.»;

p) «O termo do contrato põe fim ao próprio relacionamento negocial das partes em termos de conta corrente e implica, necessariamente, o encerramento e liquidação da conta (art 349º do Código Comercial).»

q) Ora, conforme resulta da matéria dada como provada no ponto 21., a recorrente manteve desde 2002 até 20 de Abril de 2011 um contrato de conta corrente invocado pela sentença recorrida sob égide de «contrato pré existente».

r) Por sua vez, conforme resulta da matéria dada como provada nos pontos 22., a sociedade DS manteve desde 1993 até 20 de Abril de 2011 um contrato de conta corrente invocado pela sentença recorrida sob égide de «contrato pré existente».

s) Dos documentos juntos aos autos com a douta contestação da recorrida sob o n.º 2 e 3 resulta que os contratos de conta corrente ora em crise, apesar de se terem mantido ao longo de vários anos, foram celebrados e sucessivamente renovados por prazos curtos de um trimestre ou 90 dias;

t) A estipulação de prazos curtos de duração daqueles contratos está intimamente relacionada com a natureza, os usos comerciais e a normalidade das relações comerciais de conta corrente pois, perto da data da renovação do contrato, é comum existirem renegociações das condições contratuais;

u) Já assim não será com um contrato de financiamento ou de crédito hipotecário como o que discute nos presentes autos onde se estabeleceu um prazo de 72 meses para sua execução com a protecção duma garantia real;

v) Como resulta do seu conteúdo, sobretudo das condições gerais, onde está inserida a cláusula 9ª ora em sindicância, estamos perante um contrato padronizado;

w) É inequívoco que as condições gerais do contrato em crise nos autos não foram estipuladas tão só para o caso concreto da recorrente;

x) Aquelas cláusulas contratuais gerais pré-existiam para um número indeterminado de pessoas jurídicas;

y) Por assim ser, e como o próprio Tribunal a quo admite, as cláusulas gerais daquele contrato são reguladas pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro que devem ser analisadas de forma individual no contrato em que foram inseridas e, ao contrário do que defende o Digníssimo Tribunal a quo, sem influência de qualquer outra relação pré-existente;

z) Se assim não fosse, como se criaria um vínculo perpétuo – inadmissível no ordenamento jurídico português - com todas as relações jurídicas pré-existentes que se transmutariam paras os novos negócios, criando a incerteza jurídica dos negócios, obrigando as partes a fazer um juízo acerca da influência dos contratos extintos nos novos contratos, o que de todo não é admissível e abriria a porta para abarcar numa nova relação aquilo que não se quis duma relação passada;

aa) As relações pré-existentes terminaram e, além disso, nem sequer eram de natureza similar, ou seja, padronizadas por meio de cláusulas contratuais gerais;

bb) Logo, a relação contratual dos presentes autos deve ser sindicada tão só à luz da legislação que a regula, in casu, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;

cc) Com efeito, o artigo 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro impõe um dever de comunicação e de informação;

dd) Aqueles deveres não foram cumpridos pela recorrida no âmbito do contrato em crise nos presentes autos, em concreto, relativamente à clausula 9º daquele contrato;

ee) Isso resulta inequivocamente da matéria dada como não provada transcrita na aliena f) destas conclusões, na verdade a recorrida não comunicou ou informou a recorrente do significado, alcance ou o valor da cláusula em crise nos presentes autos, ou tão pouco qual o significado de conceitos indeterminados e técnicos inseridos naquela cláusula tais como “provisões para risco de crédito”, “reservas de caixa”, “rácios de solvabilidade”, “encarecimento do crédito” ou “agravamento do custo de fundos para o Banco”.

ff) A recorrente foi absolutamente surpreendida com um aumento do spread num ponto percentual quando cumpria com o pagamento das prestações acordadas no prazo acordado;

gg) Pelo que, nos termos das disposições conjugadas do artigo 5º, 6º e alínea a) e b) do artigo 8º do decreto-lei n.º 446/85 de 25 de Outubro a cláusula aqui em crise deve ser considerada excluída do contrato em sindicância nos presentes autos;

hh) Consequentemente, deve ser a recorrida condenada a restituir as quantias que a recorrente lhe entregou, ou venha a entregar, acima do inicialmente estipulado, ou seja, todos os valores correspondentes à diferença de juros e respectivo imposto de selo resultantes da aplicação da taxa de spread acima de 4%;


***

ii) Interpretando o teor da cláusula em sindicância nos autos em simples termos, a recorrida reservou para si, através dessa cláusula que pré-definiu unilateralmente, o direito de alterar a taxa de juro por toda e qualquer contingência de “mercado” da qual lhe resulte prejuízo;

jj) Prejuízos, esses, que imediatamente transfere para a sua contraparte contratante, in casu, a recorrente, ficando inabalável a sua margem de lucro sempre garantida através dum especulador aumento do spread;

kk) Note-se que, o vocábulo “entre outras”, inserido na cláusula interpretanda, não é, certamente, ingénuo, já que, permite englobar toda e qualquer realidade que ultrapasse a imaginação dos autores do clausulado contratual e, consequentemente, inserir tal realidade inacautelada nesta cláusula, permitindo, dessa forma, transferir e onerar a sua contraparte, através do aumento dos juros, com toda e qualquer circunstância “de mercado” que para a recorrida possa resultar prejuízo;

ll) Ora, tal cláusula é, por isso, nula – artigo 12º do decreto-lei 446/85, de 25 de Outubro – por violação do princípio da boa-fé prescrito no n.º 1 do artigo 227º do Código Civil e no artigo 15º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro;

mm) Tanto mais que, a dita cláusula configura um encapotado pacto leonino, já que ao ser inserida unilateralmente, sem possibilidade de negociação, resulta do benefício duma posição desigual dos contraentes em claro prejuízo da parte mais fraca;

