ÓNUS DA ALEGAÇÃO
PORTARIAS DE EXTENSÃO APLICÁVEIS
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
SERVIÇOS DE ACÇÃO SOCIAL
CANTINA
Sumário

I–O conhecimento e aplicação das Portarias de Extensão, de publicação obrigatória no Diário da República e no BTE, não depende da alegação das partes, como se de meros factos se tratassem, dado se reconduzirem a elementos jurídicos de necessária busca e localização oficiosas por parte do julgador, dentro dos seus deveres e poderes funcionais.
II–As atribuições legais e estatutárias da Ré SERVIÇOS DE ACÇÃO SOCIAL não integram a atividade de exploração comercial e lucrativa de cantinas e de refeitórios, inserindo-se antes no campo da ação social escolar desenvolvida no quadro do ensino superior, aí se incluindo, entre outras valências, a da alimentação dos estudantes universitários carenciados, que é garantida por via da abertura de cantinas e refeitórios e da concessão da sua exploração, mediante concurso público, a entidades privadas ou, eventualmente, a associações de estudantes, nos termos da lei, não se verificando, assim, uma qualquer identidade entre os «objetos sociais» da 1.ª Ré e da 2.ª Ré (ou da empresa que, a partir de junho de 2015 passou a exercer aí a sua atividade económica de exploração da referida cantina, em tudo similar, ao que presumimos, à daquela) que justifique a aplicação aqueles SERVIÇOS DE ACÇÃO SOCIAL, mesmo por força das referidas Portarias de Extensão, da regulamentação coletiva do sector.
III–Atendendo à natureza e conteúdo das atribuições legal e regularmente assacadas à 1.ª Ré, não se nos afigura que caiba no âmbito das mesmas, pelo menos de forma expressa e direta, a referida atividade de planeamento, conceção, confeção e fornecimento aos estudantes universitários da faculdade de Ciências e outras de refeições e serviço de bar/café, mas, ainda que assim não se entenda, seguro é que inexistem factos alegados e demonstrados nesta ação que apontem minimamente no sentido de tal conjunto de atos e procedimentos terem sido levados a cabo, de forma continuada e reiterada e a partir da 1/1/2015 ou depois da conclusão das obras efetuadas no refeitório, nesse espaço que havia sido explorado até 31/12/2014 pela 2.ª Ré, com recurso a trabalhadores privativos desta última ou contratados superveniente e temporariamente para esse preciso efeito.
IV–Naturalmente que a situação anómala criada nos autos, com a realização de obras e a dilação temporal inesperada de 5 meses entre o termo da relação estabelecida entre as Rés e a entrada da nova empresa em cena, é estranha e alheia à posição jurídico-laboral dos aqui Autores, não tendo estes últimos contribuído minimamente para ela, mas o mesmo pode dizer-se (com exceção da realização das aludidas obras nas instalações do refeitório) relativamente a ambas as demandadas, pois quer a 1.ª Ré, como a 2.ª Ré, não contribuíram de qualquer forma para o insucesso dos dois primeiros concursos abertos com vista à cedência para exploração da dita cantina, não lhes podendo ser imputada qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual nessa matéria da demora na sucessão das sociedades em questão.
V–Logo, num cenário como o exposto e tendo em atenção que os aqui demandantes mantinham uma relação jurídico-laboral com a 2.ª Ré, que não caduca ou se transmite juridicamente de forma cega e automática para entidades terceiras, por força e em virtude do termo do contrato de exploração do aludido refeitório, só havendo a assunção, em tais relações laborais, por parte de uma nova entidade empregadora, das obrigações e direitos anteriormente encabeçados pela anterior empresa, desde que ocorra uma genuína e verdadeira transmissão do estabelecimento, os Autores mantiveram-se como trabalhadores dessa empresa (2.ª Ré).
VI–Não existe continuidade ou, pelo menos, conexão jurídica relevante para efeitos de aplicação do regime legal dos artigos 285.º e seguintes do C.T./2009 entre o contrato firmado entre as Rés e a atividade dele decorrente e aquele que veio a ser celebrado 5 meses depois entre a 1.ª Ré e a nova empresa que assumiu a exploração do dito refeitório.
VII–Logo, tendo a 2.ª Ré se recusado a manter os Autores ao seu serviço, assim impedindo os Apelados de continuar a desempenhar funções para si (pelo menos até junho de 2015, na melhor das interpretações jurídicas do regime legal aplicável), procedeu assim ao seu despedimento ilícito.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


AA (1.º Autor), divorciado, empregado da indústria hoteleira, contribuinte fiscal n.º (…), residente na (…) e BB (2.ª Autora), solteira, empregada da indústria hoteleira, contribuinte fiscal n.º (…), residente na (…), vieram, em 27/01/2015, propor a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral, contra SERVIÇOS DE ACÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE DE LISBOA (1.ª Ré), NIPC 510 762 980, com sede na Rua da Junqueira 86 (Palácio Burney) – 1349-025 Lisboa e CC SA (2.ª Ré), pedindo, em síntese, o seguinte:
-A condenação da primeira Ré ou da segunda Ré a pagar a cada um dos autores a importância de € 939,15 ao 1.º Autor e de € 596,10 à segunda Autora, quantias acrescidas do que se vencer até final, que corresponde às retribuições intercalares;
-Em alternativa, a reintegrar ao seu serviço ou a pagar-lhes a indemnização de antiguidade que lhes for devida, tudo a liquidar em execução de sentença;
-Ser ainda a segunda Ré condenada a pagar ao primeiro Autor a quantia de € 881,28 e à segunda Autora a quantia de € 514,65, referente ao subsídio de férias vencido em 1/01/2015, acrescidas daquelas que se vencerem a título de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
*

Para tanto alegaram os Autores, em síntese, o seguinte:

-Que os autores trabalhavam para a 2.ª Ré, o primeiro desde 17/09/008, como inspetor de restauração, auferindo € 881,28, acrescido de passe social no valor de € 57,90, e a segunda desde 26/09/2007, como empregada de refeitório, auferindo € 514,65, acrescido de passe social no valor de € 81,45, estando ambos adstritos ao refeitório da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, polo C7, da titularidade da 1.ª Ré, o que sucedeu com normalidade até 2/01/2015;
-Que em 2/01/2015 os Autores se depararam com o encerramento do referido refeitório, mantendo-se a cumprir o seu horário de trabalho até ao dia 9/01/2015, enquanto decorriam obras no refeitório;
-Que em meados de Janeiro receberam comunicação escrita da 2.ª Ré dizendo que cessara a exploração e concessão do refeitório em 31/12/2014 e que os Autores deixavam de ser seus trabalhadores, e comunicação da 1.ª Ré, dizendo que não receberia os trabalhadores que até aí trabalhavam no local.
Defendem que a responsabilidade relativamente aos contratos dos Autores deve recair sobre a 1.ª Ré, mas formulam à cautela idêntico pedido contra a 2.ª Ré.
*

Foi agendada data para a realização da Audiência de partes (despacho de fls. 53 e 54), tendo as Rés sido citadas por carta registada com Aviso de Receção, como resulta de fls. 55, 56, 63 e 65.
Mostrando-se inviável a conciliação das partes (até porque a 2.ª Ré não compareceu à diligência) e tendo as Rés sido notificadas para, no prazo e sob a cominação legal contestarem (ofícios de citação e fls. 18 a 20), veio só a 1.ª Ré fazê-lo dentro do prazo legal.
*

A 1.ª Ré SERVIÇOS SOCIAIS contestou, a fls. 84 e seguintes, alegando, em síntese, ser parte ilegítima, e por impugnação, defendendo, em síntese, que não ocorreu qualquer transmissão de estabelecimento entre si e a 2.ª Ré. Pugna pela sua absolvição.
*

A 2.ª Ré CC SA não veio contestar a ação dentro do prazo legal[[1]].
*

O Autor, notificado para o efeito, veio responder à contestação da 1.ª Ré dentro do prazo legal, tendo sustentado a legitimidade processual da mesma.
*

