LOCAÇÃO
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO
Sumário

A locação operacional configura um negócio através do qual o produtor ou o distribuidor de uma coisa, em regra estandardizada ou de elevada incorporação tecnológica, proporciona a outrem o seu gozo temporário, mediante remuneração, prestando também, em princípio e de modo acessório, determinados serviços, v.g., de manutenção do bem.
Trata-se de uma figura jurídica próxima da locação financeira, mas com a qual não se confunde, dadas as suas características próprias.
O regime constante do art. 1045º, nº2, do CC não é aplicável aos contratos de aluguer de veículo automóvel (ALD), de locação financeira e de locação operacional.

Texto Integral




1. BANCO ... M., S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação contra TIAGO pedindo que se condene o réu:
- A restituir à autora o veículo com a matrícula 21-…-21;
- A pagar à autora a importância de € 7.717,93, a que acrescem € 175,09 de juros vencidos até 25/8/2014, bem como os juros que, à taxa de juros comerciais, se vencerem sobre o montante de € 1.279,35 desde 24/08/2014 até integral pagamento, mais € 378,74 por cada mês que, para além de 05/09/2014, inclusive, demorar a entrega e restituição do veículo referido ao Autor e, ainda, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por dia, durante os primeiros trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença, quantitativo que deverá ser de € 100,00, por dia, nos trinta dias seguintes e de € 150,00, por dia, daí em diante, e até integral cumprimento.
Para tanto, alega, em síntese, que entre a autora e o réu foi celebrado um contrato de locação relativo a determinada viatura automóvel, que identifica, sendo que o réu, apesar de interpelado, deixou de pagar as prestações a que estava contratualmente obrigado e não restituiu o veículo à autora.
2. O réu apresentou contestação, na qual concluiu pela improcedência da acção. Além disso, em reconvenção, pediu a condenação da autora a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o veículo, a proceder ao registo da aquisição a seu favor e a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de EUR 1.939,79, acrescida de juros desde a citação.
3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência:
I) - Condenou o réu a:
- Pagar à autora a quantia de EUR 1.279,35, a título de alugueres vencidos e não pagos, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal, desde as datas de vencimento dos respectivos alugueres até integral pagamento;
- Restituir à autora o veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula 21-…-21;
- Pagar à autora a quantia de € 378,74 mensais, desde 05/01/2013 até à efetiva restituição do veículo automóvel de marca Opel, com a matrícula 21-CZ-21, a título de indemnização pela mora na restituição do mesmo;
II) - Absolveu a autora do pedido reconvencional.
4. Inconformado, apelou o réu e, em conclusão, disse:
1. O Tribunal a quo decidiu julgar parcialmente procedente por provada a presente ação e, em consequência, condenar integralmente o R. no pedido.
2. Por não se conformar com (i) a factualidade considerada provada na sentença e (ii) com o enquadramento jurídico que foi dado à mesma por parte do Tribunal a quo, vem o R. interpor recurso da referida sentença, impugnando e solicitando a reapreciação da decisão da matéria de facto e de direito por parte deste Venerando Tribunal.
3. É que, ressalvado o devido respeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo não se afigura acertada, nem devidamente fundamentada.
4. Como acima se deixou claro, no plano de matéria de facto: (i) os montantes de custos administrativos nunca foram efetivamente apresentados ao R., não tendo havido uma notificação devida das cláusulas contratuais; (ii) de igual forma, o R. comprovadamente pagou as 61 prestações devidas de acordo com o Contrato, na sua totalidade; e (iii) sempre o Tribunal a quo, ignorou a violação das obrigações contratuais do Autor pela não-alteração do débito directo bancário, erro na respetiva emissão das faturas pelo Autor e uma recusa em assegurar o gozo do Veículo ao fim pretendido.