nn) Assim, bem se vê, que a recorrida como parte mais forte da relação, sistematicamente, e quase como investida de ius imperii, teve um comportamento impositivo perante a recorrente, sempre para seu proveito e consciente que esta não tem argumentos, sobretudo financeiros, para negociar convenientemente, tal como aconteceu com a factualidade que levou à celebração do contrato em crise, bem como com o aumento unilateral de 1% da taxa de spread relatado nos presentes autos;

oo) Mais, não se venha dizer que a recorrente sempre poderia ter resolvido o contrato no prazo de 30 dias após a comunicação do aumento dos juros por aumento da taxa de spread;

pp) É que, por si só, tal prazo é manifestamente abusivo já que, do aqui se trata, é de um contrato que tem por objecto a quantia de € 760.000,00 (setecentos e sessenta mil euros);

qq) Sendo certo que, à data de comunicação do aumento do spread, 23 de Março de 2012, faltava ainda proceder ao pagamento da quantia de € 643.888,85 (seiscentos e quarenta e três mil oitocentos e oitenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos);

rr) Quantia, essa, que em face duma hipotética resolução do contrato com a recorrida, a recorrente sempre teria que restituir àquela que, por sua vez, bem sabe que, face às condições de acesso ao crédito, na actual situação socioeconómica, a recorrente nunca conseguiria obter num prazo de 30 dias;

ss) Por isso, a recorrente não tinha outra solução que não a de “pegar” e nunca “largar” o aumento do spread de 4% para 5%;

tt) Ora, tal prazo, é tão só, uma astuciosa forma de ir ao encontro da letra da lei, mas que não se compagina com o seu espirito, isto é, a protecção da parte mais fraca deste tipo de contratos, tanto mais que, o contrato aqui em causa já resulta de uma renegociação entre as partes, onde foram conferidas à recorrida maiores garantias que as que detinha há data, por parte da aqui recorrente e seus representantes legais, do cumprimento das suas obrigações;

uu) Um prazo de 30 dias para proceder à resolução e reembolso da totalidade do empréstimo é um prazo objectivamente irreal, porque a obtenção da quantia necessária ao reembolso se prende com decisões difíceis, negociações, avaliação de imóveis, avaliação de riscos de crédito, formalizações de registos, escrituras, que não são de todo compatíveis com um tão curto período de tempo, pois, como se disse, estas diligências e negociações normalmente esgotam tempo muito superior aos clausulados trinta dias, ainda para mais num momento em que a obtenção de crédito bancário se revestia de múltiplas dificuldades;

vv) Ora, tal clausula viola o disposto na alínea d) do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, devendo ser declarada nula por abusiva, com as demais consequências legais, veja-se nesse sentido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 2471/12.3TVLSB-8, de 26 de Junho de 2014, relatado por Isoleta Almeida Costa, consultável in www.dgsi.pt;


***

ww) A comunicação dos motivos “justificativos” para o aumento do spread junta autos é uma comunicação geral e abstracta não indicando, em concreto, o porquê do contrato celebrado entre recorrente e recorrida ser afectado por tais “motivos”;

xx) De tal comunicação não consta qualquer circunstância ou facto concreto que demonstre que o contrato celebrado entre recorrente e recorrida possa ser afectado pelas razões invocadas;

yy) Ora, a comunicação do aumento do spread não estabelece um nexo de causalidade entre os “motivos” invocados e a necessidade daquele aumento em concreto para o contrato junto dos autos;

zz) A alteração de circunstâncias de acesso ao mercado externo de financiamento ou desses custos, devido ao corte na dívida soberana portuguesa, não justificam, automaticamente, que todos os contratos celebrados com a recorrida estejam sujeitos a um aumento do spread;

aaa) Nessa medida, para poder operar aquele através da comunicação efectuada a recorrida teria que ter estabelecido a relação entre os “motivos” invocados e o contrato celebrado com a Autora, o que não fez;

bbb) Ainda que tal aumento fosse devidamente justificado, o que se coloca por mera hipótese de raciocínio, a recorrida deveria ter sido dado a conhecer à recorrente em que medida aquele aumento de spread teve que ser de 1% e não, v. g., de 0,25 %, o que não aconteceu;

ccc) Tal impede a recorrente de reclamar convenientemente razões objectivas que tivessem relação directa com o seu contrato e hipoteticamente o pudessem afectar;

ddd) Acresce que, se de tais razões abstractas resultaram num aumento do spread no contrato da recorrente, por uma razão equidade e equilíbrio contratual a melhoria de tais condições, ainda que por mais ténue que fosse, deveria ter dado lugar a uma diminuição do spread, o que não sucedeu, por exemplo, aquando da diminuição da taxa directora de financiamento do Banco Central Europeu, em Julho de 2012 de 1% para 0,75% e em Maio de 2013 de 0,75% para 0,50%;

eee) Bem se vê, mais uma vez, que, em jeito de pacto leonino, todos os prejuízos a emergir para a recorrida são de imediato transferidos para a recorrente enquanto que, havendo melhoria nas condições de mercado, a recorrida reserva para si uma maior margem de lucro deixando a taxa de spread inalterada;

fff) Pelo que, a comunicação do aumento do spread efectuada pela recorrida à recorrente, por geral e abstracta deve ser considerada inexistente ou nula ou, caso de se entenda que tal comunicação não é geral e abstracta, o que não se concede, a comunicação sempre terá de ser considerada nula porquanto não estabelece um nexo de causalidade entre os “motivos” invocados para o aumento e a razão do aumento – porquê um aumento de 1% e não de 0,25% ? - com as demais consequências legais;

ggg) Decidindo como decidiu a douta decisão recorrida violou, interpretou incorretamente ou não aplicou convenientemente, a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil, os artigos 5º e 6º, a alínea a) e b) do artigo 8º, o artigo 15º e a alínea d) do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, o artigo 227º do Código Civil, o Principio da Proporcionalidade e o Princípio da Boa- fé.”

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

O senhor juiz a quo previamente à admissão do recurso, consignou o seu entendimento quanto a não padecer a sentença recorrida “de nulidade de omissão de pronúncia na medida que nos parece não termos olvidado conhecer de qualquer questão que devêssemos conhecer.”.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se a sentença recorrida enferma da nulidade que lhe é assacada;

- se a cláusula 9, §§ 8 e 9, do contrato de financiamento em causa, se deve ter por excluída daquele, por ausência da devida comunicação e informação;

- se tal cláusula e § 8, é nula por contrária à boa-fé;

- se o prazo estabelecido no § 9 da mesma cláusula é abusivo.


***

Considerou-se assente, na 1ª instância, a matéria de facto seguinte:

“1.Entre A e R e a sociedade DS. e a R foram celebrados dois contratos de abertura de crédito em conta corrente, até aos montantes, respectivamente de € 200.000,00 e € 300.000,00, consoante as suas necessidades, e mediante simples comunicação à R (a)).

2. Em que o reembolso das quantias utilizadas era efectuado livremente quando a A e a referida sociedade tivesse condições de liquidez para tal (b)).

3. Os contratos supra referidos eram sistemática e automaticamente renovados, vigorando há já vários anos, quer junto da A, quer junto da sociedade “DS” que os cumpriam (c)).

4. No âmbito dos contratos denominados de “conta corrente caucionada”, a R detinha livranças subscritas por aquelas sociedades – OAI e DS - avalizadas pelos seus sócios (d)).

5. Além do contrato de conta corrente caucionada, A e R – BI –, entretanto incorporada por fusão na R. - tinham celebrado, em 29/09/2003, um contrato de locação financeira, com um prazo de duração de 10 anos, para o qual vigorava uma taxa de spread de 1,25%, que estava a ser integralmente cumprido e que tinha por objecto o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Mozelos sob o art. 1263º (e)).

6. Ao contrato de locação financeira que a A mantinha com a R foi feito um aditamento que se traduziu na redução do prazo fixando-se o seu términus na data de início da vigência do contrato de financiamento n.º FEC …(f)).

7. Tendo a A passado a ser titular de direito de propriedade sobre o imóvel objecto de contrato de locação, foi celebrada a escritura pública de constituição hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Mozelos sob o art. … a favor da R e que esta avaliou em € 1.340.000,00 – valor muito superior ao valor do contrato de financiamento em crise nos presentes autos (g)).

8. No dia 20/04/2011 A e R celebraram o Contrato de Financiamento n.º FEC … que constitui o documento n.º1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (h)).

9. Por força do contrato referido no ponto 8 (h)) foi mutuada pela R à A a quantia de € 760.000,00 (i)).

10. A quantia mutuada seria liquidada em 72 prestações mensais (j)).

11. Ficou ainda estipulado, nas Condições Particulares do contrato aqui em crise, a aplicação duma taxa de juro, sobre o capital em dívida, correspondente à Euribor a um mês, arredondada à milésima acrescida dum spread de quatro pontos percentuais, a fixar no primeiro dia de cada período de um mês, a que acresce uma comissão de gestão de 0,125% ao ano (k)).

12. A R comunicou à A., por carta datada de 23/03/2012, a subida de 4% para 5% do spread a aplicar naquele contrato de financiamento (l)).

13. Nessa mesma carta a R justificou a subida do Spread em 1%, com o seguinte fundamento:

“Em Janeiro do corrente ano, a agência Standard & Poor’s cortou fortemente a notação da dívida soberana portuguesa, seguindo uma posição já anteriormente assumida pelas agências Moody’s e Fitch.

Adicionalmente, a agência canadiana DBRS baixou, no final do mesmo mês, o rating da dívida de longo prazo de Portugal. Neste contexto, e tendo por base nível de notações de rating atribuído (BB – BBB respectivamente), o acesso aos mercados externos de financiamento está cada vez mais limitado e escasso, penalizando, assim, os custos de financiamento no âmbito do crédito concedido pelas Instituições Financeiras aos agentes económicos.

Neste contexto, e na sequência de anteriores conversações, torna-se necessário proceder a um ajustamento já a partir do próximo período de contagem de juros das condições aplicadas ao financiamento acima identificado. Assim, informamos que passarão a vigorar as seguintes condições:

Spread: 5%

Mantêm-se as demais condições contratuais anteriormente estabelecidas.

Mais informamos que, de acordo com a lei, têm V. Exas. o direito de, querendo, resolver o supra referido contrato com fundamento na presente alteração.

(…)” (m)).

14. Entre o dia 29/08/2012 e o dia 21/082013, após a cobrança da prestação de Agosto de 2013, a A. entregou à R. a quantia de € 6.160,05 correspondente à diferença de juros, em resultado da alteração da taxa de spread de 4% para 5%, e respectivo imposto de selo (n)).

15. Na génese da celebração do contrato de 20/04/2011 está a exigência da R no sentido de liquidação dos dois contratos de conta corrente caucionada, celebrados, um com a A e outro com a sociedade DS. (1º).

16. A R exigiu a liquidação dos dois contratos referidos no ponto 1 (a)) no momento em que os limites de crédito concedido à A. e à sociedade DS., se cifravam em € 500.000,00 (2º).

17. Era do conhecimento da R não ter a A e a sociedade  DS situação financeira que lhes permitisse liquidar o valor referido de € 500.000,00 (3º).

18. A R, previamente à formalização do financiamento sub judice, remeteu, ao cuidado do legal representante da A, com 13 dias de antecedência, para apreciação a minuta do documento referido no ponto 8 (h)) (5º).

19. A A e os seus legais representantes não solicitaram qualquer esclarecimento que entendessem devido ou ainda a alteração de qualquer convenção negocial, que antevissem gravosa para os seus particulares interesses (6º).