Foi proferido, a fls. 121 e 122, despacho saneador, no qual foi atribuído à ação o valor de € 2.931,18, entendida como desnecessária a realização de Audiência Preliminar, julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade arguida pela 1.ª Ré, considerada válida e regular a instância, definido o objeto do litígio, dispensada a enunciação dos temas da prova, atenta a simplicidade da causa, admitido os róis de testemunhas das partes, determinada a gravação da prova a produzir na Audiência de Discussão e Julgamento e mantida a data designada para a sua realização na Audiência de Partes.
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio (fls. 163 a 167).
*

Foi então proferida a fls. 217 a 232 e com data de 06/11/2015, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:

Nestes termos, tendo presente as considerações tecidas e as normas legais citadas, decido:

a)Absolver a 1.ª Ré do peticionado.
b)Declarar ilícito o despedimento do 1.º Autor promovido pela 2.ª Ré e, em consequência:
1.Condenar a 2.ª Ré a pagar ao 1.º Autor as retribuições contabilizadas desde 13/01/2015 até ao trânsito em julgado da presente sentença, tendo por referência a retribuição mensal de € 881,28 (oitocentos e oitenta e um euros e vinte e oito cêntimos), e ainda, desde a mesma data, as férias, subsídios de férias e de Natal, vencidos nesse mesmo período, contabilizados à mesma razão, sendo descontadas as importâncias que o 1.º Autor tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, devendo ainda o Réu entregar à Segurança Social o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador, se for esse o caso; a tais quantias acrescem os juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações;
2.Condenar a 2.ª Ré no pagamento ao 1.º Autor de uma indemnização de 30 dias de retribuição base, tendo-se em consideração o valor de retribuição de € 881,28 (oitocentos e oitenta e um euros e vinte e oito cêntimos), por cada ano completo ou fração de antiguidade, reportando-se esta a 17/09/2008, até ao trânsito em julgado da presente decisão judicial; a tais quantias acrescem juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da sentença;
c)Condenar a 2.ª Ré no pagamento ao 1.º Autor da quantia de €881,28 (oitocentos e oitenta e um euros e vinte e oito cêntimos) a título de subsídio de férias vencido em 1/01/2015, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento;
d)Declarar ilícito o despedimento da 2.ª Autora promovido pela 2.ª Ré e, em consequência:
1.Condenar a 2.ª Ré a pagar à 2.ª Autora as retribuições contabilizadas desde 13/01/2015 até ao trânsito em julgado da presente sentença, tendo por referência a retribuição mensal de €514,65 (quinhentos catorze euros e sessenta e cinco cêntimos), e ainda, desde a mesma data, as férias, subsídios de férias e de Natal, vencidos nesse mesmo período, contabilizados à mesma razão, sendo descontadas as importâncias que a 2.ª Autora tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, devendo ainda a 2.ª Ré entregar à Segurança Social o subsídio de desemprego atribuído à trabalhadora, se for esse o caso; a tais quantias acrescem os juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações;
2.Condenar a 2.ª Ré a reintegrar a 2.ª Autora no posto de trabalho que tinha à data do despedimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
e)Condenar a 2.ª Ré no pagamento à 2.ª Autora da quantia de €514,65 (quinhentos catorze euros e sessenta e cinco cêntimos) a título de subsídio de férias vencido em 1/01/2015, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento;
Custas a cargo dos Autores e da 2.ª Ré, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se em 1/6 para cada um dos Autores e em 4/6 para a 2.ª Ré.
Registe e notifique.
Após trânsito em julgado, comunique a decisão ao Instituto da Segurança Social para efeitos do art.º 390.º, n.º 1, al. c) do Código Trabalho.
Comunique, ainda, a presente decisão ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, após trânsito em julgado, caso entretanto o apenso de procedimento cautelar ora sob recurso ainda não tenha baixado. (…)”
*

Os Autores AA e BB, inconformados com tal sentença, vieram, a fls. 243 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 284 dos autos, como de Apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

Os Apelantes apresentaram, a fls. 244 e seguintes, alegações de recurso, onde, formulou as seguintes conclusões:
(…)
Termos em que e nos mais de direito deve ao presente recurso ser dado provimento e, neste especifico ponto ser a recorrida SASUL condenada no pedido formulado pelos recorrentes, no que toca à cessação do contrato de trabalho, de condenação no pagamento nas retribuições vencidas entre a cessação do contrato e o trânsito em julgado da sentença e, em alternativa, na sua reintegração ao seu serviço ou no pagamento das indemnizações de antiguidade legalmente devidas, com o que V. Exas farão a habitual JUSTIÇA!
*

A Ré CC SA, também inconformada com tal sentença, veio, a fls. 255 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 284 dos autos, como de Apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

A 2.ª Ré apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 256 e seguintes):
(…)
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, absolvendo-se a ora Recorrente do pedido, com o que se fará JUSTIÇA!»
*

A 1.ª Ré SERVIÇOS DE ACÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE DE LISBOA não apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, apesar de notificada para o efeito (notificação eletrónica entre mandatários judiciais e fls. 254 e 282), o mesmo tendo acontecido com os Autores com referência ao recurso da 2.ª Ré e com esta última por respeito ao recurso pelos mesmos interposto.
*

O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 302 e 303), não tendo os Autores e a 2.ª Ré se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo legal, apesar de notificadas para o efeito, ao contrário do que veio a fazer a 1.ª Ré, através do requerimento de fls. 307 e seguintes, que aí aderiu e concordou com a posição adotada pelo M.P. no aludido parecer. 
*

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
               
II–OS FACTOS.

O tribunal da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
 
1.O Autor AA e a 2.ª Ré celebraram o acordo escrito junto a fls. 30-31, cujo teor se dá por reproduzido, exercendo o mesmo desde 17/09/2008 funções de inspetor de restauração e auferindo a retribuição mensal de € 881,28, a que acrescia a quantia de € 57,90 a título de passe social.

2.A Autora BB e a 2.ª Ré celebraram o acordo escrito junto a fls. 33-35, cujo teor se dá por reproduzido, exercendo a mesma desde 26/09/2007 funções de empregada de refeitório e auferindo a retribuição mensal de € 514,65, a que acrescia a quantia de € 81,45 a título de passe social.

3.Ambos os Autores estavam ultimamente adstritos ao refeitório da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, polo C7, da titularidade da 1.ª Ré.

4.A 1.ª Ré é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira e administrativa, cuja missão é a execução da política de ação social escolar, designadamente, na promoção do acesso à alimentação em cantinas e bares.

5.No quadro de tais missões e fins, tem adjudicado a diversas entidades empresariais de direito privado, entre as quais, à 2.ª Ré, a exploração do refeitórios, restaurantes, bares e cafés das diversas faculdades que integram as Universidades de Lisboa.

6.Tais entidades sucessivamente têm gerido e explorado esse estabelecimento e, para essa atividade, contratado e laboralmente se relacionando com os trabalhadores a essas unidades adstritos.

7.As relações de trabalho entre os trabalhadores e a 2.ª Ré são reguladas pelo CCT publicado no BTE n.º 36 de 29/09/1998, com as alterações constantes nos BTE’s n.º 30 de 15/08/2000 e n.º 5 de 08/02/2003, firmado entre a ARESP e a FESAHT.

8.Sem que os Autores tenham sido informados de qualquer alteração no seu vínculo contratual, os mesmos apresentaram-se ao serviço no dia 2/01/2015 e depararam-se com as instalações fechadas e impossibilitados de entrar.

9.Continuaram, todavia, a comparecer no local, cumprindo o seu horário de trabalho, nos dias 5, 6, 7, 8 e 9 de Janeiro de 2015, enquanto decorriam no local obras.