5. De facto, o presente pleito advêm do facto que sempre discordou o R. da aplicação indiscriminada de custos administrativos ou penalizações na situação concreta do pretenso atraso em pagamento do seguro Auto Mapfre, em virtude da falha do Autor transferir o débito direto bancário para a nova conta-ordenado do R., e em virtude de erro na faturação do montante referente ao seguro indicado e da consequente aplicação automática e indiscriminada de outros custos administrativos ou penalizações ao R.
6. Como acima se igualmente deixou claro, no plano de matéria de direito, sempre se dirá que o Tribunal a quo errou igualmente ao aplicar incorretamente o artigo 805.° n.°2, alínea a) do Código Civil e as sanções pecuniárias previstas no artigo 1045.°, n.° 2 e no artigo 827.° do Código Civil.
7. Atendendo que houve efetivo pagamento de todas as prestações devidas, com exceção dos custos administrativos ou penalizações faturados pelo Autor sem justificação, não se pode dizer que o R. se encontrava em mora.
8. Conforme o R. demonstrou, a respetiva tese deveria ter sido acolhida pelo Tribunal a quo face à prova produzida nos autos, pelo que, a final, fácil se tornará concluir pela procedência do recurso de apelação agora interposto e, consequentemente, pela revogação da Sentença em crise.
9. Conforme expendido, não deveria ser assim aplicado o artigo 805.° n.°2, alínea a) do Código Civil sobre a mora do R., que resultou em condenar o R. a pagar a quantia de Euros 1.279,35, a título de alugueres vencidos, acrescidos de juros de mora.
10. Da mesma forma, não deveria o Tribunal a quo aplicado o artigo 827.° do Código Civil, condenado o R. a restituir o Veículo.
11. Contudo, mais gravoso ainda foi a decisão do Tribunal a quo, o qual obrigou ainda o R. a pagar ao Autor a quantia de Euros 378,74 mensais, desde 05/01/2013 até efetiva restituição do Veículo, a título de indemnização pela mora na restituição do mesmo.
12. Conforme requerido pelo R., o disposto no art.° 1045°, n.° 2, do Código Civil, não tem qualquer aplicação aos contratos de aluguer de veículo automóvel de longa duração, tal como acontece no caso em apreço.
13. O Contrato em causa não é o contrato de locação, mas na substância um contrato da locação financeira, nos termos do qual não existe o dever de devolução da coisa locada, e como consequência, o artigo 1045.°, n.° 2, do Código Civil não poderá ser aplicável.
14. Ora, tendo sido amplamente reconhecido pela jurisprudência que se trata de um tipo de contrato não previsto pelo legislador, caberá então às partes fixar nesse mesmo contrato os montantes indemnizatórios.
15. As partes, no caso em apreço, afastaram claramente a aplicação da disposição supletiva daquele art.° 1045°, n.° 2.
16. A própria referência pelo Autor a um valor do Veículo como sendo Euros 14.000,00, a qual não tem sequer em consideração qualquer amortização durante os oito anos a partir da data do inicio da sua utilização, só pode resultar em valores desconformes com a realidade.
17. Não se concebe, por isso, como possível que qualquer montante adicional mensal por cada mês a partir de 5/01/2013 até à efetiva restituição do Veículo seja sequer devido.
18. Aliás, conforme ficou verificado, não existe qualquer suporte contratual ou outro que evidencie um acordo ou valor sobre o qual se possa extrair as penalizações referidas e juros aplicados entre o A. e o R., que sustente a indemnização à qual o R. foi condenado.
19. Ademais, na hipótese de esta indemnização ou valor mensal vir a ser devido, esse montante revela-se como abertamente desproporcional a um eventual dano em causa.
20. Resultando assim prejudicada a condenação do réu no pagamento da quantia a título de indemnização pela mora na restituição do Veículo.
21. Adicionalmente e atendendo que a execução da Sentença proferida causará ao R. prejuízos consideráveis, mediante privação de meios da subsistência básicos ao agregado familiar e que o próprio objeto da ação foi restituído ao Autor conjuntamente com o pagamento da quantia de Euros 1.239,35, acrescida de juros de mora vencidos até a data do pagamento em 28 de Setembro de 2015, requer-se a atribuição do efeito suspensivo quanto à execução da Sentença em relação ao pagamento da quantia Euros 11.362,20.
Nestes termos e nos demais que V. Exas. aprouverem, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser alterada a matéria de facto identificada supra, e revogada a decisão do Tribunal a quo na parte em que a mesma condenou o R., sendo substituída por outra que julgue a improcedente a acção.
Ou mesmo que o Tribunal ad quem venha a manter parcialmente a decisão recorrida, o que não se concede, sempre o Tribunal ad quem deverá declarar prejudicada a condenação do R. no pagamento da quantia a título de indemnização pela mora na restituição do Veículo.
5. Foram apresentadas contra alegações.
6. Cumpre apreciar e decidir se deve ser alterada a decisão de facto, se assiste à autora o direito a pedir a restituição do veículo, bem como o de receber a quantia relativa às prestações em falta e à indemnização, pelo atraso na restituição do veículo.
7. Os factos
7.1. É a seguinte a factualidade dada como provada:
1. O Réu pretendia adquirir o veículo automóvel da marca OPEL, modelo CORSA, com a matrícula 21-…-21, tendo para o efeito contactado a firma “AUTO INDUSTRIAL, S.A.”.
2. Como não dispunha de recursos financeiros suficientes para a aquisição a pronto pagamento, foi sugerido pelo vendedor a intervenção do ora Autor.
3. Na sequência do que lhe foi solicitado pela dita firma, por ela e em nome do Réu, o Autor adquiriu, com destino a dar de aluguer ao Réu, o referido veículo, pelo preço de €14.000,000.
4. Por contrato particular, datado de 20/12/2007, o Autor deu de aluguer ao Réu o dito veículo, que assim o recebeu.
5. O prazo de aluguer foi de 60 meses, sendo mensal a periodicidade dos alugueres, a pagar postecipadamente, aos dias 5 de cada mês, com início a 05/02/2008, do montante, atento o Aditamento de 20/12/2007, de € 255,87 cada, incluindo já o IVA respectivo e o prémio de seguro e as despesas de cobrança.
6. O dito preço mensal do aluguer de €255,87, correspondia a € 189,37 ao aluguer propriamente dito, e o restante a IVA, prémios de seguro e despesas de cobrança.
7. A falta de pagamento de qualquer dos ditos alugueres implicava a possibilidade de resolução do contrato pela Autora, resolução que se tornava efectiva após comunicação fundamentada em tal sentido feita pelo Autora ao Réu, ficando este não só obrigado a restituir o veículo, fazendo a Autora seus os alugueres e a caução até então pagos, como tendo ainda o Réu que pagar não só os alugueres em mora, e uma indemnização nos termos da cláusula 10ª, nº 4, do dito contrato, cláusula esta que contudo foi declarada nula em acção inibitória.
8. O Réu, em 29/04/2009, participou ao Autor a alteração da morada da sua residência.
9. O Autor comunicou ao Réu, por cartas datadas de 08/04/2013, enviadas registadas e com aviso de receção para a morada indicada pelo Réu, o valor dos montantes em atraso, com a indicação de que se não fossem pagos no prazo de 10 dias considerariam o contrato “rescindido”, o que implicaria a obrigação de entrega imediata do veículo.
10. O Réu continuou sem pagar ao Autor o valor dos alugueres em débito desde 05/08/2012 e sem restituir ao Autor o veículo referido.
11. Em 17/12/2007, foi subscrito pelo Réu e o vendedor Hugo o “Contrato de Compra e Venda nº 09372, prevendo um sinal de € 500,00, um valor de financiamento de € 11.000,00 e um valor restante de € 2.500,00, sendo os € 11.000,00 pagos através de “ALD”.
12. O plano de pagamentos enviado pelo Autor ao Réu previa duas prestações iniciais no total de 3.000,00 e outras 60, sendo a última de € 45,21.
13. Mediante pagamento de serviços à entidade 20233, com a referência 085867034, entre Dezembro de 2007 e Janeiro de 2012, o Réu fez os seguintes pagamentos:
- 03 de Setembro 2012: € 259,79
- 25 de Setembro 2012: € 259,79
- 11 de Outubro 2012: € 259,79
- 4 de Dezembro 2012: € 259,79
- 2 de Janeiro 2013: € 259,79.
14. Adicionalmente, no dia 2 de Janeiro de 2013, foi paga a quantia de € 45,21.
15. No dia 4 de Janeiro de 2013, foi ainda transferido o valor de € 259,79.
16. Nos termos da Cláusula 18ª das Condições Gerais do Contrato referido em 4., sob a epígrafe “caracterização contabilística”, locador e locatário declaram reconhecer o contrato como enquadrado como Locação Financeira no âmbito e ao abrigo do disposto na DC nº 25.
17. As cláusulas contratuais foram comunicadas ao Réu que delas tomou conhecimento.
18. Cumprido que fosse o contrato de locação operacional – aluguer de veículo nº 858670 foi salvaguardada, mediante a celebração em simultâneo do contrato promessa de compra e venda de veículo nº 858670, a transferência da propriedade do veículo locado.
19. O valor de € 45,21 constitui o valor das despesas de transferência do registo de propriedade do veículo devidas apenas na condição de o Réu cumprir integralmente o contrato de locação operacional, no contexto da execução do contrato promessa de compra e venda de veículo nº 858670.
20. O Réu aderiu ao seguro Auto Mapfre, que viria a ser anulado em 21/12/2011, sendo responsável pelo reembolso mensal, aos dias 5 de cada mês, nos termos das cláusulas 4ª e 7ª, do valor de duodécimos do prémio anual do seguro liquidado pelo Autor junto da referida seguradora, inicialmente no montante mensal de € 24,88, a partir de 2010, de € 27,11 e desde 2011 de € 26,13.
21. Nos termos da cláusula 4ª, nº 3, do referido contrato, em caso de falta ou atraso em qualquer pagamento, o locatário terá que pagar ao locador juros de mora calculados à taxa máxima legalmente permitida, acrescidos de despesas administrativas, por cada aluguer em atraso.
22. O Réu constituiu-se na obrigação de pagar ao Autor as comissões devidas pela identificação do Réu sempre que a utilização que fez do veículo resultou na notificação do Autor, na qualidade de proprietário/locador, para identificar junto das autoridades competentes o locatário/condutor do referido veículo.
23. Em 03/09/2012 o Autor recebeu a quantia de € 259,79 e imputou € 209,04 ao pagamento dos duodécimos do prémio anual do seguro Auto Mapfre referentes aos meses de Junho de 2011 a Janeiro de 2012 e € 50,75 ao pagamento parcial de juros de mora e encargos vencidos, liquidados e não pagos.
24. Em 25/09/2012 o Autor recebeu a quantia de € 259,79 e imputou a totalidade ao pagamento do 54° aluguer, vencido em 05/06/2012, ficando em dívida os juros e encargos respeitantes à mora referente a este aluguer, liquidada então no valor de € 115,71 (total a receber € 375,50 – total recebido € 259,79).
25. Em 11/10/2012, o Autor recebeu a quantia de € 259,79 e imputou a totalidade ao pagamento parcial de juros de mora e encargos vencidos, liquidados e não pagos, ficando ainda em dívida, a este título, a quantia de € 91,71 (total a receber € 351,50 – total recebido € 259,79). 26. Em 04/12/2012, o Autor recebeu a quantia de € 259,79 e imputou a totalidade ao pagamento do 55° aluguer, vencido em 05/07/2013, ficando em dívida os juros e encargos respeitantes à mora referente a este aluguer então no valor de € 145,52 (total a receber € 405,31 – total recebido € 259,79).
27. Em 02/01/2013, o Autor recebeu a quantia de € 259,79 e imputou € 45,21 ao pagamento parcial de juros de mora e encargos vencidos, liquidados e não pagos, € 49,20 a serviços de identificação de condutor realizados em 14/06/2011 e 15/06/2011, € 192,02 ao pagamento de juros de mora e encargos vencidos, liquidados e não pagos, e, o remanescente creditou em conta corrente do Réu.
28. Em 04/01/2013 o Autor recebeu a quantia de € 259,79 que, conjuntamente com o valor então a crédito em conta corrente do Réu, imputou ao pagamento do 61º aluguer, vencido em 05/01/2013, num total de € 261,29.
7.2. É a seguinte a factualidade dada como «não provada»:
a) o Réu pagou os 56º ao 60º dos alugueres acordados, vencidos entre 05/08/2012 e 05/12/2012;
b) o valor de € 45,21 corresponde ao valor residual e a taxa de serviço para a transferência dos direitos da propriedade;
c) em 2010, o veículo foi assaltado, tendo sido furtados todos os documentos do registo que se encontravam no mesmo;
d) apesar de inúmeros contatos telefónicos com o Autor a solicitar a emissão dos novos documentos, os mesmos nunca foram fornecidos ao Réu;
e) no dia 18 de Junho de 2011, o Réu celebrou o contrato de locação de espaço de estacionamento com a EMEL, que envolve o pagamento mensal de um valor de € 80,00;
f) o valor referente ao estacionamento pago desde essa data totalizou o montante de € 2.000,00.
8. Da modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto
O art. 640º, do CPC estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (e, caso a prova tenha sido gravada, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, nessa parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes).
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Por sua vez, como se dispõe no art. 639º, nº1, do CPC o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Como tem sido repetidamente afirmado, as exigências legais, nesta matéria, devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (cf. António Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2013, 129).
Sucede que, nas conclusões do recurso, o réu/apelante limita-se a afirmar que pretende impugnar a decisão de facto, sem contudo apontar, em concreto, quais os pontos impugnados e, sobretudo, quais os meios probatórios que justificam – ponto por ponto – a alteração da decisão de facto.
É, assim, manifesto que a matéria de facto não foi impugnada nos termos legalmente prescritos, pelo que se impõe – sem mais – a rejeição do recurso de facto.
9. Enquadramento jurídico
9.1. No caso sub judice, as partes celebraram entre si um contrato denominado “Contrato de Locação Operacional", cujo clausulado consta do documento junto a fls. 15 a 19.
Como escreve Fernando de Gravato Morais, “a locação operacional configura um "negócio através do qual o produtor ou o distribuidor de uma coisa, em regra estandardizada ou de elevada incorporação tecnológica, proporciona a outrem o seu gozo temporário, mediante remuneração, prestando também, em princípio e de modo acessório, determinados serviços, v.g., de manutenção do bem.”
Trata-se de uma figura jurídica próxima da locação financeira, mas com a qual não se confunde, dadas as suas características próprias.
Efetivamente, na locação operacional, destaca-se a específica natureza da coisa locada, dado que, na maior parte dos casos, se trata de bens móveis de natureza duradoura, com a particularidade de terem tendencialmente uma longa obsolescência técnica. Isto significa que a vida técnico-económica da coisa não se esgota no período de vigência do contrato, daí que a sua duração média seja de um a três anos, a fim de que, no seu termo, os bens, restituídos ao locador, sejam novamente colocados no mercado.
Por outro lado, neste tipo contratual há usualmente um conjunto de serviços acessórios a prestar pelo locador ou por alguém a ele ligado (v.g. manutenção ou reparação da coisa ou assistência técnica).
Além disso, o valor a pagar periodicamente pelo utilizador encontra-se relacionado, por um lado, com o gozo do bem e, por outro, com a prestação dos mencionados serviços, sendo que, em princípio, não cobre o preço da aquisição do bem locado, pago pelo locador.
Acresce que, em regra, o locatário pode denunciar o contrato a qualquer momento, desde que respeite o prazo de “pré – aviso” fixado e, se o não fizer, deve restituir a coisa locada no termo do contrato, ou prorrogar a sua vigência. Não lhe assiste, porém, a opção de compra do bem locado.
Sendo estes os traços essenciais da locação operacional, as diferenças em relação à locação financeira são assinaláveis.
Com efeito, o esquema típico da locação financeira é o seguinte:
O prazo do contrato abrange a maior parte da vida útil do bem; a renda paga pelo locatário destina-se a cobrir os montantes pagos pelo locador com a aquisição da coisa, mas também o lucro que o mesmo se propõe obter com o negócio; o locador não suporta os riscos inerentes a um “verdadeiro” proprietário, designadamente o da perda ou de deterioração da coisa; existe sempre a faculdade de aquisição da coisa locada no termo do contrato pelo locatário, mediante o pagamento de um valor residual.
Note-se, ainda, que, quer a locação financeira, quer a locação operacional não se confundem com a locação ordinária ou com o aluguer de longa duração (ALD) ainda que se reconheça existir afinidade entre estas figuras jurídicas.
Deve, finalmente, sublinhar-se que a doutrina em geral afasta a assimilação da locação financeira (e por maioria de razão, também a locação «não financeira») ao contrato de mútuo e/ou ao contrato de crédito, dado o significado das obrigações específicas do locador na relação contratual e as diferentes estruturas jurídicas de cada tipo contratual.
Se procurarmos agora enquadrar as características da relação jurídica em análise num dos tipos contratuais em confronto vemos que a mesma não se reconduz integralmente a nenhum deles.
É, portanto, de concluir estarmos perante um contrato (atípico), cujo regime jurídico não está legalmente compilado e que se rege, em primeiro lugar, pelas cláusulas acordadas entre os contraentes e, supletivamente, pelas normas do Código Civil que consagrem regras gerais, e ainda, com as necessárias adaptações, pelas normas da locação, previstas nos arts. 1022º e ss., do CC.
9.2. Nesta acção, a autora pede o pagamento das prestações em dívida, no total de EUR 1.279,35 (5 prestações x EUR 255,87), bem como os juros de mora desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.
Como resulta da cláusula 10ª, nº1, do contrato, as partes contratantes acordaram que, verificado o incumprimento pelo locatário, o locador podia resolver o contrato (clª 10ª, nº1).
Quer isto significar que as partes, ao abrigo do disposto nos arts. 406º e 432º, ambos do CC, introduziram no contrato uma cláusula resolutiva expressa.

Por conseguinte, não tendo o réu pago as 56ª a 60ª prestações, nas datas dos seus vencimentos, a autora, conforme previsto no contrato, por carta registada e com aviso de receção, recebida pelo réu, declarou resolvido o contrato.

A resolução operou, assim, imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chegou ao poder da parte inadimplente, ou é dela conhecida (art. 224º, n.º 1, do CC).

Nos termos clausulados, resolvido o contrato, assiste à locadora o direito ao pagamento das prestações em dívida, bem como da indemnização pela mora e ainda à restituição imediata do veículo (clªs 10ª, nºs 3, 5 e 11ª).
Com efeito:
“O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.” – art. 406º, n.º 1, do CC.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação responde pelo prejuízo que causa ao credor, incumbindo ao devedor a prova de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua – arts. 798º e 799º, CC.
O devedor considera-se constituído em mora, quando por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda possível, não foi efetuada no tempo devido – art. 804º, CC.
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, sendo que, na obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros (legais) a contar do dia da constituição em mora – art. 806º, do CC..
Neste quadro normativo, é manifesto que a sentença recorrida, na parte em que condenou o réu a pagar à autora a importância supra mencionada (EUR 1.279,35), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento até integral pagamento, não merece qualquer censura.
De igual modo, pelas razões acima enunciadas, não merece qualquer reparo o segmento decisório que condenou o réu a restituir o veículo locado à autora.
9.3. Quanto à indemnização pela mora na restituição do veículo:
Ao abrigo do disposto no art. 1045º, nº2, do CC, e não da cláusula 10ª, nº4, das condições gerais do contrato Como já se disse, para servir de fundamento a este pedido de indemnização, a autora afastou expressamente esta cláusula, por a mesma ter sido, como efetivamente foi, declarada nula por acórdão do STJ, proferido em acção inibitória.