20. Dispõe a Cláusula 9ª das Condições Gerais:

“9. Juros

(…)

§8. No caso de alterações supervenientes do mercado o justificarem, o Banco poderá modificar a taxa de juro ou outros encargos, assistindo ao Cliente o direito de resolver o Contrato no prazo de 30 (trinta) dias sobre a data em que lhe for comunicada a alteração.

§9. Para efeitos do Contrato, consideram-se alterações supervenientes, entre outras:

a) O agravamento dos valores das provisões e riscos de crédito, das reservas de crédito, das reservas de caixa, dos rácios de solvabilidade ou, em geral, qualquer encarecimento do Crédito em resultado das modificações de regras legais ou regulamentares em vigor à data da celebração do Contrato;

b) A inviabilidade de determinação da taxa de juro aplicável ou da taxa alternativa para qualquer período de contagem de juros;

c) O agravamento do custo de fundos para o Banco face àquele que vigorava na data da celebração do Contrato.”

21. Na execução do contrato de abertura de crédito em conta corrente que a A mantinha desde 2002 ocorreram duas alterações da taxa de juro, por cartas de 24/09/2008 e 18/03/2010 nos termos das quais o spread aplicado à taxa de juro subiu para 1, 75% e após para 4% (art. 7º a 9º cont.).

22. Na execução do contrato de abertura de crédito em conta corrente que DS mantinha desde 1993 ocorreram duas alterações da taxa de juro, por cartas de 24/09/2008 e 18/03/2010 nos termos das quais o spread aplicado à taxa de juro subiu para 1, 75% e após para 4% (art. 10º a 12º cont.).”.


*

Tendo-se julgado não provado:

“a) Que tenha sido explicado pela R. à A, na fase de negociação do contrato FEC 00598/11, ou posteriormente à sua conclusão, a possibilidade de, no decurso da respectiva execução, vir a ser alterada a taxa correspondente ao Spread e, bem assim, em que consistiam as circunstâncias supervenientes elencadas nos parágrafos 8º e 9º da cláusula 9ª respeitante aos juros.”.


*

Vejamos.

II – 1 - Da arguida nulidade da sentença recorrida.

Pretende a Recorrente que aquela incorreu em omissão de pronúncia, ao nada dizer, “dando-os como provado ou não provado, sobre os factos alegados na petição inicial nos artigos 51º a 53º, 59º a 62º, 65º a 73º.”.

Sendo que, afirma, tal “matéria de facto é nuclear para se possa discutir e aferir, subsumindo ao direito, se a cláusula em crise nos presentes autos é abusiva, se há violação dos princípios da boa-fé e da proporcionalidade, se os motivos invocados pela recorrida para o aumento do spread são gerais e abstractos ou o porquê de tal aumento ter sido na razão de 1% e não noutra razão;”.

Pois bem:

Alega-se nos concitados artigos da petição inicial:

“51º Sendo certo que, à data de comunicação do aumento do spread, 23 de Março de 2012, faltava ainda proceder ao pagamento da quantia de € 643.888,85 (seiscentos e quarenta e três mil oitocentos e oitenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos).

52º Quantia, essa, que em face duma hipotética resolução do contrato com a Ré, a Autora sempre teria que restituir àquela que, por sua vez, bem sabe que, face às condições de acesso ao crédito, na actual situação sócio-económica, a Autora nunca conseguiria obter num prazo de 30 dias.

53º Por isso, a Autora não tinha outra solução que não a de “pegar” e nunca “largar” o aumento do spread de 4% para 5%.


*

59º Acontece que, a Ré não comunicou ou informou a Autora do significado, alcance ou o valor da cláusula em crise nos presentes autos.

60º A Ré não comunicou, informou ou tão pouco explicou à Autora qual o significado de conceitos indeterminados e técnicos inseridos naquela cláusula tais como “provisões para risco de crédito”, “reservas de caixa”, “rácios de solvabilidade”, “encarecimento do crédito” ou “agravamento do custo de fundos para o Banco”.

61º Ora, a Ré foi absolutamente surpreendida com um aumento do spread num ponto percentual quando, como já se disse, cumpria, como cumpre, o pagamento das prestações acordadas no prazo acordado.

62º Tanto mais que, após a recepção da comunicação da Ré a informar o aumento do spread, a Autora de imediato tentou junto daquela obter causa justificativa daquele aumento o que, por si só, atesta do desconhecimento do clausulado que lhe deveria ter sido diligentemente comunicado e informado.


*

65º A comunicação dos motivos “justificativos” para o aumento do spread, melhor descrita no artigo 24º deste libelo, é uma comunicação geral e abstracta não indicando, em concreto, o porquê do contrato celebrado entre Autora e Ré ser afectado por tais “motivos”.

66º De tal comunicação não consta qualquer circunstância ou facto concreto que demonstre que o contrato celebrado entre Autora e Ré possa ser afectado pelas razões invocadas.

67º Ora, a comunicação do aumento do spread não estabelece um nexo de caus(u)alidade entre os “motivos” invocados e a necessidade daquele aumento em concreto para o contrato junto dos autos.

68º A alteração de circunstâncias de acesso ao mercado externo de financiamento ou desses custos, devido ao corte na dívida soberana portuguesa, não justificam, automaticamente, que todos os contratos celebrados com a Ré estejam sujeitos a um aumento do spread.

69º Nessa medida, para poder operar aquele através da comunicação efectuada a Ré teria que ter estabelecido a relação entre os “motivos” invocados e o contrato celebrado com a Autora, o que não fez.

70º Ainda que tal aumento fosse devidamente justificado, o que se coloca por mera hipótese de raciocínio, deveria ter sido dado a conhecer à autora em que medida aquele aumento de spread teve que ser de 1% e não, v. g., de 0,25 % e, não aconteceu.

