PENA ACESSÓRIA
MEDIDA DA PENA
Sumário

I-Ainda que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, o art. 65.º do Cód. Penal, logo no seu n.º 2, admite que em certas condições, a lei possa “fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinadas (…) profissões”.
II-As penas acessórias são “uma consequência jurídica do crime aplicável ao agente imputável em cumulação com uma pena principal”, mas que revestem autonomia em relação a esta. Não um efeito da pena, nem uma sua consequência automática.
III-No caso em apreço, tendo o Tribunal para além do cabimento formal decorrente da condenação final em pena superior a 3 anos exigida pela n.º 1 do art. 66.º do Cód. Penal (a suspensão da execução da pena, para esse efeito, não constitui circunstância obstativa), tido por verificadas todas as alíneas constantes daquele preceito, sendo o arguido Chefe de Finanças Adjunto de uma secção de justiça tributária, e tendo-se considerado que “foram gravemente violados deveres relativos a um correcto exercício daquela função e posto severamente em causa o respeito e a confiança requeridos para o exercício daquele cargo”, então nada impedia que aquele pudesse também ser sancionado com a de proibição do exercício de funções.
IV-Verificando-se os respectivos pressupostos, a mesma “deve” e não apenas “pode” ser aplicada.
V-A sua fixação concreta opera-se basicamente com base nos mesmos critérios indicados no art. 71.º do Cód. Penal, o que não significa que não possa existir distinção nos objectivos de política criminal ligados às penas principais e às penas acessórias. (Sumário elaborado pelo Relator).

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


I–1.)No Tribunal Judicial de B..., foi o arguido GP..., com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material e concurso real, de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, 3 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), e de um crime de burla tributária na forma tentada, p. e p. pelo artigo 87.º, n.º 1, 2, 3 e 5, por referência ao artigo 11.º, al. d), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT) e arts. 202.º, al. b), art.ºs 22.º e 23.º todos do Cód. Penal.

Realizado o julgamento de proferido o respectivo acórdão, veio a decidir-se, entre o mais, o seguinte:

-Condenar o arguido GP... pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;
-E pela prática de um crime de burla tributária na forma tentada, p. e p. pelo artigo 87.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, por referência ao artigo 11.º, al. d), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e art.ºs 202.º, al. b), art. 22.º e 23.º todos do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

-Suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova, mediante plano individual de readaptação social a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social.

Condenar ainda o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções como funcionário público, pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses;

I-2.)Inconformado como assim decidido recorreu o arguido GP... para a presente Relação, deixando exaradas na síntese das razões da sua discordância, as seguintes conclusões:

1.ª-O arguido GP... foi condenado a 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3., nº 1, 3 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime). Em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de burla tributária na forma tentada, p. e p. pelo artigo 87.º, nºs 1, 2, 3 e 5 por referência ao artigo 11.º, al. d), do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, e art.ºs 202.º, al. b), 22.º e 23.º todos do Código Penal. Em cúmulo jurídico das referidas penas, a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período na sua execução, sujeito a regime de prova, em plano individual de readaptação social a elaborar pelo I.R.S. e na pena acessória de proibição do exercício de funções como funcionário público, pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses.

2.ª-Contudo, a pena principal aplicada violou, o disposto no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, por incorreta e imprecisa avaliação. Salvo melhor opinião, resultam como provados factos que permitem estabelecer considerações quer aos sentimentos manifestados no cometimento das ações e os fins ou motivos que as determinam - quer sobre a conduta posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua possibilidade de integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares, que deverão pender a favor do arguido.

3.ª-Além de que, o douto Tribunal “a quo”, contrariando o disposto no artigo 71.º do C.P., na determinação concreta das penas não valorou da forma devida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deporiam a favor do Recorrente;

4.ª-A pena visa não só a punição, mas também a ressocialização do agente. Deve desta forma ser dada uma oportunidade ao agente para se reintegrar na sociedade.

5.ª-Assim, a pena única de 4 anos e seis meses suspensa na sua execução, sujeita ao regime de prova, em plano individual de readaptação social, deverá ser reformada e substancialmente reduzida, para um período nunca superior a 3 anos sendo para esse efeito levados em linha de consideração todos os elementos que possam atenuar os factos praticados pelo arguido.

6.ª-As penas acessórias, apesar de terem de ser aplicadas cumulativamente com uma pena principal, são autónomas em relação a esta.

7.ª-Sendo que,nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”. O fundamento da norma constitucional – n.º 4 do artigo 30.º – é o princípio da luta contra os efeitos estigmatizante e dessocializador das penas, procurando evitar que estas impeçam a readaptação social do agente.

8.ª-Deste modo, a proibição do exercício de funções, só pode ser decretada se for justificada.