, veio, a autora, pedir a condenação do réu a pagar-lhe, a título de indemnização pelo atraso na restituição do veículo locado, uma quantia igual ao dobro do valor de cada aluguer, por cada mês que, após 5/1/2013, demorar a entregar-lhe aquele veículo.
A sentença recorrida, com base no sobredito normativo, condenou o réu a pagar à autora a quantia mensal de EUR 378,74, desde 5/1/2013 até à efetiva restituição do veículo.
O apelante, no entanto, insurge-se contra este segmento decisório, alegando que o disposto no art.º.1045º, do CC não tem aplicação ao caso dos autos.
Tudo está, portanto, em saber se a norma do art. 1045º, do CC pode ser convocada para fundar a atribuição da indemnização ao locador operacional quando o locatário não proceda à restituição do bem locado.

A jurisprudência tem vindo, reiteradamente, a entender que o regime constante do art. 1045º, nº2, do CC não é aplicável aos contratos de aluguer de veículo automóvel (ALD) e de locação financeira, dado que a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada prevista no artigo 1045°, do CC se justifica por ser a renda correspondente ao valor da coisa locada, sendo este o prejuízo do locador. Contudo, no contrato de ALD e/ou de locação financeira a renda é calculada em função do capital investido no bem locado, encargos, risco do locador, margem de lucro e amortização. O valor assim apurado é, pois, alheio ao valor locativo do imóvel (v. o ac. do STJ de 8 Abr. 2010, relatado pelo Juíz Conselheiro Lopes do Rego, Processo 3501/06.3TVLSB.C1.S1, JusNet 1692/2010, o ac. da Rel. Lisboa de 16/1/2007, processo 8518/2006, JusNet 1066/2007, relatado pelo Juíz Desembargador Torres Vouga, respectivamente).

As razões que nos levam a perfilhar o mesmo entendimento são também aplicáveis ao caso dos autos, pois também aqui a “renda” não se destina meramente a retribuir o gozo da coisa locada por parte do locatário, antes engloba o pagamento dos encargos suportados pelo locador, bem como o lucro por este auferido com a operação em causa. Aliás, talvez por isso mesmo, os termos da indemnização por incumprimento tenham sido especificamente previstos no contrato Cláusula penal que foi, como já referido, declarada nula, em acção inibitória., ao estipular-se nele que a indemnização ali fixada se destinava, além do mais, a ressarcir a locadora dos prejuízos que do incumprimento do contrato lhe resultassem, sendo certo que uma das formas do incumprimento era precisamente a falta de restituição do veículo em caso de resolução contratual. Deve, pois, concluir-se que as partes afastaram a aplicação da norma supletiva do art.º 1045º, n.º 2, mesmo que tal disposição fosse aplicável na hipótese dos autos.

Nestas condições, o facto de o bem locado não ter sido entregue após a resolução do contrato poderia fazer incorrer o devedor na obrigação de reparar os prejuízos assim causados ao credor (artigo 798°,n°1 do Código Civil).
Verifica-se, porém, que a autora nada alegou quanto à existência de prejuízos resultantes da falta de entrega do imóvel, pelo que o julgador não poderia tê-los em consideração. No que respeita à cláusula penal prevista na clª 10ª, nº 4, do contrato, sendo nula, como é, também não poderá constituir fundamento do pedido.
Procede, pois, nesta parte, o recurso.
10. Nestes termos, concedendo parcial provimento ao recurso, acorda-se em absolver o réu do pedido de pagamento à autora da quantia mensal de EUR 378,74 e respectivos juros de mora, nessa parte se revogando a sentença recorrida.
As custas da acção e da apelação serão suportadas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Lisboa, 7/6/2016

(Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado)
(Rosa Maria Ribeiro Coelho)
(Maria Amélia Ribeiro)