10.Nos dias 12 e 13 de Janeiro de 2015, os Autores receberam, cada um deles, uma comunicação da 2.ª Ré, datada de 9/01/2015, juntas a fls. 43 e 45, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com comunicação por telecópia da 1.ª Ré ao Sindicato que os representa, na qual a 2.ª Ré, para além do mais, afirma que deixou de prestar serviços no refeitório da Faculdade de Ciências de Lisboa no dia 1/01/2015 e que, com efeitos 31 de Dezembro de 2014, os Autores foram transferidos para os serviços de AÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE DE LISBOA e que, nos termos da cláusula 54.ª do Contrato Coletivo de Trabalho, publicado no BTE n.º 25 de 8/07/2009, o contrato individual de trabalho dos Autores manter-se-á, com todos os direitos e deveres, na nova entidade patronal.

11.Por sua vez, com data de 9/01/2015, a 1.ª Ré remeteu a comunicação junta a fls. 41, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ao sindicato que representa os autores, afirmando que não receberia os trabalhadores que até aí trabalhavam para 2.ª Ré no local por não haver lugar à aplicação do art.º 285.º do Código do Trabalho nem da cláusula 127.ª da Convenção Coletiva de Trabalho.

12.À data da propositura da ação, o refeitório referido em 3 não reabrira, estando os alunos habituais utentes do refeitório a ser desviados para outras cantinas.

13.A 2.ª Ré não procedeu ao pagamento aos Autores do valor correspondente ao subsídio de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2014, no valor de € 881,28 no que concerne ao 1.º Autor e no valor de € 514,65 relativamente à 2.ª Autora.
14.A 1.ª Ré celebrou com a 2.ª Ré um acordo escrito, junto a fls. 94-112, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual consta, no seu artigo 1.º, n.º 1 que «O presente procedimento tem por objeto a celebração de contrato ao abrigo do acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados – Lote 3 do acordo quadro - no refeitório dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa (SASU Lisboa) localizado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e no Jardim de Infância dos SASU Lisboa».
15.O acordo referido em 14 iniciou a sua vigência no dia 1 de Janeiro de 2014 e cessou no dia 31 de Dezembro de 2014, conforme artigo 3.º do caderno de encargos, deixando a 2.ª Ré, naquela data, de fornecer as refeições e prestar os serviços associados.

16.No artigo 10.º do acordo referido em 14 consta o seguinte:

«Obrigações dos SASULisboa.
1.Correm por conta dos SASULisboa os encargos associados ao fornecimento da energia, gás e água na armazenagem, preparação e distribuição das refeições, sempre que estas atividades sejam realizadas nas instalações de sua propriedade ou de sua gestão.
2.Constitui igualmente, encargo dos SASULisboa, a manutenção dos bens e equipamentos que sejam disponibilizados ao fornecedor (…).
4.Os requisitos técnicos e funcionais mínimos relativos ao transporte, à carga e descarga, ao pessoal e à segurança e higiene alimentar, previstos no artigo 11.º do presente caderno de encargos, são igualmente aplicáveis ao pessoal que os SASULisboa disponibilizem ao fornecedor. (…)»
17.Da al. f), do n.º 7, do artigo 11.º do caderno de encargos, referido em 14, que versa sobre os requisitos técnicos e funcionais mínimos do fornecimento, consta que: «o fornecedor é responsável por todas as obrigações relativas ao seu pessoal (…)»;
18.A 2.ª Ré tem como objeto social a exploração e gestão de serviços de hotelaria e turismo, nomeadamente restaurantes, cafetarias, refeitórios, cantinas, hotéis a atividades similares, bem como o comércio por grosso e a retalho de produtos alimentares e não alimentares e a respetiva prestação de serviços de embalamento, armazenagem e distribuição.
19.O refeitório referido em 3 foi encerrado a 31 de Dezembro de 2014 pelo facto de o concurso público realizado para a concessão daquela para o ano de 2015 ter sido encerrado uma vez que a proposta apresentada não cumpria com o caderno de encargos.
20.Existiu um segundo concurso para a concessão da exploração que ficou deserto.
21.O espaço onde era explorado o refeitório referido em 3 reabriu em Junho de 2015, ao abrigo do contrato, programa de concurso e caderno de encargos juntos a fls. 170-208, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, outorgado entre a 1ª ré e a empresa DD, SA, do qual consta, para além do mais o seguinte (artigo 1.º, n.º 1): «O presente procedimento tem por objeto a celebração de um contrato de concessão de espaço para serviço de cantina e outros serviços de cafetaria destinados à comunidade académica da Universidade de Lisboa, localizados na Faculdade de Ciências, sito no Campo Grande, Edifício C7, Lisboa, descritos no respetivo caderno de encargos e explorado por conta e risco do concessionário».
*

B.Factos não provados.

a)No fim do ano findo de 2014, por decisão da 1.ª Ré, as Rés comunicaram aos trabalhadores e utentes e estruturas das Faculdades afetadas o encerramento para manutenção por tempo indeterminado das seguintes cantinas:
a)Faculdade de Belas Artes
b)Faculdade de Ciências
c)Faculdade de Motricidade Humana
d)Instituto Superior de Agronomia
e)Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
f)Instituto Superior Técnico (Alameda)
*

Não se responde ao restante alegado por se tratar de matéria irrelevante, conclusiva ou de direito.   
*

III–OS FACTOS E O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º, n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*

A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS.

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 27/01/2015, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade em julgamento.   

B–DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Realce-se que os Recorrentes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, os recorridos requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 635.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do NCPC, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância. 

C–OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES JURÍDICAS.

As questões de direito que se suscitam no âmbito destes recursos de Apelação são as seguintes:
a)Regulamentação coletiva e sua aplicação às partes;
b)Transmissão do contrato de trabalho dos Autores;
c)Despedimento pela 1.ª ou 2.ª Ré dos Autores. 

D–REGULAMENTAÇÃO COLETIVA APLICÁVEL

Abordemos então a primeira questão jurídica suscitada no recurso de Apelação da Ré CC SA, convindo ouvir previamente o que a sentença recorrida sustentou acerca dela (assim como das demais, que deixámos antes enunciadas).  

D1–SENTENÇA RECORRIDA

A decisão impugnada, acerca desta questão, desenvolveu a seguinte argumentação jurídica:
(…)

D2–LITÍGIO DOS AUTOS.

Importa referir, no que a esta matéria respeita e desde logo, que a regulamentação coletiva referida no artigo 21.º da Petição Inicial dos Autores é a seguinte:
1)BTE n.º 36/1998;
2)BTE n.º 30/2000;
3)BTE n.º 1/2001 (Portaria de Extensão);
4)BTE n.º 5/2003;
5)BTE n.º 38/2003 (Portaria de Extensão).

A sentença recorrida, numa prática usual nos tribunais da 1.ª instância mas que não se compadece com a natureza normativa de tais instrumentos de regulamentação coletiva, de publicação obrigatória no Diário da República e no BTE, entendeu que competia aos Autores alegar também, como se de meros factos se tratassem, a publicação das Portarias de Extensão relativas ao CCT firmado entre a ARESP (hoje AHRESP) e a FESHAT (resultante da fusão da FESHOT e a FISABT – BTE n.º 37/1999), quando se tratam de elementos jurídicos de necessária busca e localização oficiosas por parte do julgador, dentro dos seus deveres e poderes funcionais.

Logo, o argumento de que não há que considerar para o efeito a contratação coletiva em causa (cantinas e refeitórios), por falta de indicação das P.E. não colhe minimamente e, por outro lado, não corresponde à verdade, pois como se verifica acima, ocorreu a publicação das Portarias de Extensão correspondentes ao clausulado convencional firmado pelas associações patronais e sindicais em presença.  
        
Tal significa que a 1.ª Ré se acha assim abrangida por tal regulamentação coletiva de cariz laboral?
  
Ressalta dos autos – melhor dizendo, dos Pontos 4.º a 7.º da Matéria de Facto [[2]], por referência a alguns documentos juntos à ação – que as atribuições legais e estatutárias da Ré SERVIÇOS DE ACÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE DE LISBOA [[3]] não integram a atividade de exploração comercial e lucrativa de cantinas e de refeitórios, inserindo-se antes no campo da ação social escolar desenvolvida no quadro do ensino superior, aí se incluindo, entre outras valências, a da alimentação dos estudantes universitários carenciados, que é garantida por via da abertura de cantinas e refeitórios e da concessão da sua exploração, mediante concurso público, a entidades privadas ou, eventualmente, a associações de estudantes, nos termos da lei [[4]].

Não se verifica uma qualquer identidade entre (digamos assim, por facilidade de entendimento) os «objetos sociais» da 1.ª Ré e da 2.ª Ré (ou da empresa que, a partir de junho de 2015 passou a exercer aí a sua atividade económica de exploração da referida cantina, em tudo similar, ao que presumimos, à daquela)[[5]].

Nesta matéria, importa ouvir a Professora MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO [[6]], quando afirma o seguinte:

«(…) A extensão apenas pode ser feita a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido na convenção coletiva de trabalho estendida (art.º 514.º n.º 1, parte final do CT).
A jurisprudência tem densificado o critério do sector de atividade com recurso à ideia de identidade da atividade económica exercida pelas empresas [[7]].»  

Ora, a ser assim, como nos parece manifesto, não será possível sustentar que tal contratação coletiva é aplicável à 1.ª Ré, ainda que por intermédio de uma Portaria de Extensão, dado inexistir prova de que, quer os Autores, como essa demandada, se acham inscritos, respetivamente num dos sindicatos da FESHAT ou na AHRESP/ARESP (subscritores, entre outros, da referida contratação coletiva).

Logo, está fora de questão a chamada à colação da cláusula 127.ª de tal CCT, conforme se acha transcrita mais acima na fundamentação da sentença recorrida que reproduzimos, dado essa convenção laboral não ser aplicável à 1.ª Ré, ainda que por força da sua extensão administrativa.     

E–TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO.

Dir-se-á, no entanto, que ainda que não se possa aplicar ao pleito dos autos tal cláusula convencional, sempre se poderá enquadrar juridicamente o mesmo à luz do regime legal de natureza comum e geral que regula o instituto da transmissão do estabelecimento.
Chegados aqui, não será talvez despiciendo equacionar, à luz dessa figura central do direito do trabalho, as diversas hipóteses jurídicas que, sobre a factualidade dada como assente e os correspondentes documentos que os suportam, podem ser construídas, a saber:

a)Não ocorreu qualquer transmissão de estabelecimento entre as Rés, mantendo-se os contratos de trabalho dos Autores na esfera jurídica da 2.ª Ré, depois do termo do contrato de prestação de serviços firmado entre aquelas entidades;
b)Ocorreu uma transmissão de estabelecimento da 2.ª Ré para a 1.ª Ré, com a inerente transição da posição jurídica da primeira no âmbito dos contratos de trabalho dos trabalhadores recorrentes para os SERVIÇOS DE ACÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE DE LISBOA, que, por sua vez e em junho de 2015, transferiu tal posição jurídica para a nova empresa concessionária DD, SA, por força de uma segunda transmissão de estabelecimento;
c)Ocorreu uma transmissão de estabelecimento da 2.ª Ré para tal empresa DD, SA, em junho de 2015, tendo os trabalhadores se mantido juridicamente vinculados à CC SA até esse momento.    
       
Importa então olhar para tal instituto jurídico da transmissão do estabelecimento que foi sucessivamente previsto nos artigos 37.º da LCT, 318.º a 321.º do Código do Trabalho de 2003 e 285.º a 287.º do atual Código do Trabalho [[8]].

A análise em questão recua até à LCT, por dessa forma se conseguir captar a evolução que o instituto da transmissão do estabelecimento tem conhecido desde então, designadamente por influência da legislação e jurisprudência comunitárias.   

Começaremos por realçar que a nossa jurisprudência considerava que "o artigo 37.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408 de 24/11/969, estabelece um critério muito amplo para abranger as transmissões de estabelecimento ou de exploração de estabelecimento, como resulta logo das expressões ali empregadas "adquirente do estabelecimento por qualquer título" e "quaisquer atos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento" e assim tem sido entendido pela jurisprudência" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/990, AJ, 12.º, 20), o que a leva a defender que "para a aplicação do artigo 37.º da LCT, basta uma simples transmissão de facto de estabelecimento industrial em laboração, sem que tenha havido qualquer solução de continuidade nessa laboração" (Acórdãos da Relação do Porto de 12/5/986, CJ, 1986, 3.º, 238 e de 14/3/988, BMJ 375.º, 451; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/4/989, BMJ n.º 386º, 381; ver ainda J. C. JAVILLIER, "Droit du Travail", 1978, pág. 210, citado por Abílio Neto no seu "Contrato de Trabalho - Notas Práticas”, 13.ª Edição, 1994, EDIFORUM, pág. 182, nota 14 quando diz que "a transmissão que revela para efeitos do artigo 37.º da LCT deve ter carácter global, mas não é necessário que coincida tecnicamente com o conceito de trespasse, conforme se depreende do n.º 4 do mesmo artigo: a exemplo do que sucede amiúde na lei fiscal, o legislador do trabalho terá privilegiado as situações de facto em detrimento das qualificações jurídicas. Assim, na previsão normativa em apreço caberá a alienação do estabelecimento e/ou empresa, a cessão da exploração ou arrendamento daquele ou desta, a retoma pelo proprietário do estabelecimento temporariamente cedido, a fusão, a nacionalização, a continuação da exploração no caso de falência, etc." ou COUTINHO DE ABREU, "A Empresa e o Empregador em Direito do Trabalho", pág. 46, citado por Abílio Neto, obra antes identificada, pág. 183, nota 16 que defende que "as vicissitudes operadas na empresa e que implicam uma transferência das relações laborais não têm tanto a ver com a sua titularidade, mas antes com uma " modificação subjetiva do empregador devida a circulação negocial - venda, doação, usufruto, locação, etc. - ou não negocial - sucessão legal, nacionalização, confisco ou a alteração objetiva (cisão, v. g.) da empresa" - aparentemente contra o Acórdão da Relação de Lisboa, de 14/12/988, BTE, 2.ª Série, n.ºs 10,11,12/90, pág. 911), bem como que "a transmissão do estabelecimento regulada no art.º 37.º do regime Jurídico, aprovado pelo DL n.º 49.408, abarca todas as situações de transmissão, mesmo as inválidas por falta de forma prescrita na lei" (Acórdão da Relação de Lisboa de 3/6/992, CJ, 1992, 3.º, 274; cf. também, Acórdão da Relação de Coimbra de 19/2/991, BMJ 404.º, 529).

Convirá finalmente atentar na noção de estabelecimento referido nessa mesma jurisprudência, podendo citar-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/991, AJ, 15.º/16.º, 15 ("Por estabelecimento, para os efeitos do n.º 1 do artigo 37.º da LCT, deve entender-se toda a organização produtiva comercial, industrial ou agrícola") ou o já citado AC. STJ de 19/4/989 ("... passagem do complexo jurídico-económico onde o trabalhador exerce a sua atividade..."); pelo seu lado, a doutrina nacional considerava que o estabelecimento é "um conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas, de bens e serviços, organizado pelo comerciante com vista ao exercício da sua atividade mercantil, de sorte que, em última análise, o que o compõe são os elementos aptos ao desempenho da atividade do comerciante e que este agregou e organizou para a realização de tal empresa", sendo o elemento gregário do conjunto em questão "a vontade do comerciante tendo em atenção o fim que se propõe", de acordo com o Prof. FERNANDO OLAVO, na sua obra "Direito Comercial", volume 1, 2.ª edição (2.ª reimpressão), Coimbra Ed.ª, Lda., 1978, pág. 262 (cf. a este respeito o Prof. BARBOSA DE MAGALHÃES, na sua obra "Do estabelecimento Comercial - estudo de direito privado", 2.ª edição, Edições Ática, págs. 9 a 36).

Pensamos, todavia, que o analisado dispositivo legal sempre teria de sofrer uma interpretação atualista que tivesse, por um lado, em linha de conta a evolução da realidade económica, social e laboral, por outro, o desenvolvimento de uma plêiade de institutos jurídicos e figuras contratuais e, finalmente, a entrada de Portugal no espaço da Comunidade Económica Europeia (depois, União Europeia), com a sujeição do direito nacional ao direito comunitário, no seu âmbito se integrando as diretivas (Diretiva 77/187/CE, do Conselho, de 14/2/77, alterada pela Diretiva 98/50/CE, do Conselho, de 29/06/98 e Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12/3/2001) e a jurisprudência do TJCE, relativas a esta matéria da transmissão do estabelecimento.

A este propósito, não podemos deixar de chamar a atenção para os seguintes autores e estudos, que abordam esta problemática:

-Professor JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, publicado na RDES, 1996, pág. 163 e seguintes e denominado “O conflito entre a jurisprudência nacional e a jurisprudência do TJ das CCEE em matéria de transmissão do estabelecimento no Direito do Trabalho: o art.º 37.º da LCT e a Diretiva 77/187/CEE”;
-Dr. FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, publicado nas “Questões Laborais”, Ano VI, n.º 14, 1999, págs. 213 e segs. e denominado “Transmissão do estabelecimento e oposição do trabalhador à transferência do contrato: uma leitura do artigo 37.º da LCT conforme o direito comunitário”;
-Professor JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, publicado nos “Estudos do Instituto de Direito do Trabalho”, Almedina, 2000, Volume I, págs. 480 e seguintes; e denominado “A jurisprudência recente do Tribunal da Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento”;
- Dr.ª JOANA SIMÃO, publicada nas “Questões Laborais”, Ano IX, n.º 20, 2002, págs. 203 e segs. e denominado ”A transmissão de estabelecimento na jurisprudência do trabalho comunitária e nacional”;
-Dr.ª CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, “Algumas questões sobre a empresa e o direito do trabalho no novo Código do Trabalho”, págs. 437 e seguintes, com especial relevância para as págs. 460 a 467, em “A Reforma do Código do Trabalho”, Coimbra Editora, 2004;
-Professor ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, "Direito do Trabalho", 13.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2006, páginas 249 e seguintes;
-Professor JOÃO LEAL AMADO, “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, publicação conjunta de Wolsters Kluwer e Coimbra Editora, Janeiro de 2010, páginas 199 a 215;
-Professora MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, "Tratado do Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais", 4.ª Edição, Almedina, Dezembro de 2012, páginas 687 a 700
-Dr. DAVID CARVALHO MARTINS "Da Transmissão da Unidade Económica no Direito Individual do Trabalho", Coleção Cadernos Laborais, n.º 6, Almedina, Maio de 2013, páginas 187 e seguintes (cf. também a demais doutrina, bem como a jurisprudência comunitária, constitucional e nacional, citados por esses autores).

Este último autor, de uma forma impressiva, assertiva e sintética, formula, no final da obra acima identificada as seguintes conclusões acerca do instituto em análise:

«6.º-A aplicação do instituto depende da verificação cumulativa de cinco pressupostos positivos e da não verificação de qualquer um dos três pressupostos negativos. São pressupostos positivos: a) a existência de uma unidade económica; b) a ligação efetiva do trabalhador à unidade económica: c) a vigência do contrato de trabalho no momento da transmissão da unidade económica; d) a modificação subjetiva da posição de proprietário ou explorador da unidade económica; e e) a assunção da exploração pelo cessionário. São pressupostos negativos: a) a cessação lícita do contrato de trabalho; b) a mudança de local de trabalho determinada licitamente pelo cedente até ao momento da transmissão; c) o exercício do direito de oposição pelo trabalhador à transmissão da posição jurídica de empregador.
7.º -O conceito operativo é a unidade económica, entendida como conjunto de meios - contratos, clientela, direitos de propriedade industrial, licenças ou autorizações de direito público, instalações, utensílios, etc. - e de pessoas autónomo e organizado - com métodos de trabalho definidos e com uma estrutura hierárquica - que desenvolve uma atividade económica, principal ou acessória, com ou sem escopo lucrativo, podendo ser detida ou gerida por pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado.
8.º -O momento – chave da aplicação do instituto é a assunção da exploração da unidade económica, traduzida na retoma da atividade ou na constituição de uma obrigação pelo cessionário de a retomar. Por força dos importantes efeitos que produz, este momento não pode ficar sob o controlo das partes da transmissão da unidade económica e deve ser objetivamente controlável.
9.º -A verificação cumulativa dos pressupostos positivos e a não verificação de qualquer um dos pressupostos negativos determina a aplicação do instituto, que compreende um feixe de três efeitos jurídicos essenciais: a) a transmissão automática e imperativa para o cedente e para o cessionário, da posição jurídica de empregador; b) a proteção do trabalhador contra despedimentos fundados exclusivamente na transmissão da unidade económica; e c) o nascimento de deveres de informação. Os dois primeiros efeitos jurídicos dão-se somente com a transmissão da unidade económica, tendo eficácia retroativa, enquanto o terceiro, por natureza anterior à transmissão, ocorre na perspetiva de uma transmissão, ainda que não venha a ter lugar.» 

A Dr.ª JOANA SIMÃO, no estudo citado refere, por seu turno e acerca do conceito fulcral de unidade económica, o seguinte: «Na definição de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento, o TJCE adotou critérios que lhe permitem ultrapassar os aspetos formais e atender à existência de uma unidade económica que mantenha a sua identidade depois da transmissão.
Na Diretiva 98/50/CE (art.º 1.º, n.º 1, al. b)) consagrou-se este entendimento do TJCE: “ (...) é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizado, com objetivo de possuir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória”.
Devido ao elevado grau de indeterminação deste conceito, para averiguar a subsistência de uma unidade económica são frequentemente enunciados pelo Tribunal os critérios considerados relevantes: o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuação da clientela, o grau de semelhança da atividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efetivos, a estabilidade da estrutura organizativa, etc.
A ponderação dos critérios enunciados varia de acordo com o caso concreto. É interessante verificar como, nas empresas cuja atividade assenta na mão-de-obra, o fator determinante para se considerar a existência da mesma empresa, pode ser o da manutenção de efetivos: “um conjunto de trabalhadores que executa de forma durável uma atividade comum pode corresponder a uma entidade económica” (cfr. Caso Allen).
A importância do tradicional critério da transferência dos ativos corpóreos pode ser secundarizada quando o novo empresário “não se limita a prosseguir a atividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu predecessor afetava especialmente a esta missão”.
A este propósito, cumpre referir um dos conceitos mais desenvolvidos pelo TJCE: o de “parte de estabelecimento”.
O conceito de parte do estabelecimento já figurava no texto da Diretiva 77/187/CE e tem vindo a ser utilizado em casos de atividades tradicionalmente “exteriorizáveis”.
Destaca-se, neste domínio, por ser a mais polémica e conhecida, a decisão respeitante ao caso Christel Schmidt.
Uma trabalhadora, que fazia limpeza numa instituição bancária, foi despedida e as suas funções foram atribuídas a uma empresa de prestação de serviços, sendo ela admitida por esta mesma empresa, mas agora com uma remuneração que entendeu ser inferior. Na decisão final, o TJCE considerou que se transmitira parte do estabelecimento bancário, constituída pela mulher da limpeza.
Segundo o tribunal, “a relação de trabalho é essencialmente caracterizada pelo vínculo que existe entre o trabalhador e a parte da empresa a que está afetado para o exercício das suas funções” desde que se mantenha a “identidade da unidade económica”. No caso, existiria essa identidade pelo facto de a atividade ser a mesma e haver “oferta de reemprego feita à trabalhadora”.
O aspeto mais peculiar deste caso reside na circunstância de se ter entendido como unidade económica o mínimo imaginável para a aplicação do critério: uma única trabalhadora, pertencente a um sector absolutamente periférico à atividade da empresa.
As críticas a esta decisão foram no sentido de que ela reconduzia a noção de estabelecimento ou parte dele a uma mera atividade ou função. Contrariamente, J. Vieira Gomes afirma que, nestes casos, não importa tanto saber “se se transmitiram os baldes e as esfregonas”, mas se o pessoal continua o mesmo, porque é “esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa”.
É de realçar a circunstância de o TJCE ter enveredado por um conceito não comercialista de empresa: em vez de uma noção formal, o Tribunal considera relevante “um conjunto organizado de pessoas e elementos que permitam o exercício de uma atividade económica que prossegue um objetivo próprio” (cf. entre outros Ac. Allen, Ac. Schmidt).
A particularidade das atividades baseadas na mão-de-obra reside no facto de critérios como grau de autonomia, atividade estruturada, objetivo próprio e estabilidade, estarem por vezes reduzidos ao mínimo, não deixando por isso o Tribunal de entender que “um conjunto organizado de trabalhadores que são especial e duradouramente afetos a uma tarefa comum pode, na ausência de outros fatores de produção, corresponder a uma entidade económica" (cf. Ac. Vidal).
No Acórdão Vidal, o TJCE realça a circunstância de, para averiguar a existência de uma parte de estabelecimento suscetível de transmissão, ter se de atender ao tipo de estabelecimento e de atividade em causa. A “graduação” da importância a atribuir aos numerosos critérios enunciados pelo Tribunal, “ (...) varia necessariamente em função da atividade exercida, ou mesmo dos métodos de produção ou de exploração utilizados (...) ”. Esta posição terá sido adotada tendo em conta as críticas, dirigidas ao Ac. Christel Schmidt, sob a invocação de que ele teria reduzido a noção de entidade económica a uma função.
A posição do tribunal parece ser esta: há que atender ao tipo de atividade da empresa ou estabelecimento, mas, nas atividades que assentam essencialmente em mão-de-obra, é mais o “capital humano” do que os aspetos materiais que identifica o estabelecimento».[[9]]

Cite-se ainda este respeito o Dr. Bernardo Lobo Xavier, em “Curso de Direito do Trabalho”, pág. 204, quando, nas palavras da autora acima transcrita “distingue a aceção comercial do conceito, essencialmente ligada à ideia de organização de meios produtivos, e a aceção laboral, que tem como aspeto central o facto de haver uma “comunidade produtiva organizada, sobretudo enquanto organização de pessoas (...)” (refira-se, finalmente, alguma jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que foram acolhendo essa interpretação muito ampla do instituto da transmissão do estabelecimento – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2005 (relator: Juiz Conselheiro Vítor Mesquita), em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/09/2004 (relatora: Dr.ª Paula Sá Fernandes) em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182.)     

Importa frisar que, ao contrário do que acontecia com o artigo 37.º da LCT, o regime contido nos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 vai ao encontro dessa legislação e jurisprudência comunitárias, nomeadamente na definição de “unidade económica”, ao entendê-la como “um conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”, admitindo, portanto, como tal um conjunto de trabalhadores estruturado com vista ao desenvolvimento de uma dada atividade económica, produtiva ou de prestação de serviços.[[10]]             
A nossa doutrina e jurisprudência são unânimes em afirmar o carácter “ope legis” da transferência da titularidade dos contratos de trabalho abrangidos pelas situações previstas no revogado artigo 37.º da LCT ou nos artigos 318.º ou 285.º dos sucessivos Código do Trabalho (transmissão de estabelecimento) - cf., a propósito dessa “transmissão” automática dos vínculos laborais no quadro das disposições legais citadas, os autores e jurisprudência acima referidos, com especial incidência para a Dr.ª CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, obra citada, págs. 465 a 467, bem como aqueles nomeados pelo Dr. Abílio Neto, “Contrato de Trabalho – Notas Práticas”, 13.ª Edição, 1994, EDIFORUM, Lisboa, págs. 180 e seguintes e “Código do Trabalho e Legislação Complementar”, 2.ª Edição, Janeiro de 2005, EDIFORUM, Lisboa, págs. 521 e seguintes e “Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar”, 2.ª Edição, Setembro de 2010, EDIFORUM, Lisboa, págs. 536 e seguintes, chamando-se, finalmente, a atenção para MONTEIRO FERNANDES, “Direito do Trabalho”, Volume I – Introdução. Relações Individuais de Trabalho, Almedina, Coimbra, 9.ª Edição, 1994, pág. 234 e “Direito do Trabalho”, Almedina, Coimbra, 13.ª Edição, 2006, págs. 255 a 257, MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, obra e local citado e DAVID CARVALHO MARTINS, obra e local citados e transcritos).

F–SITUAÇÃO DOS AUTOS

Ora, chegados aqui e atendendo aos elementos de facto e aos documentos que os suportam e complementam bem como às normas jurídicas em presença, dir-se-á que a situação descrita nos autos não pode nem deve ser reconduzida ao regime da transmissão de estabelecimento previsto nos referidos artigos 285.º a 287.º do Código do Trabalho de 2009.

Dir-se-á que tal figura jurídica não pode entrar em cena, dado nunca se ter operado a transferência da unidade económica da 2.ª Ré CC SA para a 1.ª Ré SERVIÇOS DE ACÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE DE LISBOA e correspondente posto ou local de trabalho, dado esta última se ter limitado a receber de volta a posse das suas instalações e equipamentos, por força do termo do prazo do contrato de concessão celebrado com aquela, sem aí ter iniciado, de imediato ou mediatamente, após a realização de obras naquele local (Ponto 9) e em substituição daquela empresa, a correspondente atividade de exploração direta e por conta própria, da cantina ou refeitório universitário em questão (situado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Polo C7 – Ponto 3).

O fornecimento de refeições aos estudantes daquele e naquele estabelecimento de ensino, com a reabertura das aludidas instalações e utilização do respetivo equipamento, só veio a ocorrer em Junho de 2015, na sequência do terceiro concurso aberto para o efeito – dado que, anteriormente, se haviam gorado os dois anteriores concursos abertos, por incumprimento do caderno de encargos por parte da proposta apresentada e por deserção do segundo concurso, respetivamente [[11]] -, não havendo a prova mínima nos autos, cujo ónus recaía sobre os Apelantes (Autores e 2.ª Ré), nos termos do artigo 342.º do Código Civil, de que a 1.ª Ré tivesse, de alguma forma, desenvolvido, por sua iniciativa e a título pessoal (empresarial e mesmo que sem intuito lucrativo), a referida atividade de fornecimento de refeições e outros produtos alimentícios aos naturais destinatários daquele espaço (estudantes universitários).

Relembrando o que já antes deixámos defendido quanto à natureza e conteúdo das atribuições legal e regularmente assacadas à 1.ª Ré, não se nos afigura que caiba no âmbito das mesmas, pelo menos de forma expressa e direta, a referida atividade de planeamento, conceção, confeção e fornecimento aos estudantes universitários da faculdade de Ciências e outras de refeições e serviço de bar/café, mas, ainda que assim não se entenda, seguro é que inexistem factos alegados e demonstrados nesta ação que apontem minimamente no sentido de tal conjunto de atos e procedimentos terem sido levados a cabo, de forma continuada e reiterada e a partir da 1/1/2015 ou depois da conclusão das obras efetuadas no refeitório, nesse espaço que havia sido explorado até 31/12/2014 pela 2.ª Ré, com recurso a trabalhadores privativos desta última ou contratados superveniente e temporariamente para esse preciso efeito [[12]].

Naturalmente que a situação anómala criada nos autos, com a realização de obras e a dilação temporal inesperada de 5 meses entre o termo da relação estabelecida entre as Rés e a entrada da nova empresa em cena, é estranha e alheia à posição jurídico-laboral dos aqui Autores, não tendo estes últimos contribuído minimamente para ela, mas o mesmo pode dizer-se (com exceção da realização das aludidas obras nas instalações do refeitório) relativamente a ambas as demandadas, pois quer a 1.ª Ré, quer a 2.ª Ré, não contribuíram de qualquer forma para o insucesso dos dois primeiros concursos abertos com vista à cedência para exploração da dita cantina, não lhes podendo ser imputada qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual nessa matéria da demora na sucessão das sociedades em questão.

Logo, num cenário como o exposto e tendo em atenção que os aqui demandantes tinham uma relação jurídico-laboral com a 2.ª Ré, que não caduca ou se transmite juridicamente de forma cega e automática para entidades terceiras, por força e em virtude do termo do contrato de exploração do aludido refeitório, só havendo a assunção, em tais relações laborais, por parte de uma nova entidade empregadora, das obrigações e direitos anteriormente encabeçados pela anterior empresa, desde que ocorra uma genuína e verdadeira transmissão do estabelecimento, tem de concluir-se pela manutenção dos contratos de trabalho dos Autores na esfera jurídica da Apelante CC SA.                                         

G–TRANSMISSÃO DA UNIDADE ECONÓMICA PARA A EMPRESA DD, SA?

A questão em análise pode ser abordada numa outra perspetiva e que se prende com a circunstância de o referido refeitório ter passado, finalmente e a partir de junho de 2015, a ser explorado, por força do concurso público aberto para o efeito, pela empresa DD, SA, que, convirá dizê-lo, não é parte nestes autos nem nunca foi chamada a intervir supervenientemente nos mesmos pelas partes ou pelo tribunal da 1.ª instância (artigo 27.º, alínea a) do C.P.T.).

Como resulta do que deixámos exposto acima acerca da interpretação e aplicação do regime legal da transmissão de estabelecimento (tendo, designadamente, como fio de prumo aferidor de tais operações jurídicas a inúmera e sucessiva jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia), poder-se-á sustentar que a interrupção temporal de, pelo menos, 5 meses não é obstáculo à verificação da figura de índole laboral regulada nos artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009, dado diversos acórdãos do TJUE terem ainda qualificado como transmissão de estabelecimento situações de temporária inatividade da unidade económica, desde que ali tenha sido continuada a atividade económica por parte da nova empresa que antes e ali era igualmente desenvolvida pela sua antecessora[[13]].
Se atentarmos devidamente em tal jurisprudência, constatamos, por um lado, que os períodos de paralisação provisória da atividade por altura da transição de empresas, com a inerente interrupção das funções desenvolvidas pelos trabalhadores, são temporalmente curtos (15 dias ou 1 mês) e integrados em situações muito diferentes da apreciada nesta ação (verificação de uma sucessão imediata das empresas em presença, com a paragem a fazer-se do lado da transmissária e não numa fase de terra queimada, em que ninguém desenvolve a atividade própria do refeitório universitário), havendo que referir, por outro lado, que os casos aí abordados respeitam a entidades que prestam serviços de natureza sazonal ou que são desenvolvidos em determinadas épocas do ano, encerrando as mesmas nas temporadas mortas ou de muito reduzida atividade.

Tais interrupções temporais de curta duração que foram desconsideradas pelo TJUE para efeitos da verificação de uma vera transmissão de estabelecimento não se confundem, quer formalmente (dado nos deparamos no caso dos autos com 5 meses de paragem), quer substancialmente (em termos da materialidade particular que está na sua base e raiz), com a dos nosso autos, pois, como já antes afirmámos, a 1.ª Ré não foi desenvolver a partir de 1/1/2015 a atividade que ali era levava a cabo pela 2.ª Ré, tendo antes procedido a obras e conservado fechado o refeitório da Faculdade de Ciências. 
        
Afigura-se-nos que não existe continuidade ou, pelo menos, conexão jurídica relevante para efeitos de aplicação do regime legal dos artigos 285.º e seguintes do C.T./2009 entre o contrato firmado entre as Rés e a atividade dele decorrente e aquele que veio a ser celebrado 5 meses depois entre a 1.ª Ré e a DD, SA.
Logo, mesmo nesta perspetiva mais generosa e abrangente do referido regime legal, por força da mencionada jurisprudência do TJUE, se poderia sustentar que a 2.ª Ré tinha deixado de ser entidade empregadora dos Autores, por ter visto transitar a sua posição nos respetivos contratos de trabalho para aquela outra empresa (tal só poderia ter acontecido em junho de 2015, quando aquela nova sociedade tomou conta da exploração da cantina, mantendo-se assim os trabalhadores demandantes ao seu serviço até essa data, o que, na hipótese que analisamos aqui, nem sequer poderia acontecer, dado a 2.ª Ré ter despedido muito antes tais trabalhadores).                 

H–DESPEDIMENTO ILÍCITO DOS AUTORES.

Com efeito, face ao que se deixou acima exposto, não houve uma verdadeira transmissão da posição da 2.ª Ré no quadro do contrato de trabalho dos Autores, pois não se verificou uma transição de instalações, equipamento e atividade daquela para a 1.ª Ré, dado esta não ter continuado a mesma nem o sendo obrigado a fazer por imposição da lei aplicável.

Logo, tendo a 2.ª Ré se recusado a manter os Autores ao seu serviço, assim impedindo os Apelados de continuar a desempenhar funções para si (pelo menos até junho de 2015, na melhor das interpretações jurídicas acima ponderadas), procedeu ao seu despedimento ilícito, com as consequências legais constantes da sentença impugnada, que nessa parte, tem de ser confirmada.
 
Deparamo-nos, com efeito, com uma resolução ilícita do contrato de trabalho por tempo indeterminado dos autos, porque não foi precedida de procedimento disciplinar e radicada em justa causa (cfr. artigos 351.º a 358.º e 382.º do C.T./2009), com as consequências legais derivadas dos artigos 389.º a 391.º do mesmo diploma legal.

Tem assim de ser julgado improcedentes os recursos de Apelação dos Autores e da 2.ª Ré, com a inerente confirmação da sentença impugnada. 

IV–DECISÃO:

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente os recursos de Apelação interpostos pelos Autores AA e BB e pela 2.ª Ré CC SA., nessa medida se confirmando a sentença recorrida.       
Custas dos presentes recursos a cargo dos Apelantes - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.


Lisboa, 28 de setembro de 2016     



José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Maria José Costa Pinto


[1]Foram realizadas diligências por determinação do tribunal da 1.ª instância no sentido de se averiguar se a 2.ª Ré tinha sido declarada insolvente ou se se achava sujeita a algum PER, tendo chegado informações aos autos que confirmavam a submissão da BB a um Processo Especial de Revitalização, que culminou num plano de recuperação homologado por despacho judicial de 12/11/2014 e transitado em julgado em 02/12/2014 (cfr. fls. 71 a 83 e 154 a 162).          
[2]«4. A 1.ª ré é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira e administrativa, cuja missão é a execução da política de ação social escolar, designadamente, na promoção do acesso à alimentação em cantinas e bares.
5. No quadro de tais missões e fins, tem adjudicado a diversas entidades empresariais de direito privado, entre as quais, à 2.ª ré, a exploração do refeitórios, restaurantes, bares e cafés das diversas faculdades que integram as Universidades de Lisboa.
6. Tais entidades sucessivamente têm gerido e explorado esse estabelecimento e, para essa atividade, contratado e laboralmente se relacionando com os trabalhadores a essas unidades adstritos.
7. As relações de trabalho entre os trabalhadores e a 2.ª ré são reguladas pelo CCT publicado no BTE n.º 36 de 29/09/1998, com as alterações constantes nos BTE’s n.º 30 de 15/08/2000 e n.º 5 de 08/02/2003, firmado entre a ARESP e a FESAHT.»
[3]Remetem-se as partes para o seguinte link, onde poderá ser encontrada a legislação aplicável, assim como o Regulamento da Ré: https://www.sas.ulisboa.pt/index.php?opt=2;04     
[4]«14. A 1.ª ré celebrou com a 2.ª ré um acordo escrito, junto a fls. 94-112, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual consta, no seu artigo 1.º, n.º 1 que «O presente procedimento tem por objeto a celebração de contrato ao abrigo do acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados – Lote 3 do acordo quadro - no refeitório dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa (SASU Lisboa) localizado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e no Jardim de Infância dos SASU Lisboa».
15.O acordo referido em 14 iniciou a sua vigência no dia 1 de Janeiro de 2014 e cessou no dia 31 de Dezembro de 2014, conforme artigo 3.º do caderno de encargos, deixando a 2.ª ré, naquela data, de fornecer as refeições e prestar os serviços associados.
16.No artigo 10.º do acordo referido em 14. consta o seguinte:
«Obrigações dos SASULISBOA
1.Correm por conta dos SASULISBOA os encargos associados ao fornecimento da energia, gás e água na armazenagem, preparação e distribuição das refeições, sempre que estas atividades sejam realizadas nas instalações de sua propriedade ou de sua gestão.
2.Constitui igualmente, encargo dos SASULISBOA, a manutenção dos bens e equipamentos que sejam disponibilizados ao fornecedor (…).
4.Os requisitos técnicos e funcionais mínimos relativos ao transporte, à carga e descarga, ao pessoal e à segurança e higiene alimentar, previstos no artigo 11.º do presente caderno de encargos, são igualmente aplicáveis ao pessoal que os SASULISBOA disponibilizem ao fornecedor. (…)»
17.Da al. f), do n.º 7, do artigo 11.º do caderno de encargos, referido em 14, que versa sobre os requisitos técnicos e funcionais mínimos do fornecimento, consta que: «o fornecedor é responsável por todas as obrigações relativas ao seu pessoal (…)»
19.O refeitório referido em 3 foi encerrado a 31 de Dezembro de 2014 pelo facto de o concurso público realizado para a concessão daquela para o ano de 2015 ter sido encerrado uma vez que a proposta apresentada não cumpria com o caderno de encargos.
20.Existiu um segundo concurso para a concessão da exploração que ficou deserto.
21.O espaço onde era explorado o refeitório referido em 3 reabriu em Junho de 2015, ao abrigo do contrato, programa de concurso e caderno de encargos juntos a fls. 170-208, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, outorgado entre a 1.ª Ré e a empresa DD, SA, do qual consta, para além do mais o seguinte (artigo 1º, n.º 1): «O presente procedimento tem por objeto a celebração de um contrato de concessão de espaço para serviço de cantina e outros serviços de cafetaria destinados à comunidade académica da Universidade de Lisboa, localizados na Faculdade de Ciências, sito no Campo Grande, Edifício C7, Lisboa, descritos no respetivo caderno de encargos e explorado por conta e risco do concessionário».
[5]«18. A 2.ª ré tem como objeto social a exploração e gestão de serviços de hotelaria e turismo, nomeadamente restaurantes, cafetarias, refeitórios, cantinas, hotéis a atividades similares, bem como o comércio por grosso e a retalho de produtos alimentares e não alimentares e a respetiva prestação de serviços de embalamento, armazenagem e distribuição.»
[6]Em “Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Coletivas”, 2015, 2.ª Edição Atualizada, Almedina, páginas 313 e seguintes.
[7]«Densificando estes critérios de justificação da emissão da portaria de extensão, a jurisprudência tem considerado que, mesmo que haja uma portaria de extensão da conven­ção coletiva de trabalho para determinada área económica, a aplicabilidade da convenção ex vi tal portaria de extensão, depende ainda do enquadramento da atividade ou da empresa no mesmo âmbito de aplicação material estatuído inicialmente para a convenção — neste sentido, Ac. STJ de 5/07/2007 (Proc. n.º 07S538), www.dgsi.pt., considerando que a determinação da área económica deve ser feita atendendo ao objeto social da empresa e ao conjunto de atividades que ela efetivamente exerce, e, no mesmo sentido, Ac. STJ de 30/03/2006 (Proc. n.º 05S2653), www.dgsi.pt. Sobre este ponto, vd. ainda o Ac STJ de 14/02/2007, www.dgsi.pt, esclarecendo que, em caso algum, o critério determinante da atividade económica pode ser a função do credor ou principal destinatário da atividade da empresa.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO
[8]Reproduzem-se aqui os artigos 285.º a 287.º do citado diploma legal, por serem os que para aqui relevam:
Artigo 285.º
Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento
1-Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2-O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3-O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4-O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5-Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6-Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3.
Artigo 286.º
Informação e consulta de representantes dos trabalhadores
1-O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes.
2-A informação referida no número anterior deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias antes da consulta referida no número seguinte.
3-O transmitente e o adquirente devem consultar os representantes dos respetivos trabalhadores, antes da transmissão, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão, sem prejuízo das disposições legais e convencionais aplicáveis a tais medidas.
4-Para efeitos dos números anteriores, consideram-se representantes dos trabalhadores as comissões de trabalhadores, bem como as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais das respetivas empresas.
5-Constitui contraordenação leve a violação do disposto nos n.ºs 1, 2 ou 3.
Artigo 287.º
Representação dos trabalhadores após a transmissão
1-Caso a empresa ou estabelecimento mantenha a autonomia após a transmissão, o estatuto e a função dos representantes dos trabalhadores afetados por esta não se alteram, desde que se mantenham os requisitos necessários para a instituição da estrutura de representação coletiva em causa.
2-Caso a empresa, estabelecimento ou unidade económica transmitida seja incorporada na empresa do adquirente e nesta não exista a correspondente estrutura de representação coletiva dos trabalhadores prevista na lei, a existente na entidade incorporada continua em funções por um período de dois meses a contar da transmissão ou até que nova estrutura entretanto eleita inicie as respetivas funções ou, ainda, por mais dois meses, se a eleição for anulada.
3-No caso de incorporação de estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento prevista no número anterior:
a)A subcomissão exerce os direitos próprios de comissão de trabalhadores durante o período em que continuar em funções, em representação dos trabalhadores do estabelecimento transmitido;
b)Os representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho afetos à entidade incorporada exercem os direitos próprios desta estrutura, nos termos da alínea anterior.
4-Os membros de estrutura de representação coletiva dos trabalhadores cujo mandato cesse, nos termos do n.º 2, continuam a beneficiar da proteção estabelecida nos n.ºs 3 a 6 do artigo 410.º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, até à data em que o respetivo mandato terminaria.
[9]Muito embora jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia tenha vindo restringir tal doutrina, quando não mesmo infletir pontual e incompreensivelmente a mesma.
[10]Artigo 318.º
Transmissão da empresa ou estabelecimento
1-(…)
4-Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
Artigo 285.º
Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento
1-(…)
5-Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - (…)
[11] «19. O refeitório referido em 3 foi encerrado a 31 de Dezembro de 2014 pelo facto de o concurso público realizado para a concessão daquela para o ano de 2015 ter sido encerrado uma vez que a proposta apresentada não cumpria com o caderno de encargos.
20.Existiu um segundo concurso para a concessão da exploração que ficou deserto.»
[12]A prova produzida nos autos vai antes no sentido oposto:
12. À data da propositura da ação, o refeitório referido em 3 não reabrira, estando os alunos habituais utentes do refeitório a ser desviados para outras cantinas.
21.O espaço onde era explorado o refeitório referido em 3 reabriu em Junho de 2015, ao abrigo do contrato, programa de concurso e caderno de encargos juntos a fls. 170-208, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, outorgado entre a 1.ª Ré e a empresa DD, SA, do qual consta, para além do mais o seguinte (artigo 1.º, n.º 1): «O presente procedimento tem por objeto a celebração de um contrato de concessão de espaço para serviço de cantina e outros serviços de cafetaria destinados à comunidade académica da Universidade de Lisboa, localizados na Faculdade de Ciências, sito no Campo Grande, Edifício C7, Lisboa, descritos no respetivo caderno de encargos e explorado por conta e risco do concessionário».
[13]Cfr., por todos, DAVID CARVALHO MARTINS, obra citada, páginas 247 e seguintes e CATHERINE BARNARD, «EU EMPLOYMENT LAW», Fourth Edition, Oxford University Press, páginas 577 e seguintes, com especial incidência para as páginas 591 e 592.