9.ª-Daí que envolvendo a pena acessória a possibilidade de afetar direitos civis, profissionais ou políticos deve ser fundamentada. Considerando excluído o automatismo da aplicação da pena acessória de exercício de funções, no causo dos autos, há que averiguar se existem circunstâncias que justifiquem tal aplicação.

10.ª-Ora, a factualidade provada não revela uma necessidade social imperiosa – nem, muito menos a indicia – de proibição do exercício de funções. Desde 23 de março de 2014 que o arguido/recorrente está a exercer funções na Repartição de Finanças de A... e continuará  no exercício de funções até decisão do respetivo recurso.

11.ª-Contudo, a pena acessória proibição de exercício de funções com funcionário público, aplicada ao arguido fixada em 3 (anos) e 3 (meses) é assaz elevada e desproporcional ao caso em apreço, dado que o Tribunal “a quo”, não fez correta determinação na medida da mesma, violando os artigos 40.º e 71.º do C.P.

12.ª-A pena acessória de proibição de exercício de funções com funcionário público, não pode ser aplicada isoladamente; só pode ser imposta juntamente com a condenação numa pena principal, de prisão ou multa, sendo certo que, pese embora a sua natureza acessória, encontra – se ao mesmo nível sancionatório das penas principais.

13.ª-(Repetição da conclusão anterior).

14.ª-Contudo, na aplicação de uma pena principal e acessória tem de existir pelo menos uma réstia de proporcionalidade.

15.ª-Assim, deve o julgador atender, na sua graduação, que só a consideração em conjunto das duas penas permite uma reação penal proporcionada. Portanto a proporcionalidade só pode ser avaliada pelo resultado do conjunto pena principal e pena acessória.

16.ª-Esta pena acessória proibição do exercício de funções pelo período de 3 (anos) e 3 (meses) é aliás, flagrantemente excessiva, bastando ao julgador “in casu” fixá-la no limite mínimo.

17.ª-Assim, sopesando todas as circunstancias relevantes (exigências preventivas, grau de ilicitude e da culpa, antecedentes criminais, condição sócio económica), impõe-se a redução da medida da pena acessória, apresentando-se a de 2 anos de proibição do exercício de funções, numa moldura penal de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, como equilibrada, justa, proporcional e razoável, sem exceder a medida da culpa do arguido/recorrente nem comprometer a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada.

18.ª-Considerando que o arguido ainda não foi sujeito a nenhuma pena privativa da liberdade e que a aplicação de uma pena desta natureza coadjuvada com a imposição da pena acessória em que foi fixada após a redução acima indicada satisfará, de acordo com o estatuído no artigo 66.º do C.P., a prevenção de perigosidade do arguido e constituirá censura adicional do seu ato.

19.ª-Razão pela qual se entende que a pena acessória assim encontrada juntamente com a pena principal, não é só justa e adequada ao caso concreto, como absolutamente necessária para a proteção da comunidade e para a estabilização contra fáctica das normas.

20.ª-Há que reconhecer, assim que a douto acórdão de que se recorre, ao condenar arguido/recorrente na pena acessória de 3 (três) anos e 3 (três) meses de proibição do exercício de funções, se mostra desajustada e desproporcional.

21.ª-Pelo que, as penas parcelares impostas ao ora recorrente são excessivas e devem ser reduzidas para as medidas que se aproximem dos respetivos limites mínimos.

22.ª-A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

23.ª-O douto acórdão deverá ser revogado na parte em que decretou a pena acessória de proibição do exercício de funções como funcionário público.

24.ª-A não ser assim, deverá aquela pena acessória ser reduzida ao limite mínimo legal.

25.ª-Decidindo pela forma em que o fez, aplicando ao arguido/recorrente o quantum da pena acessória em causa, a decisão recorrida questionou o disposto nos artigos 410.º, n.º 2, do C.P.P e artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, nºs 1 e 2 do C.P., assim como foi desrespeitado o disposto no artigo 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios político criminais da necessidade e proporcionalidade das penas.
          
Nestes termos, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta.

I–2.)Respondendo ao recurso interposto, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Santarém veio a concluir por seu turno:

1.º-O arguido/recorrente arguido GP... foi condenado, por Acórdão datado de 27 de Março de 2014, proferido no âmbito dos presentes autos, em autoria material e concurso efectivo ideal, de:

• um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1, 3 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15.09, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
• um crime de burla tributária na forma tentada, p. e p. pelo art.º 87.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, por referência ao art.º 11.º. al. d) do RGIT e art.º 202.º, al. b), art.º 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
• em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa a sua execução por igual período de tempo, sujeito a regime de prova, em plano individual de readaptação social a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social.
• na pena acessória de proibição do exercício de funções como funcionário público, pelo período de 3 anos e 3 meses.

2.º-O n.º 1 do art.º 40.º do Código Penal estabelece como finalidades da aplicação das penas a protecção de bens jurídicos, que se reconduz, essencialmente, à prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade, dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que a pena não pode exceder a medida da culpa.

3.º-O art.º 71.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:

1–A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2–Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a)O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b)A intensidade do dolo ou da negligência;
c)Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d)As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e)A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f)A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3–Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da penal.

4.º-Os termos da punição do concurso de crimes são definidos pelo art.º 77.º do Código Penal:
1–Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2–A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

5.º-A sentença recorrida fundamentou a escolha e a determinação da medida das penas, parcelares e única, em que o arguido foi condenado.

6.º-E ponderando todos os factores ali mencionados, entendeu o Tribunal recorrido por adequada a aplicar ao arguido a pena única de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução por igual período sujeita a regime de prova.

7.º-Nos termos do art.º 66.°, n.º 1, do CP, "O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:
a)For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b)Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c)Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.
8.º-A determinação da medida da pena acessória deve operar-se de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, ou seja, mediante recurso aos ditames do art.º 71.º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que tem sobretudo em vista prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – neste sentido vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 04.12.2013, proferido no âmbito do recurso criminal n.º 181/13.3GBAGD.C1.

9.º-No vertente caso, e como ficou provado, o arguido é funcionário público tendo praticado os factos em apreço no exercício das suas funções.

10.º-Encontrando-se verificados todos os pressupostos de que depende a aplicação do art.º 66.º, n.º 1, do CP.

11.º-Pelo que entendeu o tribunal a quo ser necessário e fundamental aplicar ao arguido a pena acessória de proibição do exercício de funções como funcionário público, pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses.

13.º-Pena acessória esta que se mostra equilibrada e justa, não merecendo censura.

Pelo que deve o Acórdão recorrido ser confirmado.

II–Os autos subiram inicialmente à Relação de Évora, onde a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do recurso interposto dever ser julgado improcedente.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Todavia, pelo despacho melhor constante de fls. 781/2, pese embora as alterações decorrentes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2013, de 26/08 (Lei de Organização do Sistema Judiciário), que conferiu competência territorial àquela Relação para conhecimento dos recursos das decisões proferidas na comarca de Santarém (na qual o Tribunal de B... se insere), foi entendido que Relação de Lisboa se mantinha competente para apreciação do presente recurso, com interposição a 21 de Agosto de 2014, ou seja, em data anterior à entrada em vigor daquela Lei e do DL n.º 49/2014, de 27/03, que a regulamentou (o que ocorreu a 1 de Setembro de 2014), tendo sido declarada a respectiva incompetência territorial.
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Não tendo o actual relator objectado a este entendimento, colheram-se os vistos legais, seguindo-se a conferência.
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Cumpre pois apreciar e decidir:

III–1.)De harmonia com o entendimento Jurisprudencialmente entre nós tido por pacífico, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação o que num recurso define e delimita o respectivo objecto.

Nesta conformidade, afiguram-se-nos serem as seguintes, as questões suscitadas no ora interposto pelo arguido GP...:
-Se as penas principais, e bem assim aquela outra que resultou do seu cúmulo jurídico, se mostram excessivas;
-Se a pena acessória de proibição do exercício de funções não deveria ter sido aplicada, ou a sê-lo, deveria ser reduzida ao seu mínimo legal.

III–2.)Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a factualidade que se mostra definida em função do julgamento realizado:

Factos provados:

a)O arguido GP... exerceu, desde data não concretamente apurada, mas seguramente até Dezembro de 2012, o cargo de Chefe de Finanças Adjunto da Secção de Justiça Tributária, em regime de substituição;
b)No âmbito das funções que lhe foram atribuídas foi-lhe concedido o número de utilizador SA0R834, que lhe permitia aceder ao sistema informático utilizado enquanto funcionário da administração Tributária;
c)Em data de 30 de Novembro de 2011, o arguido inscreveu nas bases de dados do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC) os contribuintes fictícios e por si inventados “José A...” e “Isabel A...”, como sendo cidadãos de nacionalidade brasileira, ambos nascidos em ...10.1970, ambos residentes em Portugal, na Estrada C...Q...A..., 2... S...Correia, B..., ambos com o mesmo número de contacto (93...) e ambos com o mesmo endereço de email (ji...@gmail.com);
d)Os nomes acima mencionados correspondem ao primeiro e último nome do padrasto e da mãe do arguido, respectivamente;
e)O arguido não liquidou, e consequentemente, não deram entrada nos cofres do estado, os emolumentos devidos pela atribuição dos cartões com o número fiscal, em conformidade com o art. 1.º, do Decreto-lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro;
f)Ainda naquela data de ...11.2011, o arguido solicitou que fossem atribuídas senhas de acesso a todas as funcionalidades disponíveis na página das declarações electrónicas da Autoridade Tributária, para os contribuintes que havia criado “José F...” e “Isabel F...”, tendo voltado a atribuir-lhes novas senhas em 19.12.2011;
g)Também na data de 19.12.2011, o arguido atribuiu senha ao cidadão e contribuinte A...Cunha, sujeito passivo com o número de identificação fiscal 2..., sendo que a morada deste contribuinte é a mesma que consta no registo dos contribuintes “José A...” e “Isabel A...”; Sucede que,
h)A residência sita na referida Estrada C... – Q...A... foi alvo de venda, em processo de execução, pelas Finanças de B... em 2008; A que acresce que,
i)O contribuinte A...Cunha, esteve colectado para o exercício da actividade de construção e engenharia civil, desde 17.06.1991, tendo cessado a sua actividade em sede de IRS em 23.02.2011; Não obstante,
j)Em data de 22.12.2011 e 19.01.2012, o arguido enviou as declarações modelo 10, respeitantes aos anos de 2007 e 2011, respectivamente, em nome de A...Cunha; E, paralelamente,
k)Em data de 22.12.2011 e 02.04.2012, o arguido enviou as declarações Modelo 3 de IRS, em nome de “José A...” e “Isabel A...”, respeitantes aos anos de 2007 a 2011, respectivamente, das quais consta como entidade pagadora dos rendimentos o Número de Identificação Fiscal 2..., atribuído a A...D...P...Cunha;
l)Daquelas declarações Modelo 3 resulta que alegadamente A... Domingues, enquanto entidade empregadora de “José A...” e “Isabel A...” pagou no ano de 2011, a cada um desses contribuintes rendimentos no valor de € 68.243,46;
m)As declarações de rendimentos respeitantes ao ano de 2011 foram liquidadas em 20.04.2012, produzindo a final um reembolso de € 28.019,08 para cada um dos contribuintes, “José A...” e “Isabel A...”;
n)Em data de 23 de Abril de 2012 o arguido concluiu os processos de divergências que estão na origem dos reembolsos de IRS supra mencionados; Para tanto,
o)O arguido solicitou à Chefe Adjunta, M...Godinho, a alteração do perfil informático de Maria A...Abreu, por forma a que aquela ficasse habilitada a concluir divergências de IRS, sendo que em 2 de Janeiro de 2012, M...Godinho, alterou o perfil informático a Maria A...Abreu, em conformidade; E assim,
p)Com o nome de utilizador de Maria A...Abreu concluiu as divergências abertas relativas as contribuintes José A... e Isabel A..., procurando desta forma que fossem processados os reembolsos relativos ao IRS destes dois contribuintes;
q)Uma vez que não foram indicados nas declarações de rendimentos apresentadas os respectivos Números de Identificação Bancária (NIB’s) os reembolsos seriam efectuados por cheque a enviar para a morada associada aos contribuintes “José e Isabel A...”, e indicada pelo arguido, ou seja a referida Estrada C... - Q...A..., 2... S...Correia, B...; Sendo certo que,
r)Não se encontrando ninguém na mesma, nomeadamente os contribuintes, porquanto fictícios, os cheques seriam devolvidos à Repartição de Fianças de B..., e ficariam arquivados na secção de tributação e de modo não concretamente apurado o arguido acederia aos mesmos para posteriormente os depositar nas contas bancárias tituladas pelo padrasto e sua mãe, estes com o primeiro e último nome “José A...” e “Isabel A...”, respectivamente;
s)Este pagamento seria efectuado pelos Cofres do Estado Português, causando ao erário público um prejuízo patrimonial de € 56.039,19, o qual apenas não se verificou porquanto os supra citados reembolsos não chegaram a ser processados, uma vez que a Direcção de Serviços do IRS procedeu ao cancelamento do pagamento dos mesmos;
t)Ao agir da forma acima descrita, criando dois contribuintes fictícios e entregando declarações de rendimentos irreais, agiu o arguido com o propósito concretizado de produzir documentos não genuínos, interferindo desta forma no tratamento informático de dados da Administração Tributária, com intenção de promover engano nas normais relações jurídicas entre o Estado e os contribuintes, realidade que representou e logrou atingir;
u)Quis, ainda, o arguido, com tal conduta, apropriar-se da quantia de € 56.039,19, relativa aos reembolsos do IRS produzidos a partir das declarações de IRS que entregou nos moldes sobreditos, e assim causar um prejuízo ao Estado Português, obtendo desta forma um benefício a que sabia não ter direito, só não o logrando conseguir, porquanto a Direcção de Serviços do IRS procedeu ao cancelamento do pagamento daqueles reembolsos;
v)Agiu sempre o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
w)O arguido não tem antecedentes criminais;
x)Do relatório social do arguido consta, para além do mais, que: em 2003 optou por adquirir a sua própria casa em Al..., onde ainda hoje reside com a mãe e o padrasto; concluiu em 2008 a licenciatura em Gestão de Empresas na Escola Superior de Gestão, em Santarém; iniciou o trajecto laboral aos 19 anos, idade em que ingressou como voluntário nas forças armadas portuguesas e onde trabalhou durante 6 anos, através de contrato laboral, no Centro de Finanças do Campo M... de Santa M..., onde teve dois louvores; em Agosto de 1999 foi admitido no Ministério das Finanças, primeiro no Serviço de Finanças da Az..., em Fevereiro de 2000 em Al..., e em Junho de 2007 no Serviço de Finanças de B... onde desempenhou, em regime de substituição, o cargo de chefe de finanças adjunto da secção de justiça tributária no período compreendido entre 02-12-2008 e 31-05-2013; o arguido sofre de problemas depressivos e a mãe e o padrasto de problemas oncológicos, encontrando-se actualmente este último numa fase complicada da sua doença; habita em casa própria adquirida através de empréstimo bancário, situada em centro urbano; actualmente por não estar a receber vencimento é com as pensões de reforma da mãe e do padrasto, de € 270,00 e € 590,00 respectivamente, que faz face às despesas mensais, designadamente com o pagamento do empréstimo da casa de € 350,00 por mês, consumos domésticos € 140,00 por mês e uma prestação mensal de crédito pessoal € 30,00; sofre de Perturbação Depressiva Recorrente, estando a ser medicado com psicofármacos, apoio terapêutico que o arguido pretende manter;

