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ABERTURA DE INSTRUÇÃO
REJEIÇÃO
REABERTURA DE INQUÉRITO
Sumário
Tendo o requerimento para abertura da instrução sido rejeitado por inadmissibilidade legal da mesma e posteriormente impetrada a reabertura do inquérito por requerimento entregue no DIAP e dirigido ao magistrado do Ministério Público, compete a este, por despacho e não ao juiz de instrução criminal, após promoção do primeiro, proferir decisão sobre o teor desse requerimento. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.
I-RELATÓRIO:
1.Nos autos com o NUIPC 3300/14.9TDLSB, da Comarca de Lisboa – Lisboa - Instância ... – ... Secção de Instrução Criminal – J..., foi proferido despacho pela Mmª JIC, aos 09/11/2015, que decidiu nada ter a ordenar quanto ao pedido de reabertura do Inquérito efectuado pela assistente M.L....
2.A assistente não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): A.Por despacho do magistrado do ministério público junto do DIAP de Lisboa foi determinado o arquivamento do processo de inquérito. B.A assistente requereu a abertura da instrução que viria ser rejeitada por inadmissibilidade legal, rejeição essa que não constitui caso julgado formal da causa. C.A assistente veio ao abrigo do disposto no artigo 279º do Código de Processo Penal requerer a reabertura do inquérito, o que poderá fazer a todo o tempo, pelo menos até ao decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, como aliás resulta do acórdão de 6 de Maio de 2004 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º04P1132. D.A reabertura de inquérito foi dirigida ao titular da ação penal na área territorial em causa, o magistrado do ministério público do DIAP de Lisboa. E.Atento o disposto no artigo 73º do Estatuto do Ministério Público, a ação penal neste caso cabe ao DIAP de Lisboa, F.Cabe a um magistrado do DIAP de Lisboa a pronuncia acerca do requerimento da assistente para reabertura de inquérito, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 279ºdo Código de Processo Penal, proferindo despacho em que defere ou recusa a reabertura do inquérito apoiado na direção do processo de inquérito e da ação penal que por Lei lhe estão conferidos. G.A folhas 238 do processo o magistrado do ministério público que se pronuncia sobre o requerimento é o procurador do ministério público junto da 1ª Seção de Instrução Criminal da comarca de Lisboa, atenta a folha timbrada onde é proferida a promoção com a referência n.º 336092182. H.Esta pronúncia é feita em clara violação das regras de competência estabelecidas no artigo 73º do Estatuto do Ministério público estabelecido pela Lei 2/1990 de 20 de Janeiro e com última alteração conhecida promovida pela Lei 9/2011 de 12 de Abril, uma vez que teria de ser um magistrado junto do DIAP de Lisboa a proferir a decisão. I.O magistrado do ministério público junto desse " tribunal" não tem competência, para se pronunciar sobre o requerimento da assistente, mas mesmo que tal possibilidade tal fosse admissível, o magistrado em questão deveria ter determinado a reabertura do inquérito ou a sua não reabertura. J.O que consta da pronúncia do magistrado do ministério público a folhas 238 do processo é uma promoção de indeferimento do requerido. K.O recorrido nada deveria determinar acerca da questão por estar impedido, uma vez que somente para dirigir a instrução pode intervir e o processo não se encontra nessa fase, como melhor resulta dos artigos 286º e seguintes do Código de Processo Penal; L.Mas profere despacho no qual decide nada haver a ordenar perante o que diz ser uma pronúncia do ministério público, que não consta de folhas 238, "pela não reabertura do inquérito"; e antes deferindo uma promoção do Ministério Público ao dizer "nada há a ordenar". M.Salvo melhor e douta opinião, ao proferir o despacho em causa o recorrido agiu em clara violação da separação de poderes e do principio do acusatório previsto no artigo 35º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, violando o preceituado no artigo 279º do Código de processo Penal, dando despacho a uma promoção ilegal do ministério público, proferida em clara violação do disposto no artigo 73º do Estatuto do Ministério Público, pelo que o mesmo deve ser revogado. N.Devendo ser substituído por outro que encaminhe o requerimento em causa para o magistrado titular do inquérito junto do DIAP de Lisboa para que este, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 279º do Código de Processo Penal, se pronuncie acerca do requerimento de reabertura de inquérito formulado pela ora recorrente. Nestes termos, nos melhores de direito, E sempre com o mui douto suprimento de V.Ex.ª, se requer a V.Ex.a se digne:
1-Dar provimento ao presente recurso e consequentemente determinar a revogação do despachado proferido, por violação do principio do acusatório previsto no artigo 35º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, do preceituado no artigo 279º do Código de Processo Penal, dando deferimento a uma promoção ilegal do ministério público, proferida em clara violação do disposto no artigo 73º do Estatuto do Ministério Público.
2-Dar provimento ao presente recurso e em consequência ordenar ao recorrido que substitua o despacho proferido por outro que encaminhe o requerimento em causa para o magistrado titular do inquérito junto do DIAP de Lisboa para que este, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 279º do Código de Processo Penal, se pronuncie acerca do requerimento de reabertura de inquérito formulado pela ora recorrente.
3.O Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso, por a decisão em causa configurar um despacho de mero expediente.
5. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1.Âmbito do Recurso.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se a Mmª Juíza de Instrução Criminal tinha competência para se pronunciar sobre o requerimento de abertura do inquérito formulado pela assistente.
2.Elementos relevantes para a decisão
2.1-Os autos tiveram início com a apresentação, aos 16 de Abril de 2014, de denúncia por M.L... contra J.C....