71º O que impede, desde logo, a Autora de reclamar convenientemente razões objectivas que tivessem relação directa com o seu contrato e hipoteticamente o pudessem afectar.

72º Acresce que, se de tais razões abstractas resultaram num aumento do spread no contrato da Autora, por uma razão equidade e equilíbrio contratual a melhoria de tais condições, ainda que por mais ténue que fosse, deveria ter dado lugar a uma diminuição do spread, o que não sucedeu, por exemplo, aquando da diminuição da taxa directora de financiamento do Banco Central Europeu, em Julho de 2012 de 1% para 0,75% e em Maio de 2013 de 0,75% para 0,50% - conforme documentos que ao diante e juntam sob o n.º 17 e 18 e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos

73º Bem se vê, mais uma vez, que, em jeito de pacto leonino, todos os prejuízos a emergir para a Ré são de imediato transferidos para a Autora enquanto que, havendo melhoria nas condições de mercado, a Ré reserva para si uma maior margem de lucro deixando a taxa de spread inalterada.”.

Desde logo, nos artigos 65º a 71º, não se trata de factos, mas de juízos de natureza jurídica/opinativa/conclusiva, como tal não constituindo objeto idôneo de instrução e prova.

Depois, e no tocante aos artigos 59º a 62º, ponto é ter-se julgado não provado “a) Que tenha sido explicado pela R. à A, na fase de negociação do contrato FEC…, ou posteriormente à sua conclusão, a possibilidade de, no decurso da respectiva execução, vir a ser alterada a taxa correspondente ao Spread e, bem assim, em que consistiam as circunstâncias supervenientes elencadas nos parágrafos 8º e 9º da cláusula 9ª respeitante aos juros.”

Cláusula e §§ aqueles, onde, e precisamente, se contempla a possibilidade de o Banco “No caso de alterações supervenientes do mercado o justificarem, modificar a taxa de juro ou outros encargos, assistindo ao Cliente o direito de resolver o Contrato no prazo de 30 (trinta) dias sobre a data em que lhe for comunicada a alteração.” (§8), considerando-se “alterações supervenientes, entre outras: a) O agravamento dos valores das provisões e riscos de crédito, das reservas de crédito, das reservas de caixa, dos rácios de solvabilidade ou, em geral, qualquer encarecimento do Crédito em resultado das modificações de regras legais ou regulamentares em vigor à data da celebração do Contrato; b) A inviabilidade de determinação da taxa de juro aplicável ou da taxa alternativa para qualquer período de contagem de juros; c) O agravamento do custo de fundos para o Banco face àquele que vigorava na data da celebração do Contrato.”.

Ora é sobre o proponente de cláusula contratual geral – e assim concedendo desde já tal natureza à cláusula em causa, para efeitos de apreciação da arguida nulidade de sentença – que recai o ónus da prova da comunicação daquela, nos termos exigidos pelo artigo 5º, n.ºs 1 e 2 da LCCG, e do cumprimento do dever de informação das cláusulas cuja aclaração se justifique, consagrado no artigo 6º da mesma Lei, vd. ainda o n.º 3 do citado artigo 5º.

Neste sentido, e especificamente quanto ao dever de informação veja-se Ana Prata,[1] António Menezes Cordeiro,[2] e José Manuel de Araújo Barros,[3] este último referindo expressamente que “derivando os ónus de alegação e prova da comunicação adequada e efectiva das consequências que resultam da omissão desta, em nada poderá ser divergente o regime relativo às cláusulas comunicadas com violação do dever de informação. Efectivamente, tanto em um como em outro caso a consequência é a da exclusão das cláusulas do contrato – alíneas a) e b) do artigo 8º. Logo, impendem também sobre o predisponente os ónus da alegação e da prova de que cumpriu o dever de informação das cláusulas cuja aclaração se justifique.”.

Resulta pois inconsequente – em vista da distribuição do ónus da prova nesta matéria – a pronúncia sobre o provado do não cumprimento do dever de informação, ademais quando resultou já não provado que a Ré haja procedido à explicação à A., do teor dos questionados segmentos da cláusula 9.

Finalmente, e no concernente à matéria dos artigos 51º a 53º, temos que em vista do entendimento que sufragamos relativamente ao alcance do disposto no artigo 15º da LCCG – e designadamente no que interessa ao prazo de exercício do direito à resolução, pelo destinatário da cláusula, cujo caráter abusivo deve ser avaliado à data da celebração do contrato – é impertinente tal matéria, sem prejuízo de a do artigo 53º ser meramente conclusiva/opinativa, e de no artigo 52º apenas a segunda parte não constituir matéria de direito.

Sem prejuízo do que assim se deixa definido, mais se assinalará que a sentença recorrida se pronunciou, em sede formal de julgamento de direito, sobre a questão suscitada nesses artigos 51º a 53º, em termos que prejudicam a necessidade de expressa incidência do julgamento de facto sobre aquela matéria.

 

E, dessa forma, quando considerou que: “na ausência de alegação e prova de factos referentes à situação financeira da  A.  não é possível sem mais concluir que o prazo de 30 dias é insuficiente ou não para resolver o contrato, proceder ao reembolso, eventual negociação de empréstimo com outra instituição bancária e celebração de novo contrato.

O facto do Banco de Portugal, na carta-circular nº 32/2011/DSI de 17/05/2011 sugerir 90 dias não invalida o acima referido tanto mais que se trata de uma mera recomendação.”.

Transcendendo a questão do acerto do assim equacionado na sentença recorrida, os quadros das nulidades de sentença, interessando apenas a eventual error in judicando.


*

Não enferma pois a sentença recorrida das arguidas nulidades.

Com improcedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 2 – Da exclusão da cláusula 9, §§ 8 e 9, do contrato de financiamento em causa.

1. Trata-se aquela de uma verdadeira cláusula contratual geral.

E, assim, por isso que integrada no conjunto das “Condições Gerais”, pré-impressas, do “Contrato de Crédito”, celebrado entre A. e Ré, claramente subtraídas a negociação, e cujo conteúdo o destinatário se limita a aceitar.

Posto o que – e para lá de o dito contrato conter “Condições Particulares”, cujo conteúdo a A., ao menos no plano teórico, pôde influenciar – sempre aquela cláusula contratual geral estará sujeita ao RCCG, constante do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31/08; 249/99, de 07/07 e 323/2001, de 17/12, ex vi do disposto no artigo 1º, n.º 2, daquele Diploma.

Como se julgou na sentença recorrida e sustenta a Recorrente.

Resultando inconsequente a insistência da Recorrida na tese de não ser “a cláusula em questão (…) in totum de mera adesão, podendo ser negociada e, eventualmente, suprimida.”.

E por isso que de acordo com o disposto no artigo 1º, n.º 3, da LCCG, “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”.

Ora não tendo a Recorrida atuado um tal ónus – sequer pretendendo ter a cláusula em          questão resultado de negociação, limitando-se a invocar meras possibilidades, por igual não demonstradas – “prevalecerá a consideração da natureza de cláusula contratual geral da que assim em causa estiver.”, como se julgou em Acórdão desta Relação de 01-03-2007.[4]

Pois bem.

2. Começando a Recorrente por convocar o disposto nos artigos 5º, 6º e 8º alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, para concluir que, face à matéria dada como não provada, deveria a cláusula em questão ter sido “considerada nula”, acaba propugnando a consideração da “cláusula aqui em crise” como “excluída do contrato em sindicância nos presentes autos.”.

E, desse modo, depois de considerar resultar da sobredita matéria que “a recorrida não comunicou ou informou a recorrente do significado, alcance ou valor da cláusula (…) ou tão pouco qual o significado de conceitos indeterminados e técnicos inseridos naquela cláusula tais como “provisões para risco de crédito”, “reservas de caixa”, rácios de solvabilidade”, “encarecimento do crédito” ou “agravamento do custo de fundos para o Banco””.

A aludida factualidade dada como não provada foi, recorda-se, “Que tenha sido explicado pela R. à A, na fase de negociação do contrato FEC…, ou posteriormente à sua conclusão, a possibilidade de, no decurso da respectiva execução, vir a ser alterada a taxa correspondente ao Spread e, bem assim, em que consistiam as circunstâncias supervenientes elencadas nos parágrafos 8º e 9º da cláusula 9ª respeitante aos juros.”.

Inclinando-nos assim a concluir que a Recorrente pretendeu, em substância, alegar a falta de informação, que não também, efetivamente, a falta de comunicação da cláusula “em crise”.

3. Como quer que seja, não deixaríamos de considerar realizada a comunicação “de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.”, cfr. citado artigo 5º, n.º 2, da LCCG.

E, assim, tendo-se presente serem em número de quarenta as cláusulas incluídas nas “Condições Gerais”, impressas em pouco mais de três páginas.

Mas também que parte dessas “Condições Gerais”, e como resulta das “Condições Particulares”, em nada interessariam à A., como sejam as relativas a “Consignação de rendimentos”, “Multiusos”, “Multidivisas”, “Penhor”, “Conta-corrente”, e “Fiança”, num total de…dezasseis cláusulas.

Certo sendo que, como referem Almeida e Costa e Menezes Cordeiro,[5] “o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável”.

Nesta linha expendendo Almeno de Sá[6] que “De todo o modo, já não se exige que o cliente venha efectivamente a conhecer as cláusulas contratuais gerais que estão na base do contrato. Na verdade, a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa. Ora, bem pode suceder que o comportamento do cliente não corresponda àquele padrão de diligência, pelo que se abre a possibilidade de este não vir a ter, de facto, conhecimento real das condições negociais gerais, que vão integrar, não obstante, o conteúdo do contrato singular.”.

Tendo-se julgado, em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Abril de 2010,[7] que “a entidade que pretenda inserir cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares que celebra deva comunicá-las antes da conclusão do negócio, de modo a proporcionar à contraparte a indispensável reflexão e um conhecimento completo e efectivo do clausulado”, e “Este dever de comunicação, situado na fase de negociação ou pré-contratual, destina-se a que o aderente possa conhecer, com a necessária antecipação relativamente ao momento da consumação do negócio, o respectivo conteúdo contratual, de modo a poder apreendê-lo, nas suas efectivas e reais consequências prático-jurídicas, outorgando-lhe, deste modo, um espaço de reflexão e ponderação sobre o âmbito e dimensão das vinculações que lhe irão resultar da celebração do negócio.” (o realce a negrito é nosso).

Ora, está provado, “A R., previamente à formalização do financiamento sub judice, remeteu, ao cuidado do legal representante da A, com 13 dias de antecedência, para apreciação, a minuta do documento referido no ponto 8.”.

E se tal antecedência se verificou relativamente à celebração do contrato – como se nos afigura meridiano – ponto é que não foi alegado nem resulta dos autos que na dita minuta ou por outro qualquer meio, fosse assinalada à A. a perentoriedade da celebração no correspondente lapso de tempo.

Sendo assim de contemplar a hipótese de o contrato haver sido celebrado em data conforme ao propósito da A., sociedade comercial por quotas…

Devendo considerar-se, tudo visto, que a Ré atuou, por via da remessa da minuta do contrato, ao legal representante da A. – sociedade por quotas – o seu ónus de comunicação da cláusula em questão.

4. Quanto à alegada omissão do dever de informação.

4.1. Dispõe-se no citado artigo 6º da LCCG que:

“1. O contratante determinado que recorra a cláusulas Contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.”.

Como assinala Ana Prata[8] – partindo “do princípio de que esta obrigação (de informação) tem autonomia relativamente à anteriormente prevista” (de comunicação) –“A obrigação de comunicação é muitas vezes insuficiente para assegurar que o acordo do aderente foi livre esclarecido. Não raro o mero teor literal das cláusulas não permite apreender o seu sentido por uma pessoa de diligência média. Há cláusulas que, pela sua complexidade e pelo seu significado jurídicos, a generalidade das pessoas - mesmo com alguma preparação jurídica - não compreende, ou não compreende completamente (…) Há, finalmente, cláusulas que, por respeitarem a questões de especial importância, justificam uma informação, também ela, especialmente cuidada e completa.”.

E, “Deste artigo 6.° não decorre que o predisponente das cláusulas tenha a obrigação, de explicar a cada cliente, uma por uma, cada uma das cláusulas e o seu significado (porventura complexo); no entanto, quando se trate de cláusulas que, dadas as circunstâncias - isto é, em razão da dificuldade objectiva da compreensão do seu alcance ou/e da impreparação da contraparte que vai aceitá-las, justifiquem uma aclaração, um esclarecimento sobre o seu sentido, o predisponente, independentemente de pedido do aderente, tem de prestar essa informação circunstanciada.”[9] (o grifado é nosso).

Isto, sem prejuízo de, como decorre do artigo 8º, alínea b) da mesma LCCG, se tratar igualmente aqui de uma obrigação de meios, na medida em que a mesma se terá por cumprida quando “seja de esperar o (…) conhecimento efectivo” da cláusula, nas circunstâncias concretas em que o contrato foi concluído.

Mas sendo que como sustenta Almeno de Sá,[10] relativamente ao dever de comunicação, em termos que se nos afiguram transponíveis para o cumprimento do dever de informação, “Por outro lado, não pode esquecer-se que é sobre o utilizador que a lei faz recair o encargo de comunicar na íntegra à contraparte as cláusulas contratuais gerais, a fim de que estas possam ser incorporadas no contrato singular, pelo que não basta a mera invocação de um "dever saber" que recairia sobre o cliente, quer no que concerne à normal utilização de condições gerais pelo proponente nos contratos que habitualmente celebra, quer no que respeita ao conteúdo dessas condições. De facto, não é isso que elimina a exigência legal de comunicação à contraparte das condições negociais gerais - exigência que constitui, em certo sentido, como que uma "formalização" do evento da inclusão das cláusulas no contrato singular -, nem a articulada necessidade de se proporcionar ao cliente a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do conteúdo do clausulado: não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal.”.

4.2. Ou seja, e revertendo ao caso concreto, a circunstância de na génese da celebração do contrato de 20/04/2011, estar a exigência da Ré no sentido de liquidação dos dois contratos de abertura de crédito em conta corrente caucionada, celebrados, um com a A. e outro com a sociedade DS, e de na execução de cada um desses contratos de abertura de crédito – mantidos desde 2002 e 1993, respetivamente – terem ocorrido duas alterações da taxa de juro, não posterga o dever de informação estabelecido na conjugação dos artigos 6º e 8º alínea b) da LCCG, relativamente a cláusula geral – sobre juros, sua alteração e outros encargos – daquele ulterior contrato.

Que não se encontra sequer em qualquer relação de coligação com os dois anteriores, posto que findos, sendo ainda que não é aqui configurável novação, desde logo por serem pessoas distintas a A. e a devedora – num dos contratos de abertura de crédito em conta corrente – DS, não sendo a “Finalidade” do contrato de financiamento, consignada nas “Condições particulares” respetivas, recondutível à expressa manifestação da vontade de contrair nova obrigação em substituição da antiga, e designadamente por parte daquela “devedora.” (mas cfr. artigos 857º e 859º, do Código Civil).

Isto, para além de nada apontar para que as alterações das taxas de juros, nesses outros anteriores contratos, tenham tido lugar ao abrigo de cláusulas com teor idêntico ao da ora em causa.

Tenha-se presente que, relativamente ao contrato de 21-02-2000, nas comunicações da alteração da taxa de juros à ora A., por cartas de 24-09-2008 e 18-03-2010 – a folhas 155 e 158, respetivamente – o reporte é feito à Euribor…não se vislumbrando, na alterada cláusula 8ª, a que se reportam aquelas missivas, qualquer referência outra a alterações da taxa de juro “No caso de alterações supervenientes do mercado”, nem, logo, à parafernália de definições de “alterações supervenientes, entre outras”.

E relativamente ao contrato de 13-07-1993, também nas comunicações da alteração da taxa de juros à DS, por cartas de 24-09-2008 e 18-03-2010 – a folhas 178 e 179, respetivamente – o reporte é feito à Euribor…

Sem prejuízo de, neste caso, e em alteração do clausulado, comunicada por carta de 11-01-2000 – a folhas 168 – se ter passado a prever que “No caso de circunstâncias supervenientes virem a afectar e/ou alterar substancialmente o mercado financeiro (…) a nova taxa de juro indexante será a que vier a ser praticada para situações homólogas à da presente abertura de crédito e aplicar-se-á de pleno direito sem que qualquer das partes a isso se possa opor.”.

O que – e não cabendo agora aqui tecer considerações quanto à (in)validade de uma tal cláusula – não tendo sido invocado nas sobreditas cartas de folhas 178 e 179, também não corresponde ao texto da cláusula 9, §8 e §9, do contrato aqui em causa.

4.3. Diga-se ainda – neste plano da necessidade da iniciativa informadora por parte do utilizador – que como se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de  02-12-2013,[11] “Sabe-se pela experiência da vida que o mais comum é os aderentes confiarem nas explicações de um funcionário do profissional-utilizador, sem lerem as cláusulas escritas do acordo, por falta de tempo e de capacidade para compreender os seus efeitos. E que tal atitude, de tão generalizada que é, não pode considerar-se falta de diligência comum ou razoável.”.

 Referindo Inocêncio Galvão Telles:[12] “não se diga que o aderente, deixando de ler todas as cláusulas, ou não as meditando com o devido cuidado, revela negligência que o torne desmerecedor de protecção particular: o facto é tão geral que não significa negligência, aferida pelo padrão médio do homem.”.

E expendendo Ana Prata,[13] que “Tendo em conta o comportamento estatisticamente mais frequente dos sujeitos no mercado - em especial, mas não só -, quando nele intervêm como consumidores, creio poder dizer-se que a "comum diligência" na tomada de conhecimento e compreensão das propostas contratuais é de baixo nível. Os hábitos e o grau de cultura da generalidade das pessoas em Portugal levam a que, na maior parte dos casos, estas se demitam do esforço (que se lhes afigura inglório. Até porque, mesmo que percebam, nada podem fazer para obstar ao que não desejam) de compreender efectivamente o conteúdo dos contratos que celebram, em particular quando estão em causa modelos standard”.

Ninguém pretenderá que a cláusula em questão se não reveste de complexidade técnica, mormente no plano da definição do que se consideram “alterações supervenientes”, e ainda que perante uma sociedade comercial por quotas que, atenta o seu capital social – vd., v.g., folhas 38 – propenderíamos a qualificar de pequena/média dimensão.

Resultando plenamente justificada a necessidade de esclarecimento da aderente, quanto ao alcance efetivo de um texto que, pelo seu cariz marcadamente técnico, resulta obscuro, se não hermético, para o “homem médio” colocado na posição da A.

5. Não tendo a Ré/recorrida logrado atuar o ónus da prova, que sobre ela recaía, de haver informado a A./recorrente quanto ao significado efetivo da cláusula posta em crise, forçoso é considerar aquela excluída do contrato singular respetivo, ou seja, do nominado contrato de financiamento n.º FEC…– afinal um contrato de mútuo bancário – ex vi do disposto no igualmente já citado artigo 8º, alínea b).

Mas, isto visto – e resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Recorrente – resulta ilícito no quadro contratual desta feita considerável, o aumento unilateral, pela Ré/recorrida, do spread aplicável àquele mútuo, implicando o pagamento pela A./recorrente, no período de 29/08/2012 a 21/08/2013, de € 6.160,05 correspondente à diferença de juros, em resultado de tal alteração e respetivo imposto de selo.

Confrontando-nos com uma situação de cumprimento de obrigação inexistente, a resolver mediante recurso ao instituto da repetição do indevido, “mero caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa”.[14]

Tenha-se presente que, como anotam P. Lima e A. Varela, “O facto de o autor do cumprimento ter dúvidas sobre a existência da obrigação ou estar mesmo seguro da sua inexistência não obsta à repetição do indevido, desde que a prestação tenha sido efectuada apenas com a intenção de a cumprir e não com o intuito de fazer uma liberalidade ao accipiens. A intenção solutória pode, à primeira vista, parecer inconciliável com outro estado de espírito que não seja o de erro acerca da existência da obrigação. Não é todavia assim, porque o autor do cumprimento pode ter efectuado a prestação apenas à cautela, com receio das consequências da mora, na intenção de se esclarecer mais adiante sobre a existência da obrigação; ou pode tê-lo feito somente para evitar os incómodos e despesas de um litígio com o credor, ou até a simples discussão com este acerca da existência do débito (…)”.[15]

Não vem alegado, nem resulta dos elementos para os autos carreados, que da solução alcançada decorra a situação prevista no artigo 9º, n.º 2, da LCCG, a saber, de nulidade do contrato, por não obstante a utilização dos elementos indicados no n.º 1 do mesmo artigo ocorrer uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé.

Devendo pois a Ré restituir à A. o sobredito montante, bem como os valores correspondentes às diferenças de juros e respetivo imposto de selo, resultantes da aplicação, com fundamento na excluída cláusula geral, da taxa de spread acima de 4%, que aquela lhe tenha entregue após 21-08-2013, e lhe venha a entregar, até ao trânsito em julgado do presente acórdão.

Procedendo nesta conformidade as conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente e, revogam a sentença recorrida,---------------------------------------------------------------

julgando a ação procedente e condenando a Ré a restituir à A. a quantia de € 6.160,05, bem como os montantes correspondentes às diferença de juros e respetivo imposto de selo, resultantes da aplicação, com fundamento na excluída cláusula contratual geral, da taxa de spread acima de 4%, que a A./recorrente, lhe tenha entregue após 21-08-2013, e lhe venha a entregar até ao trânsito em julgado do presente acórdão.

Custas, em ambas as instâncias, pela Ré/recorrida, que decaiu totalmente.


*

Lisboa, 2016-01-28

 (Ezagüy Martins)

 (Maria José Mouro)

 (Maria Teresa Albuquerque)

__________________________________________



[1] In “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 2010, Almedina, págs. 252-257.
[2] In “Tratado de Direito Covil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, 1999, almedina, págs. 370-373.
[3] In “Cláusulas Contratuais Gerais”, Coimbra Editora, 2010, pág. 94.
[4] Proc. 8931/06-2, Relator: EZAGÜY MARTINS, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
          
[5] In “Cláusulas Contratuais Gerais”, Almedina, 1990, pág. 25.
[6] In “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 2ª ed., Almedina, 2005, pág. 61.
[7] Proc. 3501/06.3TVLSB.C1.S1, Relator: LOPES do REGO, in www.dgsi.pt/jstj.nsf, aliás também citado por Ana Prata, in op. cit., pág. 218.
[8] In op. cit., págs. 252, 253.
[9] Idem, pág. 255.
[10] In op. cit., pág. 241.

[11] Proc. 306/10.0TCGMR.G1.S1, Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[12] In “Manual dos Contratos em Geral”, 4ª Ed., Coimbra Editora, 2002, págs. 313, 314.
[13] In op. cit., pág. 244.
[14] Apud P. Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, Lda., 1982, pág. 435.
[15] In op. cit., págs. 436, 437.