Da contestação, provou-se, ainda, que:

y)O arguido trabalhava na secção de justiça tributária;
z)No ano de 2010 o Serviço de Finanças de B... passou de um efectivo de 23 funcionários e chefias para apenas 11 funcionários e chefias, sendo que da secção de justiça tributária chefiada pelo arguido saíram 8 funcionários e ficaram apenas duas funcionárias, uma funcionária com a responsabilidade de dar tratamento às contra-ordenações, tendo a seu cargo cerca de 4000 processos, outra funcionária responsável por dar tratamento às execuções fiscais com cerca de 1100 processos a seu cargo;

aa)No ano de 2010 foram ainda colocados 3 funcionários em comissão de serviço de 01.06.2010 a 31.12.2010, porém nos anos de 2011 e 2012 nenhum funcionário foi colocado no Serviço de Finanças de B..., não obstante terem sido colocados funcionários em comissão de serviço noutros serviços de Finanças do Distrito de Santarém;
bb)Esta situação gerou muita pressão sobre os funcionários e designadamente o arguido que era muitas vezes requisitado para resolver algumas situações nas outras secções de serviço;
cc)A mãe do arguido padece de cancro da mama desde 26.06.2000 de que resultou um grau de incapacidade de 80% e foi-lhe diagnosticada diabetes e uma redução de densidade óssea por osteopenea, acentuação da cifose fisiológica dorsal e da lordose lombar, uncodiscartrose C5-C6 e C6-C7, com deformação da fechadura dos buracos de conjugação bilateralmente, espondilose e espondilatrose dorsal e lombar, artrose das interapofisárias posteriores lombares;
dd)O padrasto do arguido sofre de diabetes, hérnia do hiato, quisto cortical do terço inferior do rim direito, doença valvular cardíaca, hipertensão, doença diverticular, neurinoma do acústico à direita, esofagite grau 2, anemias, hematúria, neoplasia maligna do cólon/recto, linfoma Hodgkin – Doença de Valdenstorm, e cancro da bexiga;
ee)O arguido sofre de Perturbação Depressiva Recorrente “Unipolar” categoria F33 da CID – 10 desde Outubro de 2005, diabetes tipo II, prega pré pilórica espessada e gastrite e hipertensão arterial desde 2012;
ff)O estado de saúde dos familiares mais próximos e a pressão do serviço que sempre exerceu com eficiência e empenho conduziram o arguido a um estado psíquiso debilitado o que o levou a ter de recorrer a observação e acompanhamento psiquiátrico;
gg)A doença do foro psiquiátrico que afecta o arguido leva-o a períodos de grande prostração e confusão, que lhe afectam a capacidade de discernimento e lhe causam dificuldades de concentração e memória;
hh)O arguido disponibilizu-se a pagar os emolumentos devidos pela atribuição dos cartões com o número fiscal, porém a instrutora do processo disciplinar entendeu que tal não era necessário naquela fase processual;
ii)O arguido sempre teve um comportamento correcto e com elevado desempenho no exercício das suas funções como se demonstra através da atribuição de muito boas classificações de desempenho;
jj)O arguido prestou serviços relevantes ao Estado Português, quando da prestação de serviço militar, que lhe foram reconhecidos pela atribuição de dois louvores;
kk)O arguido recebeu um louvor ao Serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira da Exm.ª Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças por despacho de 11.02.2003;
ll)O arguido já foi punido disciplinarmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira com pena de suspensão por 240 dias.

Factos não provados:

Não se provou, com interesse para a decisão da causa, que:
1.No computador adstrito e aberto com a senha da Chefe Adjunta, M...Godinho, e sem consentimento nem conhecimento desta, o arguido alterou o perfil informático a Maria A... Abreu, por forma a que aquela ficasse habilitada a concluir divergências de IRS;
2.O arguido exercia funções na secção de tributação;

Da contestação:

3.O arguido praticou os factos porque pretendia chamar a atenção para a carência de recursos humanos de que o Serviço de Finanças de B... padece e para as consequências que essa carência provoca na quantidade e qualidade de trabalho produzida pelos funcionários do mesmo serviço;
4.O arguido estava com as suas capacidades mentais diminuídas durante o tempo em que foram praticados os factos descritos na acusação;
5.Os factos praticados pelo arguido correspondem a um erro de tal maneira grosseiro que seria de imediato detectado, como foi, pretendendo o arguido apenas conseguir uma auditoria e consequente resolução do problema de falta de meios humanos no Serviço de Finanças de B...;
6.O arguido esperava que os contribuintes criados fossem anulados, bem como as respectivas declarações de modelo 3 e ainda cancelado o correspondente reembolso, como sucedeu.
           
III-3.1.)Não se tendo posto em causa o enquadramento jurídico normativo efectuado pelo Tribunal de B..., haverá então que começar por recordar que o crime de falsidade informática, aqui tido por verificado, é punido com prisão de 2 a 5 anos (assim, art. 3.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro), e que o de burla tributária, na forma tentada, por sua vez, é sancionado com prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão (art. 87.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, por referência ao artigo 11.º, al. d), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e art.ºs 202.º, al. b), art. 22.º e 23.º todos do Cód. Penal).

Não contemplando as respectivas molduras legais a possibilidade de aplicação de pena não privativa de liberdade, fica dessa forma prejudicada a operação inicial da sua escolha, preconizada pelo art. 70.º do Cód. Penal.

Ora, é como é sabido, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – cfr. respectivo art. 40.º, n.ºs 1 e 2.
 
Já de forma mais próxima à sua determinação, enuncia por seu turno o art. 71.º do mesmo Diploma, que a mesma se opera “dentro dos limites definidos na lei, (e) em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (n.º 1).       

Com efeito, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, a função primordial de uma pena consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

Depois, de acordo com a denominada “teoria da margem de liberdade”, o seu limite máximo fixar-se-á, em salvaguarda da dignidade humana do agente, em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social do agente, sendo certo que, para o efeito, o tribunal deverá atender “a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (art. 71.º, n.º 2, do CP).

Numa outra formulação, eventualmente mais explícita, refere-se no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/06/2010, no processo n.º 217/09.2JELSB.S1 (disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt/jstj):

O modelo do Código Penal é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º do CP determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.
O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

III-3.2.)Na densificação dos factores previstos no art. 71.º, n.º 2, o Colectivo entendeu individualizar os respectivo factores por referência a cada uma das infracções, ainda que daí acabe por resultar alguma repetição considerativa.

Assim, no de falsidade informática, levou em linha de conta:

O grau de ilicitude do facto, que se nos afigura medianamente acentuado, atento o modo de actuação do arguido que se aproveitou dos seus especiais conhecimentos dentro dos Serviços de Finanças em que exercia funções e o facto de ter criado dois contribuintes com todos os dados, pelo que o grau de eficiência com que praticou os factos demonstra uma actuação com alguns requintes e pensada;
O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, de intensidade elevada;
As condições pessoais e a situação económica do arguido, supra descritas, que tem uma vida familiar e pessoal complicada, e tem uma doença do foro psíquico que embora não lhe determine a inimputabilidade releva no sentido de menor capacidade de controlo.

O arguido não tem antecedentes criminais.

O arguido admitiu parcialmente os factos.

Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo as necessidades de prevenção geral, elevadas, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento da criminalidade, em especial de abuso de confiança do tipo do praticado pelo arguido, com todas as consequências e sequelas, daí decorrentes. As necessidades de prevenção especial afiguram-se elevadas considerando que o mesmo apenas admitiu parcialmente os factos e o seu arrependimento não nos pareceu sincero porquanto o mesmo continua a achar que valeu a pena o que fez pois conseguiu o que queria.

Por sua vez, no de burla tributária na forma tentada, sopesou:

O grau de ilicitude do facto, que se nos afigura elevado, atento o modo de actuação do arguido, o facto de ter aproveitado ser funcionário dos Serviços de Finanças e montante do reembolso de que quase se apoderava;
O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, de intensidade elevada;
As condições pessoais e a situação económica do arguido, que tem uma vida familiar e pessoal complicada, e tem uma doença do foro psíquico que embora não lhe determine a inimputabilidade releva no sentido de menor capacidade de controlo.

O arguido não tem antecedentes criminais e admitiu, ainda que parcialmente os factos.

Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo as necessidades de prevenção geral, elevadas, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento da criminalidade, em especial de abuso de confiança do tipo do praticado pelo arguido, com todas as consequências e sequelas, daí decorrentes. As necessidades de prevenção especial afiguram-se elevadas considerando que o mesmo apenas admitiu parcialmente os factos e o seu arrependimento não nos pareceu sincero porquanto o mesmo continua a achar que valeu a pena o que fez pois conseguiu o que queria.

III-3.3.)Ora na contraposição desta fundamentação, para além das considerações gerais tecidas, designadamente, em relação ao conceito teórico de culpa, não vemos que as circunstâncias que se mostram referidas pelo Recorrente na sua motivação (cfr. fls. 738/9), não tenham sido basicamente atendidas pelo Tribunal.

O não ter antecedentes criminais é factor que está perfeitamente identificado, da mesma forma que o estão, as situações de doença da sua mãe e do seu pai, e a sua própria, de natureza basicamente psiquiátrica.
Também a circunstância desta lhe provocar uma menor capacidade de controlo está assinalada.

Por sua vez, a respectiva boa inserção familiar e social foi levada em linha de conta no segmento da decisão atinente à suspensão da pena.

O que de forma mais significativa não está enfatizado no acórdão, é que quando prestou serviço militar foi louvado por duas vezes, e que o foi, uma outra, em 2003, pela Sr.ª Ministra das Finanças.

Mas o seu perfil profissional de mérito anterior, em termos de carreira nos Serviços Tributários, está quanto a nós naturalmente pressuposto na sua ascensão à categoria de Chefe de Finanças Adjunto.

Que já foi punido a nível disciplinar, é circunstância que se contempla na al. ll). Mas isso só significa que em sede administrativa a sua conduta foi tida, por alguma forma, como verificada.
Não a existência de uma sanção a ser descontada em sede penal.

Sabemos também pelo dado como não provado sob o ponto n.º 3, que o Colectivo não se convenceu que o arguido tenha praticado os factos em apreço para chamar à atenção para a carência de recursos humanos de que o Serviço de Finanças de B... padeceria.

Assim sendo, não poderemos deixar de corroborar a gravidade objectiva que o mesmo assinalou às condutas plasmadas nos autos.

Não nos estamos a referir à circunstância de se tratar de infracções praticadas por “funcionário”, qualidade que opera a agravação do crime de falsidade informática.

Já não assim no de burla tributária, pelo que aí tal elemento já pode ganhar autonomia.

São, sobretudo, crimes praticados por um Chefe de Finanças adjunto, no interior dos próprios serviços tributários.

Pela congeminação engenhosa pressuposta na respectiva execução só podem ser crimes dolosos: ou seja, pensados, maturados e queridos.

Sendo que as razões de prevenção geral não podem deixar de ser aqui significativas, seja por razões de credibilidade do “sistema” em si próprio, seja pelo exemplo que aqueles agentes do Estado deverão revestir para os normais sujeitos contributivos.

É certo que existe toda uma conjuntura negativa em termos de saúde própria e dos seus familiares mais próximos, que não pode deixar de ser valorada.

Como se esperaria de uma pessoa com a sua posição, é delinquente primário.

Seja como for, a forma como o Tribunal remata as suas considerações sobre as penas aplicadas, ou seja, duvidando da sinceridade do seu arrependimento “porquanto o mesmo continua a achar que valeu a pena o que fez pois conseguiu o que queria” não nos dá grande margem para reduções.

Dito por outras palavras, pode existir algum rigor (não chamaríamos severidade) no sancionamento, mas o mesmo é justificado em função da culpa revelada e da gravidade dos factos em apreciação, não evidenciando o agente uma interiorização correcta do desvalor das respectivas acções, o que seria normal e expectável que no caso acontecesse.

Note-se que a pena do crime de falsidade informática está situada 1 ano e 3 meses acima do seu limite mínimo (dois anos), num intervalo até cinco, e que em função da menor expressão daquele mesmo limite, no crime de burla tributária, que para mais não alcançou consumação, a pena, no respectivo crime, já pôde descer para os 2 anos e 6 meses, ainda que o seu limite máximo supere o do anterior.

O mesmo se dirá em relação à pena única que resultou do respectivo cúmulo jurídico, a variar entre os 3 anos e 3 meses e os 5 anos e 9 meses de prisão.
No fundo, as acções estão interligadas, valendo basicamente pelo seu conjunto, tendo-se em vista um locupletamento na ordem dos € 56.000,00, a obter por forma manifesta e fortemente contrária aos respectivos deveres funcionais.

Pelo que nada se objectará à incorporação que foi feita pela “metade” da pena de menor expressão quantitativa, pois embora o respectivo resultado se venha a situar muito próximo da respectiva baliza máxima aplicável, traduz uma “cumulação” ainda comportável pelos factos em presença.

III-3.4.)Equacionemos agora a problemática da pena acessória.

O art. 65.º do Cód. Penal, depois de recordar que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, admite logo no respectivo n.º 2, que a lei possa “fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinadas (…) profissões”.

Ora de harmonia com o preceito seguinte:

“1-O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:
a)For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b)Revelar indignidade no exercício do cargo;
c)Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.”

Como é sabido, “a pena acessória é uma consequência jurídica do crime aplicável ao agente imputável em cumulação com uma pena principal”, mas que reveste autonomia em relação a esta.

Não é um efeito da pena, nem uma sua consequência automática (neste sentido, Paulo de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica, 2.º Ed.º, pág.ª 256).

No caso presente, o Tribunal, para além daquele cabimento em pena superior a 3 anos (e a suspensão da execução da pena não obsta à sua aplicação, assim Autor e obra citados, pág.ª 259), teve por verificadas todas as alíneas daquele art. 66.º, n.º1.

E em bom rigor, não vemos motivos para dissentir dessa conclusão, que se mostra fundamentada do seguinte modo:

“Assim, temos que o arguido praticou os factos com flagrante e grave abuso da sua função, uma vez que inclusivamente utiliza o seu acesso privilegiado ao sistema para fechas as primeiras divergências, sendo que tal conduta é praticada com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes, pois enquanto trabalhador dos serviços tributários cabia-lhe um especial dever de zelo e de salvaguarda dos interesses patrimoniais do Estado Português, que violou com a sua conduta. De igual modo, a conduta do arguido revela indignidade no exercício do cargo, pois que não soube respeitar os deveres que lhe são cometidos, a que acresce que o arguido prejudicou colegas e a própria imagem do Estado Português. Por fim, a conduta do arguido implica a perda da confiança necessária ao exercício da função.
Estão, assim, verificados todos os pressupostos de que depende a aplicação deste art. 66.º, n.º 1, do CP. Refira-se que, no caso concreto, acresce que do depoimento de alguns colegas e do responsável distrital, foi possível verificar que não estão ainda reunidas as condições para o regresso do arguido ao exercício de funções. Acresce que o mesmo não manifestou arrependimento, mantendo uma atitude desculpabilizante e continua a não reconhecer o dano criado pela sua conduta.”

No fundo, não estamos fora da ideia preconizada pelo Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequência Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, pág.ª 168), como justificativa da aplicação deste tipo de sanções:

Esse denominador comum reside na ideia base de que, concomitantemente com o crime, foram gravemente violados deveres relativos a um correcto exercício daquela função, ou foi posto severamente em causa o respeito e a confiança requeridos para o exercício daquele cargo. De forma aproximativa poderá talvez dizer-se que a violação justificativa da pena acessória tem que ser vista não apenas do lado do crime cometido – esse, sancionado com a pena principal –, mas também do reflexo que este produz sobre a função que o agente exerce; e isto ainda mesmo quando a lei apela à «indignidade» do agente ou à «perda de confiança» para o exercício do cargo”.

E para o mesmo, verificando-se os respectivos pressupostos, aquela “deve” e não apenas “pode” ser aplicada.

Como vimos defendendo, a sua fixação concreta opera-se basicamente com base nos mesmos critérios indicados no art. 71.º do Cód. Penal (neste sentido acórdão da Relação de Évora de 14/05/1996, in CJ, Ano XXI, Tomo III, pág.ª 286).

O que não significa, como se chama à atenção no acórdão da Relação do Porto de 11/09/1995, in CJ, Ano XX, Tomo IV, pág.ª 229, que não possa existir distinção nos objectivos de política criminal ligados às penas principais e às penas acessórias.

Ora se bem se atentar, a pena aplicada a este nível mantém a mesma proporcionalidade e equidistância já assumida por exemplo no crime de falsidade informática, cuja moldura é idêntica.

Esta doseada ligeiramente abaixo do respectivo ponto médio.

Pelo que, em identidade de razões, também aqui não se poderá falar de excesso.

Nesta conformidade:


IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos mencionados, acorda-se pois em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido GP....
Pelo seu decaimento, e independentemente do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, pagará o mesmo 3 (três) UCs de taxa de justiça, ex vi dos art.ºs 513.º e 514.º do Cód. Proc. Penal e respectivo Regulamento das Custas Processuais.


Elaborado em computador. Revisto pelo Relator o 1.º signatário.


Lisboa, 12-04-2016


(Relator:Luís Gominho)
(Adjunto:José Adriano)