2.2-Realizadas as diligências de Inquérito que o Ministério Público entendeu por adequadas, findo este foi proferida decisão em 11/12/2014, no sentido de por inexistirem indícios suficientes da prática de infracção criminal, ao abrigo do disposto pelo artigo 277º, nº 2 do Código de Processo Penal, determino o arquivamento do inquérito, sem prejuízo da sua reabertura, ao abrigo do disposto pelo artigo 279º, nº 1, do mesmo diploma legal.
2.3-Por discordar desta, constituiu-se M.L... assistente nos autos e requereu a abertura da Instrução.
2.4-O respectivo requerimento para a abertura da Instrução foi objecto de apreciação judicial, sendo proferida decisão que o não admitiu por inadmissibilidade legal da Instrução, por despacho de 18/03/2015 e determinou o arquivamento dos autos.
2.5 Em 22/05/015, a assistente apresentou requerimento no DIAP de Lisboa dirigido ao “Exmo. Senhor Procurador do Ministério Público” impetrando a reabertura do Inquérito, ao abrigo do estabelecido no artigo 279º, do CPP, com fundamento na existência de novos elementos de prova que concretiza. Este requerimento foi junto aos presentes autos.
2.6-Apresentados os autos à Mmª JIC, foi lavrado despacho no sentido de se apresentarem os autos ao Ministério Público.
2.7-Aberta Vista, o magistrado do Ministério Público apreciou o teor do requerimento e concluiu (fls. 238): os pressupostos para a reabertura do inquérito encontram-se definidos no art. 279º do CPP, pelo que p. o indeferimento do requerido por intempestivo e inadmissível legalmente uma vez que a Assistente optou após o arquivamento requerer a abertura da instrução.
2.8-Em 09/11/2015, foi então proferida a decisão recorrida, que apresenta o seguinte teor(transcrição): Tendo em conta que o MP se pronunciou pela não reabertura do inquérito, por intempestivo, nada há a ordenar. Notifique a assistente com cópia de fls. 238.
Apreciemos.
Sustenta a recorrente que, competente para apreciar o pedido de reabertura de Inquérito é o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, nos termos do artigo 279º, do CPP e não o Juiz de Instrução Criminal.
A peça processual apresentada pela assistente está dirigida ao Exmº Procurador da República e foi entregue no DIAP de Lisboa.
Conforme estabelecido no artigo 17º, do CPP, compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código.
E, de acordo com o consagrado no artigo 279º, do mesmo diploma legal, “esgotado o prazo a que se refere o artigo anterior, o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento” – nº 1; sendo que a apreciação e decisão sobre a verificação desses novos elementos probatórios – no sentido de deferir ou recusar a reabertura - compete ao Ministério Público, como resulta do nº 2, nos termos já explicitados.
Assim, atribuindo expressamente a lei a competência para decidir sobre o pedido de reabertura do Inquérito ao Ministério Público, terá de ser um magistrado deste a emitir decisão sobre o impetrado.
Ora, o que se verifica no caso em apreço é que inexiste decisão de um Magistrado do Ministério Público, mas uma promoção por este feita ao Juiz de Instrução Criminal de indeferimento do requerimento de reabertura do Inquérito por intempestivo e inadmissível.
E, a Mmª JIC, ao despachar no sentido de que existiu pronúncia pelo Ministério Público quanto ao pedido de reabertura do Inquérito, quando efectivamente nada por este foi decidido (antes se promoveu uma decisão judicial de indeferimento) e determinando o arquivamento dos autos, está efectivamente, de forma tácita, a indeferir essa reabertura.
Assim, violadas se mostram regras de competência, pelo que o despacho revidendo padece da nulidade enunciada na alínea e), do artigo 119º, do CPP, precisamente por obliteração das regras de competência do Tribunal, a qual, por ter natureza insanável, pode e deve até ser conhecida oficiosamente – Ac. R. do Porto de 06/12/2000, Proc. nº 0011223, Ac. R. de Lisboa de 14/11/2007, Proc. nº 2747/2007-3 e Ac. R. de Coimbra de 25/11/2009, Proc. nº 131/04.8PBVNO.C2, disponíveis em www.dgsi.pt.
Termos em que, cumpre declarar a nulidade do despacho recorrido.
Mas, assim se entendendo e cabendo ao Ministério Público a competência para se pronunciar, decidindo por despacho, sobre o teor da peça processual apresentada pelo assistente em 22/05/2015, parece que tal não é legalmente admissível nos autos, que se encontram no domínio do Juiz de Instrução.
Contudo, vero é que a Mmª JIC a quo indeferiu liminarmente o requerimento para abertura da Instrução, por decisão isenta de recurso.
Nos termos do nº 3, do artigo 287º, do CPP, o requerimento para abertura da Instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da Instrução, sendo que, conforme estatuído no nº 4, do mesmo, “no despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado”, de onde resulta que os autos só passam efectivamente a esta fase quando o JIC profere despacho nesse sentido, ou seja, quando declara aberta a Instrução, o que não aconteceu no caso em apreço, como visto está.
Assim, devem os autos ser devolvidos ao Ministério Público, para possibilitar a eventual reabertura do Inquérito, como se prevê no artigo 279º, nº 1, do CPP.
III-DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os Juízes da ...ª Secção desta Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso pela recorrente/assistente M.L... interposto e, em consequência, declaram nulo o despacho recorrido, nos termos da alínea e), do artigo 119º, do CPP e determinam que os autos sejam devolvidos ao Ministério Público.
Sem tributação.
(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP).